Marcelo Rebelo de Sousa não reduz a sua intervenção às funções tradicionais
atribuíveis ao Presidente da República. Se essa condição, que leva até ao
limite (e até o ultrapassará), não é suficiente, fala como cidadão ou como comunicador em jornal, rádio
ou televisão.
Também nunca percebi por que motivo o Presidente de todos os portugueses,
mesmo dos que não votam nele, não há de falar ao país no Natal. Fala o Chefe de
Governo, mas este não consegue despedir a veste partidária ou da circunstância
conjuntural que o levou ao poder. À partida, o Chefe de Estado reúne mais
consensos, mesmo que venha duma área partidária. É certo que o Presidente fala
no dealbar do Ano Novo, mas Natal é Natal e, como tempo de reflexão e de festa
familiar e comunitária, distingue-se do início de ano, que é pontapé de saída
para um no ciclo de atividade civil, que pode não coincidir com anos
litúrgicos, pastorais, sociais ou letivos, mas abrange as importantes áreas
económica e contabilística.
***
Posto isto, é de reparar que o título do artigo presidencial no JN, “Um
Natal de preocupação e sobretudo esperança”, espelha a dupla vertente da
abordagem natalina de Marcelo. É pena que seja um exclusivo dum jornal.
No âmbito da preocupação, Marcelo aponta os continuados e multiplicados sinais negativos para a paz, para o diálogo, para a
convivência entre pessoas, povos, culturas e civilizações. E aqui menciona: “a
permanência de desigualdades”, miséria, guerra, instabilidade política, social
e económica, a gerar “mais migrações e mais refugiados”, sobretudo “em África,
na Ásia, na América Latina”, onde se registam novos e velhos focos; “a
insensibilidade de alguns, com muito peso internacional, perante os desafios
das alterações climáticas”; “a tensão ainda não superada entre potências relativamente
ao comércio universal”; “a tendência para o unilateralismo”, a dificultar o
papel das organizações internacionais e a afirmação do próprio Direito
Internacional”; “a situação mais ou menos crítica de certos sistemas políticos
nacionais”; o início de um novo ciclo político na Europa, “com alguns outros
sinais que continuam a provocar apreensão”; “o apagamento de lideranças
convictas, claras e determinadas e a emergência de compassos de espera” ou as
mais variadas “fragmentações internas”; “o adiamento de decisões importantes
para os anos mais próximos em áreas essenciais, até pela influência em termos
de crescimento e emprego sustentados e significativos”; e, no tocante a
Portugal, a “concentração do debate público em pontos específicos, mais formais
do que substanciais, mais conjunturais do que estruturais”, a “sensação difusa
de que o dia a dia deve prevalecer sobre os horizontes de médio e longo prazo
na perceção social de muitos” e a “situação crítica da comunicação social,
acicate de instabilidade, de preferência pelo imediatismo, de potenciação do
efémero em detrimento do fundamental”.
Depois
destes múltiplos e variados cenários de preocupação, seria de questionar o
Presidente da República como consegue vislumbrar sinais de esperança neste
mundo dividido e confuso. Mas ele não deixou criar ferrugem no cálamo e
assegurou:
“Acrescentei que de um Natal sobretudo de
esperança se tratava. Isto é, a esperança existe e permite mobilizar, mesmo
quando a preocupação se manifesta.”.
E, em termos
da esperança no Mundo, desfiou: “continua a luta de um sem-número de
organizações e de cidadãos pelos valores primeiros do personalismo e do
humanismo, a começar pela dignidade da pessoa humana”; “prossegue a saga dos
que batalham pela paz, pela justiça, pelos direitos humanos, pelo Direito
Internacional, pelo diálogo, convergência e entendimento”; “não para a faina
dos que pensam nas gerações futuras e não desistem perante a negação da
evidência ou a frouxidão perante as alterações climáticas”; e as “potências em
guerra comercial ou de divisas admitem, ao menos por um momento”, que se impõem
tréguas.
No âmbito da
esperança na Europa, regista; “a saída do Reino Unido [far-se-á] com acordo e não como tantos defendiam sem ele”; “nas
eleições europeias e em muitos sistemas políticos europeus [viu-se] que ainda há espaço para reformar, mudar de vida,
acelerar o passo, retirar argumentos aos antieuropeus ou assistémicos”; “movimentos
de ideias e sociais surgem ou se reforçam, pressionando outra iniciativa, outro
ritmo”, e (…) mais prioridade às pessoas, à
participação, ao envolvimento numa Europa “que se deixe de meras abstrações ou
de torres de marfim”.
E, em termos
da esperança em Portugal, anota:
“O bom senso, a experiência de muito passado
e do que nele se viveu e o apelo de mais e melhor apontam para olhar mais alto
e mais longe e cuidar de evitar injustiças, desigualdades, omissões, atrasos e
displicências que criem o caldo para o enfraquecimento de pilares basilares de
uma Democracia viva e de futuro”.
E sentencia
que tem razões para estar muito atento e disponível para agir, mas também
razões para a esperança “na consciência da estabilidade institucional e
financeira, da necessidade do crescimento e do emprego, da urgência da coesão
social, da abertura para a renovação do que está cansado, esgotado,
ultrapassado em estruturas, orgânicas, procedimentos, desempenhos pessoais”.
Por conseguinte, o Presidente deseja a todos e a cada um “um Natal Feliz”, se
possível vivido com os entes mais queridos, e “tendo sempre presentes os que o
espaço físico, a doença ou a exigência pessoal ou profissional impedem de
partilharem esse Natal familiar”.
***
Ora, se como
dizem alguns, a mensagem primoministerial é quase monotemática e sem a resposta
suficiente para o país, a mensagem presidencial é excessivamente pluritemática
para um texto tão curto. É muito verdadeira e como que toca todos os temas na
agenda mundial, europeia e nacional, mas fica tudo pela rama sem que haja um
pensamento de fundo sobre os porquês das preocupações e fundamentos da
esperança. E este Presidente sabe fazê-lo e os assessores estariam disponíveis
para lhe enditar o discurso.
De resto, o
Presidente pouco mais pode fazer do que exercer, com acutilância se quiser, a magistratura
de influência e cuidar do moral dos portugueses.
Veremos como
se vai sair na mensagem de Ano Novo!
2019.12.26 – Louro de Carvalho
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