segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Um ministro deve saber que é escrutinado em suas palavras e gestos


Recentemente Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, produziu asserções que desgostaram o tecido empresarial português. Como qualquer governante deve saber – e este por maioria de razão – os ministros e secretários de Estado, aliás como os políticos, estão na ribalta da crítica a propósito de palavras que proferem ou de gestos que exibem.
Todos lembram que o então Ministro do Ambiente Carlos Borrego foi obrigado a demitir-se por ter contado uma anedota sobre os hemofílicos, Jaime Gama, no tempo de Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, foi repreendido pelo presidente do Parlamento António Almeida Santos por chamar ignorante à então deputada Manuela Ferreira Leite, Manuel Pinho, então Ministro da Economia, demitiu-se pelo que sussurrou no Parlamento para o então deputado Bernardino Soares e pelo gesto de dedos e testa que fez, Mário Lino, quando Ministro das Obras Públicas, foi gozado pelo galicismo “jamais” sobre a não possibilidade de construir o novo aeroporto na margem Sul, o Ministro da Cultura João Soares demitiu-se por ter dito que dois senhores mereciam um par de estalos e um Secretário de Estado da Educação foi ensinado por Jaime Gama, presidente do Parlamento, a dirigir-se ao Presidente e aos Deputados. Isto para não mencionar mais casos.
Quanto a Santos Silva, já foi criticado por dizer que tinha que malhar na direita, por entender que a lei não se leva à letra. E agora, falando das nossas empresas, disse que “a qualidade da gestão é fraca, os bancos só querem emprestar para a compra da casa e o tecido industrial não ‘é capaz, por si só’, de perceber a vantagem da inovação”.
O Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros fez esta afirmação pouco diplomática – para chefe da nossa diplomacia – talvez com a autoridade que tem de professor na Faculdade de Economia do Porto, onde também se formam gestores. Será a qualidade da formação de gestores má sabendo o professor e ministro do que fala? Ou as nossas empresas preferem a gestão amadora à gestão profissionalizada? Ou furtam-se a pagar salário condigno a gestores?
Mas o professor, que foi governante em governos de António Guterres, de José Sócrates e o tem sido nos de António Costa e que não zelou a administração e gestão do Estado deixando que o 2.º Governo de José Sócrates tivesse levado o país à quase bancarrota e à troika, falava em Coimbra para graduados e pós-graduados portugueses no estrangeiro e considerou que o problema principal das empresas portuguesas “está na sua descapitalização”, pois a banca “só gosta de emprestar dinheiro para compra de casa”, sendo que a segunda fonte de problemas é falta da qualidade dos gestores. Por isso, o governante quer que “os doutorados tragam mais qualidade para a gestão”. E disse-o na sessão de encerramento do 8.º Fórum Anual de Graduados Portugueses no Estrangeiro (GraPE 2019), que decorreu no Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra.
Para o Ministro de Estado – foi nesta qualidade que interveio –, um tecido industrial “muito pouco qualificado” e “muito pouco capitalizado” terá também dificuldades em atrair jovens qualificados ou até em perceber as vantagens da aposta na inovação.
E continuou na sua oração sapiencial: os empresários e os gestores não percebem o que está em causa. E o Ministro receia que o atual tecido industrial português seja capaz, por si só, “de perceber a vantagem em trazer inovação para o seu seio e a vantagem em contratar pós-graduados e doutorados”. Por isso, sentenciou que “é preciso mudar o tecido industrial”, considerando que atrair investimento estrangeiro para o país também é uma forma de o tecido nacional mudar, face à competição que vem de fora.
Segundo o governante, as empresas que se estão a instalar no país requerem recursos humanos qualificados e localizações próximas de centros de investigação e universidades, sendo que as empresas estrangeiras que investem em Portugal se confrontam “crescentemente com falta de mão de obra qualificada, incluindo doutorados”, especialmente nas áreas da “ciência de dados, engenharias e informáticas”. Com efeito, para o Ministro, “o panorama português é de escassez de mão de obra qualificada e não um panorama de abundância de mão de obra qualificada sem saídas profissionais”.
Na sua intervenção, Santos Silva frisou que as vagas de emigrantes dos anos de 1960 e 70 foram responsáveis por mudanças no país, quer pelas remessas enviadas para as famílias, quer pelas vindas periódicas nos verões, quer pela requalificação do imobiliário ou a criação de pequenas e médias empresas nas suas terras de origem.
Depois, “questionando o auditório, perguntou pelo contributo que os jovens portugueses hoje emigrados darão ao país “daqui a 30 anos” e, “se há uma espécie de laço ou de dívida em relação ao país, como é que se veem a contribuir para o desenvolvimento de Portugal.
Por fim, solicitou aos jovens graduados que deem respostas no próximo fórum, em 2020.
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Menos de 48 horas depois de Santos Silva afirmar que um dos principais problemas das empresas em Portugal “é a fraquíssima qualidade da gestão”, António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), reagiu e respondeu:
Ficámos assim a saber qual a imagem que um dos mais importantes elementos do Governo tem das empresas e empresários nacionais. A perceção confessada diz muito da forma como cumpre no exterior a missão que o país lhe confiou. Promover o investimento externo no país e denegrir injustamente a imagem de empresários e empresas portuguesas não me parece ser exatamente aquilo que se entende como a nobre missão de defesa do interesse nacional.”.
Este discurso, muito pouco diplomático, contraria o que o Governo, a várias vozes, diz tantas vezes em conferências de empresas e empresários. E António Saraiva recordou isso mesmo:
É de tal modo insofismável a verdade dos factos que comprovam que o milagre económico do país se deve essencialmente às empresas e aos empresários portugueses, esse mesmo milagre de que o Governo que Augusto Santos Silva faz parte tanto gosta de se gabar, aqui e além-mar, que as afirmações proferidas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros só podem ser entendidas por terem sido ditas por alguém que, vivendo fechado em ambientes palacianos, há muito que não sai à rua para ver como o mundo lá fora gira e avança.”.
A CIP reconhece os problemas de qualificações que ainda subsistem na gestão das empresas portuguesas, e por isso tem lançado programas de formação a nível empresarial, mas também lembra a carreira do próprio Ministro enquanto governante. E Saraiva escreve:
Não podemos é consentir que aquele que maiores responsabilidades tem na promoção e defesa dos interesses de Portugal seja aquele que mais destrata as empresas e empresários que arrancaram, com o povo português, o Estado da falência em que a fraquíssima administração política de sucessivos governos nos deixaram…. alguns de que o próprio Augusto Santo Silva fez parte. (…) Não quero acreditar que estas afirmações resultem de um sectarismo ideológico incapaz de reconhecer méritos e competências à iniciativa privada.”.
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Face a tal reação, o Ministro veio, através da TSF, em jeito de pedido de desculpa aos empresários portugueses, dizer que “não queria ofender os empresários portugueses” e a sua intenção “nunca foi denegrir as empresas portuguesas”.
Ou seja, depois de ter identificado a fraquíssima qualidade da gestão como um dos principais problemas das empresas nacionais, o ministro dos Negócios Estrangeiros vem agora pedir desculpa aos empresários. O governante salienta que as palavras em causa foram ditas num contexto muito particular e admite que não voltaria a utilizar o mesmo argumento. Ainda assim, nota que há problemas no tecido empresarial nacional que não podem ser disfarçados e insiste na necessidade de as empresas contratarem gestores qualificados.
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Do meu ponto de vista, Santos Silva tem razão nas asserções feitas. Só pecou pela generalização de atribuição das mazelas gestionárias a todos os gestores, a todos os empresários e a toda a banca. Estava no seu papel político-pedagógico de puxar pelos doutorados. Por isso, o remédio não está em não repetir mais o discurso, mas em passar a ressalvar a existência de alguns bons gestores e alguns bons empresários e a puxar por eles como quis puxar pelos doutorados.
Acredito que a CIP reconheça as debilidades de capitalização e gestão e tenha feitos alguns esforços no sentido da melhoria. Porém, enquanto os custos da produção se refletirem nos baixos salários, no trabalho em condições desumanas, a situação não se recomendará e os esforços de qualificação serão insuficientes. E, mesmo que tudo estivesse sobre rodas, haveria sempre muito caminho por fazer.
2019.12.30 – Louro de Carvalho  

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