Este enunciado
eclesial é uma peça nevrálgica na Mensagem Urbi
et Orbi do Papa Francisco no dia de Natal de 2019. Na verdade, olhando para
o presépio, olhamos com razão para Maria, a mãe virginal de Jesus, e é por Ela
e pelo Filho que nos espantamos com o mar de ternura de que o presépio é fiel
depositário e gerador de mais ternura amorosa.
É certo que
temos facilmente a noção de que a inclusividade presepial nos envolve a todos e
todos ali cabemos, com os pastores e as ovelhas, cordeiros e carneiros, o burro
e a vaca e todos os outros animais, mesmo os camelos que chegaram mais tarde a transportar
os magos com os alimentos de viagem e os presentes que ofertaram ao divino
Infante e com as reservas armazenadas nas bossas camelinas, bem como com todas
as pessoas que se deram conta do nascimento de Jesus e aquelas cuja curiosidade
as fez aproximar do cenário cujo centro é a gruta com a manjedoura em que está reclinado
o menino envolto em panos, pois a Sagrada Família não conseguira arranjar
melhor mansão para a efetivação da maternidade in facto esse. Porém, esquecemos que a maternidade de Maria é o
protótipo e antecipação da maternidade da Igreja, que gera novos filhos de Deus
pelo Batismo que entronca no lado aberto do Cristo adormecido na cruz e que se
levantou vitorioso do túmulo. E, se não foi a Igreja que gerou Cristo na carne,
é ela que tem o ser e a missão de o gerar para o mundo mostrando-O às pessoas e
aos povos e encaminhando para Ele, como pela ação do Espírito Santo o
sacerdote, com a comunidade e/ou representando-a, faz surgir o corpo e sangue
de Cristo no altar da Eucaristia. E, se, ao invés de Maria, a Cheia de Graça, a
Igreja ainda se sente pecadora por causa do pecado dos seus membros, reencontra
no banho do sangue de Cristo, que não conheceu o pecado, mas que o assumiu em
nossa vez, a pureza virginal dos eleitos com que se apresentará no fim dos
tempos segundo a bela imagem apocalíptica (vd Ap 7,9-14).
O título da
mensagem papal bem poderia ser o que encima estas nótulas, mas Francisco
preferiu fazer preceder a sua asserção eclesiológica do Natal pelo versículo
isaiano “O povo que andava nas trevas viu
uma grande luz” (Is 9,1)., com que se inicia a 1.ª leitura da Missa da Noite
de Natal. Na verdade, é a luz que nos faz ver que chegou o dia da libertação,
pois ficou despedaçado “o jugo que pesava sobre o povo”.
Por isso, “nesta
noite”, disse o Papa, “do ventre da mãe Igreja, nasceu de novo o Filho de Deus
feito homem”. E a mensagem recorda o significado do nome do menino: “seu nome é
Jesus, que significa Deus salva” – tal como expõe o núcleo basilar da missão do
menino: “O Pai, Amor eterno e infinito, enviou-O ao mundo, não para condenar o
mundo, mas para o salvar” (cf Jo 3,17). E a razão desta dádiva do Pai para todos e para sempre
é a misericórdia:
“O Pai no-Lo deu, com imensa misericórdia;
deu-O para todos; deu-O para sempre. E Ele nasceu como uma chamazinha acesa na
escuridão e no frio da noite.”.
E vincou o Pontífice
anaforicamente a Palavra como essência do menino:
“Aquele Menino, nascido da Virgem Maria, é a Palavra de Deus que Se fez carne; a Palavra que guiou o coração e os
passos de Abraão rumo à terra prometida, e continua a atrair aqueles que
confiam nas promessas de Deus; a Palavra
que guiou os judeus no caminho desde a escravidão à liberdade, e continua a
chamar os escravos de todos os tempos, incluindo os de hoje, para saírem das
suas prisões”.
É, como
refere o Papa, “Palavra mais luminosa do que o sol, encarnada num pequenino”
filho de mulher, Jesus, luz do mundo”. É por isso que o profeta verifica que “o
povo que andava nas trevas viu uma grande luz”. E, se há trevas no coração
humano; se há trevas nas relações pessoais, familiares, sociais; se há trevas
nos conflitos económicos, geopolíticos e ecológicos – “é maior a luz de Cristo”,
infinitamente maior.
É a alegria no meio das trevas densas de um povo itinerante
e deportado: o nascimento de um menino com títulos ilustres (Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno,
Príncipe da Paz); promessa dum futuro de paz, de justiça e de direito
para todos; maravilha realizada pelo Senhor do Universo.
***
E o Papa desfia votos para que a luz de Cristo chegue
a tantos e tantas que vivem em situação de trevas na mente, no coração ou no
ambiente que os/as rodeia: as crianças que
padecem a guerra e os conflitos no Médio Oriente e em vários países do mundo; o
povo sírio; a Terra Santa; o povo libanês; o Iraque; o Iémen; a Ucrânia; o continente
americano, nomeadamente a Venezuela; os povos de África, nomeadamente a
República Centro-Africana e o Burkina Faso, Mali, Níger e Nigéria.
Quer uma
sacudidela das consciências dos homens de boa vontade, a inspiração dos
governantes e da comunidade internacional, para o encontro de soluções que
garantam a segurança e a convivência pacífica dos povos e ponham termo aos seus
sofrimentos indescritíveis. Deseja que “o Menino pequerrucho de Belém” e “Redentor
do mundo” seja esperança e luz para todos os povos; abençoe os esforços de
quantos se empenham em favorecer a justiça e a reconciliação e trabalham para
superar as várias crises e as inúmeras formas de pobreza que ofendem a
dignidade de cada pessoa; seja conforto para quantos padecem por causa das
violências, calamidades naturais ou emergências sanitárias; e dê consolação a
todos os perseguidos por causa da sua fé religiosa, especialmente os
missionários e os fiéis sequestrados, e a quantos são vítimas de ataques de
grupos extremistas.
O Santo
Padre faz votos por que “o Filho de Deus, descido do Céu à terra, seja defesa e
amparo” para quantos, por causa das injustiças, “devem emigrar na esperança
duma vida segura”, pois é a injustiça que os obriga a atravessar desertos e
mares, transformados em cemitérios, a suportar abusos indescritíveis,
escravidões de todo o género e torturas em campos de detenção desumanos, e os
repele de lugares onde poderiam ter a esperança duma vida digna e lhes faz
encontrar muros de indiferença. E faz votos por que “o Emmanuel seja luz para
toda a humanidade ferida”, “enterneça o nosso coração frequentemente endurecido
e egoísta e nos torne instrumentos do seu amor” e, através de nós, “dê o seu
sorriso às crianças de todo o mundo” (às crianças abandonadas e a quantas
sofreram violências), “vista os
pobres que não têm nada para se cobrirem, dê o pão aos famintos, cuide dos enfermos”,
e “esteja próximo das pessoas idosas e de quantas vivem sozinhas, dos migrantes
e dos marginalizados”.
Enfim, o Sumo
Pontífice quer que, neste dia de festa, o Menino Deus “dê a todos a sua ternura
e ilumine as trevas deste mundo”. E não se esqueceu de dizer que “todos somos
chamados a dar esperança ao mundo anunciando, por palavras e, sobretudo, com o
testemunho da nossa vida, que nasceu Jesus, nossa paz”.
2019.12.28 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário