segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Nova edição portuguesa do Missal Romano


A 14 de novembro, um comunicado da 197.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que decorreu de 11 a 14, diz que foi aprovada a nova edição portuguesa do Missal Romano, que seguirá o novo acordo ortográfico (prefiro a expressão ortografia segundo a reforma ortográfica de 1990 e definitivamente em vigor desde 2015), composto pelas seguintes partes: Documentos iniciais (Instrução Geral do Missal Romano e Normas Gerais sobre o Ano Litúrgico); Próprio do Tempo (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa); Ordinário da Missa; Próprio dos Santos; Missas Comuns; Missas Rituais; Missas e orações para diversas necessidades; Missas Votivas; Missas dos Defuntos; e Apêndices. Os Bispos manifestaram profundo agradecimento à Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade, ao Secretariado Nacional de Liturgia e a todos os colaboradores que levaram a bom termo este longo e minucioso trabalho, tão relevante para a celebração da liturgia em Portugal e nos Países lusófonos.
É de acautelar que só foi aprovada a nova edição do Missal, ainda não a dos Lecionários, que são livros diferentes do Missal. O Missal Romano (edição de altar) constitui um só volume, ao passo que o Lecionário Dominical ocupa três volumes (I, II e III – Anos A, B, C), o Lecionário Ferial outros três (IV, V, VITempos especiais, e Anos I e II), o Lecionário Santoral apenas um volume (VII) e o Lecionário para as Missas Rituais e outras, também apenas um volume (VIII).
De vez em quando aparecem, nas reedições dos Lecionários em português, algumas pequenas mudanças. Não são coisas de monta, pelo que não vale a pena comprar um novo Missal Popular só por causa disso. Quando muito, bastará introduzir essa alteração no exemplar que possuímos.
E outra coisa são as sucessivas edições ou reedições da Liturgia das Horas, onde vão sendo introduzidos os textos das celebrações dos novos santos e beatos, ou algumas correções à tradução do Saltério, por indicação de Roma. As edições dos fiéis são relativamente baratas. As outras, com o texto completo, são mais dispendiosas. Teremos de nos adaptar à ideia de que a imutabilidade das edições litúrgicas já fez a sua época. Mas as mudanças são, por vezes, tão pequenas, que será fácil acrescentá-las, no local apropriado, socorrendo-nos de um pequeno pedaço de papel.
Em declarações aos jornalistas, no final do encontro dos Bispos, Dom Manuel Clemente, presidente da CEP, indicou que o texto é proposto “no melhor português” que foi possível encontrar, “para ser mais fiel à edição original, que é a edição latina”.
Também já na 50.ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, que aconteceu em Aparecida (SP), em 2012, os bispos trataram, entre outros temas, da tradução do Missal Romano. Como se deve calcular, é um trabalho muito moroso. E, depois de as respetivas conferências episcopais darem por concluído o trabalho, o mesmo será apreciado pela Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos. 
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O texto original do Missal Romano (a editio typica latina) apresenta, na fórmula da consagração eucarística, o texto ‘qui pro vobis et pro multis effundetur in remissionem peccatorum’ (‘que será derramado por vós e por muitos para remissão dos pecados’); a expressão ‘pro multis’ tem sido traduzida como “por todos” (pro cunctis) em várias línguas, incluindo o português. E o Cardeal Patriarca de Lisboa indicou que a nova tradução mantém a expressão “por todos”. Não é uma expressão que traduza literalmente o original, mas responde ao sentido, sendo uma tradução interpretativa.
Os saudosistas rejubilaram com a indicação dada pela Santa Sé, em 2006, para a tradução do “pro multis” pela expressão portuguesa “por muitos”. E os missais que adotam a equivalente a esta nas suas línguas são chamados os Missais Pro Multis.  
Efetivamente o Papa São João Paulo II lançou em 2002 a 3.ª edição típica (em latim) do Missal Romano, que acrescenta festas para santos recém-canonizados, alguns novos prefácios, Missas e orações para várias necessidades e amplia a Instrução Geral do Missal Romano, que também vai já na 3.ª edição típica. As versões em língua vernácula ficam a cargo das conferências episcopais através do serviço competente.
Em 2006 a Santa Sé, como se disse, indicou que a tradução mais adequada em vernáculo da expressão latina pro multis que aparece na fórmula da consagração do vinho (com água ) é por muitos, em lugar de por todos (como consta em português, inglês, espanhol, etc.), por dois motivos: primeiro, uma tradução literal, não interpretativa, do latim multi e do grego πολλοί; depois, é preciso deixar claros dois ensinamentos da Fé: que Cristo derramou seu Sangue pela salvação de todos e que, no entanto, nem todos se salvam.
Porém é oportuno ter em conta que, ao ensinarem-me filosofia no Seminário, me levaram a distinguir entre totalidade matemática e totalidade moral. Por exemplo, se contei as pessoas todas que assistiram a um desafio de futebol e a soma deu 27201 pessoas, esta é uma totalidade matemática; se dizemos que todos dão mostras de acreditarem na imortalidade da alma, temos uma totalidade matemática. E, se pensarmos que estiveram numa praça de 5000 m2, à razão de 3 pessoas por m2, 15 mil, temos a totalidade estatística, baseada na probabilidade de todos o m2 terem 3 pessoas. E, falando de estatísticas e probabilidades, teremos muitíssimas surpresas.
A versão para os países de  língua inglesa foi aprovada em 2010 e a dos países de língua espanhola está na reta final. No Brasil, Dom Armando Bucciol, presidente da Comissão Episcopal para os Textos Litúrgicos, explicava que, pelo volume da tarefa, a tradução é feita “com muita tranquilidade”.
De momento, ainda está em uso a 2.ª edição típica do Missal. Dizem alguns ironicamente que se deve torcer para que a 4.ª edição não surja tão cedo, senão vai embolar o meio de campo.
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Uma nova edição dum livro litúrgico pode ser motivada por uma de duas razões: ou por ter sido publicada uma nova edição típica latina, ou por se encontrar esgotada a edição anterior da tradução portuguesa desse livro. No caso do Missal Romano em português, não se trata apenas duma reimpressão (caso de o stock estar nulo), mas da resposta à necessidade de atualização em conformidade com a 3.ª edição típica latina e com a adequação ao novo ordenamento ortográfico. E aqui não concordo com os críticos da decisão da CEP. Não compete à CEP tomar posição pública sobre a ortografia da língua, como não deve tomar posição partidária em ambiente de normalidade democrática, mas cabe-lhe respeitar o poder político legítimo e seguir as deliberações do mesmo que não contrariem a justiça e a moral. A reforma da ortografia é um ato político – a de 1945 foi muito menos contestada, pudera! – embora com suporte na linguística cujos peritos estão divididos.
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Sempre que a Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos publica, em latim, uma edição típica de um livro litúrgico, seguem-se 4 intervenções: o texto é traduzido para português (trabalho a cargo do Secretariado Nacional de Liturgia, órgão executivo da Comissão Episcopal de Liturgia); o texto é apresentado à CEP para exame e aprovação; o texto aprovado segue para a Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, a fim de ser examinado e confirmado; e o texto confirmado por Roma é editado pela CEP, por intermédio da Comissão Episcopal de Liturgia e do seu Secretariado Nacional. Essa edição passa a constituir a nova edição típica portuguesa do referido livro litúrgico. E os Missais Populares, para uso dos fiéis, publicados em Portugal, reproduzem essa edição típica e acrescentam-lhe as leituras, que fazem parte dos Lecionários Dominical e Ferial, Santoral e Ritual.
Dom Gil Antônio Moreira, Arcebispo de Juiz de Fora (Minas Gerais) diz que em todas Assembleias, a liturgia recebe um destaque especial:
O que estamos vendo é uma tradução mais adequada das orações que estão em latim, sejam as orações da Missa, sejam as orações eucarísticas que são fixas e esta tradução é importante para que haja sempre uma melhor compreensão e fidelidade ao texto original”. 
Esta tradução a ser feita com muito cuidado e zelo para depois ser encaminhada para a Santa Sé para aprovação final. Dom Gil afirma que o facto de a tradução estar a ser discutida há algum tempo se deve à minúcia com que a Igreja trata as coisas santas. Este cuidado todo, segundo o Arcebispo de Juiz de Fora, acontece porque “a liturgia é o ápice, o ponto alto da comunidade com Deus e, por isso, a Igreja tem de ser muito cuidadosa neste aspeto para que nada saia errado, para que não haja nenhum sinal, nenhuma palavra, nenhuma preposição que possa causar dificuldade no entendimento naquilo que se reza, que é a expressão da fé”. 
Enfim, é preciso calma, que a religião não acaba por a tradução demora muito ou por haver sucessivas versões do Missal Romano. Só me faz pena que, de uma vez por todas, não nos habituemos a tratar Deus, a Virgem Maria, os Anjos e Santos por “Tu” em vez do anacrónico “Vós” (Santa hipocrisia!, como se Deus levasse a mal…). Há bíblias que o fazem há tanto tempo! Reagia mal se colegas me tratavam por “vós” em vez do “tu”. Não se sentiam tão próximos para o “tu” nem tão distantes para o “você”.
E, no diálogo com o sacerdote, temos aberrações dialogais só para não o tratarmos por “tu”: V/ O Senhor esteja convosco. R/ Ele está mo meio de nós (só para não respondermos: E com o teu espírito). V/ A paz do Senhor esteja sempre convosco. R/ O amor de Cristo nos uniu (só para não respondermos: E com o teu espírito). Teologicamente está certo, mas fere a relação dialogal. “E com o teu espírito” (contigo, com o teu íntimo…) marca um bom desejo, não?
Já agora porque não tratamos Deus Pai e Deus Espírito Santo, por Vossa Divindade, Jesus Cristo por Vossa Divindade e Humanidade, os Anjos por Vossa Angelicidade, os Santos por Vossa Santidade, os Beatos por Vossa Beatitude, Maria por Vossa Virgindade e Maternidade e o Celebrante conforme manda o protocolo: Vossa Santidade, Vossa Eminência Reverendíssima, Vossa Excelência Reverendíssima, Vossa Reverendíssima e Vossa Reverência? E os leigos, Vossa Excelência ou Vossa Senhoria, conforme as categorias? Tudo ao contrário do que recomenda o apóstolo São Tiago, mas assim ficava tudo mais perfeitinho como o missal de capa dourada e marcadores com borla! Chegaríamos mais direitinhos ao Céu, não?!
2019.12.16 – Louro de Carvalho  

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