É o lema da viagem apostólica à
Colômbia do Papa Francisco, como peregrino de esperança e de paz, que está a
decorrer de 6 a 11 de setembro. Diz o Pontífice que veio para celebrar com os
colombianos a fé em Nosso Senhor
e para aprender a busca da paz e da harmonia com a caridade e a perseverança
deles. O predito lema recorda que “temos
sempre necessidade de dar um primeiro passo para qualquer atividade e projeto”
e impele-nos a sermos “os primeiros a amar, a construir pontes, a criar
fraternidade”. Assim, encoraja-nos a saída para ir ao encontro do outro,
estender-lhe a mão e “a trocarmos o sinal da paz”.
Trata-se da paz – estável e duradoura que nos leve a
poder “ver-nos e tratar-nos como irmãos, não como inimigos” – que a Colômbia
procura e por cuja consecução “trabalha há muito tempo”. Nessa paz, “todos
somos filhos do mesmo Pai que nos ama e conforta”, numa “terra rica de
história, cultura, fé, homens e mulheres que trabalharam com determinação e
perseverança para a tornar um lugar onde reina a harmonia e a fraternidade”
onde “o Evangelho é conhecido e amado” e “onde dizer irmão e irmã não resulta
um sinal estranho, mas um verdadeiro tesouro a ser protegido e defendido”. No
mundo atual, que “precisa de conselheiros de paz e de diálogo”, a Igreja
sente-se “também chamada a esta tarefa, para promover a reconciliação com o
Senhor e com os irmãos” e “com o meio ambiente que é uma criação de Deus e que
estamos a explorar de maneira selvagem”. (cf videomensagem enviada dias antas da visita).
***
No encontro (a 7 de setembro), com as Autoridades, Corpo
Diplomático e Representantes da sociedade civil, no Palácio Presidencial “Casa
de Nariño”, Francisco disse ao que vinha.
Seguindo os passos do Beato Paulo VI e de São João Paulo
II, move-o o desejo de partilhar com os irmãos colombianos “o dom da fé, que
ganhou raízes tão fortes nestas terras, e a esperança que palpita no coração de
todos”, pois, só com fé e esperança, “é possível superar as numerosas
dificuldades do caminho e construir um país que seja pátria e casa para todos”.
Da Colômbia diz ser “uma nação abençoada de muitas
maneiras”. A natureza generosa permite a admiração da sua beleza e convida “a
respeitar cuidadosamente a sua biodiversidade”. É exuberante a sua “cultura”;
e, sobretudo, “a Colômbia é rica pela qualidade humana das suas populações,
homens e mulheres de espírito acolhedor e gentil: pessoas tenazes e corajosas
na superação dos obstáculos”.
Neste encontro, o Pontífice manifesta o apreço “pelos
esforços feitos, durante os últimos decénios, para pôr termo à violência armada
e encontrar caminhos de reconciliação”, salientando que, no último ano, se
progrediu de modo particular e que “os passos dados fazem crescer a esperança,
na convicção de que a busca da paz é uma obra sempre em aberto, uma tarefa que
não dá tréguas e exige o compromisso de todos”, não se compadecendo com o
esmorecimento “no esforço por construir a unidade da nação” e apelando – “apesar
dos obstáculos, diferenças e diversas abordagens sobre o modo como conseguir a
convivência pacífica” – à persistência “na labuta por favorecer a cultura do
encontro que exige que, no centro de toda a ação política, social e económica,
se coloque a pessoa humana, a sua sublime dignidade e o respeito pelo bem comum”.
E este esforço terá de nos livrar “de toda a tentação de vingança e busca de
interesses apenas particulares e a curto prazo”, pois, “quanto mais difícil for
o caminho que conduz à paz e ao bom entendimento, tanto mais esforço havemos de
fazer para reconhecer o outro, sanar as feridas e construir pontes, para
estreitar laços e nos ajudarmos uns aos outros” (cf Evangelii gaudium, 67).
Do lema do país, “Liberdade
e Ordem”, infere a lição de que “os cidadãos devem ser valorizados na sua
liberdade e protegidos por uma ordem estável”. Não pode prevalecer “a lei do
mais forte, mas a força da lei”, da lei “que é aprovada por todos” e “que rege
a convivência pacífica”. Daqui se infere a necessidade de “leis justas, que
possam garantir esta harmonia e ajudar a superar os conflitos que, por decénios,
dilaceraram esta nação”, que nascem não “duma exigência pragmática de ordenar a
sociedade”, mas sobretudo “do desejo de resolver as causas estruturais da
pobreza que geram exclusão e violência”. Com efeito, só assim se torna “possível
curar duma mazela que torna frágil e indigna a sociedade deixando-a sempre à
mercê de novas crises” e não podemos esquecer que “a desigualdade é a raiz dos
males sociais” (cf ib, 202).
Por isso, o Papa nos encoraja “a deter o olhar em
todos aqueles que hoje são excluídos e marginalizados pela sociedade, naqueles
que não contam para a maioria, são desprezados e postos de lado”, visto que
todos “somos necessários para criar e formar a sociedade”, que “não é feita
apenas com alguns de ‘sangue puro’, mas com todos”.
Assegurando que, “na diversidade, está a riqueza”,
Bergoglio evoca a primeira viagem de São Pedro Claver desde Cartagena até
Bogotá, a sulcar o rio Magdalena, acentuando que a maravilha colombiana
permanece nas “diferentes etnias” e nos “habitantes das áreas mais remotas”, com
relevo para os “camponeses”. E recomenda a fixação do olhar “nos mais frágeis,
naqueles que são explorados e maltratados, naqueles que não têm voz, porque
foram privados dela, não lha concedendo ou não lha reconhecendo”; e, em
especial, “na mulher, na sua contribuição, no seu talento, no seu ser ‘mãe’ nas
múltiplas tarefas”. Na verdade, “a Colômbia precisa da participação de todos,
para se abrir ao futuro com esperança”.
Sobre a Igreja, na sua fidelidade à missão e em
resposta ao contexto, Francisco evidencia o compromisso da Igreja “com a paz, a
justiça e o bem comum”, consciente de que
“Os
princípios evangélicos constituem uma dimensão significativa do tecido social
colombiano e, consequentemente, podem contribuir muito para o crescimento do
país; em particular, o respeito sagrado pela vida humana, sobretudo a mais
frágil e indefesa, é uma pedra angular na construção duma sociedade livre da
violência”.
Por outro lado, aposta no destaque à “importância
social da família, sonhada por Deus como o fruto do amor dos esposos, “o espaço
onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros” (ib 66). Mas o Papa argentino insiste oportuna e
importunamente:
“Por favor, peço-vos que escuteis os
pobres, os que sofrem. Fixai-os olhos nos olhos e deixai-vos interpelar
incessantemente pelos seus rostos sulcados de sofrimento e pelas suas mãos
suplicantes. Deles se aprende autênticas lições de vida, de humanidade, de dignidade.
Pois eles, que gemem acorrentados, compreendem de verdade – como diz o texto do
vosso hino nacional – as palavras d’Aquele que morreu na cruz.”.
***
Enaltecendo a bela e nobre missão deste povo e de cada
cidadão, cita o compatriota Gabriel García Márquez:
“Contudo, perante a opressão, o saque e o
abandono, a nossa resposta é a vida. Nem os dilúvios nem as pestes, nem as
carestias nem os cataclismos, nem mesmo as guerras sem fim durante séculos e
séculos conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a morte. Uma
vantagem que cresce e progride.”.
E, continuando a dar voz à autonomia propalada pelo
escritor colombiano, prossegue:
“Então é possível uma nova e arrebatadora
utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até a forma de morrer,
onde seja verdadeiramente certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as
estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, por fim e para sempre, uma
segunda oportunidade sobre a terra” (Discurso por ocasião do Prémio Nobel,
1982).
Por fim, reconhecendo que “o tempo gasto no ódio e na
vingança é muito” e que a absurda “solidão de estar sempre uns contra os outros
já se conta por decénios e aproxima-se dos cem anos”, pretende o afastamento de
“qualquer tipo de violência”, pois mais nenhuma vida pode ser restringida ou
suprimida.
Assim, o Papa foi absolutamente claro no propósito de
solidariedade, reconciliação e paz:
“Quis
vir aqui para vos dizer que não estais sozinhos, que somos muitos aqueles que
vos queremos acompanhar nesta etapa; esta viagem quer ser um incentivo para
vós, uma contribuição que aplane de algum modo o caminho para a reconciliação e
a paz”.
***
Também no mesmo dia 7 falou aos Bispos da Colômbia num
discurso substancioso em que tocou os pontos principais da missão dos pastores
no contexto colombiano e na referência permanente e atenta ao Evangelho e ao
ser e agir da Igreja. E disse-lhes do seu propósito:
“Venho anunciar Cristo e, em seu nome, realizar
um caminho de paz e reconciliação. Cristo é a nossa paz! Reconciliou-nos com
Deus e entre nós!”
Convicto de que a Colômbia “nunca foi uma meta completamente
realizada, um destino completamente alcançado, nem um tesouro totalmente
possuído”, sublinha:
“A sua riqueza humana, os seus abundantes
recursos naturais, a sua cultura, a sua luminosa síntese cristã, o património
da sua fé e a memória dos seus evangelizadores, a alegria espontânea e sem
reservas do seu povo, o sorriso impagável da sua juventude, a sua original
fidelidade ao Evangelho de Cristo e à sua Igreja e sobretudo a sua coragem
indómita de resistir à morte, não só anunciada, mas muitas vezes semeada”.
Porém, reconhece que tudo isto se subtrai aos que “se
apresentam como forasteiros ávidos de a subjugar”, mas “se oferece
generosamente a quem toca o seu coração com a mansidão do peregrino”. E é
também nesta perspetiva existencial que o Papa se dirige como peregrino à
Igreja que vive na Colômbia. E o peregrino reconhece-se como irmão que
partilha, ouvindo e falando. Assim, Francisco confessa aos Bispos:
“Sou vosso irmão, desejoso de partilhar
Cristo ressuscitado, para Quem nenhum muro é eterno, nenhum medo é
indestrutível, nenhuma chaga é incurável”.
E, acentuando que as palavras que Paulo VI e João Paulo II,
dirigidas na Colômbia aos Bispos “constituem um recurso permanente: as
indicações que delinearam e a síntese maravilhosa que ofereceram sobre o nosso
ministério episcopal constituem um património a preservar”, pretende – para que
não restem dúvidas sobre as linhas-força do Pontífice – que aquilo que agora
for dito seja “recebido em continuidade com o que eles ensinaram”.
Quer os Bispos como “guardiões e sacramento do primeiro passo”,
que é o de Deus, plenamente realizado entre nós em Jesus Cristo; que tornem
visível a identidade episcopal de “sacramento do primeiro passo de Deus” na
docilidade ao Espírito Santo e na promoção da Igreja em missão; que toquem a
carne do corpo de Cristo – obviamente o Cristo-Eucaristia, o Cristo-Igreja – mas
sobretudo o Cristo presente nos frágeis, nos pobres, nos que sofrem, nos
deserdados, nos desavindos. Assim, cabe aos Bispos, em especial, “a palavra da
reconciliação”, nestes termos:
“Não
sois técnicos nem políticos; sois Pastores. Cristo é a palavra de reconciliação
escrita nos vossos corações e tendes a força para a poder pronunciar nos
púlpitos, nos documentos eclesiais ou nos artigos dos periódicos, e mais ainda
no coração das pessoas, no santuário secreto das suas consciências, na ardente
esperança que os atrai quando escutam a voz do céu que proclama: “Glória a Deus
nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado’ (Lc 2,14). Deveis
pronunciá-la com o recurso frágil, humilde mas invencível da misericórdia de
Deus, a única capaz de abater o orgulho cínico dos corações autorreferenciais.”.
E confia a renovação do país à intercessão de Nossa Senhora
do Rosário de Chiquinquirá.
2017.09.07
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário