quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Aproximar os jovens da Indústria

O desígnio industrial para as novas gerações
Constitui desígnio de Ana Lehmann, a titular da Secretaria de Estado da Indústria – organismo do Ministério da Economia, de Caldeira Cabral – que sucedeu, no cargo, a João Vasconcelos. Convicta de que “trabalhar na indústria é prestigiante”, quer aproximar os jovens do setor, “até porque há empresas a recusar encomendas por não terem mão-de-obra”. Economista e professora associada da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, da InvestPorto partiu para a pasta da Indústria há 2 meses, no contexto da remodelação do Governo ao nível de secretarias de Estado. Entrevistada pelo ECO, a Secretária de Estado da Indústria traça o quadro da economia atual, dos desafios do setor e das expectativas para os próximos tempos.
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A entrevista da Secretária de estado da Indústria
O balanço que faz do país é “extremamente positivo”, estando Portugal “a atravessar um bom momento” e a criar “condições para o crescimento da economia nacional”, com a indústria a ter “papel essencial nesta criação de valor”. Para reforço deste impulso, impõe-se “dar continuidade e executar as medidas para a indústria 4.0”, prosseguindo “com a estratégia para o empreendedorismo, aprofundando e escalando estas dinâmicas e introduzindo algumas abordagens complementares, como o fomento das ligações entre grandes empresas (nacionais e internacionais) e empresas de menor dimensão (startups ou PME já existentes). E aponta:
O que os muitos empresários, associações e clusters com quem tenho dialogado mais referem é a falta de recursos humanos qualificados para trabalhar na indústria”.
Verificando que, “neste momento de expansão económica, as empresas estão com níveis de encomendas elevados” a ponto de  recusarem pedidos por não possuírem “trabalhadores para fazer face ao aumento de atividade”, estabelece a seguinte prioridade:
“Urge apostar em iniciativas de formação virada para a indústria e para as necessidades concretas das empresas. Por outro lado, por mais que a oferta de cursos especializados direcionados à indústria aumente, há que ter procura por parte do mercado de trabalho. É necessário aproximar os jovens da indústria, fazê-los sentir que trabalhar numa fábrica é prestigiante e oferecer carreiras sólidas e especializadas. Daí que estamos a gizar uma campanha a este nível, que tem de ser algo fora da caixa, utilizando os instrumentos e as plataformas que os jovens mais utilizam.”.
Como medidas de análoga relevância, indica:
“Estamos a trabalhar noutras vertentes, como o financiamento e a modernização e digitalização da indústria, bem como no âmbito regulatório e de enquadramento para atividades mais emergentes e disruptivas. Mas sobretudo a combater o mito da separação entre empresas estabelecidas e startups e a fomentar as transações de bens e serviços entre elas, e a cocriação de tecnologias e inovação a diversos níveis.”.
Explicitando a asserção em tempos feita em entrevista ao Expresso de que é sexy trabalhar na indústria” e sobre a necessidade de convencer os industriais empresários de que a tecnologia pode ser uma mais-valia, faz a seguinte análise:
“Há uma visão passadista sobre o nosso tecido empresarial que, mais do que se imagina, tem sabido modernizar as suas empresasinvestir em tecnologia e inovar tanto em produtos como em processos. Naturalmente ainda existem casos de produção utilizando métodos menos modernos, mas o que vemos é uma adoção cada vez maior de técnicas produtivas sofisticadas e de uma visão muito aberta para a tecnologia. Os empresários estão muito empenhados na aplicação das medidas do programa da Indústria 4.0.”.
E dá exemplos concretos de práticas inovadoras neste âmbito:
“Tecnologias como a impressão 3D, já usada por várias empresas do setor, a Inteligência Artificial, Big DataInternet of Things ou aposta em sistemas de software para maior eficiência produtiva são ferramentas à disposição de todas as empresas, mesmo as que já apostam em inovação, I&D e na digitalização”.

Sendo “tema crucial para o Governo”, reuniu “o Comité Estratégico da Plataforma Portugal i4.0, num encontro que contou com 18 entidades privadas e 9 organismos públicos”, onde foram lançadas “as bases para o acompanhamento e monitorização da execução das atividades da plataforma”, plataforma “criada para a implementação das medidas da estratégia para a Indústria 4.0, levando a cabo “um conjunto de atividades para acelerar a implementação das medidas definidas”, com “o contributo de quem sabe” e na ótica “do escrutínio e da prestação de contas pelos resultados atingidos”. Quanto ao modo de estreitar as relações entre startups e grandes empresas para minimizar o fosso entre as duas dimensões e, sobretudo, torná-lo mais eficaz ao nível de resultados, propõe o aumento das “oportunidades para transações de bens e serviços”; e o aumento da “transferência e cocriação de conhecimento entre grandes empresas (nacionais e internacionais), startups e PME com alguma maturidade”. E explica:
“As grandes empresas ou grandes investidores podem utilizar tecnologias desenvolvidas pelas startups/PME e também bens e serviços, nomeadamente B2B [business to business]. De referir que algumas das empresas emergentes mais vibrantes e bem-sucedidas do ecossistema são B2B e abertas a iniciativas que permitam reduzir o risco das empresas mais jovens. Esta diminuição do risco permitirá que as empresas se posicionem na fronteira tecnológica e desenvolvam inovações mais disruptivas.”.
Releva o papel do Estado como potenciador destas ligações e da criação de alianças estratégicas (entre grandes empresas, PME e startups). Mas frisa “que todas as empresas já foram startups – e não só as tecnológicas ou empresas de software. Assenta em que “há startups em todos os setores, do têxtil ao agroindustrial, passando pela metalomecânica e pelo calçado”. Oras, as alianças estratégicas induzirão o crescimento das vendas e a consolidação do volume de negócios. Para tanto, requer-se “uma visão holística e mais abrangente do que é o “ecossistema” e a inclusão de “grandes empresas, investidores internacionais, etc.”.
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No atinente à indústria das startups no contexto atual da nossa economia, considera:
“O ecossistema empreendedor é vibrante e é de registar o surgimento de um elevado número de novas empresas no último ano. Temos dados que indicam que 46% do emprego gerado em 2016 foi através de novas empresas. Existem inúmeros casos que documentam de forma clara o dinamismo deste ecossistema.”.
Ao nível de condições de localização e acompanhamento, destaca “a Rede Nacional de Incubadoras, que conta já com 135 entidades”, e “um conjunto de startups que se desenvolveram de forma sustentável”, correspondendo mais ao contexto de scale ups – o que “tem acontecido em várias indústrias, incluindo empresas que têm sido bem-sucedidas no levantamento de capital”. Frisa também a implementação dum vasto conjunto de medidas de financiamento, networking e promoção internacional das startups. Num quadro de economia global, rejeita o conceito de startup local ou unicórnio doméstico. Crê que as startups nascentes nos últimos anos “têm um considerável potencial de crescimento e que os processos de internacionalização das empresas com elevado valor acrescentado vão capturar talento e oportunidades noutros mercados”, captura de valor e orientação “born global” que “faz parte do ADN de qualquer startup de sucesso e, por maioria de razão, de qualquer unicórnio. Assim, para estas empresas, perdeu pertinência o conceito de fronteira territorial. E o que interessa é manter cá atividades que induzam o crescimento do negócio, a criação de emprego qualificado, o fomento das exportações e a inovação, com vista ao desenvolvimento do país.
Sobre o impacto do programa da Startup Portugal (criado há um ano), dentro de 5 ou 10 anos, Diz:
“A Startup Portugal é uma entidade de direito privado que tem merecido um grande apoio da nossa parte e que está a acompanhar a estratégia para o empreendedorismo definida pelo Governo, que consiste numa realidade mais abrangente e que opera a múltiplos níveis, através de um conjunto de políticas e de entidades que corporizam uma parte relevante do ecossistema. Esta é uma estratégia para já definida a quatro anos, mas cujos resultados só poderão ser cabalmente medidos a médio e longo prazo.”.
Da estratégia para o empreendedorismo (pilar do programa governamental), que se materializou num conjunto de políticas públicas e na mobilização da sociedade civil e da iniciativa privada, diz:
“Tem dado origem a um vasto conjunto de startups em múltiplos setores e criado condições para apoiar o crescimento destas empresas emergentes. Noto, ainda, que a estratégia para o empreendedorismo tem como eixo fundamental a densificação das redes a nível nacional mas sobretudo internacional e também a captação de investimento para estas novas fases de crescimento. Destaco o Fundo 200M, que será operacionalizado em breve, prevendo coinvestimento público e privado nacional e internacional, numa lógica de atração de venture capital internacionais e injeção de smart money na economia.”.
A menos de dois meses do Web Summit, faz a seguinte avaliação global:
“É um grande evento tecnológico de relevância mundial, que projeta a imagem de um país moderno e uma visão contemporânea de Portugal, das suas empresas e do seu talento. Com a experiência adquirida na 1.ª edição, concluímos que traz bons resultados promover a imagem de Portugal desta forma. O Web Summit revelou-se um poderoso fórum de networking e captação de financiamento para as startups, bem como de atração de investimento direto estrangeiro. É um ponto de encontro privilegiado entre empreendedores, investidores e outros atores que gravitam no ecossistema internacional.”.
Especificando, diz:
Registaria como resultados importantes, entre outros, o impacto na imagem de Portugal junto dos investidores internacionais e das empresas com quem as startups transacionam bens e serviços, além dos efeitos imediatos sobre a economia nacional”.
Sustenta que, na próxima edição, se esperam, pelo menos 60 mil participantes, num programa mais ambicioso, com a presença de vários líderes mundiais, de empresas e outras organizações. Está ser trabalhada com uma taskforce que trata de todos os temas organizativos que garantam uma 2.ª edição ainda mais bem-sucedida que a primeira.
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A estratégia nacional para a Industria
É de recordar que, na manhã de 30 de janeiro de 2017, o Governo lançou, em Leiria, a estratégia nacional para a Indústria ou “Estratégia Indústria 4.0”, consubstanciada em dez conjuntos de medidas específicas. Neste quadro, digitalização, modernização e formação são palavras-chave. E as medidas terão impacto em 50.000 empresas a trabalhar em Portugal. São dois mil milhões de euros investidos (mais de 4,5 mil milhões de retorno esperado nos próximos 4 anos).
O programa chamado i4.0 inclui um conjunto de 60 medidas que deverão ter impacto em mais de 50.000 empresas a operar em Portugal para requalificar e formar na área de competências digitais mais de 20.000 trabalhadores. Durante 10 meses, Governo e parceiros discutiram em reuniões semanais as prioridades e os principais desafios em 4 áreas distintas: Agroindústria, Retalho, Turismo e Automóvel. A COTEC ficou responsável pela monitorização da estratégia e atualização das medidas, depois de protocolo assinado pelo Governo e pela entidade privada.
Pela 1.ª vez, multinacionais como a Altice-PT, Bosch, Deloitte, Microsoft ou Siemens integraram as equipas do Governo para traçar em conjunto a estratégia nacional para a indústria.
Não é estratégia do Estado nem do Governo, mas do país. Está em causa a digitalização da Indústria – referia João Vasconcelos, então Secretário de Estado da Indústria.
Uma das medidas fundamentais da estratégia que junta ideias para o setor público, para o setor privado ou implementadas por ambos os setores, é a criação duma incubadora e aceleradora de ideias que possibilita a startups tecnológicas, como a Prodsmart, trabalharem de perto com as empresas como a Mitsubishi, a Siemens ou a Autoeuropa. A grande maioria das medidas que compõem a estratégia para a Indústria 4.0 tem como escopo fundamental a capacitação de recursos, sendo prioritária a reconversão dos trabalhadores e a criação de novos empregos. “O grosso destas medidas”, dizia Vasconcelos, “tem a ver com pessoas porque visa a requalificação da população ativa”.
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As medidas estratégicas da “Estratégia Indústria 4.0
São dez as medidas estratégicas da “Estratégia Indústria 4.0, que se sintetizam a seguir:

1. Financiamento: Mobilização de Fundos Europeus Estruturais e de Investimento até 2,26 mil milhões de euros, do Portugal 2020, para consciencialização, adoção e massificação de tecnologias associadas ao conceito de Indústria 4.0, nos próximos 4 anos. Nestas medidas, conta-se o “Vale Indústria 4.0, para apoio à transformação digital pela adoção de tecnologias que induzam mudanças disruptivas nos modelos de negócio de micro e PME (ex.: contratação de sites de comércio eletrónico ou softwares de gestão fabril a prestadores certificados). O vale inclui 7500 euros de financiamento. Apoiam-se mais de 1500 empresas (investimento público de 12 milhões de euros).

2. Programa de Competências Digitais: Até 2020, formação em tecnologias de informação a mais de 20 mil pessoas; programa de competências digitais em colaboração com o setor privado, obviando à falta de técnicos especializados, apoiando a reconversão profissional e criando novas oportunidades de inserção profissional pela obtenção de novas competências.

3. Cursos Técnicos i4.0: Programa dedicado à Indústria 4.0, com a revisão dos currículos dos cursos profissionais técnicos (para novas competências da parte das empresas na digitalização da economia).

4. Learning Factories: Criação de fábricas com equipamento tecnológico que recriem ambientes empresariais i4.0, capacitando pessoas e promovendo iniciativas em curso, como: a Fabtec, Laboratório de Processos e Tecnologias para Sistemas Avançados de Produção, que consiste numa learning factory para demonstrar soluções inovadoras ao tecido empresarial, a Introsys Training Academy, que integra um chão de fábrica simulado (SGF), e a Academy 360 Room com painéis interativos que controlam equipamentos no chão de fábrica.

5. Missões Internacionais: Como a indústria se abre também ao exterior, serão promovidas missões com comitivas nacionais, lideradas por representante do Executivo, para partilha de produtos e serviços de âmbito i4.0 desenvolvidos em Portugal, com presença em eventos/feiras (ex.: Hannover Messe), cidades/regiões e polos industriais (ex.: missões a Lombardia e País Basco) que possam constituir oportunidades para as empresas portuguesas.

6. ADIRA Industry 4.0: Criação do laboratório integrado de fabrico aditivo para desenvolver novo ecossistema associado a esta tecnologia de nova geração que induzirá novas formas de projeto e fabrico, sendo dinamizado pela ADIRA em parceria com o CEiiA (a partir da máquina em desenvolvimento pela ADIRA, cujo protótipo foi desenvolvido em colaboração com a Fraunhofer, aberto às universidades e às empresas de todas as indústrias).

7. FOOTURE 2020: Medida da APPICAPS ou Plano Estratégico para o cluster do calçado português visando implementar um roteiro do Cluster do Calçado para a Economia Digital, como salto qualitativo na afirmação internacional do nosso calçado.

8. Bosch Digital: O DONE Lab da Bosch, laboratório de manufatura aditiva avançada de protótipos e ferramentas, inaugurado na Escola de Engenharia da Universidade do Minho (em Guimarães) a funcionar em parceria entre a Universidade do Minho e a Bosch Car Multimedia (no âmbito do maior projeto universidade-empresa do país), num investimento global de 54,7 milhões de euros até 2018; e o protocolo da Bosch com a Universidade de Aveiro para o desenvolvimento de soluções para casas inteligentes e digitalização de equipamentos da Bosch, num investimento de 19 milhões de euros, prevendo-se a criação de cerca de 150 postos de trabalho.

9. 4 AC Indústria 4.0 – Aceleradora, Incubadora, Protinagem: Multinacionais como a Mitsubishi (Daimler), Siemens e Volkswagen Autoeuropa integram, em Matosinhos, com as startups portuguesas Bee Very Creative, Follow Inspiration, Prodsmart e Mobi.Me , a nova aceleradora, incubadora e espaço de produtização e prototipagem, para a “Indústria 4.0.”. E o objetivo é juntar, na mesma “casa”, grandes e pequenas empresas e transformar, mais rápida e sistematicamente, ideias em produtos, quer na fase de desenvolvimento quer na de scale-up.

10. Consórcio PSA Mangualde: Com investimento de 12 milhões de euros, a PSA de Mangualde desenvolve um projeto em consórcio com 3 universidades e 5 parceiros, assente nos seguintes eixos: Sistemas robóticos inteligentes (robôs colaborativos), Sistemas avançados de inspeção e rastreabilidade (visão artificial), Sistemas autónomos de movimentação (AGV), Fábrica digital (IoT) e Fábrica do futuro – FoF (baixa cadência e alta diversidade).

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Conheci Ana Teresa Lehmann em junho de 2008, no âmbito da UV da UP, em Arouca. Fiquei com a impressão de que era uma mulher lúcida e de garra na perspetivação do relançamento industrial do país pela valorização dos clusters em ordem ao desenvolvimento regional. Espero que, enquanto governante, leve por diante o magno projeto que herdou, ajudou a construir e por que se bate agora, liderando-o. Contudo, o milagre não passa nem pela precariedade nem pelos magros salários nem pelas condições de trabalho constringentes. Não basta ao trabalho industrial ser sexy. Tem de ser “realizante” e justo para quem trabalha, lucrativo para quem empreende, digno para todos e fautor da harmonia profissional com a vida pessoal e familiar.  


2017.09.27 – Louro de Carvalho

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