sábado, 28 de dezembro de 2019

Do ventre da mãe Igreja nasceu o Filho de Deus humanado



Este enunciado eclesial é uma peça nevrálgica na Mensagem Urbi et Orbi do Papa Francisco no dia de Natal de 2019. Na verdade, olhando para o presépio, olhamos com razão para Maria, a mãe virginal de Jesus, e é por Ela e pelo Filho que nos espantamos com o mar de ternura de que o presépio é fiel depositário e gerador de mais ternura amorosa.
É certo que temos facilmente a noção de que a inclusividade presepial nos envolve a todos e todos ali cabemos, com os pastores e as ovelhas, cordeiros e carneiros, o burro e a vaca e todos os outros animais, mesmo os camelos que chegaram mais tarde a transportar os magos com os alimentos de viagem e os presentes que ofertaram ao divino Infante e com as reservas armazenadas nas bossas camelinas, bem como com todas as pessoas que se deram conta do nascimento de Jesus e aquelas cuja curiosidade as fez aproximar do cenário cujo centro é a gruta com a manjedoura em que está reclinado o menino envolto em panos, pois a Sagrada Família não conseguira arranjar melhor mansão para a efetivação da maternidade in facto esse. Porém, esquecemos que a maternidade de Maria é o protótipo e antecipação da maternidade da Igreja, que gera novos filhos de Deus pelo Batismo que entronca no lado aberto do Cristo adormecido na cruz e que se levantou vitorioso do túmulo. E, se não foi a Igreja que gerou Cristo na carne, é ela que tem o ser e a missão de o gerar para o mundo mostrando-O às pessoas e aos povos e encaminhando para Ele, como pela ação do Espírito Santo o sacerdote, com a comunidade e/ou representando-a, faz surgir o corpo e sangue de Cristo no altar da Eucaristia. E, se, ao invés de Maria, a Cheia de Graça, a Igreja ainda se sente pecadora por causa do pecado dos seus membros, reencontra no banho do sangue de Cristo, que não conheceu o pecado, mas que o assumiu em nossa vez, a pureza virginal dos eleitos com que se apresentará no fim dos tempos segundo a bela imagem apocalíptica (vd Ap 7,9-14).    
O título da mensagem papal bem poderia ser o que encima estas nótulas, mas Francisco preferiu fazer preceder a sua asserção eclesiológica do Natal pelo versículo isaiano “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz(Is 9,1)., com que se inicia a 1.ª leitura da Missa da Noite de Natal. Na verdade, é a luz que nos faz ver que chegou o dia da libertação, pois ficou despedaçado “o jugo que pesava sobre o povo”.
Por isso, “nesta noite”, disse o Papa, “do ventre da mãe Igreja, nasceu de novo o Filho de Deus feito homem”. E a mensagem recorda o significado do nome do menino: “seu nome é Jesus, que significa Deus salva” – tal como expõe o núcleo basilar da missão do menino: “O Pai, Amor eterno e infinito, enviou-O ao mundo, não para condenar o mundo, mas para o salvar” (cf Jo 3,17). E a razão desta dádiva do Pai para todos e para sempre é a misericórdia: 
O Pai no-Lo deu, com imensa misericórdia; deu-O para todos; deu-O para sempre. E Ele nasceu como uma chamazinha acesa na escuridão e no frio da noite.”.
E vincou o Pontífice anaforicamente a Palavra como essência do menino:
Aquele Menino, nascido da Virgem Maria, é a Palavra de Deus que Se fez carne; a Palavra que guiou o coração e os passos de Abraão rumo à terra prometida, e continua a atrair aqueles que confiam nas promessas de Deus; a Palavra que guiou os judeus no caminho desde a escravidão à liberdade, e continua a chamar os escravos de todos os tempos, incluindo os de hoje, para saírem das suas prisões”.
É, como refere o Papa, “Palavra mais luminosa do que o sol, encarnada num pequenino” filho de mulher, Jesus, luz do mundo”. É por isso que o profeta verifica que “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz”. E, se há trevas no coração humano; se há trevas nas relações pessoais, familiares, sociais; se há trevas nos conflitos económicos, geopolíticos e ecológicos – “é maior a luz de Cristo”, infinitamente maior.
É a alegria no meio das trevas densas de um povo itinerante e deportado: o nascimento de um menino com títulos ilustres (Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz); promessa dum futuro de paz, de justiça e de direito para todos; maravilha realizada pelo Senhor do Universo.
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E o Papa desfia votos para que a luz de Cristo chegue a tantos e tantas que vivem em situação de trevas na mente, no coração ou no ambiente que os/as rodeia: as crianças que padecem a guerra e os conflitos no Médio Oriente e em vários países do mundo; o povo sírio; a Terra Santa; o povo libanês; o Iraque; o Iémen; a Ucrânia; o continente americano, nomeadamente a Venezuela; os povos de África, nomeadamente a República Centro-Africana e o Burkina Faso, Mali, Níger e Nigéria.
Quer uma sacudidela das consciências dos homens de boa vontade, a inspiração dos governantes e da comunidade internacional, para o encontro de soluções que garantam a segurança e a convivência pacífica dos povos e ponham termo aos seus sofrimentos indescritíveis. Deseja que “o Menino pequerrucho de Belém” e “Redentor do mundo” seja esperança e luz para todos os povos; abençoe os esforços de quantos se empenham em favorecer a justiça e a reconciliação e trabalham para superar as várias crises e as inúmeras formas de pobreza que ofendem a dignidade de cada pessoa; seja conforto para quantos padecem por causa das violências, calamidades naturais ou emergências sanitárias; e dê consolação a todos os perseguidos por causa da sua fé religiosa, especialmente os missionários e os fiéis sequestrados, e a quantos são vítimas de ataques de grupos extremistas.
O Santo Padre faz votos por que “o Filho de Deus, descido do Céu à terra, seja defesa e amparo” para quantos, por causa das injustiças, “devem emigrar na esperança duma vida segura”, pois é a injustiça que os obriga a atravessar desertos e mares, transformados em cemitérios, a suportar abusos indescritíveis, escravidões de todo o género e torturas em campos de detenção desumanos, e os repele de lugares onde poderiam ter a esperança duma vida digna e lhes faz encontrar muros de indiferença. E faz votos por que “o Emmanuel seja luz para toda a humanidade ferida”, “enterneça o nosso coração frequentemente endurecido e egoísta e nos torne instrumentos do seu amor” e, através de nós, “dê o seu sorriso às crianças de todo o mundo” (às crianças abandonadas e a quantas sofreram violências), “vista os pobres que não têm nada para se cobrirem, dê o pão aos famintos, cuide dos enfermos”, e “esteja próximo das pessoas idosas e de quantas vivem sozinhas, dos migrantes e dos marginalizados”.
Enfim, o Sumo Pontífice quer que, neste dia de festa, o Menino Deus “dê a todos a sua ternura e ilumine as trevas deste mundo”. E não se esqueceu de dizer que “todos somos chamados a dar esperança ao mundo anunciando, por palavras e, sobretudo, com o testemunho da nossa vida, que nasceu Jesus, nossa paz”.
2019.12.28 – Louro de Carvalho

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