Decorreu, dentro do perímetro da capital britânica, em 3 e 4 de dezembro,
a cimeira da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que assinalou o 70.º aniversário da sua criação. E,
o anfitrião (e Primeiro-Ministro britânico Boris Johnson) lembrou que o compromisso de defesa mútua está no centro da aliança, que
protege “quase mil milhões de pessoas” sob o princípio de “um por todos e todos
por um”.
A rainha Isabel II, já com 66 anos de reinado (só menos 4
que a NATO), recebeu os participantes na
cimeira e estava em boa tanto pessoal como política e diplomaticamente.
O primeiro dia, de encontros informais, ficou marcado pelas divergências
sobre a ação militar da Turquia no norte da Síria e os gastos militares de cada
país com a organização. E, no segundo dia, o encontro formal, após a tradicional “fotografia de família” dos líderes de Estado e
de Governo da aliança cobriu questões como os ataques cibernéticos e o desafio
estratégico que a China representa.
Embora o futuro do bloco de 29 Estados-membros não
esteja em dúvida, há divergências, como se disse, quanto à recente ação militar
da Turquia no norte da Síria e aos gastos militares de cada país com a
organização (sintetizava a estação britânica CNN). Com
efeito, desde que foi eleito Presidente
dos EUA em 2016, Donald Trump tem criticado com veemência as contribuições de
outros aliados para a defesa comum. Por outro lado, as estimativas da NATO para este ano mostram que, além dos Estados
Unidos, há 8 países que cumprem a meta, acordada por todos os Estados-membros,
de gastar 2% ou mais do respetivo PIB (Produto Interno Bruto) em defesa.
Antes de partir para a capital britânica, o Presidente
turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que se oporia ao plano de defesa da NATO
para o Báltico se a aliança não o apoiasse na luta contra militantes curdos na
Síria, que Ancara considera terroristas. No entanto, esse apoio não colheu
junto dos outros líderes. O Presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou mesmo:
“A Turquia está agora a combater aqueles que
lutaram connosco, ombro a ombro, contra o [autoproclamado] Estado Islâmico”.
A decisão de Erdogan de comprar um sistema russo de
defesa antimísseis acentuou as tensões. Trump considerou impor sanções a Ancara
(o que
não foi aceite) pela
compra do sistema S-400, enquanto Macron lançava a pergunta: “Como é possível ser-se um membro da aliança
e comprar coisas à Rússia?”.
É óbvio que
um dos temas críticos no seio da aliança é a intervenção militar turca na
Síria, que motivou um encontro entre os líderes de França, Alemanha, Reino
Unido e Turquia. No entanto, após a reunião, que ocorreu antes do arranque
oficial da cimeira, o Presidente francês fez saber que o encontro foi “inconclusivo”,
mas que há “vontade de avançar”.
Também a
chanceler alemã Angela Merkel se mostrou otimista com o que classificou como “uma
reunião boa e útil”, mas que “deve ser encarada apenas como o início de uma
discussão mais longa, porque o tempo foi limitado” sugerindo nova reunião em
fevereiro do próximo ano.
Emmanuel
Macron destacou o facto de todos os participantes no encontro terem demonstrado
uma vontade clara de provar que “a prioridade é a luta contra o [grupo ‘jihadista’] Estado Islâmico e o terrorismo na
região”. Ora, as relações entre a França e a Turquia tornaram-se mais tensas
desde que Ancara lançou a ofensiva militar no nordeste da Síria contra a
milícia curda, que tinha lutado ao lado dos Estados Unidos contra o grupo
extremista Estado Islâmico.
Enquanto
decorria a reunião de Recep Erdogan em Londres, o conflito na Síria continuava,
provocando a morte de 44 pessoas com o colapso de um prédio, o que faz desta
data, segundo o Observatório para os Direitos Humanos, o dia mais sangrento do
conflito desde julho passado.
Também Trump e Macron se envolveram numa troca de
galhardetes. No mês passado, o Presidente francês declarava que o compromisso
de Washington com a aliança estava a desvanecer. E o homólogo norte-americano,
no dia 3, classificou como “muito desrespeitosas”, “desagradáveis” e
insultuosas as recentes declarações de Emmanuel Macron sobre a alegada “morte
cerebral” da NATO. E disse que até são perigosas, pois “ninguém precisa
mais da NATO do que a França”. Porém, em conferência
de imprensa conjunta com Trump, Macron reiterou a ideia defendida
anteriormente.
O Presidente francês disse manter a declaração que fez sobre a NATO numa
entrevista ao The Economist em
novembro, em que disse que a organização, que enfrenta sérios problemas
internos, está em “morte cerebral”.
Porém, o Presidente norte-americano disse estar confiante de que é possível
resolver “a pequena disputa” que tem com Macron sobre o funcionamento da NATO,
após terem abordado a questão do financiamento da organização. Enquanto Trump
voltou a insistir na ideia de que os aliados devem fazer um maior esforço
financeiro, Macron disse que não se trata “apenas de dinheiro” e que o mais
importante é existir uma “estratégia clara” sobre o que deve ser a NATO. E Macron
pediu mais diálogo estratégico com a Rússia, mas “sem ingenuidade”. Fê-lo em
reação a declarações do Presidente Vladimir Putin, que disse estar disponível
para cooperar com a NATO, apesar do comportamento “cruel” da organização para
com as posições russas.
***
Por seu
turno, o Primeiro-Ministro português, António Costa, fez referência ao clima de
confiança, unidade e cooperação que marcou o debate, sintetizando:
“Quem temia que a cimeira revelasse uma NATO
dividida e enfraquecida pode ficar desiludido. Quem tinha a esperança de que a
NATO tivesse aqui uma afirmação muito clara da sua unidade pode estar
satisfeito.”.
A declaração
de António Costa tinha subjacentes as posições desencontradas manifestadas, no
dia 3, pelos Presidentes dos Estados Unidos e da França.
Segundo a
narrativa do Primeiro-Ministro, todos os parceiros concordaram que a NATO tem um
papel essencial e que “o reforço do pilar europeu da NATO não é um caminho para
o divórcio transatlântico, mas para podermos ter um maior equilíbrio entre
estas duas frentes e assim reforçar o conjunto da NATO”. E, revelando que,
afora alguma frase mais mediática que uns ou outros tenham produzido fora do
debate, “a reunião demonstrou que a NATO não atravessa nenhuma crise
existencial”, garantiu que o debate entre os líderes, que durou menos de três
horas, decorreu de forma “muito franca, tranquila e serena”, tendo sido “muito
claro o objetivo de todos reafirmarem a unidade e a confiança acrescida na solidariedade
transatlântica”.
Assim,
reconheceu que o encontro de Londres “foi significativamente diferente” da
cimeira de 2018, em Bruxelas, quando o Presidente norte-americano chegou a
ameaçar com uma retirada da NATO, caso os outros parceiros não aumentassem o
seu esforço financeiro na área da defesa. Questionado sobre o
comportamento de Donald Trump, no dia 4, António Costa disse que “foi
totalmente normal”. Aliás, descreveu todo o evento como um “retomar da
normalidade no relacionamento entre todos, com grande franqueza e espírito
construtivo e grande vontade de reforçar a unidade.
Agora, Trump
voltou a apontar o dedo aos parceiros por não direcionarem mais fundos para
despesas militares. Mas Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, lembrou os
aumentos das contribuições por parte da Europa, Turquia e Canadá, que pensam
investir, em conjunto, até 2024 cerca de 400 mil milhões de dólares, mas
frisando que “os Estados europeus e o Canadá não devem investir em defesa para
agradar ao Presidente Trump”. Segundo Jens Stoltenberg, “devem fazê-lo porque
estamos diante de novas ameaças e desafios” e “o ambiente de segurança
tornou-se mais perigoso”.
***
Também a afirmação da China como gigante económico
está a colocar problemas de segurança, que a NATO identificou como críticos e
para os quais procura ainda respostas consensuais entre os países membros. Pela
primeira vez, a aliança reconheceu os desafios provenientes do rápido
crescimento do país e os 29 Estados-membros da NATO assinaram uma declaração
acerca da futura relação com Pequim. E o secretário-geral da NATO explicou:
“É
muito importante que tenhamos acordado que precisamos de enfrentar juntos a
ascensão da China. Porque, até agora, este era um tema que não estava na nossa
agenda (…). Mas agora reconhecemos, naturalmente, que a ascensão da China tem
implicações de segurança para todos nós.”.
Os líderes dos países da aliança quiseram ainda discutir
a questão do sistema de 5G e as ameaças de segurança que esta tecnologia de
comunicação colocará, no momento em que uma das empresas que está mais
avançada, a Huawei, tem fortes ligações ao Governo de Pequim.
***
O embaixador
de Portugal na NATO não duvida de que o elo transatlântico está para durar e de
que a Turquia é um aliado vital na Organização. Ao fim dum mandato de 4 anos na
sede da Organização, em Bruxelas, Luís Almeida Sampaio está de saída para um
novo posto em Praga e está a escrever um livro sobre a Aliança Atlântica sob o
título “Da queda do muro de Berlim ao fim
da relação transatlântica?”. E,
sobre o alegado envelhecimento
da organização, diz que hoje 70 anos é
ser-se muito novo e que a NATO também faz jus ao nosso tempo nesse sentido,
sendo 70 anos de enormes sucessos e de principal garantia da nossa segurança
coletiva.
Falando ainda antes da
cimeira deste mês de dezembro, opinava que as relações entre 29 países – que
serão 30 (com a entrada da República da Macedónia do Norte) – com líderes que têm personalidades muito vincadas
e ideias próprias e países que têm interesses estratégicos que foram evoluindo
com o tempo, “é obra notável conciliar esses interesses e criar um debate”.
Não tem dúvidas de que estas
cimeiras da NATO são “uma profissão de fé” e que isso iria acontecer também,
desta feita, em Londres, sendo que esta cimeira “ficará certamente na
história da Aliança Atlântica, na vitalidade, na grande importância que
continua a ter, sobretudo do ponto de vista da segurança e da defesa”. Não concorda
com a asserção de Macron de que a organização está em “morte cerebral”, pois “só uma organização que
fosse monolítica – que não debatesse, onde não houvesse confronto de ideias,
onde não houvesse divergências para serem discutidas de uma forma muito franca
e muito inteligente – é que estaria nessas condições”. E assume-se como “testemunha
quotidiana de que a NATO está bem e recomenda-se”.
Quanto às queixas do Primeiro-Ministro
grego sobre as “descaradas violações do direito internacional” por parte da
Turquia e em relação à recente da ofensiva turca na Síria, disse:
“A posição geoestratégica da Turquia é
única. Basta pensar na Síria, no Iraque. A Turquia está numa situação
geográfica altamente complexa. Aquilo que é muito importante é que – para lá
dessas dificuldades que a ofensiva turca na Síria causou – saia um caminho
claro que permita que essas diferenças sejam aplanadas e que a Turquia possa
continuar a desempenhar o seu papel relevantíssimo no quadro da Aliança
Atlântica, em benefício da segurança coletiva.”.
Não pensa que se fecham
demasiado os olhos às decisões de Ancara (isso não existe
na NATO), mas há que
ter em conta os seus circunstancialismos
históricos e o seu contexto estratégico e perceber que “a Turquia é vital para
a nossa segurança coletiva”.
Julga, quanto à reflexão sobre o futuro da NATO:
“Ainda é muito cedo para dizer que forma vai
ter, que modalidade vai assumir, se vai ser algo parecido com aquilo que se fez
no final dos anos 60 com o famoso relatório Harmel ou se vai assumir outro
formato”.
Lembra que o relatório Harmel introduzia a componente “diálogo”
no relacionamento da NATO com o adversário principal da época, a União
Soviética, e refletia sobre o reforço da dimensão política da NATO, sendo para
aí que esta reflexão aprofundada vai apontar: para um reforço da dimensão
política da Aliança Atlântica – o que está nas mãos dos líderes, que são os
decisores.
Sobre a importância de tal
dimensão política, quando o Reino Unido está a sair da UE, diz que, sendo este o segundo maior contribuinte em matéria de defesa no
quadro da NATO, é natural que, “se o Brexit se materializar, o papel do Reino
Unido no quadro da NATO saia mais valorizado e fortalecido”.
Quanto à questão de a
repartição de despesas estar ou não ultrapassada, esperava da cimeira uma abordagem positiva. Com efeito, “as despesas dos
Aliados europeus em matéria de defesa foram diminuindo ao longo do tempo, até
2014”, tendo eles vivido o que se convencionou chamar os anos do “dividendo da
paz”. E explica a mudança:
“Em 2014, a anexação ilegal e ilegítima da
Crimeia pela Rússia, a intervenção russa no leste da Ucrânia e um contexto
estratégico e até securitário muito mais complexo e perigoso (...) impõem que
os países membros da NATO aumentem as suas despesas com a defesa. O que estão a
fazer de forma significativa. A curva descendente não só parou, como há neste
momento uma claríssima curva ascendente.”.
Assim, na opinião do
embaixador, todos estão a honrar o compromisso com o investimento em defesa de
que todos os aliados cheguem a, pelo menos, 2% do PIB até 2024, embora uns o façam
mais depressa do que outros. E chama
a atenção para o facto de as despesas com a defesa não se cingirem ao lado
financeiro. Por exemplo, há que pensar no que Portugal está a fazer no domínio
da ciberdefesa, investindo significativamente na criação de condições para que
a Academia da NATO (que recentemente iniciou funções em Oeiras) tenha papel relevante nessa matéria.
Avalia o seu mandato de 4
anos como embaixador na NATO como de “anos
extraordinários”. Não sendo a primeira vez que lida com assuntos da NATO, diz
que este foi o seu primeiro posto diplomático e que teve o privilégio de ser
chefe de gabinete adjunto do então secretário-geral Manfred Wörner no período em
que ocorreu a queda do Muro de Berlim, a implosão da União Soviética, a
abertura da NATO e das instituições europeias aos países do resto do centro da
Europa. Regressado de Berlim há 4 anos, encontrou uma NATO diferente, maior,
mais alargada e com desafios diferentes, como o terrorismo, as fragilidades e
instabilidades da vizinhança a sul e uma Rússia assertiva e agressiva. Mas o
mais importante é que a relação transatlântica (e a importância de que representa o
ocidente em matéria de segurança e defesa, mas também de comunidade de valores) permanece intacta. Assim, a NATO é a mesma, com o
mesmo ADN desde a sua fundação há 70 anos. E a resposta ao título do seu livro “Da queda do muro de Berlim ao fim da relação
transatlântica?” é que “a relação transatlântica está para durar e está de
boa saúde”.
***
E uns dizem mal, outros tapam
o sol com a peneira e outros garantem a boa saúde da Aliança Atlântica! Seja para
bem de todos…
2019.12.09 – Louro de Carvalho
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