quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Magalhães, Magallanes, Magellan


Decorreu, a 4 de dezembro de 2019, no Auditório Adriano Moreira da Sociedade de Geografia de Lisboa, um seminário subordinado ao título “Magalhães, Magallanes, Magellan: Magellan in Philippine History through Philippine Historians”, organizado pela Embaixada das Filipinas como um dos números significativos do V centenário da expedição de Fernão de Magalhães.
Depois das Palavras de Abertura – proferidas pelo Prof. Luís Aires-Barros, Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, por Celia Anna M. Feria, Embaixadora das Filipinas, por Álvaro Mendonça e Moura, Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo Embaixador Fernando Ramos Machado, Presidente da Comissão Asiática – cinco historiadores das Filipinas falaram sobre o navegador português que, ao serviço de Espanha, levou o cristianismo ao país, mas lá foi morto pelo guerreiro Lapu-Lapu.
O seminário teve início às 15 horas e estendeu-se até às 17,30 horas, após o que a Embaixada das Filipinas ofereceu um cocktail na Sala de Convívio da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Os temas abordados foram: “Magalhães e as Comemorações do V Centenário nas Filipinas”, pelo Dr. Rene Escalante, Presidente da Comissão Histórica Nacional das Filipinas; “As Filipinas ao tempo da Chegada de Magalhães”, pelo Dr. Francis M. Navarro, Professor Assistente no Departamento de História, da Universidade Ateneu de Manila; Magalhães em Melaka e Cebu, contactos, invasão e interações, pelo Dr. Felice Noelle Rodriguez, Professor Visitante da Universidade Ateneu de Zamboanga; Magalhães e a batalha de Mactán, pleo Dr. Danilo Gerona, Professor IV e Diretor do Centro de Estudos Magalhães, da Universidade Estatal Camarines Sur; e Recordando Magalhães nos últimos cinco séculos, pelo Dr. Ambeth R. Ocampo, Professor Associado e Coordenador da Formação do departamento de História, na Escola de Ciências Sociais, da Universidade Ateneu de Manila, e ex-Presidente da Comissão Histórica Nacional das Filipinas.
Por fim, houve um momento de perguntas e respostas/diálogo com a assistência, a que se seguiu a “Entrega de Diplomas” de participação.
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Previamente, os cinco historiadores filipinos anteciparam ao DN os aspetos principais do conteúdo do seminário e falaram sobre o impacto de Fernão de Magalhães nas Filipinas de hoje, tendo ficado destacada a asserção de que Portugal produziu o homem que colocou grande parte do mundo no mapa”.
Já o título do seminário não é anódino. O ato de posicionar a forma em português, espanhol e inglês do sobrenome deste explorador do século XVI faz ressaltar não só questões de idioma e tradução, mas a nível mais profundo, a questão do ponto de vista da história.
Há, nas Filipinas, inúmeras referências históricas ao expedidor português: são três as cidades com o nome de Magalhães nas províncias de Sorsogon Cavite e Agusan del Norte; há um condomínio fechado de luxo, uma estação ferroviária e um intercâmbio rodoviário em Makati, na Grande Manila. E abundam os nomes de ruas, monumentos, memoriais e referências históricas em todo o território das Filipinas que os filipinos veem diariamente, mas a que não prestam atenção.
Pressupondo que a história é um ato consciente de memória, este seminário organizado em Lisboa pela Embaixada das Filipinas tentou responder às questões: Como é que Fernão de Magalhães é lembrado hoje nas Filipinas? E como deve ser lembrado? Isto implica certamente analisar o impacto dum “evento que ocorreu há cinco séculos nas Filipinas, ontem como hoje”, mas sobretudo realçar “os vínculos históricos entre Filipinas, Portugal e Espanha, que podem fornecer informações úteis para nos ajudar a navegar, como os antigos exploradores, o futuro desconhecido e incerto”.
A expedição de Magalhães foi um importantíssimo episódio da história das Filipinas, mas atinge um grau transnacional e ainda de proporção transcendental, pois o evento em si e a magnitude da ação de Magalhães definiram o curso da história de uma nação ou nações e da humanidade inteira. Embora grande parte das histórias de Magalhães tenha atribuído à expedição uma importância marginal na expansão espanhola no século XVI, a armada das Molucas foi a primeira frota expedicionária a levar o mais longe possível – Plus Ultra – o mandato do sonho de Carlos de um império em expansão. A expedição foi, assim, encarregada de levar para lá dos limites dos enclaves coloniais familiares do império espanhol os sonhos ambiciosos de colocar sob o seu domínio o mundo misterioso do ultramar e lançar as bases para o controlo global das especiarias e pedras preciosas, a expansão das fronteiras imperiais além das Américas, o extermínio dos mouros e a conversão dos pagãos ao cristianismo.
Apesar das críticas aos efeitos atrozes do colonialismo espanhol e à exaltação do papel pioneiro de Magalhães, negando-lhe o título de descobridor ou mesmo condenando-o como o prenúncio dos males do colonialismo, é por demais evidente que “ele deixou uma profunda transformação positiva na vida dos filipinos”, quer pelas “dolorosas lições aprendidas ao longo da história”, quer por via “dos conceitos e das crenças que foram assimilados como parte da cultura filipina”. É, pois, claro que Magalhães realizou algo cujos benefícios excederam o interesse e objetivos pessoais ou imperiais do rei da Espanha, seu patrono.
A chegada de Magalhães às Filipinas é indubitavelmente um dos marcos iniciais do encontro asiático-ibérico que mudou e moldou a cultura indígena, o meio ambiente, as tecnologias, as ideologias e o comércio. Não se trata de simples incursão estrangeira da Ibéria no mundo nativo, mas de todo um processo de adaptação e de aculturação tornando próprias as coisas estrangeiras por meio de conflitos, comércio, casamento e criatividade. É uma história ambivalente: de conflito e colonialismo; e de união e trocas culturais.
Assim, por exemplo, o cristianismo pode ter sido um legado espanhol, mas foi introduzido através do idioma local, explicando o conceito de Jesus como um Datu em alguns sermões missionários. E a expressão da fé foi localizada para se adaptar aos entendimentos nativos, produzindo no processo também formas únicas de práticas filipinas cristãs. São metodologias e posturas que os teólogos chamam de mistério da encarnação à semelhança do mistério de Cristo e do mistério da Igreja. A nível comercial, as coisas forma mais problemáticas. Os vínculos filipinos com Malaca e outras partes do sudeste da Ásia eram mantidos em monopólio pelos galeões espanhóis, sem ser constante e uniforme. E o comércio interilhas continuou em algumas partes, pois a colonização era desigual, produzindo bolsas de resistência e mantendo durante séculos as profundas redes históricas. Depois, o meio ambiente modifica-se com a introdução de flora e fauna das Américas, trazidas para as Filipinas. Em contrapartida, havia imagens de santos e anjos e outros itens religiosos feitos nas Filipinas, e escravos filipinos, levados para o México através dos galeões de Manila.
O local afetou o estrangeiro tal como o estrangeiro mudou o local. Assim, a história filipina desde Magalhães é feita das redes e ligações globais compostas e multidirecionais que mudaram o estrangeiro e o local.
Magalhães sobressai entre as outras personagens históricas da época por liderar a Europa para fora do período medieval. Navegou por oceanos cheios de esperança de novas descobertas, contra a superstição e a ignorância. Montou a grande armada das Molucas e partiu a 20 de setembro de 1519 e, depois de quase dois anos no mar, a sua expedição épica avistou terra a 17 de março de 1521 na atual ilha de Samar. O feito mudou o curso da história para sempre, mormente no país que mais tarde seria chamado Las Islas Filipinas.
Embora sua vida tenha sido interrompida após a chegada às Filipinas, milhares de milhões de filipinos iriam, mais tarde, lembrá-lo como o homem que descobriu as Filipinas. É nome e rosto que aparecem em todos os livros didáticos e são honrados pelos diversos marcos históricos. Portugal produziu efetivamente um homem que colocou grande parte do mundo no mapa.
A celebração do quinto centenário da chegada de Magalhães às Filipinas em 2021 faz recordar um homem que desafiou o medo e a ignorância do seu tempo e sem o qual o mundo, segundo William Manchester, nunca seria iluminado pela luz.
Antonio Pigafetta escreveu que a pessoa que introduziu o cristianismo nas Filipinas não era um membro da hierarquia católica, mas o chefe da expedição, que por acaso era português. Para muitos filipinos católicos, que compõem 80% da nossa população, Magalhães não será lembrado só como navegador, explorador e colonizador. O seu legado duradouro no país é o seu papel como pregador que convenceu os habitantes de Cebu a abandonar a sua religião ancestral e a aceitar o cristianismo. A imagem do menino Jesus, chamado de Sto Ñino de Cebu, e a cruz que os descobridores plantaram, que se chama 'cruz de Magalhães', permanecem importantes tesouros nacionais que atraem devotos locais e estrangeiros. Por isso, é de deduzir que a semente do cristianismo que Magalhães plantou caiu em solo fértil. As Filipinas continuam a ser o único país católico na região. Nos últimos cinco séculos, a tradição católica permaneceu parte da vida quotidiana e da visão do mundo filipinas. Construíram-se as igrejas no coração das cidades, a maioria dos feriados é de natureza religiosa, iniciam-se e terminam-se as atividades comunitárias com uma oração, muitas das escolas são administradas por ordens religiosas e considera-se o Papa o mais popular e influente líder mundial. Os conhecedores da história das Filipinas sabem que, há três décadas, a Igreja Católica liderou a campanha para derrubar um poderoso ditador. Se Magalhães não propagasse o cristianismo e simplesmente deixasse o nosso país depois de obter as provisões necessárias, certamente o cenário político e cultural das Filipinas seria diferente.
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Em suma, são cinco as frases chave do seminário: A semente do cristianismo que Magalhães plantou caiu em solo fértil. A expedição de Magalhães originou uma profunda transformação positiva na vida dos filipinos. A história das Filipinas, após 1521, é uma história de conflito e colonialismo, mas também de união e trocas culturais. Magalhães é um homem que desafiou o medo e a ignorância do seu tempo. Portugal produziu um homem que colocou grande parte do mundo no mapa.
2019.12.04 – Louro de Carvalho

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