quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Governo quer IVA da eletricidade a poder variar com o consumo


O Primeiro-Ministro António Costa escreveu uma carta à presidente da Comissão Europeia a solicitar a alteração dos critérios sobre o princípio da estabilidade do IVA, para que a taxa varie consoante o consumo dos clientes, segundo os vários escalões. O anúncio foi feito no debate quinzenal deste dia 10 de dezembro, mas sem grandes detalhes.
Costa, sabendo que em termos técnicos a decisão é difícil, pede a Bruxelas uma decisão política. Efetivamente variar a taxa de IVA em função do consumo de eletricidade foge aos princípios do imposto, mas são invocadas alterações climáticas para o pedido da decisão política. Naturalmente que o Primeiro-Ministro, que tem fugido à discussão parlamentar do Orçamento do Estado por a considerar precoce neste momento, pretende contornar a hipótese de uma maioria negativa no Parlamento a forçar a descida do IVA para 6% para todos os consumidores. E terá sido nesta perspetiva que no penúltimo debate quinzenal prometeu uma agradável surpresa para os diversos partidos, abrindo a via para a redução da fatura sem mexer na taxa do imposto. Mas deve ter pensado que isso não seria o suficiente para acalmar as hostes     
Na carta que escreveu a Ursula von der Leyen, divulgada pelo jornal ECO, o Chefe do Governo reconhece que tem a noção de que esta proposta portuguesa “não está alinhada com o princípio tradicional de neutralidade do sistema IVA”, mas sustenta que o imposto “precisa de ser adaptado para integrar os nossos objetivos climáticos”.
Sinalizando que o pedido feito por Portugal para voltar a mexer na taxa da eletricidade, será analisado pelo comité  do IVA – Centeno já enviou o pedido –, Costa defende perante Von der Leyen que esta é “uma decisão eminentemente política”, não técnica, pelo que apela à chefe do executivo comunitário que se envolva na avaliação desta proposta numa abordagem que não tenha uma base técnica, mas que considere a “necessidade de adaptar as nossas economias ao objetivo estratégico de lutar contra as alterações climáticas”.
Nesta carta, António Costa não refere o argumento financeiro e orçamental que tem sido usado dentro de portas para recusar a descida do IVA para a taxa reduzida, medida que, nas contas do Governo, custaria pelo menos 700 milhões de euros líquidos. Já na resposta a Catarina Martins do BE, no debate quinzenal, o Chefe do Governo invocou o argumento da “emergência climática” para depois revelar o que está o Governo a fazer, em resposta à intenção manifestada por vários partidos (PCP, BE e PSD) de avanço com propostas de redução do IVA da luz para 6%.  
A alternativa, segundo Costa, passaria por uma taxa variável ajustada ao consumo. Em vez de  baixar a taxa para todos os consumidores que estejam nas potências contratadas mais baixas, como aconteceu este ano (e apenas para a parte da fatura que corresponde à potência, excluindo a energia) o Governo põe em cima da mesa a ideia de variar a taxa do IVA em função de escalões de consumo. Assim, quem mais consumir pagará uma taxa mais elevada pela energia consumida, o que implicaria aplicar taxas diferenciadas para o mesmo bem.
Esta proposta, inédita no IVA aplicado à energia na UE (União Europeia), terá de ser validada pelo comité do IVA, onde têm assento os membros da UE, mas também a Comissão Europeia que será quem tem mais peso nesta análise, daí o apelo à presidente Ursula von der Leyen. Costa não deixa claro se a pretensão portuguesa envolve uma mudança das regras do IVA, que é um imposto europeu, o que implicaria o consentimento de todos os membros da UE ou apenas um pedido de atenção para deixar passar a proposta específica para Portugal.
Sem esquecer os compromissos de Portugal com a UE, o Primeiro-Ministro frisa o nosso compromisso com a neutralidade carbónica, observando:
Portugal deseja contribuir ativamente para o objetivo europeu de neutralidade carbónica. A nível nacional, já propomos não só que isso é possível, mas também que vale a pena atuar. Mas queremos fazer mais. Acreditamos que os nossos sistemas fiscais devem também ser adaptados às novas exigências ambientais, não apenas através da criação de novas taxas e incentivos fiscais que nos ajudem a atingir a neutralidade carbónica, mas também por via de impostos como o IVA.”.
Os princípios do IVA, defende Costa, devem ser adaptados para nos ser permitido lutar melhor contra as alterações climática, pelo que frisa:
É por isso que enviámos uma proposta concreta ao comité do IVA para criar taxas diferenciadas em função dos níveis de consumo de forma a desencorajar o consumo excessivo de eletricidade”.
Ao explicar a medida que Propõe à Comissão Europeia, o Primeiro-Ministro reiterou que é necessário “ser coerente” quando se discutem estas matérias. E ele é coerente, não com os princípios do IVA, nomeadamente da neutralidade e da estabilidade, mas com os objetivos de redução do défice tarifário e de contributo para a neutralidade carbónica e, em última análise, para a minimização dos efeitos das alterações climáticas em curso. Diz o governante:
Temos de baixar o custo da energia, de continuar a reduzir o défice tarifário. Antes de propormos benefícios fiscais para a energia, convém lembrar que estamos em emergência climática.”.
Esta iniciativa costista tinha já sido adiantada por Marques Mendes no seu comentário dominical na SIC, do passado dia 8, como sendo o Plano B do Governo. Perante a possibilidade de uma maioria negativa que force o Governo a baixar o IVA, Marques Mendes revelou que António Costa iria tentar “convencer” Bruxelas a aceitar que o imposto possa variar em função do consumo. Neste cenário, a perda de receitas será menor.
As contas do Governo apontam para uma perda líquida de receita de 771 milhões de euros se o IVA da luz baixar para 6%, ou de 454 milhões de euros se a descida for para 13%.
No seu comentário, Mendes deixou ainda pistas sobre o que poderá constar no Orçamento de Estado para 2020 que o Governo entregará no Parlamento no próximo dia 16. Até esse dia, intensificam-se as operações de bastidores.
Diz o comentador que o documento “prevê mais investimento e mais dinheiro para a Saúde, Habitação e para as Forças de Segurança”.
Em relação ao descongelamento das carreiras, Mendes afirma que vai custar 500 milhões de euros no próximo ano – numa altura em que todos os funcionários públicos já estarão a receber as progressões sem cortes – valor que já tinha sido avançado pelo Ministério das Finanças.
E, na parte fiscal, o comentador revela não haver mexidas no IRS, sendo que “a prioridade será o apoio às empresas”, que ficará dependente de acordo em sede de Concertação Social.
O comentador não desvenda que impostos vão mudar para as empresas, mas os socialistas já prometeram melhorar o regime do IRC para as empresas que reinvistam os lucros, através de um aumento de 10 para 12 milhões de euros no limite máximo que pode ser objeto de dedução.
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EDP aplaude IVA variável na eletricidade. Assim, a partir de Madrid, António Mexia, presidente executivo da elétrica portuguesa considerou “lógica” e “socialmente mais justa” a proposta do Governo de a taxa do IVA da energia variar consoante o consumo em função dos diferentes escalões de consumo. Disse o presidente da EDP à agência Lusa, à margem de uma mesa redonda em que participou no âmbito da COP25:
Tem lógica. Se o caminho for esse […], eu acho que o objetivo que se está a tentar é garantir que haja uma progressividade nessa medida, que ela seja socialmente mais justa..

Para o presidente da EDP, trata-se de eventual decisão de política fiscal que compete ao Parlamento e ao Governo, sem “nenhuma influência no negócio da EDP”, embora uma variação desse tipo da taxa de IVA fosse “beneficiar quem mais precisa”, dito de outra forma, “quem tem menos rendimentos, quem consome menos e quem tem menos condições”. Para Mexia, a lógica da medida “vai no sentido de uma medida mais progressiva e não regressiva”.
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Veremos no que vai dar. A Comissão e o Comité do IVA acolherão o pedido de Costa? Isto será suficiente para o OE2020 ser aprovado? A Carta do Primeiro-Ministro juntamente com um intenso jogo de bastidores neutralizará a ameaçadora coligação negativa? Não haverá outros problemas orçamentais?
Haja quem nos governe com sentido de missão e apurada noção de serviço público! Será este o rumo de Costa quando equaciona a possibilidade de se candidatar a um terceiro mandato?
2019,12.10 – Louro de Carvalho

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