segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

NATO assinalou 70.º aniversário com tensões entre os Estados-membros


Decorreu, dentro do perímetro da capital britânica, em 3 e 4 de dezembro, a cimeira da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que assinalou o 70.º aniversário da sua criação. E, o anfitrião (e Primeiro-Ministro britânico Boris Johnson) lembrou que o compromisso de defesa mútua está no centro da aliança, que protege “quase mil milhões de pessoas” sob o princípio de “um por todos e todos por um”.
A rainha Isabel II, já com 66 anos de reinado (só menos 4 que a NATO), recebeu os participantes na cimeira e estava em boa tanto pessoal como política e diplomaticamente.
O primeiro dia, de encontros informais, ficou marcado pelas divergências sobre a ação militar da Turquia no norte da Síria e os gastos militares de cada país com a organização. E, no segundo dia, o encontro formal, após a tradicional “fotografia de família” dos líderes de Estado e de Governo da aliança cobriu questões como os ataques cibernéticos e o desafio estratégico que a China representa.
Embora o futuro do bloco de 29 Estados-membros não esteja em dúvida, há divergências, como se disse, quanto à recente ação militar da Turquia no norte da Síria e aos gastos militares de cada país com a organização (sintetizava a estação britânica CNN). Com efeito, desde que foi eleito Presidente dos EUA em 2016, Donald Trump tem criticado com veemência as contribuições de outros aliados para a defesa comum. Por outro lado, as estimativas da NATO para este ano mostram que, além dos Estados Unidos, há 8 países que cumprem a meta, acordada por todos os Estados-membros, de gastar 2% ou mais do respetivo PIB (Produto Interno Bruto) em defesa.
Antes de partir para a capital britânica, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que se oporia ao plano de defesa da NATO para o Báltico se a aliança não o apoiasse na luta contra militantes curdos na Síria, que Ancara considera terroristas. No entanto, esse apoio não colheu junto dos outros líderes. O Presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou mesmo:
A Turquia está agora a combater aqueles que lutaram connosco, ombro a ombro, contra o [autoproclamado] Estado Islâmico”.
A decisão de Erdogan de comprar um sistema russo de defesa antimísseis acentuou as tensões. Trump considerou impor sanções a Ancara (o que não foi aceite) pela compra do sistema S-400, enquanto Macron lançava a pergunta: “Como é possível ser-se um membro da aliança e comprar coisas à Rússia?”.
É óbvio que um dos temas críticos no seio da aliança é a intervenção militar turca na Síria, que motivou um encontro entre os líderes de França, Alemanha, Reino Unido e Turquia. No entanto, após a reunião, que ocorreu antes do arranque oficial da cimeira, o Presidente francês fez saber que o encontro foi “inconclusivo”, mas que há “vontade de avançar”. 
Também a chanceler alemã Angela Merkel se mostrou otimista com o que classificou como “uma reunião boa e útil”, mas que “deve ser encarada apenas como o início de uma discussão mais longa, porque o tempo foi limitado” sugerindo nova reunião em fevereiro do próximo ano.
Emmanuel Macron destacou o facto de todos os participantes no encontro terem demonstrado uma vontade clara de provar que “a prioridade é a luta contra o [grupo ‘jihadista’] Estado Islâmico e o terrorismo na região”. Ora, as relações entre a França e a Turquia tornaram-se mais tensas desde que Ancara lançou a ofensiva militar no nordeste da Síria contra a milícia curda, que tinha lutado ao lado dos Estados Unidos contra o grupo extremista Estado Islâmico.
Enquanto decorria a reunião de Recep Erdogan em Londres, o conflito na Síria continuava, provocando a morte de 44 pessoas com o colapso de um prédio, o que faz desta data, segundo o Observatório para os Direitos Humanos, o dia mais sangrento do conflito desde julho passado.
Também Trump e Macron se envolveram numa troca de galhardetes. No mês passado, o Presidente francês declarava que o compromisso de Washington com a aliança estava a desvanecer. E o homólogo norte-americano, no dia 3, classificou como “muito desrespeitosas”, “desagradáveis” e insultuosas as recentes declarações de Emmanuel Macron sobre a alegada “morte cerebral” da NATO. E disse que até são perigosas, pois ninguém precisa mais da NATO do que a França. Porém, em conferência de imprensa conjunta com Trump, Macron reiterou a ideia defendida anteriormente.
O Presidente francês disse manter a declaração que fez sobre a NATO numa entrevista ao The Economist em novembro, em que disse que a organização, que enfrenta sérios problemas internos, está em “morte cerebral”.
Porém, o Presidente norte-americano disse estar confiante de que é possível resolver “a pequena disputa” que tem com Macron sobre o funcionamento da NATO, após terem abordado a questão do financiamento da organização. Enquanto Trump voltou a insistir na ideia de que os aliados devem fazer um maior esforço financeiro, Macron disse que não se trata “apenas de dinheiro” e que o mais importante é existir uma “estratégia clara” sobre o que deve ser a NATO. E Macron pediu mais diálogo estratégico com a Rússia, mas “sem ingenuidade”. Fê-lo em reação a declarações do Presidente Vladimir Putin, que disse estar disponível para cooperar com a NATO, apesar do comportamento “cruel” da organização para com as posições russas.
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Por seu turno, o Primeiro-Ministro português, António Costa, fez referência ao clima de confiança, unidade e cooperação que marcou o debate, sintetizando:
Quem temia que a cimeira revelasse uma NATO dividida e enfraquecida pode ficar desiludido. Quem tinha a esperança de que a NATO tivesse aqui uma afirmação muito clara da sua unidade pode estar satisfeito.”.
A declaração de António Costa tinha subjacentes as posições desencontradas manifestadas, no dia 3, pelos Presidentes dos Estados Unidos e da França.
Segundo a narrativa do Primeiro-Ministro, todos os parceiros concordaram que a NATO tem um papel essencial e que “o reforço do pilar europeu da NATO não é um caminho para o divórcio transatlântico, mas para podermos ter um maior equilíbrio entre estas duas frentes e assim reforçar o conjunto da NATO”. E, revelando que, afora alguma frase mais mediática que uns ou outros tenham produzido fora do debate, “a reunião demonstrou que a NATO não atravessa nenhuma crise existencial”, garantiu que o debate entre os líderes, que durou menos de três horas, decorreu de forma “muito franca, tranquila e serena”, tendo sido “muito claro o objetivo de todos reafirmarem a unidade e a confiança acrescida na solidariedade transatlântica”.
Assim, reconheceu que o encontro de Londres “foi significativamente diferente” da cimeira de 2018, em Bruxelas, quando o Presidente norte-americano chegou a ameaçar com uma retirada da NATO, caso os outros parceiros não aumentassem o seu esforço financeiro na área da defesa. Questionado sobre o comportamento de Donald Trump, no dia 4, António Costa disse que “foi totalmente normal”. Aliás, descreveu todo o evento como um “retomar da normalidade no relacionamento entre todos, com grande franqueza e espírito construtivo e grande vontade de reforçar a unidade.
Agora, Trump voltou a apontar o dedo aos parceiros por não direcionarem mais fundos para despesas militares. Mas Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, lembrou os aumentos das contribuições por parte da Europa, Turquia e Canadá, que pensam investir, em conjunto, até 2024 cerca de 400 mil milhões de dólares, mas frisando que “os Estados europeus e o Canadá não devem investir em defesa para agradar ao Presidente Trump”. Segundo Jens Stoltenberg, “devem fazê-lo porque estamos diante de novas ameaças e desafios” e “o ambiente de segurança tornou-se mais perigoso”.
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Também a afirmação da China como gigante económico está a colocar problemas de segurança, que a NATO identificou como críticos e para os quais procura ainda respostas consensuais entre os países membros. Pela primeira vez, a aliança reconheceu os desafios provenientes do rápido crescimento do país e os 29 Estados-membros da NATO assinaram uma declaração acerca da futura relação com Pequim. E o secretário-geral da NATO explicou:
É muito importante que tenhamos acordado que precisamos de enfrentar juntos a ascensão da China. Porque, até agora, este era um tema que não estava na nossa agenda (…). Mas agora reconhecemos, naturalmente, que a ascensão da China tem implicações de segurança para todos nós.”.
Os líderes dos países da aliança quiseram ainda discutir a questão do sistema de 5G e as ameaças de segurança que esta tecnologia de comunicação colocará, no momento em que uma das empresas que está mais avançada, a Huawei, tem fortes ligações ao Governo de Pequim.
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O embaixador de Portugal na NATO não duvida de que o elo transatlântico está para durar e de que a Turquia é um aliado vital na Organização. Ao fim dum mandato de 4 anos na sede da Organização, em Bruxelas, Luís Almeida Sampaio está de saída para um novo posto em Praga e está a escrever um livro sobre a Aliança Atlântica sob o título “Da queda do muro de Berlim ao fim da relação transatlântica?”. E, sobre o alegado envelhecimento da organização, diz que hoje 70 anos é ser-se muito novo e que a NATO também faz jus ao nosso tempo nesse sentido, sendo 70 anos de enormes sucessos e de principal garantia da nossa segurança coletiva.
Falando ainda antes da cimeira deste mês de dezembro, opinava que as relações entre 29 países –  que serão 30 (com a entrada da República da Macedónia do Norte) – com líderes que têm personalidades muito vincadas e ideias próprias e países que têm interesses estratégicos que foram evoluindo com o tempo, “é obra notável conciliar esses interesses e criar um debate”.
Não tem dúvidas de que estas cimeiras da NATO são “uma profissão de fé” e que isso iria acontecer também, desta feita, em Londres, sendo que esta cimeira “ficará certamente na história da Aliança Atlântica, na vitalidade, na grande importância que continua a ter, sobretudo do ponto de vista da segurança e da defesa”. Não concorda com a asserção de Macron de que a organização está em “morte cerebral”, pois “só uma organização que fosse monolítica – que não debatesse, onde não houvesse confronto de ideias, onde não houvesse divergências para serem discutidas de uma forma muito franca e muito inteligente – é que estaria nessas condições”. E assume-se como “testemunha quotidiana de que a NATO está bem e recomenda-se”.
Quanto às queixas do Primeiro-Ministro grego sobre as “descaradas violações do direito internacional” por parte da Turquia e em relação à recente da ofensiva turca na Síria, disse:
A posição geoestratégica da Turquia é única. Basta pensar na Síria, no Iraque. A Turquia está numa situação geográfica altamente complexa. Aquilo que é muito importante é que – para lá dessas dificuldades que a ofensiva turca na Síria causou – saia um caminho claro que permita que essas diferenças sejam aplanadas e que a Turquia possa continuar a desempenhar o seu papel relevantíssimo no quadro da Aliança Atlântica, em benefício da segurança coletiva.”.
Não pensa que se fecham demasiado os olhos às decisões de Ancara (isso não existe na NATO), mas há que ter em conta os seus circunstancialismos históricos e o seu contexto estratégico e perceber que “a Turquia é vital para a nossa segurança coletiva”.
Julga, quanto à reflexão sobre o futuro da NATO: 
Ainda é muito cedo para dizer que forma vai ter, que modalidade vai assumir, se vai ser algo parecido com aquilo que se fez no final dos anos 60 com o famoso relatório Harmel ou se vai assumir outro formato”.
Lembra que o relatório Harmel introduzia a componente “diálogo” no relacionamento da NATO com o adversário principal da época, a União Soviética, e refletia sobre o reforço da dimensão política da NATO, sendo para aí que esta reflexão aprofundada vai apontar: para um reforço da dimensão política da Aliança Atlântica – o que está nas mãos dos líderes, que são os decisores.
Sobre a importância de tal dimensão política, quando o Reino Unido está a sair da UE, diz que, sendo este o segundo maior contribuinte em matéria de defesa no quadro da NATO, é natural que, “se o Brexit se materializar, o papel do Reino Unido no quadro da NATO saia mais valorizado e fortalecido”.
Quanto à questão de a repartição de despesas estar ou não ultrapassada, esperava da cimeira uma abordagem positiva. Com efeito, “as despesas dos Aliados europeus em matéria de defesa foram diminuindo ao longo do tempo, até 2014”, tendo eles vivido o que se convencionou chamar os anos do “dividendo da paz”. E explica a mudança:  
Em 2014, a anexação ilegal e ilegítima da Crimeia pela Rússia, a intervenção russa no leste da Ucrânia e um contexto estratégico e até securitário muito mais complexo e perigoso (...) impõem que os países membros da NATO aumentem as suas despesas com a defesa. O que estão a fazer de forma significativa. A curva descendente não só parou, como há neste momento uma claríssima curva ascendente.”.
Assim, na opinião do embaixador, todos estão a honrar o compromisso com o investimento em defesa de que todos os aliados cheguem a, pelo menos, 2% do PIB até 2024, embora uns o façam mais depressa do que outros. E chama a atenção para o facto de as despesas com a defesa não se cingirem ao lado financeiro. Por exemplo, há que pensar no que Portugal está a fazer no domínio da ciberdefesa, investindo significativamente na criação de condições para que a Academia da NATO (que recentemente iniciou funções em Oeiras) tenha papel relevante nessa matéria.
Avalia o seu mandato de 4 anos como embaixador na NATO como de “anos extraordinários”. Não sendo a primeira vez que lida com assuntos da NATO, diz que este foi o seu primeiro posto diplomático e que teve o privilégio de ser chefe de gabinete adjunto do então secretário-geral Manfred Wörner no período em que ocorreu a queda do Muro de Berlim, a implosão da União Soviética, a abertura da NATO e das instituições europeias aos países do resto do centro da Europa. Regressado de Berlim há 4 anos, encontrou uma NATO diferente, maior, mais alargada e com desafios diferentes, como o terrorismo, as fragilidades e instabilidades da vizinhança a sul e uma Rússia assertiva e agressiva. Mas o mais importante é que a relação transatlântica (e a importância de que representa o ocidente em matéria de segurança e defesa, mas também de comunidade de valores) permanece intacta. Assim, a NATO é a mesma, com o mesmo ADN desde a sua fundação há 70 anos. E a resposta ao título do seu livro “Da queda do muro de Berlim ao fim da relação transatlântica?” é que “a relação transatlântica está para durar e está de boa saúde”.
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E uns dizem mal, outros tapam o sol com a peneira e outros garantem a boa saúde da Aliança Atlântica! Seja para bem de todos…
2019.12.09 – Louro de Carvalho

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