Maria Emília Brederode Santos, presidente do CNE (Conselho
Nacional de Educação), esteve na
Comissão de Ciência, Educação, Juventude e Desporto da Assembleia da República
(AR) a apresentar o estudo do CNE sobre o recrutamento e
seleção dos professores em Portugal (estudo e não parecer, como vincou) e opinou. A seu ver, é insuficiente e injusta a
seleção de professores com base na nota final de curso e anos de serviço, pelo
que algumas escolas deveriam ter mais liberdade de escolha (Porquê só
algumas escoas?). E frisando
que “é injusto para os professores” considerar apenas os dois critérios
mencionados disse:
“Obviamente que há outros critérios que
deverão ser tidos em conta”.
Face a tal certeza e tendo em conta que alegadamente
são aqueles os únicos critérios que servem de pauta à seleção de docentes na
escola pública, quando na Europa há 3 sistemas de seleção em vigor, António
Cunha, deputado do PSD, foi direto e lesto a perguntar à presidente do CNE:
“Qual dos três sistemas de seleção de
professores considera mais acertado?”.
Na verdade, na Europa, há três regimes para recrutar e
selecionar e professores. O estudo “Regime
de seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e ensinos
básico e secundário”, do CNE, compara os modelos e explica como funcionam
os 3 cenários: a lista de candidatos, o recrutamento aberto, os concursos. No
“Cenário A” recrutam-se e selecionam-se os professores com base no concurso nacional
a que são opositores os candidatos que reúnam as condições estabelecidas nos respetivos
normativos legais – umas para necessidades permanentes do sistema educativo e
outras para as necessidades temporárias e são colocados segundo as suas
escolhas e conforme as vagas existentes por ordem decrescente na graduação
profissional baseada na classificação que articula classificação final de curso
e tempo de serviço docente. Corresponde este cenário, em termos gerais, ao
modelo português em que os professores são recrutados com base numa lista
graduada, que é processada a nível central para todo o país, não permitindo
conhecer o perfil dos candidatos. Dito assim, até parece verdade. Porém, a graduação
profissional e a tipificação do curso dão uma ideia do perfil e, se houver
vontade política, outros dados podem ser fornecidos ao concurso e cedidos à
escola, pois, tal como os serviços administrativos, confirmam para cada docente
a classificação de curso, a instituição de ensino que o prestou e validou e o
tempo de serviço (antes e depois da profissionalização), também pode confirmar a frequência de ações de formação
contínua e/ou especializada, menções da avaliação de desempenho, escalão da
carreira docente em que está posicionado e projetos em que o docente está envolvido
(houve
experiência de docentes que, apesar de colocados noutra escola, não deixam a
atual enquanto o projeto que integram não é concluído). No “Cenário B”, permite-se o recrutamento e seleção
com base num melhor conhecimento dos candidatos e a escolha dos que melhor se
adequam aos projetos educativos municipais e dos agrupamentos escolares (recolhe
inspiração em sistemas adotados noutros países e carateriza-se por uma maior
aproximação ao contexto em que os candidatos exercerão funções). E, no “Cenário C”, reportamo-nos à seleção feita
pela escola, com recurso a instrumentos e critérios diversificados, contratando
os professores que melhor se adequam ao contexto e ao projeto educativo em
desenvolvimento (inspirado em sistemas de outros países, aponta para a
seleção, com base em instrumentos e critérios diversificados, de forma a
contratar os candidatos que melhor encaixem no contexto e projeto educativo).
Brederode Santos não escolheu um modelo, preferindo
lembrar que o sistema português “é transparente” e realçando que o problema
deste modelo é que “não tem em conta a formação contínua, a qualidade e
diversidade da experiência dos candidatos, nem responde às necessidades das
escolas com projetos singulares”. Por isso, segundo a presidente do CNE, nas
escolas com projetos de autonomia e flexibilidade curricular “deveria haver
possibilidade de melhor adequação dos professores ao contexto e aos projetos
pedagógicos”.
Obviamente, as opiniões políticas divergem. BE e PCP
alertaram para o perigo dos cenários B e C agravarem as desigualdades
regionais. Alexandra Vieira, deputada do BE, perguntou se não haveria o risco
de os territórios com mais recursos económicos ficarem em vantagem ao terem
possibilidade de contratarem os melhores professores. E questionou se “o
recrutamento local, tendo em conta a municipalização”, não iria agravar as
desigualdades.
O PCP considera que o atual modelo acaba por ser o
“menos imperfeito”. Ana Mesquita, deputada comunista, que criticou o estudo do
CNE por não ter “avaliado devidamente o risco dos cenários B e C”, em que o
recrutamento é feito pela autarquia ou pela escola, referiu:
“Não há modelos perfeitos para a colocação
de professores, mas, quanto a nós, o existente é o menos imperfeito deles todos.
(…) O que irá acontecer se se mandar
para as autarquias ou escolas a contratação de professores?”.
Segundo o PCP, o estudo “compara realidades europeias,
mas esquece as especificidades nacionais”, nomeadamente a carência de meios
técnicos e humanos para fazer concursos locais.
Para o CDS, o atual modelo é incompatível com a
flexibilidade curricular e defende, como solução “mais razoável”, o concurso de
recrutamento e depois a seleção por parte da escola e não pela autarquia. Ana
Rita Bessa, deputada do CDS, criticou o estudo por não se debruçar sobre “as
melhores condições para os alunos aprenderem” e pelo facto de a palavra
“mérito” não aparecer no documento. O partido quer que a seleção dos docentes
seja feita tendo em conta a qualidade dos professores.
Para João Cotrim de Figueiredo, deputado do Iniciativa
Liberal, o “Cenário C” é a melhor opção. O político defende mais autonomia para
a escola e considera o modelo em vigor “obsoleto” e que “não responde às
necessidades das escolas”. E comentou:
“Não é a escola que seleciona o professor,
mas o professor que seleciona a escola”.
A presidente do CNE reconheceu que os cenários que dão
mais liberdade aumentam as possibilidades de desigualdades territoriais e mesmo
o risco de menor transparência. No entanto, quis deixar claro que, uma vez
identificados eventuais perigos, cabe ao Estado, pois é sua responsabilidade,
intervir para minimizar esses riscos.
São apontados como as maiores dificuldades no processo
de recrutamento de docentes a multiplicidade de normas que regulam a colocação
de professores, o número de concursos ou momentos de colocação a que o mesmo
candidato pode concorrer, a diversidade de tipologias de candidatos com
diferentes prioridades no processo de colocação. Depois, vem a definição de
critérios e a apreciação das candidaturas. Por outro lado, a instabilidade do
corpo docente perturba a tranquilidade do ensino (mas a instabilidade é residual). Lê-se no texto do estudo em causa:
“Para as escolas a estabilidade do corpo
docente é fundamental para o desenvolvimento dos projetos educativos e para a
criação de uma cultura de escola. O atual sistema cria mobilidade com prejuízo
para os docentes e para o trabalho das escolas, sobretudo para as que se situam
em zonas mais sensíveis. Há escolas que anualmente mudam uma percentagem muito elevada
do seu corpo docente. (…) Estas mudanças frequentes de escola fazem com que os
docentes vivam cada ano escolar como uma situação transitória, com eventual
impacto no seu desempenho e satisfação profissionais.”.
O modelo de seleção utilizado em Portugal é elogiado e
criticado. A administração central, através dos serviços que tutelam a gestão
de pessoal, controla o processo de recrutamento: fixa as vagas, abre os
concursos, elabora os formulários, valida os dados dos candidatos, ordena e
coloca-os, decide sobre reclamações e recursos que surjam. A possibilidade de
colocar os docentes a tempo e horas é uma das vantagens. A ideia de igualdade
de tratamento no acesso ao emprego público e o respeito e transparência, pela
distância da tutela relativamente ao terreno, também. O próprio David Justino,
enquanto Ministro da Educação e perante a sugestão de serem as escolas a
selecionar os docentes, referiu que o concurso nacional é imprescindível por se
tratar dum bem público em que tem de imperar a equidade! Resta saber o que
mudou a sério.
Do lado da crítica, está o facto de não haver
critérios diferenciadores, além de a administração central não selecionar,
limitando-se a divulgar as vagas, a receber candidaturas e a ordenar os
candidatos, dentro de cada grupo de recrutamento, com base na sua graduação
profissional.
Portugal tem três tipos de concursos com objetivos
distintos. O concurso interno, de âmbito nacional, com periodicidade ordinariamente
quadrienal, para suprir necessidades permanentes de pessoal docente e a
permitir a mobilidade dos professores de carreira (O próximo
será em 2021). O concurso
externo (feito
anualmente), para
recrutar os candidatos que preencham os requisitos previstos no ECD (Estatuto da
Carreira Docente) e pretendam
ingressar na carreira em vagas dos QZP (Quadros de Zona Pedagógica). Os candidatos colocados no âmbito deste concurso
obtêm um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado. E os
concursos para satisfação de necessidades temporárias (não são
colmatadas pelos concursos interno e externo). Estas são expressas em horários completos e incompletos propostos pelos
agrupamentos ou escolas não agrupadas. Esgotados estes procedimentos, as
escolas recrutam e selecionam docentes com base em critérios que definem, além
de terem em conta a graduação profissional.
***
Segundo o estudo, o método mais utilizado na maioria
dos países europeus é o recrutamento aberto, sob alçada das escolas ou
autoridades locais. O docente fica afeto à escola caso seja aprovada a sua
candidatura. O “método implica descentralizar a responsabilidade na publicação
das vagas, no requerimento de candidaturas e na seleção do melhor candidato”,
por ausência de sistema de nível superior “que faça a gestão de todos estes
procedimentos”. Quando o recrutamento se baseia em concursos ou em listas de
candidatos, as autoridades educativas de nível superior são normalmente
responsáveis pela definição dos critérios de recrutamento e pela seleção e
contratação de professores. “O acompanhamento das tendências na procura e na
oferta de professores, com vista ao planeamento das necessidades correntes e
futuras, em termos de profissionais qualificados e de oferta de formação, é
comum na maioria dos países europeus e habitualmente assumido pelas autoridades
de nível superior”. É um planeamento prospetivo e, portanto, os países
enfrentam vários desafios, de que os principais são: a escassez ou a oferta
excedentária de professores; o envelhecimento da população docente e a
permanência na profissão; o défice de matrículas na formação inicial de
professores e a desistência dos estudantes em cursos de formação nesta área; e a
motivação e a satisfação dos docentes e candidatos à profissão são os
principais. Não será também este o caso português?
Os professores contratados para estabelecimentos de
ensino público são funcionários públicos em todos os países europeus. No
entanto, o seu estatuto profissional varia de país para país, em termos da
definição, das cláusulas contratuais e das condições de emprego. Em todos os
sistemas educativos, no caso dos contratos associados a postos de trabalho permanentes,
os professores podem beneficiar de contratos por tempo indeterminado,
independentemente do seu estatuto profissional. Em muitos países, há contratos
a prazo ou por tempo determinado, associados a postos de trabalho temporários e
períodos probatórios ou à substituição de professores. Na maioria dos sistemas,
a mobilidade dos professores não está regulamentada – e, quando existe
regulamentação, é geralmente atribuída às autoridades superiores. Porém, “na generalidade
dos sistemas educativos, os professores beneficiam de apoio profissional e
pessoal, na melhoria das suas relações com os alunos, pais ou pares, no
desenvolvimento das suas práticas profissionais, na resolução de assuntos
pessoais e no apoio especializado a alunos com dificuldades de aprendizagem.
Para lá destes serviços, na maioria dos países europeus, os professores podem usufruir
de apoios prestados para as questões pessoais e profissionais.
***
O estudo do CNE traça ainda o perfil dos professores
em vários países. Por exemplo:
Na Dinamarca, os professores do ensino secundário
inferior são predominantemente do género feminino (60%), com uma idade média de 45 anos, e têm uma
licenciatura ou outro nível equivalente (97%). Possuem em média 16 anos de experiência docente, com um horário completo (90%) e um contrato permanente (96%). As turmas têm em média 21 alunos. Trabalham em média
40 horas semanais (um pouco acima da média da OCDE: 38 horas), em que 19 horas são ocupadas a lecionar. E 95% dos
professores estão satisfeitos com a profissão. Na Finlândia, o professor típico
é sobretudo do sexo feminino (72%), tem uma
formação superior (96%), em média
15 anos de experiência e um horário de tempo completo (94%,
enquanto a média da OCDE é de 82%). As turmas
têm, em média, 18 alunos, face aos 24 alunos da média da OCDE. Os professores
trabalham em média 21 horas semanais a ensinar e 5 horas no planeamento e
planificação das aulas. E 91% estão satisfeitos com a profissão.
Em França, as caraterísticas são similares. Média de
17 anos de experiência, 96% têm contrato de trabalho permanente e as turmas têm
uma média de 25 alunos. Despendem 75% do tempo de aula a ensinar e 16% a manter
a disciplina, e trabalham em média 19 horas semanais a lecionar e 8 horas a
planear as aulas. E 81% estão satisfeitos com a sua profissão. Na Holanda, as
turmas têm em média 25 alunos e só 43% dos professores têm um horário completo (abaixo dos
82% da média da OCDE). Os
professores trabalham em média 17 horas por semana a lecionar e 5 a planear as aulas.
Mais de 9 em cada 10 professores estão satisfeitos com a profissão, mas só 4 em
cada 10 acreditam que o que fazem é reconhecido pela sociedade. Na Suécia, 89%
dos professores têm licenciatura ou nível equivalente e 78% têm horários de
tempo completo. As turmas têm uma média de 21 alunos. O tempo despendido para
ensinar é cerca de 80% e 11% para manter a ordem em sala de aula. Trabalham em
média 18 horas semanais a ensinar e 4 em trabalho administrativo. Mais de 90%
gostam de trabalhar na escola em que estão atualmente e estão satisfeitos com o
seu desempenho, mas a percentagem desce para 58% quando se pergunta se
escolheriam de novo voltar a trabalhar como professores.
***
Quanto
ao tempo de trabalho dos nossos docentes na escola, não há razão de queixa. Trabalham
ali tempo a mais e sem condições: passam a vida a dar aulas ou a fazer trabalho
equivalente, como apoios a grupos grandes e codocências em turmas
problemáticas. No atinente ao recrutamento, Cavaco Silva (quando
Presidente) enalteceu
o de York. E a municipalização do ensino implica sub-repticiamente, mas com
força a contratação local dos docentes. A autarquia quer contratar e pagar,
pois quem paga manda. E os concursos e contratações na autarquia estão longe de
ser exemplo. Não é o candidato que escolhe a escola, pois está condicionado à
vaga. E o cenário A é o melhor, com as sugestões indicadas quando da sua abordagem
supra. Valeu?!
2019.12.22 –
Louro de Carvalho
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