A 14 de novembro, um
comunicado da 197.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que
decorreu de 11 a 14, diz que foi aprovada a nova edição
portuguesa do Missal Romano, que
seguirá o novo acordo ortográfico (prefiro a expressão ortografia
segundo a reforma ortográfica de 1990 e definitivamente em vigor desde 2015),
composto pelas seguintes partes: Documentos
iniciais (Instrução Geral do Missal Romano e Normas Gerais sobre o Ano
Litúrgico); Próprio do Tempo
(Advento, Natal, Quaresma, Páscoa); Ordinário da Missa; Próprio
dos Santos; Missas Comuns; Missas Rituais; Missas e orações para diversas necessidades; Missas Votivas; Missas dos
Defuntos; e Apêndices. Os Bispos
manifestaram profundo agradecimento à Comissão Episcopal da Liturgia e
Espiritualidade, ao Secretariado Nacional de Liturgia e a todos os
colaboradores que levaram a bom termo este longo e minucioso trabalho, tão
relevante para a celebração da liturgia em Portugal e nos Países lusófonos.
É de acautelar que só foi
aprovada a nova edição do Missal, ainda não a dos Lecionários, que são livros
diferentes do Missal. O Missal Romano (edição de altar) constitui um só volume, ao passo que o
Lecionário Dominical ocupa três volumes (I, II e III
– Anos A, B, C), o Lecionário Ferial outros três (IV, V, VI – Tempos especiais, e Anos I e II), o Lecionário Santoral apenas um volume (VII) e o Lecionário para as Missas Rituais e outras, também apenas um
volume (VIII).
De vez em quando aparecem, nas reedições dos Lecionários
em português, algumas pequenas mudanças. Não são coisas de monta, pelo que não
vale a pena comprar um novo Missal Popular só por causa disso. Quando muito,
bastará introduzir essa alteração no exemplar que possuímos.
E outra coisa são as sucessivas edições ou
reedições da Liturgia das Horas, onde vão sendo introduzidos os textos das
celebrações dos novos santos e beatos, ou algumas correções à tradução do
Saltério, por indicação de Roma. As edições dos fiéis são relativamente
baratas. As outras, com o texto completo, são mais dispendiosas. Teremos de nos
adaptar à ideia de que a imutabilidade das edições litúrgicas já fez a sua
época. Mas as mudanças são, por vezes, tão pequenas, que será fácil
acrescentá-las, no local apropriado, socorrendo-nos de um pequeno pedaço de
papel.
Em declarações aos jornalistas, no final do
encontro dos Bispos, Dom Manuel Clemente, presidente da CEP, indicou que o
texto é proposto “no melhor português” que foi possível encontrar, “para ser
mais fiel à edição original, que é a edição latina”.
Também já na 50.ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, que aconteceu em Aparecida (SP), em 2012, os bispos trataram,
entre outros temas, da tradução do Missal Romano. Como se deve calcular, é
um trabalho muito moroso. E, depois de as respetivas conferências episcopais
darem por concluído o trabalho, o mesmo será apreciado pela Congregação do
Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.
***
O texto original do Missal Romano (a editio typica latina) apresenta, na fórmula da consagração
eucarística, o texto ‘qui pro vobis et pro multis effundetur in
remissionem peccatorum’ (‘que será derramado por vós e por muitos
para remissão dos pecados’); a expressão ‘pro multis’ tem sido traduzida
como “por todos” (pro cunctis) em várias línguas, incluindo o português. E o Cardeal Patriarca
de Lisboa indicou que a nova tradução mantém a expressão “por todos”. Não é uma
expressão que traduza literalmente o original, mas responde ao sentido, sendo
uma tradução interpretativa.
Os saudosistas rejubilaram com a indicação dada
pela Santa Sé, em 2006, para a tradução do “pro multis” pela expressão
portuguesa “por muitos”. E os missais que adotam a equivalente a esta nas suas
línguas são chamados os Missais Pro
Multis.
Efetivamente o Papa São João Paulo II lançou em
2002 a 3.ª edição típica (em latim)
do Missal Romano, que acrescenta festas para santos recém-canonizados, alguns
novos prefácios, Missas e orações para várias necessidades e amplia a Instrução
Geral do Missal Romano, que também vai já na 3.ª edição típica. As versões
em língua vernácula ficam a cargo das conferências episcopais através do
serviço competente.
Em 2006 a Santa Sé, como se disse, indicou
que a tradução mais adequada em vernáculo da expressão latina pro
multis que aparece na fórmula da consagração do vinho (com água ) é por muitos, em
lugar de por todos (como consta em português, inglês, espanhol, etc.),
por dois motivos: primeiro, uma tradução literal, não interpretativa, do
latim multi e do grego πολλοί; depois, é preciso deixar claros
dois ensinamentos da Fé: que Cristo derramou seu Sangue pela salvação de todos e
que, no entanto, nem todos se salvam.
Porém é oportuno ter em conta que, ao
ensinarem-me filosofia no Seminário, me levaram a distinguir entre totalidade
matemática e totalidade moral. Por exemplo, se contei as pessoas todas que
assistiram a um desafio de futebol e a soma deu 27201 pessoas, esta é uma
totalidade matemática; se dizemos que todos dão mostras de acreditarem na
imortalidade da alma, temos uma totalidade matemática. E, se pensarmos que
estiveram numa praça de 5000 m2, à razão de 3 pessoas por m2,
15 mil, temos a totalidade estatística, baseada na probabilidade de todos o m2
terem 3 pessoas. E, falando de estatísticas e probabilidades, teremos muitíssimas
surpresas.
A versão para os países de
língua inglesa foi aprovada em 2010 e a dos países de língua espanhola
está na reta final. No Brasil, Dom Armando Bucciol, presidente da Comissão
Episcopal para os Textos Litúrgicos, explicava que, pelo volume da tarefa, a
tradução é feita “com muita tranquilidade”.
De momento, ainda está em uso a 2.ª edição típica
do Missal. Dizem alguns ironicamente que se deve torcer para que a 4.ª
edição não surja tão cedo, senão vai embolar o meio de campo.
***
Uma nova edição dum livro litúrgico pode ser motivada
por uma de duas razões: ou por ter sido publicada uma nova edição típica
latina, ou por se encontrar esgotada a edição anterior da tradução portuguesa
desse livro. No caso do Missal Romano em português, não se trata apenas duma
reimpressão (caso de o stock estar nulo), mas da resposta à necessidade de
atualização em conformidade com a 3.ª edição típica latina e com a adequação ao
novo ordenamento ortográfico. E aqui não concordo com os críticos da decisão da
CEP. Não compete à CEP tomar posição pública sobre a ortografia da língua, como
não deve tomar posição partidária em ambiente de normalidade democrática, mas
cabe-lhe respeitar o poder político legítimo e seguir as deliberações do mesmo
que não contrariem a justiça e a moral. A reforma da ortografia é um ato
político – a de 1945 foi muito menos contestada, pudera! – embora com suporte
na linguística cujos peritos estão divididos.
***
Sempre que a Congregação do Culto Divino e da
Disciplina dos Sacramentos publica, em latim, uma edição típica de um livro
litúrgico, seguem-se 4 intervenções: o texto é traduzido para português (trabalho a cargo do Secretariado Nacional de Liturgia, órgão executivo da
Comissão Episcopal de Liturgia); o texto é apresentado à CEP para exame e aprovação; o texto aprovado
segue para a Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, a fim de
ser examinado e confirmado; e o texto confirmado por Roma é editado pela CEP,
por intermédio da Comissão Episcopal de Liturgia e do seu Secretariado Nacional.
Essa edição passa a constituir a nova edição típica portuguesa do referido
livro litúrgico. E os Missais Populares, para uso dos fiéis, publicados em
Portugal, reproduzem essa edição típica e acrescentam-lhe as leituras, que
fazem parte dos Lecionários Dominical e Ferial, Santoral e Ritual.
Dom Gil Antônio Moreira, Arcebispo de Juiz de Fora (Minas Gerais) diz que em todas Assembleias, a liturgia recebe um destaque especial:
“O que estamos vendo é uma tradução
mais adequada das orações que estão em latim, sejam as orações da Missa, sejam
as orações eucarísticas que são fixas e esta tradução é importante para que
haja sempre uma melhor compreensão
e fidelidade ao texto original”.
Esta tradução a ser feita com muito cuidado e zelo para depois ser
encaminhada para a Santa Sé para aprovação final. Dom Gil afirma que o facto de
a tradução estar a ser discutida há algum tempo se deve à minúcia com que a
Igreja trata as coisas santas. Este cuidado todo, segundo o Arcebispo de Juiz
de Fora, acontece porque “a liturgia é
o ápice, o ponto alto da comunidade com Deus e, por isso, a Igreja tem
de ser muito cuidadosa neste aspeto para que nada saia errado, para que não haja nenhum sinal, nenhuma palavra,
nenhuma preposição que possa causar dificuldade no entendimento naquilo que se
reza, que é a expressão da fé”.
Enfim, é preciso calma, que a religião não acaba por a tradução demora
muito ou por haver sucessivas versões do Missal Romano. Só me faz pena que, de
uma vez por todas, não nos habituemos a tratar Deus, a Virgem Maria, os Anjos e
Santos por “Tu” em vez do anacrónico “Vós” (Santa hipocrisia!, como se Deus levasse a mal…). Há bíblias que o fazem há tanto
tempo! Reagia mal se colegas me tratavam por “vós” em vez do “tu”. Não se
sentiam tão próximos para o “tu” nem tão distantes para o “você”.
E, no diálogo com o sacerdote, temos aberrações dialogais só para não o
tratarmos por “tu”: V/ O Senhor esteja convosco. R/ Ele está mo meio de nós (só para não respondermos: E com o teu
espírito). V/ A paz do Senhor esteja sempre convosco. R/ O amor de Cristo nos uniu
(só para não respondermos: E com o teu
espírito). Teologicamente está certo, mas fere a relação dialogal. “E com o teu espírito”
(contigo, com o teu íntimo…) marca um bom desejo, não?
Já agora porque não tratamos Deus Pai e Deus Espírito Santo, por Vossa
Divindade, Jesus Cristo por Vossa Divindade e Humanidade, os Anjos por Vossa
Angelicidade, os Santos por Vossa Santidade, os Beatos por Vossa Beatitude,
Maria por Vossa Virgindade e Maternidade e o Celebrante conforme manda o
protocolo: Vossa Santidade, Vossa Eminência Reverendíssima, Vossa Excelência
Reverendíssima, Vossa Reverendíssima e Vossa Reverência? E os leigos, Vossa
Excelência ou Vossa Senhoria, conforme as categorias? Tudo ao contrário do que
recomenda o apóstolo São Tiago, mas assim ficava tudo mais perfeitinho como o
missal de capa dourada e marcadores com borla! Chegaríamos mais direitinhos ao Céu,
não?!
2019.12.16 – Louro de
Carvalho
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