sábado, 14 de dezembro de 2019

Do menino que se propôs ser o burro no presépio e mais curiosidades


Estava a ler, na revista “Evasões”, do dia 13 de dezembro, o artigo de Paula Ferreira que dá conta da ancestral tradição vila-condense de na noite de Natal se dormir na palha e do seu desejo não realizado na infância de alinhar com a tradição seguida pela vizinhança, quando vi no facebook dum amigo um presépio só com um ouriço aberto com três castanhas aninhadas em que a central – o Menino Jesus, marcado pela coroa a fazer de ‘subteto’ – vem aconchegada pelas outras duas convergentes: Maria e José.
Iconicamente este presépio é o ouriço aberto em que a Sagrada Família se nutriu e desenvolveu dentro da carapaça protetora rodeada de espinhos que afugentassem os insetos inimigos ou a ânsia furiosa de mamíferos, aves e algum réptil. Mas, embora o ouriço tivesse passado por um tempo de fechamento, tinha de se abrir para mostrar o menino e a família e os povos poderem ver e adorar. Não obstante, muitos cristãos acham que o ouriço presepial tem de permanecer fechado e envolto em carapaça e espinhos, não vá o diabo tecê-las; e outros tentam virar os espinhos para dentro, ferindo o menino, a mãe e José. Enfim, triste sina e antievangélica! 
E, como a imaginação não para e a memória ainda tem alguma frescura, tirei da arca algumas recordações sobre o presépio. E a primeira que veio à tona foi a duma escola católica onde a professora da turma encarregada da montagem do presépio vivo em que as figuras fossem pessoas, no caso crianças, foi perguntando o que desejava ser cada uma delas. O menino Jesus seria importado da turma dos mais pequeninos, como era óbvio, embora escolhido pela turma do presépio. A seguir, apareceram os candidatos a outras figuras: o João, um miúdo fortalhaço, adiantou-se para ser São José; o Chico, o Joel e o Lucas quiseram ser os magos levando de casa, cada um sua mula a servir de camelo, para que eles transportassem os presentes até à gruta e ali se apeassem para adorar o Menino e dar-lhe as prendas; os pastores vinham da turma dos grandes; e a Ana queria ser a Virgem Maria, mas a professora retorquiu que já o tinha sido no ano anterior, pelo que a Ana, anuindo, disse que era melhor a Paula ser a Virgem e que ela seria a vaquinha, pois assim seria também da companhia de Jesus e poderia fornecer o ar quente do bafo e o leite se o menino precisasse dele.
Obviamente que os pais ficaram estupefactos quando a Ana disse lá em casa que já não era a Virgem. No seu olhar preconceituoso e pessimista começaram a ver filmes que não vinham a propósito. Porém, a mãe na sua perspicácia afagou-a e pediu-lhe que se explicasse. E Ela contou que este ano a Virgem Maria era a Paula, “só porque eu o tinha sido o ano passado”. Simples!
Porém, a turma partiu-se a rir de gozo quando o Bruno, em generosidade inocente disse que ia ser o burrinho. Mas a professora, que não gostou da reação chocarreira dos coleguinhas e tendo em conta que não acharam estranho o facto de a Ana e a Paula acordarem em uma ser a Virgem e a outra a vaquinha, até porque a Ana se explicou bem, impôs silêncio e pediu lucidez. Depois, aconselhou o Bruno a dizer o motivo por que se propôs ser o burrinho. E ele diante de todos, discorreu abertamente:
É que assim fico perto do menino. Se a vaquinha está ao lado de Nossa Senhora, o burrinho está ao lado de São José – ou ao contrário, tanto vale – e com o calor que acumulo no pelo e com o bafo quente da minha respiração aqueço o menino. E, sobretudo, fico a fazer parte da Sagrada Família.”.
E a professora, edificada com tão bela lição, recordou à turma aquilo que o senhor prior dissera na homilia do domingo anterior a justificar a hipotética presença dos dois animais na gruta: “O boi conhece o seu dono e o jumento, o estábulo do seu senhor” (Is 1,3). Recordou a de resiliência do asno, a capacidade de inventar caminho, o poder de submissão ajustada e a teimosia quando o dono ou algum estranho o tenta desencaminhar para sítios inadequados. Lembrando que São Francisco de Assis incluiu o burro na listagem dos seus irmãos como a pobreza, a água, o fogo ou o lobo, falou da necessidade de o presépio ser todo de inclusão e cada um ocupar o espaço que lhe cabe e desempenhar a função adequada às suas circunstâncias. E não deixou de lembrar que o burro foi o meio de transporte que o Senhor utilizou na entrada triunfal em Jerusalém.
Por isso, o Bruno, figurando de burrinho, está apto a participar na Paixão do Senhor e na glória do seu Reino. É que a simplicidade e pobreza do Natal são caminho para a cruz e para a Glória. E não faltou quem quisesse ser carneiro, cordeiro, ovelha, leão, anjo, cão (para guardar os rebanhos e o presépio) e até uma simples palhinha ou paninho a servir de base e/ou de conforto ao menino.
Resta frisar que o presépio de Jesus foi pobre e de abandono (seria pior se o anjo não tivesse avisado os pastores), sem o número de figuras humanas e outras que hoje o ilustram. Todavia, Francisco de Assis, não se limitou a replicar esse presépio; quis, antes, torná-lo inclusivo, metendo lá de tudo. Por isso, desde então as crianças, pais, catequistas e professores lá põem anjos e aves, árvores, musgo, neves, palhas, igrejas e capelas, ovelhas, cordeiros e carneiros, galos e galinhas, casas, escolas, moinhos e açudes, pontes e estradas, ribeiros e lagos, músicos, tamanqueiros, professores, etc. E vi um templo iluminado no exterior com um presépio a nascente e outro a poente. Cheguei a organizar o cenário presepial com o presépio principal ao centro para contemplação e adoração e quatro minipresépios cada um em seu ponto cardeal, na linha de que “Todos os confins da Terra puderam ver a salvação do nosso Deus” (Sl 98,3). E apreciei, há dias, aquele presépio gigante num shoping, com o presépio principal em frente e vários minipresépios a toda a volta e pensei no caráter multifacetado e poliédrico do Natal.
Enfim, que todos queiram fazer parte do presépio e desempenhar o papel que a cada um cabe para que o mundo seja mais feliz. E olhemos para as pessoas com o olhar de Deus e não com o nosso olhar mundanal impuro e exclusivista!
2019.12.14 – Louro de Carvalho  
Aproveito o ensejo para desejar a todos e a todas - familiares, amigas e amigos - um Santo e Feliz Natal, o de Jesus e como Jesus quer para nós!  

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