O semanário Expresso, de 23 de
setembro, deu voz a um pretenso relatório sobre o roubo de material militar nos
paióis de Tancos nos fins de junho pp, assegurando, nas suas parangonas, que se
tratava de um relatório explosivo que “arrasa
o poder político e militar”.
Já sabíamos que a instituição militar, a propósito do incidente, se vergara
aos caprichos do poder político, ou melhor das declarações erráticas do
Ministro da Defesa Nacional (MDN), que então
dissera que o caso era muito grave e que tinha de ser investigado, embora não
fosse caso único nem o mais alarmante de sempre, mas recentemente veio dizer
que no limite nem terá havido qualquer assalto e consequente roubo de material.
E ainda disse que a segurança dos materiais era suficiente, quando ou há
segurança ou não há, pelo menos em conformidade com os padrões convencionados.
Do lado das chefias militares, Pina Monteiro, general CEMGFA (Chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas), depois de
confrontado pelo comandante supremo das forças armadas (Presidente
da República) disse
publicamente que o material roubado era obsoleto e estava fora de prazo, mas
até contabilizou em euros o prejuízo, esquecendo que, apesar de fora de prazo e
obsoleto, esse material não deixava de ser perigoso.
Por seu turno, Rovisco Duarte, o general CEME (Chefe do
Estado-Maior do Exército), assumiu
toda a responsabilidade pelo sucedido, comprometendo, nessa sua postura, todo o
exército. Exonerou temporariamente cinco comandantes de unidades responsáveis pela
vigilância das instalações, que reintegrou após diligências decorrentes de
inquérito interno. Mas nem sequer houve lugar a qualquer processo disciplinar. No
entanto, os desentendimentos com o CEME, no seio do ramo, afloraram no rescaldo
da antiga intervenção pública do MDN sobre episódio dentro do Colégio Militar
que levou à demissão do anterior CEME e cuja sucessão terá estado em perigo
mercê de solidariedades que Rovisco Duarte rompera.
Sabia-se que o Ministro tivera, durante meses, sobre a secretária proposta
de despacho para autorizar despesas na reparação da vedação das instalações dos
paióis; agora soube-se que o CEME não terá cuidado das obras. O CEME anunciou o
encerramento dos paióis e a distribuição dos materiais por várias unidades de
armazenamento mais seguras do que Tancos. Agora diz-se que a vigilância dos paióis
ficará entregue a uma unidade militar específica, a nível de pelotão, que será responsável
pela vigilância humana e eletrónica (Esta deixara de funcionar há anos!), mantendo-se o regime rotativo apenas até à entrada
em funções da referida unidade. Em que ficamos afinal? Fecham ou não Tancos? A mudança cede à tradição?
***
Em relação ao putativo relatório, que o Expresso
reitera que existe e é verdadeiro, as Forças Armadas vieram logo no dia 23 dizer,
através do EMGFA (Estado-Maior General das Forças Armadas) que o CISMIL (Centro de Informações e Segurança
Militar) não produziu qualquer relatório
sobre Tancos. E o Expresso veio acrescentar
que não atribuiu o documento ao CISMIL em momento algum, mas sim a serviços de
informações militares.
O documento, de 63 páginas, que o Expresso
diz ter na sua posse e cuja credibilidade fora confirmada junto de varias fontes
humanas (militares no
ativo e também na reserva), foi
elaborado, tal como se escreveu, para conhecimento da UNCT (Unidade
Nacional de Contra Terrorismo) da Polícia
Judiciária e do SIS (Serviço de Informações de Segurança) e contém informação de cariz militar e também ao
nível da segurança interna.
O predito relatório, além do processo sobre Tancos, refere informações na
área do terrorismo, nomeadamente sobre o grupo de jiadistas portugueses e de
outros pontos da Europa, bem como de transmissão de materiais para os PALOP (países
africanos de língua oficial portuguesa). O
documento baseia-se alegadamente em fontes abertas (provenientes,
por exemplo, da comunicação social) e em
fontes fechadas (obtidas através de fontes próprias) e pretende fazer uma análise sucinta sobre o tipo de
ameaças que Portugal e todo o Continente europeu atravessam, numa altura em que
o Ocidente é assolado por dezenas de ataques terroristas de cariz jiadista.
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António Costa garantiu, no dia 23 à noite, que o relatório citado pela
notícia que fez manchete do Expresso “não
é de nenhum organismo oficial” nem foi produzido por “serviços do Estado”.
À margem de uma ação de campanha do PS em Loulé, Costa reiterou, em
entrevista à RTP, desconhecer o documento e rejeitou, por isso, qualquer
impacto que o mesmo possa ter na credibilidade do Ministro. E acrescentou que “o
que sai descredibilizado é essa informação e aqueles que a distribuem”,
invocando os desmentidos, entretanto, feitos pelas secretas militares sobre a
autoria do relatório, como já foi dito e adiante se verá de novo.
Recusando fazer do assunto um tema de campanha nas autárquicas, Costa
criticou ainda Passos Coelho, lamentando que o líder do PSD “faça comentários
com base em notícias sem saber se o documento é autêntico”. E, sobre o pedido
de Marcelo Rebelo de Sousa para que sejam apuradas todas as circunstâncias do
furto de armas no paiol de Tancos, sustentou que o Presidente “disse o óbvio e
o que o Governo diz”: “Há um
processo-crime a correr e todos esperamos para saber. Confiamos no Ministério
Público, que está a investigar o caso.”.
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A ser fiável o que vem no predito semanário, o relatório, se existe, é
muito sui generis. Com efeito, não
descreve situações de diligências e falhas de forma coerente e consistente. Não
apura com um mínimo de segurança a veridicidade quantitativa e qualitativa dos
factos nem identifica responsáveis ou meros suspeitos. Ao invés, lança
suspeitas infundadas sobre os proprietários da empresa que forneceu materiais
de segurança (físicos e eletrónicos) e mão de
obra, bem como sobre os trabalhadores que operaram na reparação da rede
exterior ao perímetro poente dos paióis; contesta sem fundamento sólido a
qualidade da transmissão de informação e as declarações prestadas na Comissão Parlamentar
de Defesa e no Plenário da Assembleia da República; e sabe a muito pouco
sugerir um mecanismo de registo de levantamento de materiais necessários para instrução
e operações e de devolução de materiais militares não utilizados.
Aliás, é de qualidade duvidosa um relatório que se fique na suposição de
cenários, mesmo que se trate de uma dezena, que nada traz de novo ao nível das
hipóteses. É muito pouco e chega a ser temerário, pelos fantasmas desnecessários
que levanta, dar-se:
- Como muito provável: intervenção de empresa nortenha
de venda de equipamento militar com ligações a ex-militares (um deles detido em
2016 por tráfico de armamento) e a senhores da guerra em África; contratação de
mercenários portugueses por radicais islâmicos separatistas da Córsega ou
máfias europeias; e ação de grupos extremistas islâmicos com células na
Península Ibérica.
- Como provável: assalto encenado por motivos políticos,
não tendo, em tese, as armas e munições entrado nos paióis alegadamente
assaltados; ação de criminosos ligados ao crime organizado e violento com ligações
fora da Europa, podendo já ter escoado o armamento furtado para o estrangeiro;
e ação de homens especializados em assaltos a bancos e a carrinhas de
transporte de valores.
- Como possível: ação de seguranças privados do mundo
da noite do Porto (Porquê do Porto?);
e encenação de militares descontentes por não terem passado à reserva.
- E como pouco provável: ação de máfia dos Balcãs com
ligações a Portugal; e ação de empresa portuguesa com sede no estrangeiro que
recorre a mercenários.
Além disso,
o texto refere que o Ministro atuou com grande “ligeireza, quase imprudente”,
sendo-lhe apontadas “declarações arriscadas e de intenções duvidosas” e uma “atitude
de arrogância cínica” na condução de todo o processo.
***
Em reação
a esta polémica, o Presidente da República insistiu, como se insinuou, que é
necessário esclarecer o que se passou com o furto de armas em Tancos,
nomeadamente “se houve ou não atuação criminal, em que é que se traduziu e quem
são os responsáveis”.
Marco António Costa, Presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, diz que
a notícia sobre um ralhete do chefe do Governo a deputados socialistas a
propósito de Tancos, por eles terem um papel ativo na exigência de mais informações
da parte do Ministério da tutela, é “muito preocupante” e de enorme gravidade
institucional, acusando o Primeiro-Ministro e o Governo de obstrução ao trabalho de
fiscalização dos deputados na investigação ao desaparecimento de material
militar dos paióis nacionais de Tancos – no que foi seguido por Passos e
Cristas.
Fontes ouvidas pelo DN
garantiram que nem a PJ nem o Ministério Público nem o SIS receberam qualquer
documento daquela natureza.
O Primeiro-Ministro, que declarara “desconhecer em absoluto
esse relatório” atribuído aos serviços de informações militares, afirmou depois
à RTP, como já se disse, que “o secretário-geral dos serviços de informações”
também já tinha negado a sua existência e que o documento “não é de nenhum
organismo oficial do Estado português”. E, criticando os que “comentam notícias
sem verificar a veracidade dos documentos”, nomeadamente Passos Coelho e
Cristas, Costa considerou que este é um “documento fabricado”.
Note-se que, nas Forças Armadas, há 4 estruturas com
competências de natureza operacional: o CISMIL (Centro de Informações e Segurança Militares), no EMGFA; o CADOP (Centro de Gestão e Análise de Dados
Operacionais), na
Marinha; o CSMIE (Centro
de Segurança Militar e de Informações do Exército), que “não tem conhecimento de relatório algum”; e a REPINFO
(Repartição de
Informações) do Comando
Aéreo, na Força Aérea. era de crer que, a haver relatório, fosse da autoria do
CISMIL ou do CSMIE – estruturas ligadas ao exército.
Assinale-se também que os documentos classificados têm o nome
do organismo que os produziu, o respetivo número de registo e, em cima e em
baixo de todas as páginas, o seu grau de classificação.
Ainda quanto a reações, a PJM (Polícia Judiciária Militar) escusou-se a fazer quaisquer
comentários sobre o caso, por estar em segredo de justiça. Mas um seu antigo
responsável, o major-general Rodolfo Begonha, adiantou ao DN que os relatórios “não fazem críticas” – apenas identificam
factos e as análises “têm de ser fundamentadas”. E, a meu ver, este não é o
caso.
***
O Presidente da República e Comandante Supremo das Forças
Armadas, a quem é atribuída a vontade de ver Azeredo Lopes substituído,
escusou-se a comentar o alegado relatório secreto, mas reafirmou que “os
portugueses [e ele próprio] esperam que haja o apuramento de uma realidade que
é muito importante”. Fontes de Belém adiantaram que a Presidência não crê na
autenticidade do documento e estranha mesmo muito o seu conteúdo, sobretudo no
que toca à vertente política.
Mas a verdade é que o Ministro da Defesa e o CEME parecem estar
a prazo nos respetivos cargos. E o CEMGFA passará à reforma em fevereiro do
próximo ano. Em relação a Azeredo Lopes, fontes do Ministério reconhecem a sua
inabilidade e fragilidade políticas, admitindo a sua saída. Como substitutos,
fala-se em dois nomes: João Soares (deputado da Comissão de Defesa), de quem se disse que fora escolhido para o cargo
antes de à última hora ser nomeado ministro da Cultura (Garante-se que não vai ameaçar os
militares de aplicar um par de estalos!); e Carlos César, presidente do PS e líder da bancada
parlamentar, que é visto como um ator “politicamente desaproveitado”. Quanto a
Rovisco Duarte, muito criticado por numa primeira fase ter exonerado os
comandantes das 5 unidades envolvidas na segurança dos paióis de Tancos e vir a
readmiti-los, a fragilidade da sua posição resulta também de ter sido
Inspetor-Geral do Exército até assumir as atuais funções, devendo conhecer o
estado das instalações militares, a logística, o pessoal e os procedimentos.
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O Ministro da Defesa admitiu, no dia
24, que o badalado relatório dos serviços de informações militares sobre o furto
de armamento de Tancos tenha sido fabricado e que possam existir “objetivos
políticos” na sua divulgação, afirmando:
“É importante saber de quem é a
autoria do documento, com que intenção foi elaborado e com que objetivos,
aparentemente políticos, foi divulgado como sendo das secretas”.
***
É óbvio que há objetivos políticos
quer na elaboração quer na publicação – sobretudo pelo lado da oportunidade – de
textos, relatórios e fugas de informação. Porém, os disparates são tantos que
as declarações e as polémicas cheiram a anedota, como se as forças armadas e a
guerra fossem uma brincadeira com horários, refeições, sestas, noitadas, feriados,
folgas e férias ou combinação de quem é o inimigo no dia seguinte e acordo como
se adquire o material de guerra ou a autorização para dar tiros. Por isso e
para ser parcimonioso na crítica, só me pergunto em que ficamos nesta guerra à
Solnado, feita de políticos, militares e jornalistas e ajustada às exigências
deste 3.º milénio.
2017.09.25 – Louro de Carvalho
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