sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Carta Apostólica SUMMA FAMILIAE CURA

O Papa Francisco, pela Carta Apostólica Summa Familiae Cura em forma de motu proprio,  de 8 de setembro deste ano e publicada no dia 19, decidiu potenciar o Instituto João Paulo II para os Estudos sobre o Matrimónio e Família, elevando-o a ‘Instituto Pontifício’.
Por este documento, aquele Instituto, até agora designado por Pontifício Instituto de Estudos sobre o Matrimónio e sobre a Família, que funcionava junto da Pontifícia Universidade Lateranense – criado pela Constituição Apostólica Magnum Matrimonii Sacramentum (1982), na sequência do Sínodo dos Bispos de 1980, sobre a família, e da Exortação Apostólica Familiaris Consortio (1981) – é refundado e constituído em Instituto Pontifício autónomo e fica denominado como Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências sobre o Matrimónio e a Família. Fica assim dotado de um patrono, maior autonomia, embora continue junto da Pontifícia Universidade Lateranense, e novo enquadramento jurídico.
Esta norma de Francisco constitui, por um lado, um ato de continuidade com o cuidado e solicitude do Papa polaco com o matrimónio e a família, rendendo justa homenagem ao Pontífice que veio do Leste e, por outro lado, pretende configurar uma estrutura que responda melhor aos sinais dos tempos lidos hoje à luz do Evangelho e do Concílio Vaticano II. Com efeito, duas sessões do Sínodo dos Bispos ocorreram em dois anos consecutivos: a de outubro de 2014, extraordinária, dedicada aos “desafios pastorais da família no contexto da evangelização”; e a de outubro de 2015, ordinária, desenvolvida em torno “da vocação e da missão da família na Igreja e no mundo”. Estes dois momentos constituem o cumprimento de um ainda fresco percurso sinodal da parte da Igreja colocando de novo no centro das atenções a realidade do matrimónio e da família – percurso sinodal que desembocou na Exortação Apostólica Amoris Laetitia, publicada a 19 de março de 2016.
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No texto preambular desta Carta Apostólica, Francisco propõe:
No claro propósito de permanecer fiéis ao ensinamento de Cristo, devemos, portanto, olhar, com intelecto de amor e com sábio realismo, para a realidade da família hoje em toda a sua complexidade, nas suas luzes e sombras”.
E apresenta a justificação desta ambição científica e pastoral:
A mudança antropológica-cultural, que influencia hoje todos os aspetos da vida e exige uma abordagem analítica e diversificada, não permite que nos limitemos a práticas da pastoral e da missão que refletem formas e modelos do passado”.
Assim, o Instituto constituirá, no âmbito das instituições pontifícias, um centro académico de referência, ao serviço da missão da Igreja universal, no campo das ciências atinentes ao matrimónio e à família e aos temas relacionados com a fundamental aliança do homem e da mulher para o cuidado da geração e da criação. Por seu turno, Monsenhor Vincenzo Paglia, Grão-Chanceler do Instituto, declarou não ser contemplada qualquer mudança de consultores ou professores universitários” (interpretação minimalista, como se verá adiante), embora sejam convidados “professores para novos cursos”. E indicou que foi instituído um ente “que pode gerenciar várias rotas flexíveis”. Aqui, o ponto central de interesse é “o diálogo entre a família e a Igreja”.
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Desde a sua criação, o Instituto desenvolveu profícuo trabalho no aprofundamento teológico e formação pastoral (na Sede Central em Roma e nas Secções fora de Roma, existentes em todos os continentes).
O predito percurso sinodal levou a Igreja a renovada consciência do Evangelho da família e dos novos desafios a que a comunidade deve saber responder, na fidelidade à sua vocação eclesial.
Estes desafios pastorais implicam a colocação da centralidade da família nos percursos de “conversão pastoral” das comunidades e de “transformação missionária da Igreja”, na linha da Evangelii Gaudium (cap. I e nn. 26-32), o que exige que – também ao nível da formação académica – se contemplem sempre, na reflexão sobre o matrimónio e sobre a família, a prospetiva pastoral e a solicitude pelas feridas da humanidade ou mesmo pela humanidade ferida.   
A Carta Apostólica adverte que um frutífero aprofundamento da teologia pastoral não pode ser levado a cabo sem que se tenha na devida conta a vertente eclesial da família, mas, por outro lado, o próprio sentido pastoral da Igreja tem de abraçar o precioso contributo do pensamento e da reflexão que perscrutem, de forma aprofundada e rigorosa, a verdade da revelação e a sabedoria da tradição da fé, com vista à sua melhor compreensão no tempo presente.
Com efeito, recorda o Pontífice, “o bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja”. Por outro lado, “é salutar prestar atenção à realidade concreta, pois as moções e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da História, através dos quais a Igreja pode ser conduzida a um entendimento mais profundo do inexaurível mistério do matrimónio e da família” (cf Amoris Laetitia, 31; e Familiaris Consortio, 4).
No contexto da mudança antropológico-cultural enunciada supra, devemos ser intérpretes conscientes e apaixonados da sabedoria da fé num contexto em que as pessoas hoje são menos apoiadas que no passado pelas estruturas sociais na sua vida afetiva e familiar, que hoje apresenta uma realidade complexa de luzes e sombras (olhando-se o mais das vezes para as sombras).
São todos estes motivos – teológicos, pastorais, eclesiais e antropológico-culturais – que levam a conferir um novo rosto jurídico ao Instituto João Paulo II, para que esta fulgurante intuição daquele Pontífice, que ardentemente quis esta instituição académica, possa ser ainda mais bem reconhecida e apreciada na sua fecundidade e atualidade. Por isso, se lhe “amplia o campo de interesse, quer em ordem às novas dimensões do trabalho pastoral e da missão eclesial, quer no referente aos desenvolvimentos das ciências humanas e da cultura antropológica num campo tão fundamental para a cultura da vida”.
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Nos termos do seu articulado (seis artigos), pelo Motu Proprio, é instituído o Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimónio e da Família, que sucede ao Instituto criado pela Constituição Apostólica Magnum Matrimonii Sacramentum, sendo, porém, necessário que se mantenha a primeva inspiração que levou à criação do Instituto ora extinto e que ela continue o cada vez mais amplo campo de ação do novo Instituto Teológico, contribuindo eficazmente para o tornar a resposta plena às hodiernas exigências da missão pastoral da Igreja (cf art.º 1.º).
Constituirá um centro académico de referência ao serviço da missão da Igreja universal no âmbito das ciências atinentes ao matrimónio e à família bem como aos temas conexos com o pacto fundamental do par humano no âmbito do cuidado da geração e da criação (cf art.º 2.º).
A peculiar relação do Instituto com o ministério e o magistério da Santa Sé será ulteriormente valorizada com as relações privilegiadas que vier a estabelecer com a Congregação para a Educação Católica, com o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida e com a Pontifícia Academia para a Vida (cf art.º 3.º).
As disposições do art.º 4.º vêm distribuídas por três parágrafos, que são do seguinte teor:
Com esta renovação, o Instituto adequará as suas estruturas e disporá dos instrumentos necessários – cátedras, docentes, programas, pessoal administrativo – em ordem ao cabal desempenho da missão científica e eclesial que lhe é outorgada (cf § 1). Esta disposição levará a considerar minimalistas as declarações do atual Grão-Chanceler supra referidas.
As autoridades académicas do Instituto Teológico são: o Grão-Chanceler, o Presidente e o Conselho do Instituto (cf § 2). Desaparece deste elenco o Reitor da Pontifícia Universidade Lateranense.
O Instituto Teológico tem a faculdade de conferir, por direito próprio (iure proprio) aos seus estudantes os seguintes graus académicos: doutoramento em Ciências sobre Matrimónio e Família; licenciatura em Ciências sobre Matrimónio e Família; e diploma (bacharelato) em Ciências sobre Matrimónio e Família (cf § 3). Aqui a inovação que se regista é que os títulos do doutoramento e da licenciatura não incluem ex professo a Sagrada Teologia ou Teologia sobre
O art.º 5.º prevê o aprofundamento e a definição específica do estabelecido neste documento através dos estatutos a aprovar pela Santa Sé. Em especial providenciar-se-á ao estabelecimento das modalidades mais aptas a favorecer a cooperação e o confronto, no âmbito do ensino e da investigação, entre as autoridades do Instituto e as da Pontifícia Universidade Lateranense.
Finalmente, o art.º 6.º estatui que, até à aprovação dos novos estatutos, o Instituto se regerá pelas normas estatutárias ainda em vigor, sobretudo as respeitantes à estruturação em Secções e as normas a elas atinentes, na medida em que não contradigam o presente Motu Proprio.
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Com isto, Francisco não infringe qualquer ponto da doutrina nem desdiz da intuição do seu predecessor polaco. Mas pretende o repensamento de tudo a partir duma refrescante elaboração teológica que possa sustentar uma ação pastoral coerente e consequente na linha do Evangelho e na da resposta aos novos desafios – tudo em consonância com a Amoris laetitia, que resultou da caminhada sinodal em que esteve no centro a problemática do matrimónio e da família.
Por isso, a investigação e o ensino destas matérias têm de configurar uma abordagem ampla, analítica, diversificada e em busca da síntese possível; um olhar sereno, realista e aberto sobre a realidade hodierna da família com seus temores, debilidades e virtualidades; e a disponibilidade de explorar e percorrer novos caminhos no âmbito da reflexão teológica que enforme de forma menos inquisitorial e mais aberta e acolhedora a Doutrina da Fé, de modo a promover um ajustamento das práticas pastorais numa linha de proximidade eficaz e profecia ousada.  
Por outro lado, o texto papal constitui uma resposta às “dúbia” dos quatro cardeais críticos da Amoris Laetitia (Brandmüller, Burke, Caffarra e Meisner – estes dois já falecidos). Pretende a exploração teológica decorrente da doutrina da exortação apostólica pós-sinodal, institui a norma a jurídica, não tanto para a ação pastoral, mas sobretudo para os estudos das ciências sobre matrimónio e família. Enfim, pretende entender e fazer entender como se pode ser mais fiel ao Evangelho repropondo a doutrina num mundo e a um mundo que muda e a que é urgente prestar atenção.     
A missão enfatizada no documento pontifício assume, assim, uma dimensão eclesial e científica, abrangendo holística e setorialmente a cultura da vida e incluindo o cuidado da Casa comum com as pessoas e os bens da criação e do trabalho em sadia simbiose.

2017.09.21 – Louro de Carvalho

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