Mais de 60% dos diretores entendem que as respostas
aos alunos com necessidades educativas especiais melhoraram, ao passo que a maioria
dos professores tem um entendimento contrário. É esta a conclusão global a que
chegou a FENPROF (Federação Nacional dos Professores), que lançou um inquérito cujos resultados acaba de divulgar.
A um ano e 5 meses após a publicação do Decreto-Lei
n.º 54/2018, de 6 de julho, que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva – estipulando
os princípios e normas
que garantem a inclusão, como processo que visa responder à diversidade das
necessidades e potencialidades de todos e de cada um dos alunos, através do
aumento da participação nos processos de aprendizagem e na vida da comunidade
educativa; identificando as medidas de
suporte à aprendizagem e à inclusão, as áreas curriculares específicas, bem
como os recursos específicos a mobilizar para responder às necessidades educativas
de todas e de cada uma das crianças e jovens ao longo do seu percurso escolar,
nas diferentes ofertas de educação e formação; e aplicando-se
aos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, às escolas profissionais e
aos estabelecimentos da educação pré-escolar e do ensino básico e secundário
das redes privada, cooperativa e solidária – surge
agora um primeiro balanço que mostra que diretores e professores têm visões diferentes quanto ao
novo modelo de Educação Inclusiva, que sucede ao delineado no Decreto-Lei n.º
3/2008, de 7 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 21/2008,
de 12 de maio, o qual sucedeu ao Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de agosto.
É de registar que, para lá
do diploma que estabelece o novo modelo de educação inclusiva, que até prevê a
criação em todas as escolas a ação do centro
de apoio à aprendizagem inclusiva, para o qual cada agrupamento ou escola
não agrupada deve elaborar um regulamento (além de outros
instrumentos), foi publicado, nos termos do art.º 32.º, o manual de apoio à prática inclusiva, elaborado pela Direção-Geral da
Educação, em colaboração com a Direção-Geral da Saúde e o Instituto Nacional
para a Reabilitação, I. P., dirigido às escolas e seus profissionais, aos pais
ou encarregados de educação e outros envolvidos na educação inclusiva.
***
De que forma
os docentes e as direções das escolas e agrupamentos avaliam o regime de
Educação Inclusiva, aprovado no ano passado? A FENPROF interrogou-se sobre o assunto, realizou um inquérito, recolheu
opiniões e desabafos, tirou conclusões e explica os motivos desta auscultação à
comunidade educativa:
“A FENPROF, por considerar que de bondosas
intenções está o inferno cheio, quis saber qual a distância entre a teoria,
neste caso, presente no discurso dos governantes e inscrita no quadro legal, e
a prática. Como todas as distâncias, também esta se mede no terreno, ou seja,
nas escolas. Foi, por isso, ao terreno, isto é, aos docentes e às direções das
escolas que a FENPROF dirigiu o inquérito.”.
Os números, que não deixam margem para dúvidas,
indicam que 63% das direções das escolas consideram que a resposta aos alunos
com necessidades educativas especiais melhorou com o novo modelo, enquanto 18,5%
dizem que não. Da parte dos docentes, só 15,6% afirmam que a resposta melhorou
e a maioria, 67,8%, considera que não melhorou, e metade diz que até piorou. Ao
todo, 18,5% das direções não respondem ou não têm opinião. Nos docentes, essa
percentagem é de 16,6%, ligeiramente inferior.
Quem acha que o modelo tem aspetos positivos aponta
como tais, por exemplo: um maior envolvimento dos docentes, um trabalho mais
colaborativo entre os vários professores intervenientes, uma maior
sensibilização da comunidade para os problemas da inclusão, uma maior interação
entre os alunos. Além disso, são abrangidos mais alunos, ou seja, também os que
apresentam necessidades de caráter temporário e não apenas os que lidam com
dificuldades permanentes. Também se apresenta como positivo o aumento da
permanência dos alunos com necessidades educativas especiais nas turmas, durante
a atividade letiva. E outro ponto positivo sustentado pelos inquiridos é que “a
resposta não assenta num modelo clínico, não tendo por base um diagnóstico
dessa natureza, que também contribui para que deixe de existir a categorização
ou catalogação dos alunos”.
Do lado do que não melhorou e até piorou, com a
aplicação do regime de Educação Inclusiva, estão diversos reparos. Um deles menciona
a escassez de tempo disponibilizado para a implementação do modelo, faltando,
por isso, o suficiente de oportunidade para debater, refletir, aprofundar e
perceber plenamente os objetivos do novo regime. Outros pontos negativos são, por
exemplo, a carência de recursos humanos, materiais e físicos, bem como a
estagnação orçamental para aplicação do modelo.
Por outro lado, aduz-se que redução do tempo de apoio
direto aos alunos com necessidades educativas especiais por parte dos docentes
de Educação Especial veio confirmar que deveria ter havido um aumento do número
desses professores. Além disso, a permanência dos alunos com necessidades
educativas especiais durante mais tempo na turma deveria implicar a redução do
número de estudantes por turma, a eliminação de turmas com vários anos de
escolaridade no 1.º Ciclo do Ensino Básico e mais recursos para situações de
maior complexidade nas escolas.
E a comunidade educativa refere mais aspetos negativos,
por exemplo: uma “maior conflitualidade na sala de aula, com aumento de
situações de indisciplina, o que decorre da falta de recursos adequados e da
dimensão das turmas”, bem como um “aumento significativo da burocracia que
resulta, designadamente, da transição entre regimes”.
Obviamente que “a sobrecarga horária e de trabalho dos
docentes dificulta, por falta de tempo, a articulação entre docentes titulares
de turma, coadjuvantes e de Educação Especial, pelo que deveria existir um
crédito horário para os docentes, com implicação na sua componente letiva”. E,
apesar de se exigir o envolvimento de todos os docentes, regista-se que “não
houve estratégias de formação que os tivessem envolvido e preparado para as
respostas a dar.
A organização sindical que promoveu o lançamento do
inquérito e o respetivo tratamento de dados encontra explicações terríveis para
estas opiniões divergentes:
“A maioria das direções [muitos dos seus
elementos estão longe da sala de aula], que foram submetidas a ações promovidas
pelo Ministério da Educação, parecem responder de acordo com o que lhes foi
transmitido e o quadro legal contempla; já os docentes, porque vivem,
diariamente, os problemas que resultam da aplicação deste regime sem que
tivessem sido criadas as condições indispensáveis, têm opinião diferente”.
Além dos dados objetivos revelados pelo inquérito, a
FENPROF divulga alguns desabafos recolhidos no inquérito e adianta por que
razão o faz: são desabafos que não pode ignorar “porque correspondem ao
sentimento dos professores e educadores”. Afirma uma professora e mãe de uma
criança com necessidades educativas especiais:
“Esta é uma legislação exclusiva,
economicista e desumana parecendo que o que incomoda são os alunos”.
Mas há mais comentários. “Este regime não tem sido
benéfico nem para os alunos com necessidades educativas especiais nem para os
outros”, “os alunos com necessidades educativas especiais sentem-se ainda mais
excluídos”, “os alunos com necessidades educativas especiais ficam com as suas
fragilidades mais expostas”, “arranjaram alguém para sobrecarregar e
responsabilizar: o professor”.
Obviamente, a acusação de legislação economicista não
é só um desabafo. Pertence ao circuito global que cerceia a estruturação e funcionamento
da ação educativa, como aliás toda a matéria atinente ao serviço público em Portugal
– tudo sob a ditadura do Ministério das Finanças. E, se o Ministro parece um
tanto generoso, vem o dictat da DGO (Direção-Geral
do Orçamento).
Os resultados merecem atenção e análise e a FENPROF
alerta:
“As respostas dadas pelas direções das
escolas/agrupamentos e pelos docentes são quase diametralmente opostas. São uma
espécie de espelho que reflete o inverso, com cerca de 2/3 das direções a
afirmar que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais
(designação que foi abolida, mas estas necessidades mantêm-se) melhorou,
enquanto um pouco mais de 2/3 dos docentes responderam que a resposta piorou.”.
A organização sindical pergunta:
“Será, no caso das direções, a falta de alguma
informação ou mesmo sensibilidade para o que se passa na sala de aula? Ou será,
apenas, vontade de agradar ao poder, ainda que afastando-se daquele que é o
verdadeiro sentimento da escola, desde logo dos seus profissionais?”.
Ninguém contesta a necessidade de a educação ter um
caráter inclusivo. Ao invés, como diz a FENPROF, “os professores têm estado
sempre na primeira linha das mudanças em Educação”, contudo, sabem distinguir
entre mudanças que permitem melhorar as respostas da escola e as que vão em
sentido diverso, “ainda que, no plano estritamente conceptual (e legal) pareçam adequadas e positivas”. Poderá ser essa a
questão que divide direções de escolas e docentes”.
Para esta estrutura sindical, o ME (Ministério
da Educação) deve
analisar os resultados do inquérito, escutar os professores e não só as
direções das escolas, avaliar o que aconteceu desde a aplicação do novo regime
jurídico. Em seu entender, a tutela deve ter “a coragem política de corrigir os
problemas que estão criados garantindo, assim, uma educação efetivamente
inclusiva”. Esta estrutura representativa dos docentes disponibiliza-se para
reunir com a tutela para uma avaliação que tem de ser feita e para apresentar propostas
respondam aos problemas.
Quando da aprovação do decreto-lei, em 2018, a FENPROF
alertou, num parecer adrede elaborado, para o facto de não se prever a redução
do número de alunos por turma, para a falta de recursos humanos, não só
docentes como não docentes, e para a previsível falta de apoio direto aos
alunos com necessidades educativas especiais. Já em março deste ano, apresentou
diversas propostas ao ME: a possibilidade das escolas, no âmbito da sua
autonomia, poderem reduzir o número de alunos por turma e reforçar os recursos
humanos adequando-os às necessidades dos alunos, e dos anos letivos 2018-19 e
2019-2020 serem considerados como de transição entre o anterior e o atual
regime de Educação Inclusiva.
Por tudo, a FENPROF preocupa-se e
empenha-se em desenvolver as ações que levem à aprovação dum regime de
verdadeira inclusão. O novo regime que decorre do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6
de julho, não garante uma verdadeira inclusão e põe em causa, mesmo, os
direitos sociais, educativos e constitucionais do cidadão com deficiência. Pessoalmente,
penso que a inclusão não tem de consistir na ocupação permanente do mesmo
espaço educativo. Cada caso é um caso. E, se muitas crianças e jovens devem
partilhar espaços com os outros, casos há em que a exposição da deficiência é chocante
para os próprios e impeditiva da aprendizagem dos outros.
Não vejo que o tempo para a
implementação tenha sido curto, até houve debate antes do decreto, mas faltou a
formação de professores para o efeito e aumentou a burocracia. Depois, esquecemos
que muitos dos docentes de educação especial vêm de formação inicial para
grupos diferentes dos que ora integram. Talvez
a inclusão deve ser repensada noutros moldes.
2019.12.08 – Louro de Carvalho
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