Decorreu,
a 4 de dezembro de 2019, no Auditório Adriano Moreira da Sociedade de Geografia
de Lisboa, um seminário subordinado ao título “Magalhães, Magallanes, Magellan: Magellan in Philippine History through
Philippine Historians”, organizado pela Embaixada das Filipinas como um dos números significativos do V
centenário da expedição de Fernão de Magalhães.
Depois
das Palavras de Abertura – proferidas pelo Prof. Luís Aires-Barros, Presidente
da Sociedade de Geografia de Lisboa, por Celia Anna M. Feria, Embaixadora das
Filipinas, por Álvaro Mendonça e Moura, Secretário-Geral do Ministério dos
Negócios Estrangeiros e pelo Embaixador Fernando Ramos Machado, Presidente da
Comissão Asiática – cinco historiadores das Filipinas falaram sobre o navegador português que, ao
serviço de Espanha, levou o cristianismo ao país, mas lá foi morto pelo
guerreiro Lapu-Lapu.
O seminário teve
início às 15 horas e estendeu-se até às 17,30 horas, após o que a Embaixada das
Filipinas ofereceu um cocktail na Sala
de Convívio da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Os temas abordados
foram: “Magalhães e as Comemorações do V Centenário nas
Filipinas”, pelo
Dr. Rene Escalante, Presidente da Comissão Histórica Nacional das Filipinas; “As Filipinas ao tempo da Chegada de
Magalhães”, pelo Dr. Francis M. Navarro, Professor Assistente no Departamento
de História, da Universidade Ateneu de Manila; Magalhães em Melaka e Cebu, contactos, invasão e interações, pelo
Dr. Felice Noelle Rodriguez, Professor Visitante da Universidade Ateneu de
Zamboanga; Magalhães e a batalha de
Mactán, pleo Dr. Danilo Gerona, Professor IV e Diretor do Centro de Estudos
Magalhães, da Universidade Estatal Camarines Sur; e Recordando Magalhães nos últimos cinco séculos, pelo Dr. Ambeth R.
Ocampo, Professor Associado e Coordenador da Formação do departamento de
História, na Escola de Ciências Sociais, da Universidade Ateneu de Manila, e ex-Presidente
da Comissão Histórica Nacional das Filipinas.
Por fim,
houve um momento de perguntas e respostas/diálogo com a assistência, a que se
seguiu a “Entrega de Diplomas” de participação.
***
Previamente, os cinco
historiadores filipinos anteciparam ao DN
os aspetos principais do conteúdo do seminário e falaram sobre o impacto de Fernão de Magalhães
nas Filipinas de hoje, tendo ficado destacada a asserção de que “Portugal produziu o homem que colocou grande parte do mundo no mapa”.
Já o título do
seminário não é anódino. O ato de posicionar a forma em português, espanhol e inglês do sobrenome
deste explorador do século XVI faz ressaltar não só questões de idioma e
tradução, mas a nível mais profundo, a questão do ponto de vista da história.
Há, nas Filipinas, inúmeras
referências históricas ao expedidor português: são três as cidades com o nome
de Magalhães nas províncias de Sorsogon Cavite e Agusan del Norte; há um
condomínio fechado de luxo, uma estação ferroviária e um intercâmbio rodoviário
em Makati, na Grande Manila. E abundam os nomes de ruas, monumentos, memoriais
e referências históricas em todo o território das Filipinas que os filipinos
veem diariamente, mas a que não prestam atenção.
Pressupondo que a história é um ato consciente de memória, este seminário
organizado em Lisboa pela Embaixada das Filipinas tentou responder às questões:
Como é que Fernão de Magalhães é lembrado hoje nas Filipinas? E como deve ser
lembrado? Isto implica certamente analisar o impacto dum “evento que ocorreu há
cinco séculos nas Filipinas, ontem como hoje”, mas sobretudo realçar “os
vínculos históricos entre Filipinas, Portugal e Espanha, que podem fornecer
informações úteis para nos ajudar a navegar, como os antigos exploradores, o
futuro desconhecido e incerto”.
A expedição de Magalhães foi um importantíssimo episódio da história das
Filipinas, mas atinge um grau transnacional e ainda de proporção
transcendental, pois o evento em si e a magnitude da ação de Magalhães
definiram o curso da história de uma nação ou nações e da humanidade inteira.
Embora grande parte das histórias de Magalhães tenha atribuído à expedição uma
importância marginal na expansão espanhola no século XVI, a armada das Molucas
foi a primeira frota expedicionária a levar o mais longe possível – Plus
Ultra – o mandato do sonho de Carlos de um império em expansão. A expedição
foi, assim, encarregada de levar para lá dos limites dos enclaves coloniais
familiares do império espanhol os sonhos ambiciosos de colocar sob o seu
domínio o mundo misterioso do ultramar e lançar as bases para o controlo global
das especiarias e pedras preciosas, a expansão das fronteiras imperiais além
das Américas, o extermínio dos mouros e a conversão dos pagãos ao cristianismo.
Apesar das críticas aos efeitos atrozes do colonialismo espanhol e à
exaltação do papel pioneiro de Magalhães, negando-lhe o título de descobridor
ou mesmo condenando-o como o prenúncio dos males do colonialismo, é por demais
evidente que “ele deixou uma profunda transformação positiva na vida dos
filipinos”, quer pelas “dolorosas lições aprendidas ao longo da história”, quer
por via “dos conceitos e das crenças que foram assimilados como parte da
cultura filipina”. É, pois, claro que Magalhães realizou algo cujos benefícios
excederam o interesse e objetivos pessoais ou imperiais do rei da Espanha, seu
patrono.
A chegada de Magalhães às Filipinas é indubitavelmente um dos marcos
iniciais do encontro asiático-ibérico que mudou e moldou a cultura indígena, o
meio ambiente, as tecnologias, as ideologias e o comércio. Não se trata de
simples incursão estrangeira da Ibéria no mundo nativo, mas de todo um processo
de adaptação e de aculturação tornando próprias as coisas estrangeiras por meio
de conflitos, comércio, casamento e criatividade. É uma história ambivalente: de
conflito e colonialismo; e de união e trocas culturais.
Assim, por exemplo, o cristianismo pode ter sido um legado espanhol, mas
foi introduzido através do idioma local, explicando o conceito de Jesus como um
Datu em alguns sermões missionários. E a expressão da fé foi localizada para se
adaptar aos entendimentos nativos, produzindo no processo também formas únicas
de práticas filipinas cristãs. São metodologias e posturas que os teólogos
chamam de mistério da encarnação à semelhança do mistério de Cristo e do
mistério da Igreja. A nível comercial, as coisas forma mais problemáticas. Os vínculos
filipinos com Malaca e outras partes do sudeste da Ásia eram mantidos em
monopólio pelos galeões espanhóis, sem ser constante e uniforme. E o comércio
interilhas continuou em algumas partes, pois a colonização era desigual,
produzindo bolsas de resistência e mantendo durante séculos as profundas redes
históricas. Depois, o meio ambiente modifica-se com a introdução de flora e
fauna das Américas, trazidas para as Filipinas. Em contrapartida, havia imagens
de santos e anjos e outros itens religiosos feitos nas Filipinas, e escravos
filipinos, levados para o México através dos galeões de Manila.
O local afetou o estrangeiro tal como o estrangeiro mudou o local. Assim, a
história filipina desde Magalhães é feita das redes e ligações globais compostas
e multidirecionais que mudaram o estrangeiro e o local.
Magalhães sobressai entre as outras personagens históricas da época por
liderar a Europa para fora do período medieval. Navegou por oceanos cheios de
esperança de novas descobertas, contra a superstição e a ignorância. Montou a
grande armada das Molucas e partiu a 20 de setembro de 1519 e, depois de quase
dois anos no mar, a sua expedição épica avistou terra a 17 de março de 1521 na
atual ilha de Samar. O feito mudou o curso da história para sempre, mormente no
país que mais tarde seria chamado Las
Islas Filipinas.
Embora sua vida tenha sido interrompida após a chegada às Filipinas, milhares
de milhões de filipinos iriam, mais tarde, lembrá-lo como o homem que descobriu
as Filipinas. É nome e rosto que aparecem em todos os livros didáticos e são
honrados pelos diversos marcos históricos. Portugal produziu efetivamente um homem que colocou grande parte do mundo
no mapa.
A celebração do quinto centenário da chegada de Magalhães às Filipinas em
2021 faz recordar um homem que desafiou o medo e a ignorância do seu tempo e
sem o qual o mundo, segundo William Manchester, nunca seria iluminado pela luz.
Antonio Pigafetta escreveu que a pessoa que introduziu o cristianismo nas
Filipinas não era um membro da hierarquia católica, mas o chefe da expedição,
que por acaso era português. Para muitos filipinos católicos, que compõem 80%
da nossa população, Magalhães não será lembrado só como navegador, explorador e
colonizador. O seu legado duradouro no país é o seu papel como pregador que
convenceu os habitantes de Cebu a abandonar a sua religião ancestral e a
aceitar o cristianismo. A imagem do menino Jesus, chamado de Sto Ñino de Cebu,
e a cruz que os descobridores plantaram, que se chama 'cruz de Magalhães',
permanecem importantes tesouros nacionais que atraem devotos locais e
estrangeiros. Por isso, é de deduzir que
a semente do
cristianismo que Magalhães plantou caiu em solo fértil. As Filipinas continuam
a ser o único país católico na região. Nos últimos cinco séculos, a tradição
católica permaneceu parte da vida quotidiana e da visão do mundo filipinas.
Construíram-se as igrejas no coração das cidades, a maioria dos feriados é de
natureza religiosa, iniciam-se e terminam-se as atividades comunitárias com uma
oração, muitas das escolas são administradas por ordens religiosas e considera-se
o Papa o mais popular e influente líder mundial. Os conhecedores da história
das Filipinas sabem que, há três décadas, a Igreja Católica liderou a campanha
para derrubar um poderoso ditador. Se Magalhães não propagasse o cristianismo e
simplesmente deixasse o nosso país depois de obter as provisões necessárias,
certamente o cenário político e cultural das Filipinas seria diferente.
***
Em suma, são cinco as frases chave do seminário: A semente do cristianismo que Magalhães plantou
caiu em solo fértil. A expedição
de Magalhães originou uma profunda transformação positiva na vida dos filipinos.
A história das Filipinas, após 1521, é uma
história de conflito e colonialismo, mas também de união e trocas culturais.
Magalhães é um homem que desafiou o medo
e a ignorância do seu tempo. Portugal produziu um homem que
colocou grande parte do mundo no mapa.
2019.12.04 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário