quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Uma “fase intermédia com uma reforma a tempo parcial”

Segundo o Jornal de Negócios (20 de setembro), edição on line, e de acordo com entrevista do Ministro Vieira da Silva dada à TSF, o Governo está a preparar um conjunto de medidas que permitam aos portugueses, por exemplo, a fruição de uma “fase intermédia com uma reforma a tempo parcial”. Embora reconheça tratar-se de medida “ambiciosa, difícil e tecnicamente exigente de concretizar”, o governante espera que o modelo esteja pronto em 2018, desejando-se que as pessoas não acabem a sua vida ativa num dia e, no seguinte, sejam reformadas.
O Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social fez tais declarações no âmbito da organização da conferência sobre envelhecimento ativo promovida pela UNECE (Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa) que decorre em Lisboa nestes dias.
Em outra entrevista, concedida ao Público, no dia 20, o Ministro admite e necessidade de “melhorar os instrumentos de incentivos às empresas para poderem contratar pessoas com mais idade e mais jovens de forma articulada”, frisando a falsidade da “ideia de que só os jovens são capazes de se relacionar com mecanismos modernos de circulação e produção de informação”.
Neste sentido, frisa ser necessário criar mecanismos que tornem mais atrativa para as empresas a possibilidade de os reformados darem formação, na lógica da transmissão de conhecimento.
Outra medida em preparação e que Vieira da Silva espera ver concluída até ao final de 2017 ou no início de 2018 é o já anunciado “contrato geração” com apoios do Estado às empresas para contratarem não apenas jovens, mas também desempregados mais velhos. E justifica:
“O velho modelo de que as pessoas formavam-se, trabalhavam e depois reformavam-se está hoje em causa, pois todos os dias somos confrontados com mudanças tecnológicas”.
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As ideias acima referidas vêm no alinhamento com a referida conferência da ONU sobre o envelhecimento sustentável das sociedades europeias e seus cidadãos, cuja ideia-força é a aposta “no envelhecimento ativo” e constitui uma das metas do programa do atual Governo. Com efeito, o envelhecimento acelerado da população constitui um desafio a enfrentar em toda a Europa, mas, como o próprio Ministro admite, tem maior premência em Portugal.
Porém, o facto de Portugal ser um dos países mais envelhecidos não apenas da Europa como do mundo, segundo a perspetiva do Executivo, não configura obrigatoriamente um problema, mas deve ser aproveitado como uma oportunidade e uma “riqueza”.
O Ministro que tutela estas matérias atinentes ao trabalho, emprego e reformas recorda que é preciso garantir que as pessoas estão mais tempo ativas profissionalmente, apesar de ser preciso desenvolver estratégias que garantam o “direito ao trabalho das pessoas mais velhas” pois, nas últimas décadas, “há muitas vezes uma espécie de discriminação negativa em relação aos mais idosos, considerando que são dispensáveis”. Por isso, o governante, aduzindo que “o velho modelo de que as pessoas formavam-se, trabalhavam e depois reformavam-se está hoje em causa pois todos os dias somos confrontados com mudanças tecnológicas”, sustenta a necessidade de apostar na formação contínua adequada que garanta que os mais velhos possam ficar mais tempo ativos, num “envelhecimento ativo que tem de ser preparado pela sociedade”.
Na verdade, apesar de Portugal ser dos países com maior esperança média de vida, os portugueses são dos europeus que, devido à sua pouca saúde, têm menos esperança média de vida saudável, ou seja, vivemos demasiado tempo sem saúde. Ora, este é um cenário que o Ministro crê que se alterará, aos poucos, com a chegada das novas gerações às idades mais velhas – gerações que, segundo Vieira da Silva, chegarão à 3.ª idade com um historial e hábitos de vida diferentes, bem como mais ativos do que sucede hoje com grande parte dos idosos.
Da IV Conferência ministerial da UNECE resultará a aprovação de uma declaração conjunta, a chamada “Carta de Lisboa” com um plano de ação com vista a travar os efeitos negativos do envelhecimento e garantir a sustentabilidade e equilíbrio das sociedades europeias “para todas as idades”, garantindo, “o potencial de vivermos cada vez mais tempo”.
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De tudo isto, Vieira da Silva, o ministro responsável pela organização da conferência em conjunto com as Nações Unidas sobre o tema do envelhecimento, espera que a Carta de Lisboa, permita “dar mais visibilidade” a um assunto que diz muito a Portugal. E disse ao Público:
“Mudar a imagem que a sociedade tem do envelhecimento é o principal objectivo da conferência da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) que vai juntar em Lisboa membros de governos de mais de 30 países. Entre quarta e sexta-feira, investigadores, organizações não governamentais e entidades públicas vão discutir as prioridades para, ao longo dos próximos cinco anos, colocar o envelhecimento na agenda dos Estados e das instituições internacionais.”.
À previsão de que, em 2050, em cada 10 residentes em Portugal, 3 terão 65 ou mais anos, diz que a conjugação do aumento da longevidade (um fator positivo), com as consequências no emprego, saúde e proteção social, é um desafio cuja resposta, de um modo geral, nem é muito difícil. Todavia, postula a recuperação de “dinamismos ao nível da natalidade e de nos transformarmos numa sociedade atrativa que capte imigrantes e que diminua a emigração”, vindo, a seguir, como factor-chave, o tema da realização do potencial de uma sociedade com mulheres e homens com mais idade e menos saúde. E o Governo acolhe a estratégia da Conferência em curso para tornar Portugal um país mais “amigo dos idosos”.
Para tanto, há que fazer a modificação da imagem que a sociedade tem do envelhecimento, a partir de experiências existentes, como as universidades seniores e toda a economia social – “um campo onde a transição entre etapas de vida encontra um espaço de realização muito importante do ponto de vista social e económico”. E, porque o discurso se centra muito nos pontos negativos associados ao envelhecimento, é preciso perceber que “essa imagem capta apenas uma parte da realidade”. De facto, nas empresas, “reconhece-se que a dimensão [da falta] de trabalhadores com qualificações adquiridas ao longo da vida é um problema” e que “as novas gerações trazem uma formação de base mais elevada”. Contudo, se efetivamente “queremos assegurar a transmissão de conhecimento, cada vez mais se valoriza o papel dos cidadãos com mais idade”, sendo este “um dos aspetos da revalorização que temos de nos habituar a fazer”.
Sobre incentivos a dar às empresas – e em que setores – para reterem as pessoas mais velhas, o Ministro explica:  
“O incentivo mais importante é a necessidade. Quando falamos em setores, não estamos a falar apenas no espaço mais ou menos limitado das atividades económicas. Ainda recentemente responsáveis de instituições de formação profissional me alertavam para a dificuldade de pessoas que se reformaram continuarem a desempenhar funções de formação em áreas onde são das mais qualificadas. Alguma coisa tem de ser feita em termos legislativos. Um dos incentivos é tornar mais atrativo que, depois de uma vida profissional ligada à produção, ao comércio ou à distribuição, haja a possibilidade de prolongar essa atividade numa dimensão de formação.”.
Aborda o caso das pessoas que ainda trabalham depois de atingirem a reforma, discorrendo:
Considerando as pessoas com mais de 65 anos, temos um pouco mais de um quarto de milhão a trabalhar. É um valor que pode crescer. A acumulação de trabalho com a pensão pode ser feita de várias formas e há toda a dimensão do trabalho não pago, associativo, que é muito importante. Os valores em Portugal [de pessoas que trabalham além idade da reforma] comparam muito bem e são até superiores aos dos países do nosso espaço económico.”.
Sobre as razões do fenómeno e não se cingindo apenas ao facto de as pensões serem baixas, diz:
“Do ponto de vista relativo, não diria que é por as pensões serem baixas, mas porque o nosso nível salarial é mais baixo do que noutros países e, por isso, gera reformas mais baixas. Considerando os 65 anos como média, há muitas pessoas que têm uma grande vontade de continuar uma atividade profissional.”.
Crendo que há necessidade de melhorar a perceção sobre quão importante e positiva pode ser essa continuidade, reflete sobre os incentivos e os obstáculos (da lei e da experiência):
“Temos incentivos adequados, mas há alguns obstáculos ligados à proibição de acumulação de rendimentos de pensões com rendimentos do trabalho. É um tema polémico, porque o senso comum aponta para a ideia de que aceitar que as pessoas trabalhem para lá dos 65 ou dos 70 está a tirar o lugar aos mais jovens. Não é bem assim e estamos a trabalhar para tentar combinar – e é outra das dimensões da conferência – a dimensão intergeracional e mostrar que a possibilidade de pessoas mais idosas se manterem no seu posto de trabalho permite integrar com mais facilidade os jovens. Aí talvez tenhamos que melhorar os instrumentos de incentivos às empresas para poderem contratar pessoas com mais idade e mais jovens de forma articulada.”.
Da parte dos empresários, há duas tendências: a da libertação dos escalões etários mais avançados; e a do reconhecimento de que, deixando de contar com determinada pessoa, não há quem a substitua. Mas há também uma zona crítica [que é a faixa etária] próxima, mas ainda longe da idade da reforma, onde “tem de haver um esforço do ponto de vista das qualificações e da aprendizagem ao longo da vida”.
No atinente às competências em novas tecnologias, reitera:
“A ideia de que só os jovens são capazes de se relacionar com mecanismos modernos de circulação e produção de informação é falsa: há muita gente capaz de fazer a sua reconversão na utilização das novas tecnologias. Nem sempre é fácil, porque há dificuldades e bloqueios.”.
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Quanto ao debate sobre o futuro do trabalho num mercado dominado pelas tecnologias, privilegia a valorização das atividades económicas onde é mais fácil integrar as pessoas e diz que a revolução tecnológica “é uma revolução global”, mas que “gera oportunidades de emprego para pessoas com diferentes níveis de qualificações e de preparação”. Sente que “a reflexão sobre o futuro do trabalho ainda é insuficiente em Portugal” e que “temos de colocar dentro do debate a questão etária e das gerações”. E, sobre a alocação de recursos, sustenta:
“Quanto mais sólida é a criação de emprego, menores são os recursos alocados ao subsídio de desemprego e aos apoios à contratação e são libertados recursos para investir no processo de qualificação e de requalificação. É o que estamos a tentar fazer, ainda com um lastro pesado dos anos duros que vivemos. Este desafio do envelhecimento ativo veio para ficar. Em três anos não resolveremos o problema. Não é inevitável que a revolução tecnológica nos condene a uma escassez estrutural e definitiva de empregos - não tenho essa visão, podem é não ser os mesmos [empregos] e no mesmo sítio. Temos de nos posicionar bem.”.
Questionado sobre um dos pontos da Conferência da UNECE atinente à dignidade dos idosos, frisa que a conferência se centra na economia e no social e não tanto na saúde. Mas à objeção de que o acesso à saúde tem “relação com a incidência da pobreza nos mais velhos”, reage:
“Somos um país com fragilidades do ponto de vista social, mas do ponto de vista comparativo o nível de rendimento dos idosos aproximou-se de forma relativamente rápida do rendimento médio. Em termos relativos – não em termos absolutos – tivemos capacidade de corrigir esse desequilíbrio nos últimos 20 anos. […]. Quando dizemos que os nossos idosos têm uma esperança de vida praticamente igual à dos de países mais desenvolvidos, estamos a falar de uma população que nasceu na primeira metade do século XX, com um sistema de saúde mais frágil, com episódios complexos de qualidade de vida e esse preço paga-se.”.
E, focando o aparecimento de novas fragilidades e os passos que temos a dar, explicita:
Fragilidades ligadas às demências, ao Alzheimer e às doenças incapacitantes que são hoje mais visíveis. Há que repensar as respostas sociais ao nível da articulação entre a família e os idosos, ao nível dos equipamentos sociais e ao nível do reforço do apoio domiciliário mais qualificado, para que as pessoas não sejam obrigadas a ir tão cedo para respostas institucionais. Mas também temos de pensar em algumas respostas institucionais.”.
Sobre o que se está a fazer, fala do modelo e da estrutura que temos e que “é possível modernizar” – um problema muito exigente, que para o nosso país, neste debate “é dos mais importantes”. Porém, reconhece que faltam “algumas respostas mais especializadas que existem em número escasso e um modelo de combate ao isolamento mais ambicioso”, sendo, por isso, necessário “renovar o conceito de apoio domiciliário, atrasando as respostas institucionais e dando qualidade de vida às pessoas em sua casa”. Com efeito, “temos milhares de beneficiários de apoio domiciliário, mas a maioria é nos aspetos mais básicos (alimentação)”. Trata-se de “uma área que está a ser trabalhada com a Saúde e já há experiências interessantes de articulação com equipas que têm uma capacidade técnica maior”.
Em relação ao risco de isolamento da população mais velha e ao fomento da sua participação e representatividade, o Ministro sublinha que “os textos da Conferência referem que temos de reconhecer o direito à autonomia e à independência dos mais velhos”. Mas aponta o risco que se corre, sobretudo nas sociedades muito competitivas e mercantilizadas, “o de alguma infantilização dos idosos”, que “é um erro terrível” e descamba, por vezes, em violência sobre eles. E, quanto à incidência da Conferência sobre esta matéria, diz:
“Nesta conferência vamos falar do combate à violência sobre os idosos. Ela existe e tem de ser erradicada. Um dos instrumentos é precisamente a valorização da capacidade organizativa. Numa sociedade onde vamos ter um terço da nossa população com mais idade é inevitável que ela se faça ouvir com mais intensidade.”.
Interpelado no respeitante à ausência do debate sobre a sustentabilidade da Segurança Social na conferência, responde que “tem a ver com a natureza deste comité, que se debruça sobre o envelhecimento ativo”. De facto, “as mudanças demográficas e o envelhecimento não são apenas relevantes para a Segurança Social”. São-no também para a Saúde e para a Educação. E todos estes sistemas (Segurança Social, Saúde e Educação) e a sua sustentabilidade “são questionados de igual forma”. Se construíamos um sistema de educação “projetado para dar resposta a uma sociedade onde nasciam cento e tal mil crianças por ano”, agora temos de responder “a uma sociedade onde nascem 87 mil”; se desenhávamos um sistema de saúde com preocupações com “os vários grupos etários de forma equilibrada”, agora temos de responder “a problemas ligados com as doenças do envelhecimento”; e coisa semelhante sucede com a segurança social. A este respeito, diz Vieira da Silva, governante e perito na área, destacando a pluralidade de setores:
“Não penso que o sistema de Segurança Social seja mais frágil do que os outros, porque tem mais capacidade de autorregulação. Discutir a sustentabilidade da Segurança Social não é só discutir o envelhecimento, é também discutir a economia, a produtividade, a organização do trabalho, o emprego, a natalidade. É um pouco mais abrangente e hoje há muitos que consideram que o desafio vem mais das transformações tecnológicas do que das demográficas. Não tenho essa opinião, mas é uma opinião legítima.”.
Por fim, quanto à expectativa em relação à Carta de Lisboa a aprovar na Conferência, mostra-se realista, esperando que “a Carta de Lisboa possa ter a ambição de, no espaço internacional, dar mais visibilidade a este tema [do envelhecimento]”. Com efeito, já “temos uma agenda para o desenvolvimento sustentável, para as mudanças climáticas, para o terrorismo e para as migrações”. Agora, “a agenda do envelhecimento ativo é outra e toca milhões de seres humanos”. 
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Veremos se o Ministro e o Governo que integra conseguem com o patrocínio da ONU mudar radicalmente o sistema de proteção ao envelhecimento no trabalho, na reforma/aposentação e na predita fase intermédia e, sobretudo, na doença e fragilidade! Estarão motivados para esta problemática os deputados, os tribunais e a sociedade civil (malha empresarial e associativa)?

2017.09.21 – Louro de Carvalho

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