quinta-feira, 7 de setembro de 2017

“Demos o primeiro Passo”

É o lema da viagem apostólica à Colômbia do Papa Francisco, como peregrino de esperança e de paz, que está a decorrer de 6 a 11 de setembro. Diz o Pontífice que veio para celebrar com os colombianos a fé em Nosso Senhor e para aprender a busca da paz e da harmonia com a caridade e a perseverança deles. O predito lema recorda que “temos sempre necessidade de dar um primeiro passo para qualquer atividade e projeto” e impele-nos a sermos “os primeiros a amar, a construir pontes, a criar fraternidade”. Assim, encoraja-nos a saída para ir ao encontro do outro, estender-lhe a mão e “a trocarmos o sinal da paz”.
Trata-se da paz – estável e duradoura que nos leve a poder “ver-nos e tratar-nos como irmãos, não como inimigos” – que a Colômbia procura e por cuja consecução “trabalha há muito tempo”. Nessa paz, “todos somos filhos do mesmo Pai que nos ama e conforta”, numa “terra rica de história, cultura, fé, homens e mulheres que trabalharam com determinação e perseverança para a tornar um lugar onde reina a harmonia e a fraternidade” onde “o Evangelho é conhecido e amado” e “onde dizer irmão e irmã não resulta um sinal estranho, mas um verdadeiro tesouro a ser protegido e defendido”. No mundo atual, que “precisa de conselheiros de paz e de diálogo”, a Igreja sente-se “também chamada a esta tarefa, para promover a reconciliação com o Senhor e com os irmãos” e “com o meio ambiente que é uma criação de Deus e que estamos a explorar de maneira selvagem”. (cf videomensagem enviada dias antas da visita).
***
No encontro (a 7 de setembro), com as Autoridades, Corpo Diplomático e Representantes da sociedade civil, no Palácio Presidencial “Casa de Nariño”, Francisco disse ao que vinha.
Seguindo os passos do Beato Paulo VI e de São João Paulo II, move-o o desejo de partilhar com os irmãos colombianos “o dom da fé, que ganhou raízes tão fortes nestas terras, e a esperança que palpita no coração de todos”, pois, só com fé e esperança, “é possível superar as numerosas dificuldades do caminho e construir um país que seja pátria e casa para todos”.
Da Colômbia diz ser “uma nação abençoada de muitas maneiras”. A natureza generosa permite a admiração da sua beleza e convida “a respeitar cuidadosamente a sua biodiversidade”. É exuberante a sua “cultura”; e, sobretudo, “a Colômbia é rica pela qualidade humana das suas populações, homens e mulheres de espírito acolhedor e gentil: pessoas tenazes e corajosas na superação dos obstáculos”.
Neste encontro, o Pontífice manifesta o apreço “pelos esforços feitos, durante os últimos decénios, para pôr termo à violência armada e encontrar caminhos de reconciliação”, salientando que, no último ano, se progrediu de modo particular e que “os passos dados fazem crescer a esperança, na convicção de que a busca da paz é uma obra sempre em aberto, uma tarefa que não dá tréguas e exige o compromisso de todos”, não se compadecendo com o esmorecimento “no esforço por construir a unidade da nação” e apelando – “apesar dos obstáculos, diferenças e diversas abordagens sobre o modo como conseguir a convivência pacífica” – à persistência “na labuta por favorecer a cultura do encontro que exige que, no centro de toda a ação política, social e económica, se coloque a pessoa humana, a sua sublime dignidade e o respeito pelo bem comum”. E este esforço terá de nos livrar “de toda a tentação de vingança e busca de interesses apenas particulares e a curto prazo”, pois, “quanto mais difícil for o caminho que conduz à paz e ao bom entendimento, tanto mais esforço havemos de fazer para reconhecer o outro, sanar as feridas e construir pontes, para estreitar laços e nos ajudarmos uns aos outros” (cf Evangelii gaudium, 67).
Do lema do país, “Liberdade e Ordem”, infere a lição de que “os cidadãos devem ser valorizados na sua liberdade e protegidos por uma ordem estável”. Não pode prevalecer “a lei do mais forte, mas a força da lei”, da lei “que é aprovada por todos” e “que rege a convivência pacífica”. Daqui se infere a necessidade de “leis justas, que possam garantir esta harmonia e ajudar a superar os conflitos que, por decénios, dilaceraram esta nação”, que nascem não “duma exigência pragmática de ordenar a sociedade”, mas sobretudo “do desejo de resolver as causas estruturais da pobreza que geram exclusão e violência”. Com efeito, só assim se torna “possível curar duma mazela que torna frágil e indigna a sociedade deixando-a sempre à mercê de novas crises” e não podemos esquecer que “a desigualdade é a raiz dos males sociais” (cf ib, 202).
Por isso, o Papa nos encoraja “a deter o olhar em todos aqueles que hoje são excluídos e marginalizados pela sociedade, naqueles que não contam para a maioria, são desprezados e postos de lado”, visto que todos “somos necessários para criar e formar a sociedade”, que “não é feita apenas com alguns de ‘sangue puro’, mas com todos”.
Assegurando que, “na diversidade, está a riqueza”, Bergoglio evoca a primeira viagem de São Pedro Claver desde Cartagena até Bogotá, a sulcar o rio Magdalena, acentuando que a maravilha colombiana permanece nas “diferentes etnias” e nos “habitantes das áreas mais remotas”, com relevo para os “camponeses”. E recomenda a fixação do olhar “nos mais frágeis, naqueles que são explorados e maltratados, naqueles que não têm voz, porque foram privados dela, não lha concedendo ou não lha reconhecendo”; e, em especial, “na mulher, na sua contribuição, no seu talento, no seu ser ‘mãe’ nas múltiplas tarefas”. Na verdade, “a Colômbia precisa da participação de todos, para se abrir ao futuro com esperança”.
Sobre a Igreja, na sua fidelidade à missão e em resposta ao contexto, Francisco evidencia o compromisso da Igreja “com a paz, a justiça e o bem comum”, consciente de que
Os princípios evangélicos constituem uma dimensão significativa do tecido social colombiano e, consequentemente, podem contribuir muito para o crescimento do país; em particular, o respeito sagrado pela vida humana, sobretudo a mais frágil e indefesa, é uma pedra angular na construção duma sociedade livre da violência”.
Por outro lado, aposta no destaque à “importância social da família, sonhada por Deus como o fruto do amor dos esposos, “o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros” (ib 66). Mas o Papa argentino insiste oportuna e importunamente:
“Por favor, peço-vos que escuteis os pobres, os que sofrem. Fixai-os olhos nos olhos e deixai-vos interpelar incessantemente pelos seus rostos sulcados de sofrimento e pelas suas mãos suplicantes. Deles se aprende autênticas lições de vida, de humanidade, de dignidade. Pois eles, que gemem acorrentados, compreendem de verdade – como diz o texto do vosso hino nacional – as palavras d’Aquele que morreu na cruz.”.
***
Enaltecendo a bela e nobre missão deste povo e de cada cidadão, cita o compatriota Gabriel García Márquez:
“Contudo, perante a opressão, o saque e o abandono, a nossa resposta é a vida. Nem os dilúvios nem as pestes, nem as carestias nem os cataclismos, nem mesmo as guerras sem fim durante séculos e séculos conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a morte. Uma vantagem que cresce e progride.”.
E, continuando a dar voz à autonomia propalada pelo escritor colombiano, prossegue:
“Então é possível uma nova e arrebatadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até a forma de morrer, onde seja verdadeiramente certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, por fim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra” (Discurso por ocasião do Prémio Nobel, 1982).
Por fim, reconhecendo que “o tempo gasto no ódio e na vingança é muito” e que a absurda “solidão de estar sempre uns contra os outros já se conta por decénios e aproxima-se dos cem anos”, pretende o afastamento de “qualquer tipo de violência”, pois mais nenhuma vida pode ser restringida ou suprimida.
Assim, o Papa foi absolutamente claro no propósito de solidariedade, reconciliação e paz:
Quis vir aqui para vos dizer que não estais sozinhos, que somos muitos aqueles que vos queremos acompanhar nesta etapa; esta viagem quer ser um incentivo para vós, uma contribuição que aplane de algum modo o caminho para a reconciliação e a paz”.
***
Também no mesmo dia 7 falou aos Bispos da Colômbia num discurso substancioso em que tocou os pontos principais da missão dos pastores no contexto colombiano e na referência permanente e atenta ao Evangelho e ao ser e agir da Igreja. E disse-lhes do seu propósito:
Venho anunciar Cristo e, em seu nome, realizar um caminho de paz e reconciliação. Cristo é a nossa paz! Reconciliou-nos com Deus e entre nós!
Convicto de que a Colômbia “nunca foi uma meta completamente realizada, um destino completamente alcançado, nem um tesouro totalmente possuído”, sublinha:
A sua riqueza humana, os seus abundantes recursos naturais, a sua cultura, a sua luminosa síntese cristã, o património da sua fé e a memória dos seus evangelizadores, a alegria espontânea e sem reservas do seu povo, o sorriso impagável da sua juventude, a sua original fidelidade ao Evangelho de Cristo e à sua Igreja e sobretudo a sua coragem indómita de resistir à morte, não só anunciada, mas muitas vezes semeada”.
Porém, reconhece que tudo isto se subtrai aos que “se apresentam como forasteiros ávidos de a subjugar”, mas “se oferece generosamente a quem toca o seu coração com a mansidão do peregrino”. E é também nesta perspetiva existencial que o Papa se dirige como peregrino à Igreja que vive na Colômbia. E o peregrino reconhece-se como irmão que partilha, ouvindo e falando. Assim, Francisco confessa aos Bispos:
Sou vosso irmão, desejoso de partilhar Cristo ressuscitado, para Quem nenhum muro é eterno, nenhum medo é indestrutível, nenhuma chaga é incurável”.
E, acentuando que as palavras que Paulo VI e João Paulo II, dirigidas na Colômbia aos Bispos “constituem um recurso permanente: as indicações que delinearam e a síntese maravilhosa que ofereceram sobre o nosso ministério episcopal constituem um património a preservar”, pretende – para que não restem dúvidas sobre as linhas-força do Pontífice – que aquilo que agora for dito seja “recebido em continuidade com o que eles ensinaram”.
Quer os Bispos como “guardiões e sacramento do primeiro passo”, que é o de Deus, plenamente realizado entre nós em Jesus Cristo; que tornem visível a identidade episcopal de “sacramento do primeiro passo de Deus” na docilidade ao Espírito Santo e na promoção da Igreja em missão; que toquem a carne do corpo de Cristo – obviamente o Cristo-Eucaristia, o Cristo-Igreja – mas sobretudo o Cristo presente nos frágeis, nos pobres, nos que sofrem, nos deserdados, nos desavindos. Assim, cabe aos Bispos, em especial, “a palavra da reconciliação”, nestes termos:
“Não sois técnicos nem políticos; sois Pastores. Cristo é a palavra de reconciliação escrita nos vossos corações e tendes a força para a poder pronunciar nos púlpitos, nos documentos eclesiais ou nos artigos dos periódicos, e mais ainda no coração das pessoas, no santuário secreto das suas consciências, na ardente esperança que os atrai quando escutam a voz do céu que proclama: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado’ (Lc 2,14). Deveis pronunciá-la com o recurso frágil, humilde mas invencível da misericórdia de Deus, a única capaz de abater o orgulho cínico dos corações autorreferenciais.”.
E confia a renovação do país à intercessão de Nossa Senhora do Rosário de Chiquinquirá.

2017.09.07 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário