sábado, 28 de dezembro de 2019

Girabolhos “era quase outra Aguieira lá atrás”


A Ordem dos Engenheiros Portugueses (OEP) sustenta que Portugal tem de garantir mais eficiência hídrica e, no atinente às cheias que atingiram o Baixo Mondego, diz que, sem a barragem de Girabolhos, cancelada pelo Governo em 2016, será difícil travar cheias.
Armando Silva Afonso, presidente da secção regional do Centro da Ordem dos Engenheiros Portugueses (OEP), defendeu, no dia 27, que sem a construção da barragem de Girabolhos, a montante da Aguieira, cancelada em 2016, “será muito difícil” travar a repetição de cheias no Mondego. Este empreendimento no rio Mondego foi adjudicado à Endesa, no quadro do programa nacional de barragens gizado no Governo de José Sócrates, mas foi cancelado já pelo Executivo socialista em 2016. 
Na altura, Matos Fernandes, que já era o Ministro do Ambiente, anunciou a decisão de suspender a construção de duas barragens.
Agora, como sempre, Silva Afonso observa:
Temos que deixar de olhar para as barragens associadas à energia e olhar para as barragens com todas as suas funções, de regularização, de armazenamento de água, de controlo de cheias. E penso que isso vai ser cada vez mais importante no futuro.”.
O processo de construção destes empreendimentos estava atrasado, mas foi o compromisso assumido nas negociações feitas com os partidos à esquerda do PS, que ajudaram a constituir a maioria parlamentar que viabilizou o governo minoritário da XIII Legislatura, que esteve na origem do cancelamento destes projetos. Já a barragem do Fridão, adjudicada à EDP, foi suspensa durante três anos, mas o Ministro anunciou também a suspensão deste projeto, só que, neste caso, não houve acordo com a elétrica que exige ser compensada.
Alfeu Sá Marques, especialista em hidráulica pela OEP, também presente na conferência de imprensa, acrescentou que a empresa, depois de ter pago ao Estado 30 milhões de euros pela concessão e de ter feito obras no valor de outros 30 milhões, tomou a decisão de não continuar a construção, “com o apoio do Estado, governado por um Governo com geometria parlamentar distinta”, influenciada, na opinião do engenheiro, pelo partido ecologista “Os Verdes”.
Para o também docente de hidráulica na Universidade de Aveiro e na Universidade de Coimbra, face às alterações climáticas, Portugal tem de garantir mais eficiência hídrica, seja para armazenar água em tempo de seca seja para controlar os caudais em situações de risco de cheia, não acreditando que tal se consiga sem mais barragens. E o especialista interrogou os interlocutores se a Aguieira, para os resultados das alterações climáticas, com caudais mais elevados, fruto da desmatação dos incêndios, terá capacidade para alguma vez laminar estes caudais. E respondeu dizendo que, a seu ver, é não”, corroborando a opinião de Silva Afonso.
Este especialista em hidráulica e recursos hídricos realçou que a barragem de Girabolhos, projetada para uma zona que envolvia os concelhos de Gouveia, Seia, Mangualde e Nelas, adicionaria uma capacidade útil de regularização do Mondego de 245 hectómetros cúbicos de água (um hectómetro corresponde a mil milhões de litros), sendo que o rio tem neste momento uma capacidade de 365 hectómetros cúbicos, com as barragens de Fronhas, Raiva, Caldeirão e Aguieira. “Era quase outra Aguieira lá atrás”. E, caso se adicionasse à construção da barragem de Girabolhos a edificação de outras duas barragens projetadas para o Mondego – Midões e Asse Dasse –, haveria uma capacidade útil de 889 hectómetros cúbicos, mais do que duplicando a capacidade atual. E isso “é algo extremamente importante”, notou, para frisar a seguir:
Defendo que deve ser construído Girabolhos. As barragens são para produzir energia? Não. Cada vez mais as barragens são para armazenar energia.”.
Com caudais cada vez mais elevados devido às alterações climáticas, Alfeu Sá Marques considera que a Barragem da Aguieira, fundamental no controlo de cheias, não “tem capacidade” para regularizar o rio. E avisa que vamos ter de fazer Girabolhos. Se não fizermos, não de mil em mil anos, como tínhamos esperança, não de vinte e tal em vinte e tal”, mas com maior frequência vão sair do controlo fenómenos naturais como o que atingiu o país na sequência das depressões Elsa e Fabien.
E o professor universitário sorri amargamente a dizer que, “se não pensarmos um bocadinho nisto, não há Greta Tunberg que nos salve”, sustentando que temos de olhar cada vez mais para as barragens “como forma de mitigar os efeitos das alterações climáticas” e salientando que, na situação de seca vivida há dois anos, Girabolhos poderia ter sido fundamental para assegurar água em Viseu, que teve de transportá-la desde a Barragem da Aguieira e de outras, como a do Távora e chegou a pensar-se em transportá-la de comboio de mais a sul.
Sá Marques salientou ainda o facto de a obra do Aproveitamento Hidráulico do Baixo Mondego não ter sido concluída, tendo sido executados cerca de 200 milhões de euros, mas faltando executar cerca de 40 milhões. E disse e questionou:
Vamos ter anos mais húmidos e anos mais secos. Nós, para aí há dois meses, dizíamos que estávamos em seca extrema. Agora passámos para um país com inundações extremas?”.
Silva Afonso lembrou que Portugal não contribui “quase nada para as alterações climáticas (tem apenas 1,15% das emissões de CO2 mundiais), mas é um dos países do mundo que mais as vai sentir”. No ano passado, tivemos o Leslie e, desta vez, tivemos a Elsa e o Fabien – fenómenos que vão ocorrendo a um ritmo impensável no passado, fenómenos cujas causas não são difíceis de enumerar por Alfeu Sá Marques, quando questiona o modelo que assume que 70% do que chove se converte em escoamento”. E Sá Marques asseverou:
Isso era aquilo que acontecia quando tínhamos as florestas e as pessoas a ocuparem o território. Mas entretanto fizemos a A25, a A23, impermeabilizamos as áreas, houve incêndios, as pessoas já não ocupam o território e já não o limpam. O que temos de fazer é aumentar a capacidade de armazenamento.”.
E Silva Afonso sublinhou que falta um modelo de gestão para a zona, que pode passar, na sua opinião, pelo modelo “consumidor-pagador”, adotado na barragem do Alqueva, onde a EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva) faz os agricultores pagarem quatro cêntimos por metro cúbico de água.
Também foi referido que é preciso concluir uma série de infraestruturas, como é o caso do controlo do rio Ceira e a conclusão da estação de bombagem do Foja, onde era previsto e era suposto haver seis bombas de extração de águas dos campos, mas apenas uma funciona.
Na ótica de Silva Afonso, é necessário revisitar e redimensionar todas as infraestruturas hidráulicas face ao previsível aumento de eventos de seca, incêndios e cheias.
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Não é somente da barragem de Girabolhos que se trata ou também das de Fridão, Midões e Asse Dasse. De facto, a barragem de Girabolhos integrava um conjunto de dez novas barragens do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, lançadas pelo Governo de José Sócrates, mas a sua construção foi cancelada em 2016, no primeiro Governo de António Costa, quando já tinha sido concessionada à Endesa. E, numa audição parlamentar, no início deste ano, Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal, referiu que a alteração nos termos do contrato da barragem por parte do Governo “foi fatal” junto da banca e dos analistas e levou o grupo a suspender o projeto, um investimento de cerca de 500 milhões de euros, onde já tinham sido gastos cerca de 60 milhões.
Em 2016, o Ministério do Ambiente, liderado por João Matos Fernandes, justificou a decisão de cancelar Girabolhos com base em critérios jurídicos e financeiros, expectativas dos municípios abrangidos, metas das energias renováveis e descarbonização da economia portuguesa (desculpas de mau pagador).
Agora os resultados da inoperacionalidade governamental e impeditiva de obras necessárias estão à vista. Os efeitos do mau tempo da semana passada, na sequência das depressões Elsa e Fabien, provocaram três mortos e deixaram 144 pessoas desalojadas, registando-se mais de 11.600 ocorrências, na maioria inundações e quedas de árvores. E houve também fortes condicionamentos na circulação rodoviária e ferroviária, danos na rede elétrica e a subida dos caudais de vários rios, provocando inundações em zonas ribeirinhas das regiões Norte e Centro, em particular no distrito de Coimbra e no de Aveiro. No rio Mondego, a rutura de dois diques provocou cheias em Montemor-o-Velho, onde várias zonas foram evacuadas e ficou submersa uma grande área, incluindo muitas plantações, estradas e o Centro de Alto Rendimento.
O Ministro do Ambiente disse a destempo que as aldeias afetadas pelas cheias na região centro “sabem que estão numa zona de risco, que sempre teve cheias” e sugeriu que sejam deslocalizadas: “Paulatinamente aquelas aldeias vão ter de ir pensando em mudar de sítio”.
Em resposta a estas declarações, o engenheiro Alfeu Sá Marques diz que “há comentários que são desnecessários”. E ironizou:
Eu se pensasse dessa maneira não teria visitado a Holanda e os holandeses já teriam migrados para as Ardennes
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Está na moda fustigar – a Justiça dirá se com razão – as iniciativas dos Governos de José Sócrates. Contudo, era necessário ter o discernimento necessário para separar o joio do trigo e salvar este queimando aquele. Mas a tendência é medir tudo pela mesma rasa catalogando tudo como mau.
Assim, estamos a ver como o plano de barragens, com 10 prioritárias, foi eclipsado por Passos Coelho e, esfuracado por Costa, meteu imensa água que não chegava a Viseu em tempo de seca, dificilmente apaga incêndios, varre toda uma região com o Leslie e varre cirurgicamente o país com a Ana, Elsa e Fabien. Há excessiva água a jusante da Aguieira e quase nada a montante. Em tempo de seca, ficam as florestas, as produções agrícolas mirradas, as povoações sem água; em tempo de incêndio, ardem os montes, secam as fontes e a água das barragens mal dá para a cova dum dente; em tempo de tempestade, ficam terrenos agrícolas alagados e mesmo submersos, as árvores decapitadas ou tombadas, os muros ‘desenrocados’ e as terras aluídas, casas abatidas e famílias desalojadas. Frutos da governação sem o escopo nas necessidades globais e a atenção aos meios estruturantes, mas baseada em ideologia fragmentária em que nem Rosseau nem Marx ou Mao nem Keynes se reveriam.
É preciso olhar ao bem-estar das populações e à integralidade do território. Não há nada a fazer se o Oceano quiser entrar por aqui adentro? Nem diques, nem dunas, nem fortalezas antimarítimas? Só se prescreve a fuga para sítios mais altos? Ah holandeses duma figa, que dizem que, se Deus fez o mundo, os holandeses fizeram a Holanda!
João da Ega em Os Maias queria como remédio a invasão espanhola. Espero que não apareça Ega a pedir a invasão holandesa. Dizem que temos da melhor engenharia do mundo. Funcione!   
2019.12.28 – Louro de Carvalho

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