quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A pluritemática Mensagem de Natal do Presidente da República – 2019


Marcelo Rebelo de Sousa não reduz a sua intervenção às funções tradicionais atribuíveis ao Presidente da República. Se essa condição, que leva até ao limite (e até o ultrapassará), não é suficiente, fala como cidadão ou como comunicador em jornal, rádio ou televisão.
Também nunca percebi por que motivo o Presidente de todos os portugueses, mesmo dos que não votam nele, não há de falar ao país no Natal. Fala o Chefe de Governo, mas este não consegue despedir a veste partidária ou da circunstância conjuntural que o levou ao poder. À partida, o Chefe de Estado reúne mais consensos, mesmo que venha duma área partidária. É certo que o Presidente fala no dealbar do Ano Novo, mas Natal é Natal e, como tempo de reflexão e de festa familiar e comunitária, distingue-se do início de ano, que é pontapé de saída para um no ciclo de atividade civil, que pode não coincidir com anos litúrgicos, pastorais, sociais ou letivos, mas abrange as importantes áreas económica e contabilística.  
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Posto isto, é de reparar que o título do artigo presidencial no JN, “Um Natal de preocupação e sobretudo esperança”, espelha a dupla vertente da abordagem natalina de Marcelo. É pena que seja um exclusivo dum jornal.
No âmbito da preocupação, Marcelo aponta os continuados e multiplicados sinais negativos para a paz, para o diálogo, para a convivência entre pessoas, povos, culturas e civilizações. E aqui menciona: “a permanência de desigualdades”, miséria, guerra, instabilidade política, social e económica, a gerar “mais migrações e mais refugiados”, sobretudo “em África, na Ásia, na América Latina”, onde se registam novos e velhos focos; “a insensibilidade de alguns, com muito peso internacional, perante os desafios das alterações climáticas”; “a tensão ainda não superada entre potências relativamente ao comércio universal”; “a tendência para o unilateralismo”, a dificultar o papel das organizações internacionais e a afirmação do próprio Direito Internacional”; “a situação mais ou menos crítica de certos sistemas políticos nacionais”; o início de um novo ciclo político na Europa, “com alguns outros sinais que continuam a provocar apreensão”; “o apagamento de lideranças convictas, claras e determinadas e a emergência de compassos de espera” ou as mais variadas “fragmentações internas”; “o adiamento de decisões importantes para os anos mais próximos em áreas essenciais, até pela influência em termos de crescimento e emprego sustentados e significativos”; e, no tocante a Portugal, a “concentração do debate público em pontos específicos, mais formais do que substanciais, mais conjunturais do que estruturais”, a “sensação difusa de que o dia a dia deve prevalecer sobre os horizontes de médio e longo prazo na perceção social de muitos” e a “situação crítica da comunicação social, acicate de instabilidade, de preferência pelo imediatismo, de potenciação do efémero em detrimento do fundamental”.
Depois destes múltiplos e variados cenários de preocupação, seria de questionar o Presidente da República como consegue vislumbrar sinais de esperança neste mundo dividido e confuso. Mas ele não deixou criar ferrugem no cálamo e assegurou: 
Acrescentei que de um Natal sobretudo de esperança se tratava. Isto é, a esperança existe e permite mobilizar, mesmo quando a preocupação se manifesta.”.
E, em termos da esperança no Mundo, desfiou: “continua a luta de um sem-número de organizações e de cidadãos pelos valores primeiros do personalismo e do humanismo, a começar pela dignidade da pessoa humana”; “prossegue a saga dos que batalham pela paz, pela justiça, pelos direitos humanos, pelo Direito Internacional, pelo diálogo, convergência e entendimento”; “não para a faina dos que pensam nas gerações futuras e não desistem perante a negação da evidência ou a frouxidão perante as alterações climáticas”; e as “potências em guerra comercial ou de divisas admitem, ao menos por um momento”, que se impõem tréguas.
No âmbito da esperança na Europa, regista; “a saída do Reino Unido [far-se-á] com acordo e não como tantos defendiam sem ele”; “nas eleições europeias e em muitos sistemas políticos europeus [viu-se] que ainda há espaço para reformar, mudar de vida, acelerar o passo, retirar argumentos aos antieuropeus ou assistémicos”; “movimentos de ideias e sociais surgem ou se reforçam, pressionando outra iniciativa, outro ritmo”, e (…) mais prioridade às pessoas, à participação, ao envolvimento numa Europa “que se deixe de meras abstrações ou de torres de marfim”.
E, em termos da esperança em Portugal, anota:
O bom senso, a experiência de muito passado e do que nele se viveu e o apelo de mais e melhor apontam para olhar mais alto e mais longe e cuidar de evitar injustiças, desigualdades, omissões, atrasos e displicências que criem o caldo para o enfraquecimento de pilares basilares de uma Democracia viva e de futuro”.
E sentencia que tem razões para estar muito atento e disponível para agir, mas também razões para a esperança “na consciência da estabilidade institucional e financeira, da necessidade do crescimento e do emprego, da urgência da coesão social, da abertura para a renovação do que está cansado, esgotado, ultrapassado em estruturas, orgânicas, procedimentos, desempenhos pessoais”. Por conseguinte, o Presidente deseja a todos e a cada um “um Natal Feliz”, se possível vivido com os entes mais queridos, e “tendo sempre presentes os que o espaço físico, a doença ou a exigência pessoal ou profissional impedem de partilharem esse Natal familiar”.
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Ora, se como dizem alguns, a mensagem primoministerial é quase monotemática e sem a resposta suficiente para o país, a mensagem presidencial é excessivamente pluritemática para um texto tão curto. É muito verdadeira e como que toca todos os temas na agenda mundial, europeia e nacional, mas fica tudo pela rama sem que haja um pensamento de fundo sobre os porquês das preocupações e fundamentos da esperança. E este Presidente sabe fazê-lo e os assessores estariam disponíveis para lhe enditar o discurso.
De resto, o Presidente pouco mais pode fazer do que exercer, com acutilância se quiser, a magistratura de influência e cuidar do moral dos portugueses.
Veremos como se vai sair na mensagem de Ano Novo!
2019.12.26 – Louro de Carvalho   

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