O Papa
Francisco, pela Carta Apostólica Summa Familiae Cura em forma de motu proprio, de 8 de
setembro deste ano e publicada no dia 19, decidiu potenciar o Instituto João Paulo II para os Estudos
sobre o Matrimónio e Família, elevando-o a ‘Instituto Pontifício’.
Por este
documento, aquele Instituto, até agora designado por Pontifício Instituto de Estudos sobre o Matrimónio e sobre a Família,
que funcionava junto da Pontifícia
Universidade Lateranense – criado pela Constituição Apostólica Magnum Matrimonii Sacramentum (1982), na sequência do Sínodo dos Bispos de 1980, sobre a família,
e da Exortação Apostólica Familiaris
Consortio (1981) – é refundado e constituído em
Instituto Pontifício autónomo e fica denominado como Pontifício Instituto Teológico
João Paulo II para as Ciências sobre o Matrimónio e a Família. Fica assim dotado de um patrono, maior
autonomia, embora continue junto da Pontifícia Universidade Lateranense, e novo
enquadramento jurídico.
Esta norma de Francisco constitui, por um lado, um ato de continuidade
com o cuidado e solicitude do Papa polaco com o matrimónio e a família,
rendendo justa homenagem ao Pontífice que veio do Leste e, por outro lado,
pretende configurar uma estrutura que responda melhor aos sinais dos tempos
lidos hoje à luz do Evangelho e do Concílio Vaticano II. Com efeito, duas
sessões do Sínodo dos Bispos ocorreram em dois anos consecutivos: a de outubro
de 2014, extraordinária, dedicada aos “desafios
pastorais da família no contexto da evangelização”; e a de outubro de 2015,
ordinária, desenvolvida em torno “da
vocação e da missão da família na Igreja e no mundo”. Estes dois momentos
constituem o cumprimento de um ainda fresco percurso sinodal da parte da Igreja
colocando de novo no centro das atenções a realidade do matrimónio e da família
– percurso sinodal que desembocou na Exortação Apostólica Amoris Laetitia, publicada a 19 de março de 2016.
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No texto
preambular desta Carta Apostólica, Francisco propõe:
“No
claro propósito de permanecer fiéis ao ensinamento de Cristo, devemos, portanto,
olhar, com intelecto de amor e com sábio realismo, para a realidade da família
hoje em toda a sua complexidade, nas suas luzes e sombras”.
E apresenta a
justificação desta ambição científica e pastoral:
“A
mudança antropológica-cultural, que influencia hoje todos os aspetos da vida e
exige uma abordagem analítica e diversificada, não permite que nos limitemos a
práticas da pastoral e da missão que refletem formas e modelos do passado”.
Assim, o
Instituto constituirá, no âmbito das instituições pontifícias, um centro
académico de referência, ao serviço da missão da Igreja universal, no campo das
ciências atinentes ao matrimónio e à família e aos temas relacionados com a
fundamental aliança do homem e da mulher para o cuidado da geração e da
criação. Por seu turno, Monsenhor Vincenzo Paglia, Grão-Chanceler do Instituto,
declarou não ser contemplada qualquer mudança de consultores ou professores
universitários” (interpretação
minimalista, como se verá adiante), embora sejam convidados “professores para novos cursos”. E
indicou que foi instituído um ente “que pode gerenciar várias rotas flexíveis”.
Aqui, o ponto central de interesse é “o diálogo entre a família e a Igreja”.
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Desde a sua
criação, o Instituto desenvolveu profícuo trabalho no aprofundamento teológico
e formação pastoral (na
Sede Central em Roma e nas Secções fora de Roma, existentes em todos os
continentes).
O predito percurso
sinodal levou a Igreja a renovada consciência do Evangelho da família e dos
novos desafios a que a comunidade deve saber responder, na fidelidade à sua
vocação eclesial.
Estes
desafios pastorais implicam a colocação da centralidade da família nos percursos
de “conversão pastoral” das comunidades e de “transformação missionária da
Igreja”, na linha da Evangelii Gaudium
(cap. I e nn. 26-32), o que exige que – também ao nível
da formação académica – se contemplem sempre, na reflexão sobre o matrimónio e sobre
a família, a prospetiva pastoral e a solicitude pelas feridas da humanidade ou
mesmo pela humanidade ferida.
A Carta
Apostólica adverte que um frutífero aprofundamento da teologia pastoral não
pode ser levado a cabo sem que se tenha na devida conta a vertente eclesial da
família, mas, por outro lado, o próprio sentido pastoral da Igreja tem de
abraçar o precioso contributo do pensamento e da reflexão que perscrutem, de
forma aprofundada e rigorosa, a verdade da revelação e a sabedoria da tradição
da fé, com vista à sua melhor compreensão no tempo presente.
Com efeito,
recorda o Pontífice, “o bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da
Igreja”. Por outro lado, “é salutar prestar atenção à realidade concreta, pois
as moções e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da
História, através dos quais a Igreja pode ser conduzida a um entendimento mais
profundo do inexaurível mistério do matrimónio e da família” (cf Amoris
Laetitia, 31; e Familiaris Consortio,
4).
No contexto
da mudança antropológico-cultural enunciada supra, devemos ser intérpretes
conscientes e apaixonados da sabedoria da fé num contexto em que as pessoas
hoje são menos apoiadas que no passado pelas estruturas sociais na sua vida
afetiva e familiar, que hoje apresenta uma realidade complexa de luzes e
sombras (olhando-se o mais
das vezes para as sombras).
São todos
estes motivos – teológicos, pastorais, eclesiais e antropológico-culturais –
que levam a conferir um novo rosto jurídico ao Instituto João Paulo II, para
que esta fulgurante intuição daquele Pontífice, que ardentemente quis esta instituição
académica, possa ser ainda mais bem reconhecida e apreciada na sua fecundidade
e atualidade. Por isso, se lhe “amplia o campo de interesse, quer em ordem às
novas dimensões do trabalho pastoral e da missão eclesial, quer no referente
aos desenvolvimentos das ciências humanas e da cultura antropológica num campo
tão fundamental para a cultura da vida”.
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Nos termos do seu articulado (seis artigos),
pelo Motu Proprio, é instituído o Pontifício Instituto Teológico João Paulo II
para as Ciências do Matrimónio e da Família, que sucede ao Instituto criado
pela Constituição Apostólica Magnum
Matrimonii Sacramentum, sendo, porém, necessário que se mantenha a primeva inspiração
que levou à criação do Instituto ora extinto e que ela continue o cada vez mais
amplo campo de ação do novo Instituto Teológico, contribuindo eficazmente para
o tornar a resposta plena às hodiernas exigências da missão pastoral da Igreja
(cf art.º 1.º).
Constituirá
um centro académico de referência ao serviço da missão da Igreja universal no âmbito
das ciências atinentes ao matrimónio e à família bem como aos temas conexos com
o pacto fundamental do par humano no âmbito do cuidado da geração e da criação
(cf art.º 2.º).
A peculiar
relação do Instituto com o ministério e o magistério da Santa Sé será
ulteriormente valorizada com as relações privilegiadas que vier a estabelecer com
a Congregação para a Educação Católica,
com o Dicastério para os Leigos, a
Família e a Vida e com a Pontifícia
Academia para a Vida (cf art.º 3.º).
As disposições do art.º 4.º vêm distribuídas por três parágrafos,
que são do seguinte teor:
Com esta renovação, o Instituto adequará as suas
estruturas e disporá dos instrumentos necessários – cátedras, docentes, programas,
pessoal administrativo – em ordem ao cabal desempenho da missão científica e
eclesial que lhe é outorgada (cf § 1).
Esta disposição levará a considerar minimalistas as declarações do atual
Grão-Chanceler supra referidas.
As autoridades académicas do Instituto Teológico são:
o Grão-Chanceler, o Presidente e o Conselho do Instituto (cf
§ 2). Desaparece deste elenco o Reitor da Pontifícia
Universidade Lateranense.
O
Instituto Teológico tem a faculdade de conferir, por direito próprio (iure
proprio) aos seus estudantes os seguintes graus académicos: doutoramento
em Ciências sobre Matrimónio e Família; licenciatura em Ciências sobre Matrimónio
e Família; e diploma (bacharelato) em
Ciências sobre Matrimónio e Família (cf § 3). Aqui
a inovação que se regista é que os títulos do doutoramento e da licenciatura não
incluem ex professo a Sagrada Teologia ou Teologia sobre
O art.º 5.º
prevê o aprofundamento e a definição específica do estabelecido neste documento
através dos estatutos a aprovar pela Santa Sé. Em especial providenciar-se-á ao
estabelecimento das modalidades mais aptas a favorecer a cooperação e o confronto,
no âmbito do ensino e da investigação, entre as autoridades do Instituto e as
da Pontifícia Universidade Lateranense.
Finalmente, o
art.º 6.º estatui que, até à aprovação dos novos estatutos, o Instituto se
regerá pelas normas estatutárias ainda em vigor, sobretudo as respeitantes à
estruturação em Secções e as normas a elas atinentes, na medida em que não
contradigam o presente Motu Proprio.
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Com isto,
Francisco não infringe qualquer ponto da doutrina nem desdiz da intuição do seu
predecessor polaco. Mas pretende o repensamento de tudo a partir duma
refrescante elaboração teológica que possa sustentar uma ação pastoral coerente
e consequente na linha do Evangelho e na da resposta aos novos desafios – tudo em
consonância com a Amoris laetitia, que resultou da
caminhada sinodal em que esteve no centro a problemática do matrimónio e da
família.
Por isso,
a investigação e o ensino destas matérias têm de configurar uma abordagem
ampla, analítica, diversificada e em busca da síntese possível; um olhar sereno,
realista e aberto sobre a realidade hodierna da família com seus temores,
debilidades e virtualidades; e a disponibilidade de explorar e percorrer novos
caminhos no âmbito da reflexão teológica que enforme de forma menos
inquisitorial e mais aberta e acolhedora a Doutrina da Fé, de modo a promover
um ajustamento das práticas pastorais numa linha de proximidade eficaz e
profecia ousada.
Por outro
lado, o texto papal constitui uma resposta às “dúbia” dos quatro cardeais críticos da Amoris Laetitia (Brandmüller, Burke, Caffarra e Meisner – estes dois já falecidos). Pretende a exploração teológica decorrente
da doutrina da exortação apostólica pós-sinodal, institui a norma a jurídica,
não tanto para a ação pastoral, mas sobretudo para os estudos das ciências sobre
matrimónio e família. Enfim, pretende entender e fazer entender como se pode ser
mais fiel ao Evangelho repropondo a doutrina num mundo e a um mundo que muda e
a que é urgente prestar atenção.
A missão
enfatizada no documento pontifício assume, assim, uma dimensão eclesial e
científica, abrangendo holística e setorialmente a cultura da vida e incluindo
o cuidado da Casa comum – com as pessoas e os bens da criação e do trabalho em sadia
simbiose.
2017.09.21 – Louro de Carvalho
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