Nota introdutória
Tendo passado ontem, dia 15 de setembro, o 30.º aniversário do SNS (Serviço
Nacional de Saúde) – com
efeito, a Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, instituiu a rede de órgãos e
serviços prestadores de cuidados globais de saúde a toda a população, através
da qual o Estado salvaguarda o direito à proteção da saúde – aproveita-se o
ensejo para proceder a uma visão organizada dos principais diplomas legais que nortearam
e que organizam o sistema de saúde português.
Na verdade, a organização dos serviços de saúde recebeu, ao longo do tempo,
a influência dos conceitos religiosos, sociais e políticos epocais e foi-se
concretizando para responder ao aparecimento das doenças – por outras palavras,
“para
dar resposta aos problemas de saúde então identificados, mas também para
‘conservar’ – isto é, promover – “a saúde dos povos”, na expressão utilizada
por Pedro Hispano e Ribeiro Sanches. Nos séculos
XIX e XX, até à criação formal do SNS, a assistência médica competia às
famílias, a instituições privadas e aos serviços médico-sociais da Previdência
Social.
***
Antecedentes
Foi o Dr. Ricardo Jorge quem iniciou, em 1899,
a organização dos serviços de saúde
pública por Decreto de 28 de dezembro e pelo Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública, de
24 de dezembro de 1901. Regulamentada em 1901, a predita organização entrou em
vigor em 1903. A prestação de cuidados de saúde era de índole privada, cabendo
ao Estado apenas a assistência aos pobres. Um avanço se deu em 1945, com a publicação do Decreto-Lei
n.º 35108, de 7 de novembro de 1945, o da reforma sanitária de Trigo de Negreiros
(Subsecretário
de Estado da Assistência e das Corporações do Ministério do Interior). Reconhecida a debilidade da situação sanitária no
país e a necessidade de uma resposta do Estado, foram criados institutos
dedicados a problemas de saúde pública específicos, como a tuberculose e a
saúde materna e infantil. Por seu turno, em 1946, a Lei n.º 2011, de
2 de abril de 1946, estabeleceu a organização dos serviços prestadores de
cuidados de saúde existentes, lançando a base da rede hospitalar, com um
programa de construção de hospitais que foram entregues às Misericórdias.
***
O Ministério da Saúde e da Assistência surgiu apenas em 1958 com o Decreto-Lei
n.º 41825, de 13 de agosto, passando para si a tutela dos serviços de saúde
pública e os serviços de assistência pública, que pertenciam ao Ministério do
Interior. Só, em 1963, a
Lei n.º 2120, de 19 de julho de 1963, definiu as bases da política de saúde e
assistência, ficando atribuídas ao Estado, entre outras competências, a
organização e manutenção dos serviços que, pelo superior interesse nacional de
que se revestissem ou pela sua complexidade, não pudessem ser entregues à
iniciativa privada, bem como o fomento da criação de instituições particulares
que se integrassem nos princípios legais e oferecessem as condições morais,
financeiras e técnicas mínimas para a prossecução dos seus fins, exercendo ação
supletiva em relação às iniciativas e instituições particulares. Em 1968, os hospitais e as carreiras da
saúde (médicos,
enfermeiros, administração e farmácia) foram objeto
de uniformização e de regulação através do Decreto-Lei n.º 48357, de 27 de abril
de 1968, e do Decreto-Lei n.º 48358, de 27 de abril de 1968, que criaram,
respetivamente, o Estatuto Hospitalar e o Regulamento Geral dos Hospitais. E, com
a reforma de Gonçalves Ferreira, em 1971, que
promoveu a reforma do sistema de saúde e assistência, surgiu o primeiro
esboço de Serviço Nacional de Saúde. Assim, o Decreto-Lei n.º 413/71, de 27 de
setembro, que procedeu à organização do Ministério da Saúde e Assistência,
explicitou princípios basilares, como:
O reconhecimento do direito à saúde de todos os
portugueses, cabendo ao Estado assegurar tal direito, através duma política unitária
de saúde da responsabilidade do Ministério da Saúde; a integração de todas as atividades
de saúde e assistência, para tirar melhor rendimento dos recursos utilizados; e
a noção de planeamento central e de descentralização na execução, dinamizando-se
os serviços locais.
Surgiram então os “centros de saúde de primeira geração”, mas foram
excluídos desta reforma os serviços médico-sociais das Caixas de Previdência. Também
foi publicado, no mesmo ano, o Decreto-lei n.º 414/71, de 27 de setembro, que estabeleceu
o regime legal da estruturação progressiva e do funcionamento regular de
carreiras profissionais para os diversos grupos diferenciados de funcionários
em serviço no Ministério da Saúde e Assistência:
Carreiras médica de saúde pública, médica hospitalar,
farmacêutica, de administração hospitalar, de técnicos superiores de
laboratório, de ensino de enfermagem, de enfermagem de saúde pública, de
enfermagem hospitalar, de técnicos terapeutas, de técnicos de serviço social,
de técnicos auxiliares de laboratório e de técnicos auxiliares sanitários.
Foi uma medida que visava, para lá da organização do trabalho, efetivar, em
articulação com outros passos, uma política de saúde e assistência social.
***
Em 1973, o
Ministério da Saúde autonomizou-se face à Assistência, através do Decreto-Lei
n.º 584/73, de 6 de novembro. Porém, em 1974, pelo Decreto-Lei n.º 203/74,
de 15 de maio, foi transformado em Secretaria de Estado da Saúde, integrada no
Ministério dos Assuntos Sociais.
Também em 1974, surgiram as condições políticas e sociais que permitiram a criação efetiva
do Serviço Nacional de Saúde. E, assim,
a 2 de abril de 1976,
foi aprovada e promulgada a Constituição da República Portuguesa (CRP), cujo artigo 64.º estabelece que “todos têm direito
à proteção da saúde e o dever de a defender e promover” (n.º 1). Este direito efetiva-se através da criação de “um
serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito” (cf n.º 2). Para assegurar o direito à proteção da saúde,
incumbe prioritariamente ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos,
independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina
preventiva, curativa e de reabilitação, bem como uma racional e eficiente
cobertura médica e hospitalar de todo o país (cf n.º 3). E o Decreto-Lei n.º 580/76, de 21 de julho,
estabeleceu a obrigatoriedade de prestação de um ano de serviço na periferia
para os recém-licenciados em medicina que quisessem ingressar na carreira
médica.
O SNS
Porém foi em 1978 que um Despacho ministerial publicado em Diário da República,
2.ª série, de 29 de julho de 1978 (conhecido como o “Despacho Arnaut”), constitui a verdadeira antecipação do SNS, já que
abriu o acesso aos Serviços Médico-Sociais a todos, independentemente da sua
capacidade contributiva. Foi garantida assim, pela primeira vez, a
universalidade, generalidade e gratuitidade dos cuidados de saúde e da
comparticipação medicamentosa. O “Despacho Arnaut” foi uma habilidade política
que implantou com caráter de urgência uma medida estruturante, que veio a ficar
consolidada em 1979, com a publicação da Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, que
criou o Serviço Nacional de Saúde, no âmbito do Ministério dos Assuntos
Sociais, enquanto instrumento do Estado para assegurar o direito à proteção da
saúde, nos termos da CRP.
Assim, o acesso a SNS é garantido a todos os cidadãos, independentemente da
sua condição económica e social, bem como aos estrangeiros, em regime de
reciprocidade, apátridas e refugiados políticos; envolve todos os cuidados
integrados de saúde, compreendendo a promoção e vigilância da saúde, a
prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação
médica e social; e define que o acesso é gratuito, mas contempla a
possibilidade de criação de taxas moderadoras, a fim de racionalizar a
utilização das prestações.
Nos termos do predito diploma, o SNS goza de autonomia administrativa e
financeira e estrutura-se numa organização descentralizada e desconcentrada,
compreendendo órgãos centrais, regionais e locais, e dispondo de serviços
prestadores de cuidados de saúde primários (centros comunitários de saúde) e de serviços prestadores de cuidados diferenciados
(hospitais
gerais, hospitais especializados e outras instituições especializadas).
Em 1981, o
Decreto-Lei n.º 305/81, de 12 de novembro, aprova a carreira de enfermagem,
procurando responder a situações de injustiça criadas ou agravadas pelo Decreto
n.º 534/76, de 8 de julho, que aprovara o quadro do pessoal de enfermagem do
Ministério dos Assuntos Sociais, bem como aos progressos técnicos e científicos
verificados e à realidade do país. O Decreto-Lei n.º 254/82, de 29 de junho,
cria em 1982, as
administrações regionais de cuidados de saúde (ARS), que sucedem às administrações distritais dos serviços de saúde, criadas
pelo Decreto-Lei n.º 488/75, de 4 de setembro. E o Decreto-Lei n.º 357/82, de 6
de setembro, concede ao SNS autonomia administrativa e financeira (reiteração e
ampliação do estabelecido na Lei n.º 56/79, de 15 de setembro). Tendo em conta que a gestão dos recursos financeiros
afetos ao setor da saúde exige coordenação e distribuição adequada e,
simultaneamente, agilidade nos processos de atuação, o SNS, como suporte de
todas as atividades do setor, deve ser dotado de autonomia administrativa e
financeira. O Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde fica
incumbido de gerir as verbas que lhe são globalmente atribuídas. No mesmo ano, surge
a carreira médica de Clínica Geral, com o Decreto-Lei n.º 310/82, de 3 de agosto,
que regula as carreiras médicas (de saúde pública, clínica geral e
médica hospitalar). O médico
de clínica geral é entendido como o profissional habilitado para prestar
cuidados primários a indivíduos, famílias e populações definidas, exercendo a
sua intervenção em termos de generalidade e continuidade dos cuidados, de
personalização das relações com os assistidos e de informação sócio-médica.
Em 1983, Decreto-Lei
n.º 344-A/83, de 25 de julho, que aprova a Lei Orgânica do IX Governo
Constitucional, cria o Ministério da Saúde. A autonomia é ditada pela
importância do setor, volume dos serviços, infraestruturas que integra e
importância que os cidadãos lhe reconhecem. E o Despacho Normativo n.º 97/83,
de 22 de abril, aprova o Regulamento dos Centros de Saúde, dando lugar aos “centros
de saúde de segunda geração” como unidades integradas de saúde, considerando os
princípios da regionalização e as carreiras dos profissionais de saúde.
A criação da Direção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, em 1984, pelo
Decreto-Lei n.º 74-C/84, de 2 de março, põe fim aos serviços médico-sociais da
Previdência, marca a expansão do SNS e torna-se o órgão central com funções de
orientação técnico-normativa, de direção e de avaliação da atividade
desenvolvida pelos órgãos e serviços regionais, distritais e locais que
intervêm na área dos cuidados de saúde primários. O clínico geral adquire o
estatuto de médico de família. E, em 1986, o Decreto-Lei n.º 57/86, de 20 de março,
regulamenta as condições de exercício do direito de acesso ao SNS, visando
estabelecer uma correta e racional repartição dos encargos do SNS de Saúde,
quer pelos chamados subsistemas de saúde, quer pelas entidades, de qualquer
natureza, que, por força da lei ou de contrato, sejam responsáveis pelo
pagamento da assistência a determinados cidadãos. Salvaguarda que, por os
estabelecimentos oficiais não terem como objetivo a obtenção de qualquer lucro,
os preços a cobrar deverão aproximar-se, quanto possível, dos custos reais. E prevê
taxas destinadas a moderar a procura de cuidados de saúde, evitando assim a sua
utilização para além do razoável.
Depois, em 1988, o Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de janeiro, aprova a lei de gestão
hospitalar, traduzindo as preocupações decorrentes do aumento do peso das
despesas de saúde no orçamento do Estado. Enfatiza-se a necessária introdução
de princípios de natureza empresarial, no quadro da integração da atividade
hospitalar na economia do País. E, se a qualidade é o princípio maior da gestão
hospitalar, a rentabilidade dos serviços torna-se um valor de peso na
administração. São exemplo disso a criação de planos anuais e plurianuais para
os hospitais e a criação de centros de responsabilidade como níveis intermédios
da administração. Na sequência disto, o Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22 de
janeiro, introduz alterações substanciais no domínio dos órgãos e do
funcionamento global do hospital, bem como na estrutura dos serviços. Assim e à
semelhança do que decorre nos restantes países europeus, são reforçadas as
competências dos órgãos de gestão, são abandonadas as direções de tipo
colegial, os titulares dos órgãos de gestão passam a ser designados pela
tutela, desenha-se o perfil de gestor para o exercício da função de chefe
executivo, são introduzidos métodos de gestão empresarial e são reforçados e
multiplicados os controlos de natureza tutelar.
***
A revisão constitucional de 1989
A revisão constitucional de
1989 (a 2.ª) altera o n.º 2 do
artigo 64.º, ficando estabelecido que o direito à proteção da saúde é realizado
através de um SNS “universal e geral e, tendo em conta as condições económicas
e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. O advérbio “tendencialmente”
a modificar o adjetivo “gratuito” é a novidade, colocando-se a ênfase no
princípio de justiça social e de racionalização dos recursos. Por consequência,
em 1990,
vem a Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, aprovar a Lei de Bases da Saúde (LBS). Pela primeira vez, a proteção da saúde é perspectivada não só como
direito, mas também como responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e
do Estado, em liberdade de procura e de prestação de cuidados. Assim, a
promoção e defesa da saúde pública são efetuadas através da atividade do Estado
e de outros entes públicos, podendo as organizações da sociedade civil ser
associadas àquela atividade. Os cuidados de saúde são prestados por serviços e
estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes
públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos. Para a efetivação
do direito à proteção da saúde, o Estado atua através de serviços próprios, mas
também celebra acordos com entidades privadas para a prestação de cuidados e
apoia e fiscaliza a restante atividade privada na área da saúde. É a era das
convenções em saúde. Além disso, a Base XXXIV da LBS prevê que possam ser
cobradas taxas moderadoras, com o escopo de completar as medidas reguladoras do
uso dos serviços de saúde. Destas taxas, que constituem receita do SNS, são
isentos os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente
mais desfavorecidos. Na sequência da LBS, o Decreto-Lei n.º 73/90, de 6 de março,
aprova o regime das carreiras médicas. Os médicos, a par de outros técnicos de
saúde, pelo reconhecimento da preparação técnico-científica, especificidade e
autonomia funcionais, constituem um corpo especial de funcionários. Nos regimes
de trabalho, para lá da fixação da duração semanal de trabalho igual à da
maioria dos funcionários, admite-se e motiva-se a prática do regime de
dedicação exclusiva, sem condicionamentos e com possível alargamento da duração
semanal do trabalho. A formação médica pós-licenciatura e pré-carreira deixa de
integrar o diploma das carreiras.
O Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de novembro, aprova, em 1991, o regime
legal da carreira de enfermagem, visando regulamentar o exercício da profissão,
garantindo a salvaguarda dos direitos e normas deontológicas específicos e a
prestação aos cidadãos de cuidados de enfermagem de qualidade. Por outro lado, clarifica
conceitos, carateriza os cuidados de enfermagem, especifica a competência dos
profissionais legalmente habilitados a prestá-los e define a sua responsabilidade,
direitos e deveres.
Em 1992, o Decreto-Lei
n.º 54/92, de 11 de abril, estabelece o regime de taxas moderadoras – e
isenções – de acesso a serviços de urgência, consultas e meios complementares
de diagnóstico e terapêutica em regime de ambulatório. As receitas arrecadadas
com o pagamento parcial dos atos médicos constituirão receita do SNS e
contribuirão para a eficiência e qualidade dos serviços prestados a todos e, em
especial, dos fornecidos gratuitamente aos mais desfavorecidos. Sublinha os
princípios de justiça social que impõem a pessoas com maiores rendimentos e não
doentes crónicos ou de risco pagarem parte da prestação dos cuidados de que
sejam beneficiários, para que os mais carenciados e desprotegidos nada tenham
de pagar.
O Decreto-Lei n.º 177/92, de 13 de agosto, estabelece o regime de prestação
de assistência médica no estrangeiro aos beneficiários do SNS, reduzindo o seu
âmbito de aplicação à assistência médica de grande especialização que, por
falta de meios técnicos ou humanos, não possa ser prestada cá. Excluem-se as
propostas de deslocação ao estrangeiro que provenham de instituições privadas.
Em 1993, foi
publicado o novo estatuto do SNS através do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro,
que procura superar a incorreta (do ponto de vista médico e
organizativo) dicotomia
entre cuidados primários e cuidados diferenciados. A indivisibilidade da saúde
e a necessidade de uma criteriosa gestão de recursos levam à criação de
unidades integradas de cuidados de saúde, viabilizando a articulação entre
grupos personalizados de centros de saúde e hospitais. De facto, as crescentes
exigências das populações em qualidade e prontidão de resposta aos seus anseios
e necessidades exigem que a gestão dos recursos se faça tão próximo quanto
possível dos seus destinatários. Daqui resulta a criação das regiões de saúde,
dirigidas por administrações com competências e atribuições reforçadas. E a
flexibilidade na gestão de recursos impõe a adoção de mecanismos especiais de
mobilidade e de contratação de pessoal, como o incentivo a métodos e práticas
concorrenciais. Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 335/93, de 29 de setembro,
aprova o Regulamento das Administrações
Regionais de Saúde. E, o Decreto-Lei n.º 198/95, de 29 de julho, cria o
cartão de identificação do utente do Serviço Nacional de Saúde.
Em 1998, o Decreto-Lei
n.º 97/98, de 18 de abril, estabelece o regime de celebração das convenções a
que se refere a base XLI da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (LBS). Na procura de soluções inovadoras para identificar
ganhos em saúde e aumentar a satisfação dos utilizadores e dos profissionais,
nasce, no mesmo ano, o regime remuneratório experimental dos médicos da
carreira de clínica geral, por via do Decreto-Lei n.º 117/98, de 5 de maio, com
vista a consolidar e expandir as reformas da organização da prestação dos
cuidados, através do adequado e justo reconhecimento dos diferentes níveis (qualitativos
e quantitativos) do
desempenho dos profissionais de saúde. A remuneração destes médicos integra a
remuneração base e componentes variáveis. Estas correspondem à realização de
cuidados domiciliários, ao alargamento do período de cobertura assistencial e à
realização das atividades de vigilância de grupos vulneráveis correspondentes à
gravidez e puerpério, criança no primeiro ano de vida e planeamento familiar na
mulher em idade fértil. E a Resolução do Conselho de Ministros n.º 140/98, de 4
de dezembro, define medidas para o desenvolvimento do ensino na área da saúde,
entre as quais o reforço da aprendizagem tutorial na comunidade, centros de
saúde e hospitais, no quadro da reestruturação curricular dos cursos de
licenciatura em Medicina, a reorganização da rede de escolas superiores de
enfermagem e de tecnologia da saúde, passando-as para o Ministério da Educação,
e a reorganização da formação dos enfermeiros, com a passagem para a
licenciatura.
São estruturados, em 1999, os serviços de saúde pública,
no âmbito dos quais se integra o exercício dos poderes de autoridade de saúde
enquanto poder-dever de intervenção do Estado na defesa da saúde pública,
prevenção da doença e promoção da saúde. O Decreto-Lei n.º 286/99, de 27 de
julho, estabelecendo a organização dos serviços de saúde pública, dita que a
sua implantação se opera a dois níveis: o regional e o local. E o Decreto-Lei
n.º 374/99, de 18 de setembro, cria os CRI (centros de responsabilidade
integrados) nos hospitais do SNS. Os CRI
constituem estruturas orgânicas de gestão intermédia, agrupando serviços e/ou
unidades funcionais homogéneos e ou afins. A desconcentração da tomada de
decisão, do planeamento e do controlo dos recursos visa introduzir a componente
empresarial na gestão destas unidades. O escopo é o aumento da eficiência e a
melhoria da acessibilidade, mediante um maior envolvimento e responsabilização
dos profissionais pela gestão dos recursos.
O Despacho Normativo n.º 61/99, de 12 de novembro, cria as agências de
contratualização dos serviços de saúde, que sucedem às agências de
acompanhamento dos serviços de saúde, criadas pelo Despacho Normativo n.º
46/97, de 8 de agosto, vincando a distinção entre prestação e financiamento dos
cuidados de saúde. A estas agências cabe explicitar as necessidades de saúde e
defender os interesses dos cidadãos e da sociedade, para assegurar a melhor
utilização dos recursos públicos para a saúde e a máxima eficiência e equidade
nos cuidados de saúde.
Em 1999, é ainda estabelecido o regime dos Sistemas Locais de Saúde (SLS) pelo Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de maio.
Constituem um conjunto de recursos articulados na base da complementaridade e
organizados segundo critérios geográfico-populacionais, que visam facilitar a
participação social e que, em conjunto com os centros de saúde e hospitais,
pretendem promover a saúde e a racionalização da utilização dos recursos. Os
SLS são constituídos pelos centros de saúde, hospitais e outros serviços e
instituições, públicos e privados, com ou sem fins lucrativos, com intervenção,
direta ou indireta, no domínio da saúde, numa determinada área geográfica duma
região de saúde. É também estabelecido novo regime de criação, organização e
funcionamento dos centros de saúde, através do Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de
maio. São criados assim os chamados “centros de saúde de terceira geração”, pessoas
coletivas de direito público, integradas no SNS e dotadas de autonomia técnica,
administrativa e financeira e património próprio, sob superintendência e tutela
do Ministro da Saúde. Prevê-se ainda a existência de associações de centros de
saúde.
Em 2002, a
aprovação do novo regime de gestão hospitalar pela Lei n.º 27/2002, de 8 de
novembro, introduz modificações profundas na LBS. Acolhe-se e define-se um novo
modelo de gestão hospitalar, aplicável aos hospitais que integram a rede de
prestação de cuidados de saúde e dá-se expressão institucional a modelos de
gestão de tipo empresarial (EPE). O Decreto-Lei
n.º 39/2002, de 26 de fevereiro, já havia aprovado nova forma de designação dos
órgãos de direção técnica dos estabelecimentos hospitalares e dos centros de
saúde, alterado a composição dos conselhos técnicos dos hospitais e
flexibilizado a contratação de bens e serviços pelos hospitais.
Em 2003, o Decreto-Lei
n.º 60/2003, de 1 de abril, cria a rede de cuidados de saúde primários. Além de
garantir a sua missão específica tradicional de providenciar cuidados de saúde
abrangentes aos cidadãos, a rede deve constituir-se e assumir-se, em
articulação permanente com os cuidados de saúde ou hospitalares e os cuidados
de saúde continuados, como parceiro fundamental na promoção da saúde e na
prevenção da doença. Esta rede assume-se, igualmente, como elemento
determinante na gestão dos problemas de saúde, agudos e crónicos. Traduz a
necessidade duma nova rede integrada de serviços de saúde, onde, para lá do
papel fundamental do Estado, possam coexistir entidades de índole privada e
social, orientadas para as concretas necessidades dos cidadãos. Volvidos dois
anos, foi revogado o diploma e repristinado o Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de
maio. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de agosto, redefine as
taxas moderadoras, com o escopo de moderar, racionalizar e regular o acesso à
prestação de cuidados de saúde, reforçando o princípio de justiça social no SNS.
No mesmo ano, nasce a ERS (Entidade Reguladora da Saúde), com o Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de dezembro,
traduzindo-se, deste modo, a separação da função do Estado como regulador e
supervisor das suas funções de operador e de financiador.
O Decreto-Lei n.º 101/2006, de 6 de junho, cria, em 2006, a Rede Nacional de Cuidados Continuados
Integrados, para responder ao envelhecimento da população, ao aumento da
esperança média de vida e à prevalência de pessoas com doenças crónicas
incapacitantes.
Em 2007, surgem as
primeiras unidades de saúde familiar para corporizar a reforma dos cuidados de
saúde primários. O Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, estabelece o regime
jurídico da organização e funcionamento destas unidades e o dos incentivos a
atribuir aos seus elementos, com o objetivo de obter ganhos em saúde, através
da aposta na acessibilidade, na continuidade e na globalidade dos cuidados
prestados.
O ano de 2008 cria os agrupamentos de centros de saúde do SNS através do Decreto-Lei n.º
28/2008, de 22 de fevereiro, para dar estabilidade à organização da prestação
de cuidados de saúde primários, permitindo a gestão rigorosa e equilibrada e a
melhoria no acesso aos cuidados de saúde. E, em 2009, o Decreto-Lei n.º
81/2009, de 2 de abril, reestrutura a organização dos serviços operativos de
saúde pública (a nível regional e local),
articulando com a organização das ARS e dos agrupamentos de centros de saúde. Está
no horizonte a modificação do perfil de saúde e doença da população verificada
nas últimas décadas, mercê da evolução das condições ambientais planetárias, às
alterações dos estilos de vida e à globalização.
***
Presentemente, o SNS mantém-se no essencial, apenas com alterações pontuais
e derivas não desejáveis – com abertura a negócio a colmatar as falhas por
inépcia ou míngua de recursos.
2017.09.16 – Louro de Carvalho
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