quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Da origem, história e tradição da árvore de Natal



A árvore e as ornamentações
Há muitos séculos, em muitas culturas pagãs, era hábito decorar plantas verdes por serem consideradas símbolo de fertilidade e vitalidade. Na verdade, nos tempos mais antigos, plantas e árvores que permaneciam verdinhas todo o ano tinham esse significado especial para as pessoas durante os rigorosos invernos. Assim como hoje decoramos as nossas casas durante a época festiva com pinheiros, os povos antigos penduravam ramos verdes em suas portas e janelas.  
Muitos povos antigos acreditavam que o Sol era um deus e que o inverno vinha todos os anos porque o deus Sol se tornara doente e fraco. Assim, os ramos verdes recordavam-lhes todas as plantas que cresciam quando o deus Sol se tornava novamente forte e a primavera voltava. Era uma forma de amuleto para que os dias mais amenos e agradáveis voltassem trazendo a vida. Por isso, utilizavam ramos e folhas nas casas durante a estação fria, dando os primeiros indícios da tradição da árvore de Natal. Por seu turno, os antigos romanos usavam ramos e galhos para decorar os templos no festival da Saturnália, feito em honra à Saturno, o deus da agricultura, a fim de atrair fartura nas plantações. E os cristãos passaram a usar as árvores coníferas como um sinal de vida eterna com Deus.
Os povos germânicos colocavam no solstício de inverno (que no hemisfério norte ocorre entre 21 e 22 de dezembro) ramos de pinheiros em lugares públicos e nas casas para evitar que os maus espíritos entrassem e para nutrirem a esperança da primavera.
A tradição de enfeitar a árvore de Natal não se sabe bem quando começou, mas terá mais de 500 anos. Crê-se que  a tradição foi lançada em 1419 pelos padeiros da cidade alemã de Freiburg. Eles começaram a decorar uma árvore todos os anos com lebkuchen (um tipo de pastel ou doce típico natalino), maçãs, frutas, nozes e frutas. E só no dia de Ano Novo as crianças podiam sacudir a árvore e comerem o que caia dela. 
Outra possível origem da árvore de Natal terá vindo do conceito das Árvores do Paraíso, que eram utilizadas em encenações medievais feitas na frente de Igrejas na véspera de Natal. No calendário do santoral da igreja primitiva, 24 de dezembro era o dia de Adão e Eva. Dessa forma, a Árvore do Paraíso representava o Jardim do Éden. E essas encenações eram como um tipo de publicitação a contar as histórias da Bíblia para as pessoas que não sabiam ler.
O primeiro uso documentado duma árvore nas celebrações de Natal e Ano Novo vem da praça da cidade de Riga, capital da Letónia, no ano de 1510. Nessa praça, existe uma placa dizendo que aquela foi a primeira árvore de Ano Novo, sendo que a frase está traduzida em 8 idiomas.
Outro registo é de uma pintura da Alemanha em 1521, que mostra uma árvore a ser levada pelas ruas com um homem montado num cavalo atrás dela. O homem está vestido como um bispo, possivelmente representando São Nicolau (santo que é relacionado com a inspiração para o Pai Natal).
Há também um registo de uma pequena árvore em Breman, na Alemanha, em 1570, descrita como uma árvore decorada com “maçãs, nozes, tâmaras, pretzels e flores de papel”, exibida numa casa-aliança (ponto de encontro de uma sociedade de homens de negócio na cidade).
A árvore de Natal caseira, como muitos de nós temos, terá sido lançada como tradição no final do século XVI, na Alsácia (hoje, uma região belíssima da França, era alemã). Fazia parte da festividade natalícia colocar uma árvore na sala de estar e decorá que fica na Alsácia -la com doces, nozes e maçãs. E há registo de uma árvore de Natal na Catedral de Estrasburgo (), no ano de 1539. Segundo algumas fontes, a primeira pessoa a levar uma árvore de Natal para dentro de uma casa, na forma como a conhecemos hoje, terá sido o monge alemão do século XVI Martinho Lutero. A história conta que, uma noite antes do Natal, andava ele pela floresta e olhou para cima para ver as estrelas brilhando por entre os galhos das árvores. Achou aquilo tão bonito que foi para casa e disse aos filhos que a cena lembrava Jesus, que deixou as estrelas do céu para vir à Terra no Natal. Então, para reproduzir e bela cena que tinha presenciado, levou uma árvore para casa e a enfeitou com velas.
Outra história diz que São Bonifácio de Crediton (um vilarejo em Devon, Reino Unido) deixou a Inglaterra e viajou para a Alemanha para pregar às tribos germânicas pagãs e convertê-las ao cristianismo. Tendo-se deparado com um grupo de pagãos prestes a sacrificar um menino ao adorar uma árvore de carvalho, Bonifácio, para interromper o sacrifício, cortou o carvalho e, para seu espanto, um pinheiro abeto novo surgiu a partir das raízes. Bonifácio tomou isso como sinal da fé cristã, associando a forma da árvore com a Santíssima Trindade, e seus seguidores decoraram a árvore com velas para que ele pudesse pregar aos pagãos durante a noite.
A Igreja Católica era contra as árvores de Natal entendendo que o presépio era um símbolo suficientemente significativo do Natal. Além disso, as grandes áreas florestais pertenciam a Igreja e o povo invadia-as nesta época em busca de árvores de Natal.
Apenas em meados do século XX foram autorizadas árvores de Natal nas igrejas católicas. E o Papa João Paulo II, em 1982, iniciou a tradição no Vaticano, colocando a primeira árvore de Natal na Praça de São Pedro, em Roma.
Os primeiros registos de árvores decoradas com velas surgiram em 1730. No começo, eram enfeitadas com rosas de papel, maçãs (a recordar Adão que comeu do fruto proibido, hoje são substituídas por bolas coloridas), nozes e bolachas. Depois, surgiram decorações com luzes, bolas de vidro, estrelas, guirlandas, laços, anjos ou outras figuras. Em Berlim, a primeira árvore de Natal foi erguida em 1785.
No século XVII, o uso destas decorações espalhou-se inicialmente entre os altos funcionários e cidadãos ricos nas cidades, por se tratar de material muito caro, mesmo na Europa Central. As primeiras bolas de vidro soprado apareceram para venda em torno de 1830. Eram artigo de luxo, pelo que somente os mais abastados tinham acesso e podiam enfeitar suas árvores com elas.
Não obstante, o costume de assim decorar árvores de Natal espalhou-se da Alemanha para o mundo inteiro no século XIX, tendo começado quando emigrantes do século XVIII levaram o costume para os Estados Unidos. A primeira árvore de Natal na “Casa Branca” foi erguida em 1891, mas a primeira árvore de Natal nas Américas foi Friederike Riedesel von Lauterbach, esposa do general comandante das tropas Brunswick e foi erigida em Sorel, Canadá, em 1781.
Porém, a popularização da árvore de Natal deu-se mais intensamente em 1846, quando os membros da realeza, a Rainha Victoria e seu príncipe alemão, Albert, foram ilustrados no jornal de Londres com os filhos em torno de uma árvore de Natal.
Ao invés da anterior família real, Victoria era muito popular com os súbditos, e o que foi feito na corte tornou-se moda, não só na Grã-Bretanha, mas em todos os países de língua inglesa, e espalhou-se pelo mundo. E a tradição foi alastrando e, com ela, as inovações, como o surgimento das árvores artificiais, feitas de plástico. E aqui fica a polémica, já que os mais tradicionalistas fazem questão de ter uma árvore natural decorada em casa e esbravejam que as de plástico não são biodegradáveis. Por outro lado, o cultivo duma árvore natural leva anos, argumentando os adoradores das árvores artificiais que elas são cortadas só para servirem de enfeite por poucos dias.
Na Europa Central, a árvore mais usada é o pinheiro conhecido como Nordmanntanne, originária do Cáucaso. A popularidade do Nordmanntanne tem um motivo simples: os seus galhos não picam. São também utilizadas em alguns lugares outras árvores como abeto, pinho, buxo, azevinho e zimbro. Por outro lado, existe a ilusão de que o pinheiro de Natal é um produto natural da floresta. A realidade é preocupante, já que árvore é uma raridade na floresta. Pinheiros e abetos crescem em plantações nos dias de hoje. Na Alemanha e na Áustria, existem terras agrícolas separadas para o plantio de árvores de Natal. No entanto, uma boa parte ainda é importada, e a Dinamarca é a líder de mercado. Na Alemanha, as árvores de Natal são cultivadas em cerca de 15 000 hectares e cerca de 70% das necessidades de consumo interno são cobertas. As sementes da Nordmanntanne vêm do Cáucaso e “crescem” na Alemanha a partir de viveiros especializados. Com uns três anos as mudas são transferidas para o campo. Até que as árvores façam a sua apresentação com luzes brilhantes nas salas de estar alemãs, passam por até dez anos de tratamento intensivo. São comercializadas por ano, somente na Alemanha cerca de 25 milhões de árvores de Natal. 
Um crescente número de muçulmanos na Alemanha aproveita as férias de Natal para passar o tempo com a família, e também tem iniciado o hábito de colocar uma árvore de Natal na sala e com muita decoração. Na Ásia, o costume da árvore de Natal já está bem enraizado, sobretudo na decoração utilizada pelos europeus que passam o Natal naqueles lugares.
Anote-se que o verde e o vermelho são cores-símbolo do Advento e do Natal cristão. O verde simboliza a esperança de vida no inverno escuro e a lealdade. E o vermelho lembra o sangue de Cristo que Ele derramou para que o mundo seja salvo. Sem dúvida, estas duas cores dominam decoração de Natal e parece impossível dissociá-las do espírito natalício.
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A primeira Árvore de Natal em Portugal e a sua reconstituição
E foi precisamente um alemão que montou o primeiro pinheiro de Natal em Portugal. E não foi um alemão qualquer: a tradição chegou ao nosso país pelas mãos do católico Fernando Augusto Francisco António de Saxe-Coburg-Gotha, 3.º marido de D. Maria II.
Vindo da Baviera, Fernando trouxe consigo várias tradições germânicas – entre elas, a decoração de uma árvore na época do Natal. O abeto, que era colocado numa sala privada da família real no Palácio das Necessidades, era decorado com velas, laços e bolas de vidro transparente. Também era comum colocar guloseimas na árvore já decorada, como frutas cristalizadas e chocolates. E o marido de D. Maria II chegava a vestir-se de verde e a imitar São Nicolau, o santo que deu origem ao Pai Natal, para entreter os seus sete filhos. O rei consorte entrava na sala com um saco às costas e distribuía presentes pelos príncipes e outras crianças do palácio. Existem até ilustrações feitas pelo mesmo que retratam estes momentos.
Quase 200 anos depois, o Palácio da Pena recria a que foi a nossa primeira árvore de Natal.
A primeira impressão será desoladora para quem espera encontrar um pinheiro de dimensão sobre-humana. Afinal, o aparato ficava-se pelas ricas paredes, tecidos, vitrais, móveis e tapeçarias que compõem o salão nobre do Palácio Nacional da Pena, em Sintra. Ano após ano, D. Fernando II, o rei consorte, mandou vir um espécime da serra para o Palácio das Necessidades, em Lisboa, residência da família real portuguesa durante o século XIX. O pinheiro era decorado a rigor, mas não como hoje fazemos numa árvore de Natal tradicional.
Da Áustria, o marido de D. Maria II trouxe o hábito romântico deste ritual doméstico. A pequena árvore, iluminada por velas e rodeada de brinquedos, disseminou-se por toda a Europa. Ao mesmo tempo que chegava a Portugal, a árvore entrava no quotidiano da corte vitoriana. Explica Mariana Schedel, Conservadora do Palácio Nacional da Pena;
D. Fernando nasceu e cresceu em Viena. Portanto, são tradições centro-europeias trazidas para a corte portuguesa, da mesma forma que o príncipe Alberto as levou para a corte da rainha Vitória, quando casou. Os dois cresceram juntos, eram primos direitos.”.
O projeto de recriar em pormenor a primeira árvore de Natal em Portugal teve início há mais de dois anos, pelas mãos da equipa de conservação deste monumento gerido pela “Parques de Sintra”. Envolveu uma pesquisa exaustiva e a recuperação de correspondência trocada entre os almoxarifes dos dois palácios, bem como faturas de fornecedores. Uma delas, de 17 de dezembro de 1859, dá conta do transporte dum pinheiro da Serra de Sintra para Lisboa. O próprio D. Fernando, hábil desenhador, deixou duas gravuras que serviram de base para a execução da árvore.
A dificuldade foi encontrar quem reproduzisse as peças. No total, foram contactadas 6 empresas portuguesas. Coube ao Studio Astolfi a recuperação das cores, formas e materiais usados nas decorações do século XIX. Exceção feita aos frutos da época (maçãs, peras e romãs), na altura verdadeiros. As bolas de Natal terão surgido várias décadas depois, inspiradas pela forma destes ingredientes naturais. Na impossibilidade de trazer fruta real para dentro do palácio, a equipa do ateliê recorreu aos mercados, em busca de exemplares pequenos e toscos, para tornar estas réplicas o mais reais possível. Acrescem os animais do campo, como vacas, cavalos e figuras como o arlequim ou o limpa-chaminés, este último considerado um amuleto de sorte. Na parte superior da árvore, um cacho de uvas em vidro, fruto que, na época de D. Fernando, já seria replicado artificialmente. E Mariana Schedel acrescenta:
A árvore de Natal da Pena é muito simples por ser exatamente a que vemos nas gravuras de D. Fernando II. Utilizámos essa árvore pequena – que tem entre 1,20 e 1,50 metros – sobre uma mesa, com um toalha em linho acetinado, muito difícil de encontrar, que é também uma reconstituição de uma toalha de época, com todas estas pequenas peças que têm significados de abundância e felicidade.”.
À época, as velas iluminavam a árvore, solução impensável hoje, embora todo o aparato natalício fosse montado apenas no dia 25 de dezembro. Na reconstituição feita, as velas estão apagadas. No chão e na mesa, multiplicam-se os brinquedos, identificáveis nas gravuras do rei. Soldados, animais, uma pequena quinta e um tambor. Mais uma vez, os organizados livros de contas de D. Fernando II discriminam as encomendas, a maioria dirigida a fornecedores austríacos e alemães. O embrulhar dos presentes era uma tradição por vir. Os brinquedos eram dispostos junto à árvore e destinavam-se aos príncipes (o casal teve 11 filhos, 4 dos quais não sobreviveram ao dia do nascimento). Tudo leva a crer que, já naquela época, o Natal era das crianças.
As dimensões deste pinheiro ficam aquém do esperado para a residência real. Porém, Schedel diz que as primeiras árvores da rainha Vitória partilhavam as mesmas medidas (a monarca casa com o príncipe Alberto em 1840, 4 anos após o matrimónio de D. Fernando II e D. Maria II). A pequena escala está conexa com o ideal de intimidade familiar e vivência doméstica em voga no século XIX.
Numa das gravuras expostas junto ao Pinheiro da Pena, o rei, que ficou viúvo em 1853, quando tinha 37 anos e ao fim de 17 anos de casamento, surge vestido de São Nicolau, carregado de presentes, fruta e caça e rodeado pelos 7 filhos: Pedro, Luís, João, Maria Ana, Antónia, Fernando e Augusto. E a conservadora do palácio clarifica:  
A autorrepresentação de D. Fernando em gravuras é comum. Se se vestiu ou não, não sabemos. Mas é todo este ambiente de vida familiar e a importância da infância que são as novidades do século XIX. É quando as crianças deixam de ser miniadultos e começam a vestir-se como tal, têm brinquedos. E o Natal, que é uma festa religiosa no extensíssimo calendário da família real, começa a ter uma importância na relação com este mundo mágico.”.
Enquanto instaura uma tradição perdurante, a árvore de Natal é símbolo de nova domesticidade. A monarquia constitucional deixara para trás a solenidade e a imponência do regime absolutista. Dentro das paredes do palácio, as cenas aproximavam-se do quotidiano da família comum e, com o passar dos anos, o pinheiro assumiu o papel de elo de identificação.
O Pinheiro da Pena faz parte de um projeto maior de requalificação a deixar os ambientes do Palácio Nacional da Pena mais fiéis ao seu aspeto na altura em que foi habitado por duas gerações da realeza (depois de D. Maria II e D. Fernando II, também D. Carlos I e D. Amélia habitaram o palácio). E, além da árvore de Natal, a Sala de Fumo voltou a ter, pela primeira vez desde 1940, o mobiliário original, após um processo de restauro que reconstituiu os têxteis originais. O mesmo aconteceu com os aposentos de D. Carlos, com intervenções em peças de arte, móveis e nas próprias divisões. Na Sala de Jantar, foi recriada a mesa do penúltimo rei de Portugal, com flores da época e uma reprodução da ementa da ceia servida a 20 de julho de 1900.
Com a famosa árvore de Natal, a primeira em solo português, a tradição cumpre-se também no dia em que será desmontada, a 6 de janeiro, Dia de Reis. É possível vê-la de perto durante uma visita regular ao Palácio Nacional da Pena, em Sintra, todos os dias, entre as 10 e as 18 horas.
2019.12.05 – Louro de Carvalho

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