É usual, nos
últimos anos, os bispos das diferentes dioceses, para lá das homilias que
proferem nas missas de Natal (autênticas mensagens ad intra), endereçarem
mensagens natalinas de forma especial aos seus fiéis, com transcrição nos
respetivos sites e em suporte de
papel nos boletins diocesanos, e a que a agência Ecclesia costuma dar realce. Aqui se deixam em comprimidos as suas
mensagens agrupando as dioceses por ordem alfabética dentro de cada metrópole.
Assim,
O Arcebispo de Braga (metropolita) recordou os dramas de muitas famílias, dizendo:
“Há avós que são marginalizados e esquecidos na solidão das suas casas
ou nos lares que os acolhem. Muitas pessoas vivem na tristeza, pois a vergonha
impede-as de comunicar e de sair dessas situações. Também as carências
económicas motivam situações desumanas que nunca deveriam existir.”.
O Bispo de Aveiro referiu que, “na caminhada de José e de Maria
escondem-se, hoje, os passos de muitas famílias” e que “são muitas,
infelizmente, as situações desconcertantes que se vivem nas famílias:
hostilidade, abandonos, separações, carências”.
O Bispo de Bragança-Miranda desejou a todos “um Santo Natal, celebrado e
vivido na família e na comunidade, aberto aos mais pobres, aos doentes, aos sós
e isolados, aos reclusos, aos migrantes, a todas a vítimas de tantos males e a
todos os que precisam da nossa presença”.
O Bispo de Coimbra apontou:
“Precisamos de reencontrar o
verdadeiro espírito do Natal na simplicidade, nas relações humanas, no coração,
na espiritualidade e em tudo o que nos define enquanto pessoas que estão
disponíveis para irem ao encontro do seu próximo”.
O Bispo de Lamego, numa mensagem poética, pediu que Jesus não se perca na
confusão do Natal, que venha e encha “de luz o nosso tempo, segundo a segundo,
momento a momento”.
O Bispo do Porto emitiu o seguinte voto:
“Seja este um natal de ternura, a viver primeiro que tudo na própria
família, mas a levar a família a abrir-se ao exterior e a dar ternura a quem
precisa dela”.
O Bispo de Viana do Castelo afirmou categoricamente: “Sem acolhimento não há Natal”.
O Bispo de Vila Real assegurou: “O
Natal é uma festa sempre nova”. E recordou que, “em cada Natal, há rituais, gestos e palavras que se repetem, belas e
ricas tradições que não dispensamos, tornando esta quadra única e especial”.
O Bispo de Viseu vincou um dos
deveres do Estado:
“O Estado precisa de distribuir com maior justiça os seus recursos para
todos: para o emprego; para as instituições particulares de solidariedade
social, de forma que não se exclua ninguém; precisa de olhar para o mundo da
saúde de modo positivo, não excluindo ninguém na prestação dos cuidados;
promover e estender as redes de cuidados continuados e cuidados paliativos a
todo o país e com acesso aos mais necessitados; é preciso cuidar dos cuidadores
e incentivá-los a um serviço que os realize”.
O Arcebispo de Évora (metropolita) desejou:
“Que a nossa criatividade pessoal e a criatividade das nossas
comunidades cristãs vençam a rotina ou a inércia e percorram caminhos novos de
encontros humanizadores”.
Este ano, o Bispo do Algarve
assinalou que “só Jesus
Cristo” enche o coração e a vida de alegria, de quantos se encontram com Ele, “alegria que se renova e comunica, capaz de
vencer a tristeza provocada por atitudes mesquinhas e comodistas, de vidas
fechadas aos outros e sem lugar para os mais pobres”.
O Bispo de Beja desafiou:
“Vinde festejar o Natal, participando com as vossas famílias nas
celebrações litúrgicas, e estando atentos e solícitos aos que sofrem, aos que
estão sós. Animai-os a virem à Igreja, convidai-os para a vossa mesa, para a
vossa família, e a festa do Natal e o Ano Novo terão para vós o sabor da
caridade e da verdade”.
O Cardeal Patriarca de Lisboa (metropolita) fez votos por “que a lição do presépio seja a nossa
verdade e que na alegria desta noite seja também a reconstrução do mundo”.
O Bispo de Angra disse que, “para o ser humano que não sabe o que
fazer com a vida” (pelo que a maltrata, a desvaloriza, se apropria dela
e se deleita em imprimir-lhe os sinais de morte), “é urgente e imperioso conduzir a
pessoa humana, em qualquer contexto cultural, religioso, social ou étnico para
fazer o caminho até ao presépio onde se encontrará não só com a presença
pessoal de Deus mas também com a resposta profunda, embora velada, ao sentido
da existência humana”.
O Bispo das Forças Armadas e de
Segurança declarou:
“Nada nos pode destruir, nem debilitar porque Jesus Cristo, o Verbo de
Deus, está dentro da nossa realidade humana, encontra-se em cada experiência da
existência de cada homem e mulher”.
O Bispo do Funchal disse esperar que Jesus “possa tocar hoje,
com o seu amor e ternura” as vidas dos que mais sofrem, através do compromisso
dos católicos. “Nascido em Belém, que,
através de nós, Ele possa tocar hoje, com o seu amor e ternura, as vidas de
tantos – as vidas de todos, porque todos precisamos dele”.
O Bispo da Guarda salientou:
“Às vezes surge a tentação do abandono e até mesmo da rejeição das
pessoas, sobretudo na primeira e na última das etapas da vida, ou porque vêm
incomodar ou porque passaram a ser um peso. (…) A mensagem do Menino de Belém é
clara e diz-nos que a vida é sagrada em todas as suas etapas. Por isso, quer o
aborto quer a eutanásia ou quaisquer outras formas de atropelo à vida não podem
ter lugar em sentimentos verdadeiramente humanos.”.
O Cardeal e Bispo de Leiria-Fátima afirmou:
“Para tornar o mundo mais fraterno, para levar a todos verdadeira
alegria do Natal é imperativo que demos testemunho com ações concretas de
solidariedade e partilha. Ninguém pode ficar indiferente.”.
O Bispo de Portalegre e Castelo Branco assegurou:
“Celebrar o Natal é pôr-se a caminho e
deixar-se encontrar por Jesus, é converter-se, é renovar-se, é rasgar
horizontes mais solidários e fraternos, é mudar a história da sua própria vida
e, pensando sobretudo nos que não têm voz, é comprometer-se na construção do
bem comum, com criatividade, inteligência e disponibilidade”.
O Bispo de Santarém escreveu:
“Deus foi e é surpreendente. Não veio nascer neste mundo com riquezas
materiais nem com receitas para os problemas. Veio valorizar a vida humana em
cada pessoa e a Família, consagrando esta como o espaço privilegiado para a vida
em comunhão de amor, e aprender a viver com os valores da verdade e da justiça.
Em ambiente familiar.”.
O Bispo de Setúbal salientou que a celebração do Natal “vem, uma vez
mais”, recordar que Deus “toma bem a
sério a situação e os destinos da humanidade e de cada um” e torna-se
“próximo e assume a condição humana, na fragilidade de uma criança. Ele vem mesmo partilhar a nossa vida de
humanos, nas alegrias, vitórias e sonhos que nos entusiasmam, mas igualmente
nas crises, dramas e pesadelos que nos afligem.”.
***
Entretanto, o Cardeal Patriarca costuma proferir a sua
mensagem natalícia dirigida aos portugueses na noite de Natal através da RTP 1,
o que alguns criticam de forma intempestiva.
Dom Manuel Clemente considerou que “Feliz Natal, Santo Natal, Boas Festas” são palavras que todos compartilhamos
nesta quadra, sempre regressando e nunca perdendo o seu vigor.
Sente-se que há um “espírito de Natal”, como “um ar novo e
tonificante que se respira”, sendo desejável que “chegue a todos os que por ele
anseiam e lhes preencha as carências que tenham”. Referiu que os cristãos,
quando escolheram esta altura para a comemoração do nascimento de Jesus Cristo,
“acertaram naturalmente com o tempo em que os dias recomeçam a crescer” e disse
que “é muito interessante verificar que,
um pouco por todo o lado, renascem esperanças e se reforçam motivações”.
Por outro lado, o Bispo de Lisboa e Presidente da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) observou que é necessário “recordar o
porquê de tudo isto”. E esse porquê, “real e decisivo”, radica no facto de, há
dois milénios, ter nascido “uma criança, a quem foi posto o nome de Jesus,
completado depois com o de Cristo”. E assegurou:
“É exatamente por isso que hoje celebramos o
Natal, o seu Natal”.
Depois frisou que “as coisas realmente grandes e
determinantes acontecem na verdade que têm e transportam, sem precisarem de
ostentação”. Tanto assim é que Jesus, quando cresceu e pregou as
‘bem-aventuranças’, “começou pelos pequenos e pobres, que intimamente o sejam”.
E chamou a atenção para o facto de a notícia do seu
nascimento trazer também uma nota de contraste: “foi deitado numa manjedoura,
por não haver lugar na hospedaria”, facto que “nem os presépios
bonitos que hoje lhe façamos podem encobrir que assim foi”.
Aconteceu com Jesus, disse o Patriarca, “como continua a
acontecer com muitos”. E explicou:
“Nas sociedades que integramos e nas cidades
que habitamos continua a não haver ‘hospedaria’ para todos. Por razões
económicas ou outras que se acrescentem, continuam a faltar condições para que
todos possam nascer e crescer, como para viver o seu percurso natural completo,
com o envolvimento solidário que merecem. Significa saúde e trabalho, repouso e
habitação condigna. Significa respeito e companhia. Significa ninguém ficar de
fora dum mundo de todos para todos.”.
Por fim, vincou que os cristãos sabem que “Jesus continua a
alargar o seu Natal em cada ser humano com quem se identifica” e que muita
desta crença se tornou “convicção generalizada, reforçando a dignidade humana e
os seus direitos, como há 70 anos se proclamaram em declaração universal”. Por
isso, o Presidente da CEP apelou em termos da inclusividade presepial,
contrastante com o abandono de então sofrido por Jesus e com o abandono a que
ainda hoje são votados tantos e tantas:
“Proporcionemos, então, a cada um dos nossos contemporâneos, a ‘hospedaria”
em que Jesus não teve lugar ao nascer. Transformemos o seu presépio na
grande hospedaria do mundo!”.
***
Alguns não
suportam o humanismo que tenha rosto cristão. E a ARL (Associação
República e Laicidade) critica o
que acha um “privilégio incompatível com a laicidade do serviço público” dado à
Igreja Católica com a transmissão em horário nobre da mensagem de Natal do Patriarca.
Em carta
dirigida à Ministra da Cultura, esta associação sem fins lucrativos formada em
2003 afirma que já há programas na televisão pública “nos quais esta mensagem
poderia ser transmitida”, como o semanário de temas católicos “70×7” e o programa “A Fé dos Homens”, que junta várias confissões religiosas. E,
afirmando que a RTP, “obrigada” a respeitar a laicidade do Estado e do serviço
público, “deve terminar” com a transmissão das mensagens fora desses programas
e “num formato semelhante ao de um tempo de antena”, sem “tratamento
jornalístico nem qualquer outro tipo de moderação”.
O gabinete
da Ministra da Cultura, contactado pela Lusa,
declinou fazer qualquer comentário.
***
Não sei se a
ARL sabe o que é a República e o que é laicidade. República é a coisa pública e
hoje é uma forma de governança do país em que se privilegia a eleição dos
representantes do povo e o Chefe de Estado, não sendo dinástico, tem mandato ou
mandatos de duração tipificada na Constituição, mas nunca vitalício. E
laicidade, que é a marca da pertença ao povo, assume-se como não
confessionalidade do Estado, mas compreendendo a diversidade de pertenças
religiosas e ideológicas, respeitando a pluralidade e a força das maiorias, bem
como os direitos e interesses legítimos das minorias.
Não tem o
Estado religião oficial, mas respeita a sociedade e cumpre os pactos
internacionais: Portugal tem concordata com esta Igreja e o Patriarca é o presidente
da CEP. Se o problema é a falta de contraditório ou de moderação, que lho façam
a seguir. Ademais serviço público não é só o que prestado em horário nobre, mas
é o que o é por natureza ou por convenção.
2019.12.27 – Louro de Carvalho
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