Recentemente Augusto Santos Silva, Ministro dos
Negócios Estrangeiros, produziu asserções que desgostaram o tecido empresarial
português. Como qualquer governante deve saber – e este por maioria de razão –
os ministros e secretários de Estado, aliás como os políticos, estão na ribalta
da crítica a propósito de palavras que proferem ou de gestos que exibem.
Todos lembram que o então Ministro do Ambiente Carlos
Borrego foi obrigado a demitir-se por ter contado uma anedota sobre os hemofílicos,
Jaime Gama, no tempo de Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, foi
repreendido pelo presidente do Parlamento António Almeida Santos por chamar
ignorante à então deputada Manuela Ferreira Leite, Manuel Pinho, então Ministro
da Economia, demitiu-se pelo que sussurrou no Parlamento para o então deputado
Bernardino Soares e pelo gesto de dedos e testa que fez, Mário Lino, quando Ministro
das Obras Públicas, foi gozado pelo galicismo “jamais” sobre a não possibilidade de construir o novo aeroporto na
margem Sul, o Ministro da Cultura João Soares demitiu-se por ter dito que dois
senhores mereciam um par de estalos e um Secretário de Estado da Educação foi
ensinado por Jaime Gama, presidente do Parlamento, a dirigir-se ao Presidente e
aos Deputados. Isto para não mencionar mais casos.
Quanto a Santos Silva, já foi criticado por dizer que
tinha que malhar na direita, por entender que a lei não se leva à letra. E
agora, falando das nossas empresas, disse que “a qualidade da gestão é fraca, os bancos só querem emprestar para a compra
da casa e o tecido industrial não ‘é capaz, por si só’, de perceber a
vantagem da inovação”.
O Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros fez esta afirmação pouco
diplomática – para chefe da nossa diplomacia – talvez com a autoridade que tem
de professor na Faculdade de Economia do Porto, onde também se formam gestores.
Será a qualidade da formação de gestores má sabendo o professor e ministro do
que fala? Ou as nossas empresas preferem a gestão amadora à gestão
profissionalizada? Ou furtam-se a pagar salário condigno a gestores?
Mas o professor, que foi governante em governos de António Guterres, de
José Sócrates e o tem sido nos de António Costa e que não zelou a administração
e gestão do Estado deixando que o 2.º Governo de José Sócrates tivesse levado o
país à quase bancarrota e à troika, falava em Coimbra para graduados e pós-graduados
portugueses no estrangeiro e considerou que o problema principal das empresas
portuguesas “está na sua descapitalização”, pois a banca “só gosta de emprestar dinheiro para compra de casa”, sendo que a
segunda fonte de problemas é falta da qualidade dos gestores. Por isso, o
governante quer que “os doutorados tragam mais qualidade para a gestão”.
E disse-o na sessão de encerramento do 8.º Fórum Anual de Graduados Portugueses
no Estrangeiro (GraPE 2019), que
decorreu no Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra.
Para o Ministro de Estado – foi nesta qualidade que interveio –, um tecido
industrial “muito pouco qualificado” e “muito pouco capitalizado” terá também
dificuldades em atrair jovens qualificados ou até em perceber as vantagens da
aposta na inovação.
E continuou na sua oração sapiencial: os empresários e os gestores não
percebem o que está em causa. E o Ministro receia que o atual tecido
industrial português seja capaz, por si só, “de perceber a vantagem em
trazer inovação para o seu seio e a vantagem em contratar pós-graduados e
doutorados”. Por isso, sentenciou que “é preciso mudar o tecido industrial”,
considerando que atrair investimento estrangeiro para o país também é uma forma
de o tecido nacional mudar, face à competição que vem de fora.
Segundo o governante, as empresas que se estão a instalar no país requerem
recursos humanos qualificados e localizações próximas de centros de
investigação e universidades, sendo que as empresas estrangeiras que investem
em Portugal se confrontam “crescentemente com falta de mão de obra qualificada,
incluindo doutorados”, especialmente nas áreas da “ciência de dados,
engenharias e informáticas”. Com efeito, para o Ministro, “o panorama português é de escassez de mão de obra qualificada e não um
panorama de abundância de mão de obra qualificada sem saídas profissionais”.
Na sua intervenção, Santos Silva frisou que as vagas de emigrantes dos anos
de 1960 e 70 foram responsáveis por mudanças no país, quer pelas remessas
enviadas para as famílias, quer pelas vindas periódicas nos verões, quer pela
requalificação do imobiliário ou a criação de pequenas e médias empresas nas
suas terras de origem.
Depois, “questionando o auditório, perguntou pelo contributo que os jovens
portugueses hoje emigrados darão ao país “daqui a 30 anos” e, “se há uma
espécie de laço ou de dívida em relação ao país, como é que se veem a
contribuir para o desenvolvimento de Portugal.
Por fim, solicitou aos jovens graduados que deem respostas no próximo
fórum, em 2020.
***
Menos de 48 horas depois de Santos Silva afirmar que um dos principais
problemas das empresas em Portugal “é a fraquíssima qualidade da gestão”,
António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de
Portugal), reagiu e respondeu:
“Ficámos assim a saber qual a imagem que um
dos mais importantes elementos do Governo tem das empresas e empresários
nacionais. A perceção confessada diz muito da forma como cumpre no exterior a
missão que o país lhe confiou. Promover o investimento externo no país e
denegrir injustamente a imagem de empresários e empresas portuguesas não me
parece ser exatamente aquilo que se entende como a nobre missão de defesa do
interesse nacional.”.
Este discurso, muito pouco diplomático, contraria o que o Governo, a várias
vozes, diz tantas vezes em conferências de empresas e empresários. E António
Saraiva recordou isso mesmo:
“É de tal modo insofismável a verdade dos factos
que comprovam que o milagre económico do país se deve essencialmente às
empresas e aos empresários portugueses, esse mesmo milagre de que o
Governo que Augusto Santos Silva faz parte tanto gosta de se gabar, aqui e
além-mar, que as afirmações proferidas pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros só podem ser entendidas por terem sido ditas por alguém que,
vivendo fechado em ambientes palacianos, há muito que não sai à rua para ver
como o mundo lá fora gira e avança.”.
A CIP reconhece os problemas de qualificações que ainda subsistem na gestão
das empresas portuguesas, e por isso tem lançado programas de formação a nível
empresarial, mas também lembra a carreira do próprio Ministro enquanto
governante. E Saraiva escreve:
“Não podemos é consentir que aquele que
maiores responsabilidades tem na promoção e defesa dos interesses de Portugal
seja aquele que mais destrata as empresas e empresários que arrancaram, com o
povo português, o Estado da falência em que a fraquíssima administração
política de sucessivos governos nos deixaram…. alguns de que o próprio Augusto
Santo Silva fez parte. (…) Não quero acreditar que estas afirmações
resultem de um sectarismo ideológico incapaz de reconhecer méritos e competências
à iniciativa privada.”.
***
Face a tal reação, o Ministro veio, através da TSF, em jeito de pedido de desculpa aos
empresários portugueses, dizer que “não queria ofender os empresários portugueses” e a sua intenção “nunca
foi denegrir
as empresas portuguesas”.
Ou seja, depois de ter identificado a fraquíssima qualidade da gestão como
um dos principais problemas das empresas nacionais, o ministro dos Negócios Estrangeiros vem agora pedir desculpa aos
empresários. O governante salienta que as palavras em
causa foram ditas num contexto muito particular e admite que não voltaria a
utilizar o mesmo argumento. Ainda assim, nota que há
problemas no tecido empresarial nacional que não podem ser disfarçados e
insiste na necessidade de as empresas contratarem gestores qualificados.
***
Do meu ponto de vista, Santos Silva tem razão nas asserções feitas. Só
pecou pela generalização de atribuição das mazelas gestionárias a todos os
gestores, a todos os empresários e a toda a banca. Estava no seu papel
político-pedagógico de puxar pelos doutorados. Por isso, o remédio não está em
não repetir mais o discurso, mas em passar a ressalvar a existência de alguns
bons gestores e alguns bons empresários e a puxar por eles como quis puxar pelos
doutorados.
Acredito que a CIP reconheça as debilidades de capitalização e gestão e
tenha feitos alguns esforços no sentido da melhoria. Porém, enquanto os custos
da produção se refletirem nos baixos salários, no trabalho em condições
desumanas, a situação não se recomendará e os esforços de qualificação serão
insuficientes. E, mesmo que tudo estivesse sobre rodas, haveria sempre muito caminho
por fazer.
2019.12.30 –
Louro de Carvalho
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