O desígnio industrial para as novas gerações
Constitui desígnio de Ana Lehmann, a titular da Secretaria de Estado da
Indústria – organismo do Ministério da Economia, de Caldeira Cabral – que
sucedeu, no cargo, a João
Vasconcelos. Convicta de
que “trabalhar na indústria é prestigiante”, quer aproximar os jovens do setor,
“até porque há empresas a recusar encomendas por não terem mão-de-obra”. Economista
e professora associada da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, da
InvestPorto partiu para a pasta da Indústria há 2 meses, no contexto da
remodelação do Governo ao nível de secretarias de Estado. Entrevistada pelo ECO, a Secretária de Estado da Indústria
traça o quadro da economia atual, dos desafios do setor e das expectativas para
os próximos tempos.
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A entrevista
da Secretária de estado da Indústria
O balanço que faz do país é “extremamente positivo”, estando Portugal “a atravessar um bom momento” e a criar “condições
para o crescimento da economia nacional”, com a indústria a ter “papel
essencial nesta criação de valor”. Para reforço deste impulso, impõe-se “dar
continuidade e executar as medidas para a indústria
4.0”, prosseguindo “com a estratégia para o empreendedorismo, aprofundando
e escalando estas dinâmicas e introduzindo algumas abordagens complementares,
como o fomento das ligações entre grandes empresas (nacionais e
internacionais) e empresas
de menor dimensão (startups ou PME já
existentes). E aponta:
“O que os
muitos empresários, associações e clusters
com quem tenho dialogado mais referem é a falta de recursos humanos
qualificados para trabalhar na indústria”.
Verificando que, “neste momento de expansão económica, as empresas estão
com níveis de encomendas elevados” a ponto de recusarem pedidos por não
possuírem “trabalhadores para fazer face ao aumento de atividade”, estabelece a
seguinte prioridade:
“Urge apostar em iniciativas de formação virada para a
indústria e para as necessidades concretas das empresas. Por outro lado, por
mais que a oferta de cursos especializados direcionados à indústria aumente, há
que ter procura por parte do mercado de trabalho. É
necessário aproximar os jovens da indústria, fazê-los sentir que trabalhar numa
fábrica é prestigiante e oferecer carreiras sólidas e especializadas. Daí
que estamos a gizar uma campanha a este nível, que tem de ser algo fora da
caixa, utilizando os instrumentos e as plataformas que os jovens mais utilizam.”.
Como medidas de análoga relevância, indica:
“Estamos a trabalhar noutras vertentes, como o
financiamento e a modernização e digitalização da indústria, bem como no âmbito
regulatório e de enquadramento para atividades mais emergentes e disruptivas.
Mas sobretudo a combater o mito da separação entre empresas
estabelecidas e startups e a
fomentar as transações de bens e serviços entre elas, e a cocriação de
tecnologias e inovação a diversos níveis.”.
Explicitando a asserção em tempos feita em
entrevista ao Expresso de que “é sexy trabalhar na indústria” e sobre a
necessidade de convencer os industriais empresários de que a tecnologia pode
ser uma mais-valia, faz a seguinte análise:
“Há uma visão passadista sobre
o nosso tecido empresarial que, mais do que se imagina, tem
sabido modernizar as suas empresas, investir em tecnologia e inovar
tanto em produtos como em processos. Naturalmente ainda existem casos de produção utilizando métodos menos modernos,
mas o que vemos é uma adoção cada vez maior de técnicas produtivas sofisticadas
e de uma visão muito aberta para a tecnologia. Os empresários
estão muito empenhados na aplicação das medidas do programa da Indústria 4.0.”.
E dá exemplos concretos de práticas inovadoras neste âmbito:
“Tecnologias como a impressão 3D, já usada por várias
empresas do setor, a Inteligência Artificial, Big Data, Internet of Things ou
aposta em sistemas de software para
maior eficiência produtiva são ferramentas à disposição de todas as empresas,
mesmo as que já apostam em inovação, I&D e na digitalização”.
Sendo “tema crucial para o Governo”, reuniu “o Comité Estratégico da
Plataforma Portugal i4.0, num
encontro que contou com 18 entidades privadas e 9 organismos públicos”, onde
foram lançadas “as bases para o acompanhamento e monitorização da execução das
atividades da plataforma”, plataforma “criada para a implementação das medidas
da estratégia para a Indústria 4.0, levando a cabo “um conjunto de atividades
para acelerar a implementação das medidas definidas”, com “o contributo de quem
sabe” e na ótica “do escrutínio e da prestação de contas pelos resultados
atingidos”. Quanto ao modo de estreitar
as relações entre startups e grandes
empresas para minimizar o fosso entre as duas dimensões e, sobretudo, torná-lo mais
eficaz ao nível de resultados, propõe o aumento das “oportunidades para
transações de bens e serviços”; e o aumento da “transferência e cocriação de
conhecimento entre grandes empresas (nacionais e internacionais), startups
e PME com alguma maturidade”. E explica:
“As grandes empresas ou grandes investidores podem
utilizar tecnologias desenvolvidas pelas startups/PME
e também bens e serviços, nomeadamente B2B [business
to business]. De referir que algumas das empresas emergentes mais
vibrantes e bem-sucedidas do ecossistema são B2B e abertas a iniciativas que
permitam reduzir o risco das empresas mais jovens. Esta diminuição
do risco permitirá que as empresas se posicionem na fronteira tecnológica e
desenvolvam inovações mais disruptivas.”.
Releva o papel do Estado como potenciador destas ligações e da criação de
alianças estratégicas (entre grandes empresas, PME e startups). Mas frisa
“que todas as empresas já foram startups
– e não só as tecnológicas ou empresas de software.
Assenta em que “há startups em todos
os setores, do têxtil ao agroindustrial, passando pela metalomecânica e pelo
calçado”. Oras, as alianças estratégicas induzirão o crescimento das
vendas e a consolidação do volume de negócios. Para tanto, requer-se “uma
visão holística e mais abrangente do que é o “ecossistema” e a inclusão de “grandes
empresas, investidores internacionais, etc.”.
***
No atinente à indústria das startups no contexto atual da nossa economia, considera:
“O ecossistema empreendedor é vibrante e é de registar o surgimento de um elevado número de novas
empresas no último ano. Temos dados que indicam que 46% do emprego gerado em 2016 foi através de novas empresas. Existem
inúmeros casos que documentam de forma clara o dinamismo deste ecossistema.”.
Ao nível de condições de localização e acompanhamento, destaca “a Rede Nacional de Incubadoras, que conta
já com 135 entidades”, e “um conjunto de startups
que se desenvolveram de forma sustentável”, correspondendo mais ao contexto de scale ups – o que “tem acontecido em várias
indústrias, incluindo empresas que têm sido bem-sucedidas no levantamento de
capital”. Frisa também a implementação dum vasto conjunto de medidas de
financiamento, networking e promoção
internacional das startups. Num
quadro de economia global, rejeita o conceito de startup local ou unicórnio doméstico. Crê que
as startups nascentes nos últimos
anos “têm um considerável potencial de crescimento e que os
processos de internacionalização das empresas com elevado valor acrescentado
vão capturar talento e oportunidades noutros mercados”, captura de valor e
orientação “born global” que “faz parte do ADN de qualquer startup de sucesso e, por maioria de
razão, de qualquer unicórnio. Assim, para estas empresas, perdeu
pertinência o conceito de fronteira territorial. E o que interessa é manter cá
atividades que induzam o crescimento do negócio, a criação de emprego
qualificado, o fomento das exportações e a inovação, com vista ao
desenvolvimento do país.
Sobre o impacto do programa da Startup Portugal (criado há um ano), dentro de 5 ou 10 anos, Diz:
“A Startup Portugal é uma entidade de direito privado
que tem merecido um grande apoio da nossa parte e que está a acompanhar a
estratégia para o empreendedorismo definida pelo Governo, que consiste numa
realidade mais abrangente e que opera a múltiplos níveis, através de um
conjunto de políticas e de entidades que corporizam uma parte relevante do
ecossistema. Esta é uma estratégia para já definida a quatro anos, mas
cujos resultados só poderão ser cabalmente medidos a médio e longo prazo.”.
Da estratégia para o empreendedorismo (pilar do programa governamental), que se materializou num conjunto de políticas
públicas e na mobilização da sociedade civil e da iniciativa privada, diz:
“Tem dado origem a um vasto conjunto de startups em múltiplos setores e criado
condições para apoiar o crescimento destas empresas emergentes. Noto, ainda,
que a estratégia para o empreendedorismo tem como eixo fundamental a
densificação das redes a nível nacional mas sobretudo internacional e também a
captação de investimento para estas novas fases de crescimento. Destaco o Fundo
200M, que será operacionalizado em breve, prevendo coinvestimento público e
privado nacional e internacional, numa lógica de atração de venture capital internacionais e injeção de smart money na economia.”.
A menos de dois meses do Web Summit, faz a
seguinte avaliação global:
“É um grande evento tecnológico de relevância mundial,
que projeta a imagem de um país moderno e uma visão contemporânea de
Portugal, das suas empresas e do seu talento. Com a experiência
adquirida na 1.ª edição, concluímos que traz bons resultados promover a imagem
de Portugal desta forma. O Web Summit
revelou-se um poderoso fórum de networking e
captação de financiamento para as startups,
bem como de atração de investimento direto estrangeiro. É um ponto de encontro
privilegiado entre empreendedores, investidores e outros atores que gravitam no
ecossistema internacional.”.
Especificando, diz:
“Registaria
como resultados importantes, entre outros, o impacto na imagem de Portugal
junto dos investidores internacionais e das empresas com quem as startups transacionam bens e serviços,
além dos efeitos imediatos sobre a economia nacional”.
Sustenta que, na próxima edição, se esperam, pelo menos 60 mil
participantes, num programa mais ambicioso, com a presença de vários líderes
mundiais, de empresas e outras organizações. Está ser trabalhada com uma taskforce que trata de todos os temas organizativos
que garantam uma 2.ª edição ainda mais bem-sucedida que a primeira.
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A estratégia nacional para a
Industria
É de recordar que, na manhã de 30 de
janeiro de 2017, o Governo lançou, em Leiria, a estratégia nacional para a
Indústria ou “Estratégia Indústria 4.0”,
consubstanciada em dez conjuntos de medidas específicas. Neste quadro, digitalização,
modernização e formação são palavras-chave. E as medidas terão impacto em
50.000 empresas a trabalhar em Portugal. São dois mil milhões de euros
investidos (mais de 4,5 mil milhões de retorno esperado nos próximos 4 anos).
Pela
1.ª vez, multinacionais como a Altice-PT, Bosch, Deloitte, Microsoft ou Siemens
integraram as equipas do Governo para traçar em conjunto a estratégia nacional
para a indústria.
Não é
estratégia do Estado nem do Governo, mas do país. Está em causa a digitalização
da Indústria – referia João Vasconcelos, então Secretário de Estado da Indústria.
Uma
das medidas fundamentais da estratégia que junta ideias para o setor público,
para o setor privado ou implementadas por ambos os setores, é a criação duma
incubadora e aceleradora de ideias que possibilita a startups tecnológicas, como a Prodsmart, trabalharem de perto com
as empresas como a Mitsubishi, a Siemens ou a Autoeuropa. A grande maioria das medidas que compõem a estratégia para a
Indústria 4.0 tem como escopo fundamental a capacitação de recursos,
sendo prioritária a reconversão dos trabalhadores e a criação de novos
empregos. “O grosso destas medidas”, dizia Vasconcelos, “tem a
ver com pessoas porque visa a requalificação da população ativa”.
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As medidas estratégicas da “Estratégia Indústria
4.0”
São dez as medidas estratégicas da
“Estratégia Indústria 4.0”, que se sintetizam a seguir:
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