A Ordem dos Engenheiros Portugueses (OEP) sustenta que Portugal tem de garantir mais eficiência hídrica e, no atinente às cheias
que atingiram o Baixo Mondego, diz que, sem a barragem de Girabolhos, cancelada
pelo Governo em 2016, será difícil travar cheias.
Armando
Silva Afonso, presidente da secção regional do Centro da Ordem dos Engenheiros
Portugueses (OEP), defendeu, no dia 27, que sem a
construção da barragem de Girabolhos, a montante da Aguieira, cancelada em
2016, “será muito difícil” travar a repetição de cheias no Mondego. Este
empreendimento no rio Mondego foi adjudicado à Endesa, no quadro do programa nacional
de barragens gizado no Governo de José Sócrates, mas foi cancelado já pelo Executivo socialista em
2016.
Na altura,
Matos Fernandes, que já era o Ministro do Ambiente, anunciou a decisão de
suspender a construção de duas barragens.
Agora, como
sempre, Silva Afonso observa:
“Temos que deixar de olhar para as barragens associadas à energia e
olhar para as barragens com todas as suas funções, de regularização, de
armazenamento de água, de controlo de cheias. E penso que isso vai ser cada vez
mais importante no futuro.”.
O processo
de construção destes empreendimentos estava atrasado, mas foi o compromisso
assumido nas negociações feitas
com os partidos à esquerda do PS, que ajudaram a constituir a
maioria parlamentar que viabilizou o governo minoritário da XIII Legislatura,
que esteve na origem do cancelamento destes projetos. Já a barragem do Fridão,
adjudicada à EDP, foi suspensa durante três anos, mas o Ministro anunciou
também a suspensão deste projeto, só que, neste caso, não houve acordo com a
elétrica que exige ser compensada.
Alfeu Sá
Marques, especialista em hidráulica pela OEP, também presente na conferência de
imprensa, acrescentou que a empresa, depois de ter pago ao Estado 30 milhões de
euros pela concessão e de ter feito obras no valor de outros 30 milhões, tomou
a decisão de não continuar a construção, “com o apoio do Estado, governado por
um Governo com geometria parlamentar distinta”, influenciada, na opinião do
engenheiro, pelo partido ecologista “Os Verdes”.
Para o também
docente de hidráulica na Universidade de Aveiro e na Universidade de Coimbra,
face às alterações climáticas, Portugal
tem de garantir mais eficiência hídrica, seja para armazenar água em tempo de
seca seja para controlar os caudais em situações de risco de cheia, não acreditando
que tal se consiga sem mais barragens. E o especialista interrogou os interlocutores
se a Aguieira, para os resultados das alterações climáticas, com caudais mais
elevados, fruto da desmatação dos incêndios, terá capacidade para alguma vez
laminar estes caudais. E respondeu dizendo que, a seu ver, é não”, corroborando
a opinião de Silva Afonso.
Este
especialista em hidráulica e recursos hídricos realçou que a barragem de
Girabolhos, projetada para uma zona que envolvia os concelhos de Gouveia, Seia,
Mangualde e Nelas, adicionaria uma
capacidade útil de regularização do Mondego de 245 hectómetros cúbicos de água
(um
hectómetro corresponde a mil milhões de litros), sendo que o rio tem neste momento uma capacidade de 365 hectómetros
cúbicos, com as barragens de Fronhas, Raiva, Caldeirão e Aguieira. “Era quase outra Aguieira lá atrás”. E, caso
se adicionasse à construção da barragem de Girabolhos a edificação de outras
duas barragens projetadas para o Mondego – Midões e Asse Dasse –, haveria uma
capacidade útil de 889 hectómetros cúbicos, mais do que duplicando a capacidade
atual. E isso “é algo extremamente importante”, notou, para frisar a seguir:
“Defendo que deve ser construído Girabolhos. As barragens são para
produzir energia? Não. Cada vez mais as barragens são para armazenar energia.”.
Com caudais
cada vez mais elevados devido às alterações climáticas, Alfeu Sá Marques
considera que a Barragem da
Aguieira, fundamental no controlo de cheias, não “tem capacidade” para
regularizar o rio. E avisa que vamos ter de fazer Girabolhos. Se não
fizermos, não de mil em mil anos, como tínhamos esperança, não de vinte e tal
em vinte e tal”, mas com maior frequência vão sair do controlo fenómenos
naturais como o que atingiu o país na sequência das depressões Elsa e Fabien.
E o professor universitário sorri amargamente a
dizer que, “se não pensarmos um bocadinho
nisto, não há Greta Tunberg que nos salve”, sustentando que temos de olhar
cada vez mais para as barragens “como forma de mitigar os efeitos das alterações climáticas” e salientando que, na situação de seca vivida há dois
anos, Girabolhos poderia ter sido fundamental para assegurar água em Viseu, que
teve de transportá-la desde a Barragem da Aguieira e de outras, como a do Távora
e chegou a pensar-se em transportá-la de comboio de mais a sul.
Sá Marques
salientou ainda o facto de a obra do Aproveitamento Hidráulico do Baixo Mondego
não ter sido concluída, tendo sido executados cerca de 200 milhões de euros,
mas faltando executar cerca de 40 milhões. E disse e questionou:
“Vamos ter anos mais húmidos e anos mais secos. Nós, para aí há dois
meses, dizíamos que estávamos em seca extrema. Agora passámos para um país com
inundações extremas?”.
Silva Afonso lembrou que Portugal não contribui “quase nada para as
alterações climáticas (tem apenas 1,15% das
emissões de CO2 mundiais), mas é um dos países do mundo que mais as vai sentir”. No ano passado, tivemos o Leslie e, desta vez, tivemos
a Elsa e o Fabien – fenómenos que vão ocorrendo a um ritmo impensável no
passado, fenómenos cujas causas não são difíceis de enumerar por Alfeu Sá
Marques, quando questiona o modelo que assume que 70% do que chove se converte
em escoamento”. E Sá Marques asseverou:
“Isso era aquilo que acontecia quando tínhamos as florestas e as pessoas
a ocuparem o território. Mas entretanto fizemos a A25, a A23, impermeabilizamos
as áreas, houve incêndios, as pessoas já não ocupam o território e já não o
limpam. O que temos de fazer é aumentar a capacidade de armazenamento.”.
E Silva
Afonso sublinhou que falta um
modelo de gestão para a zona, que pode passar, na sua opinião, pelo modelo
“consumidor-pagador”, adotado na barragem do Alqueva, onde a
EDIA (Empresa de
Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva) faz os agricultores pagarem quatro cêntimos por metro cúbico de água.
Também foi referido que é preciso concluir uma série de infraestruturas, como é o caso do controlo do rio Ceira e a conclusão
da estação de bombagem do Foja, onde era previsto e era suposto haver seis
bombas de extração de águas dos campos, mas apenas uma funciona.
Na ótica de
Silva Afonso, é necessário revisitar e redimensionar todas as infraestruturas
hidráulicas face ao previsível aumento de eventos de seca, incêndios e cheias.
***
Não é
somente da barragem de Girabolhos que se trata ou também das de Fridão, Midões
e Asse Dasse. De facto, a barragem de Girabolhos integrava um conjunto de dez
novas barragens do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial
Hidroelétrico, lançadas pelo Governo de José Sócrates, mas a sua construção foi
cancelada em 2016, no primeiro Governo de António Costa, quando já tinha sido
concessionada à Endesa. E, numa audição parlamentar, no início deste ano, Nuno
Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal, referiu que a alteração nos
termos do contrato da barragem por parte do Governo “foi fatal” junto da banca
e dos analistas e levou o grupo a suspender o projeto, um investimento de cerca
de 500 milhões de euros, onde já tinham sido gastos cerca de 60 milhões.
Em 2016, o
Ministério do Ambiente, liderado por João Matos Fernandes, justificou a decisão
de cancelar Girabolhos com base em critérios jurídicos e financeiros, expectativas
dos municípios abrangidos, metas das energias renováveis e descarbonização da
economia portuguesa (desculpas de mau pagador).
Agora os resultados da inoperacionalidade governamental e impeditiva de
obras necessárias estão à vista. Os efeitos do mau tempo da semana passada, na
sequência das depressões Elsa e Fabien, provocaram três mortos e deixaram 144
pessoas desalojadas, registando-se mais de 11.600 ocorrências, na maioria
inundações e quedas de árvores. E houve também fortes condicionamentos na circulação rodoviária e
ferroviária, danos na rede elétrica e a subida dos caudais de vários rios,
provocando inundações em zonas ribeirinhas das regiões Norte e Centro, em
particular no distrito de Coimbra e no de Aveiro. No rio Mondego, a rutura de dois diques provocou cheias em
Montemor-o-Velho, onde várias zonas foram evacuadas e ficou submersa uma grande
área, incluindo muitas plantações, estradas e o Centro de Alto Rendimento.
O Ministro do Ambiente disse a destempo que as aldeias afetadas pelas
cheias na região centro “sabem que estão numa zona de risco, que sempre teve
cheias” e sugeriu que sejam deslocalizadas: “Paulatinamente aquelas aldeias vão ter de ir
pensando em mudar de sítio”.
Em resposta a estas declarações, o engenheiro Alfeu Sá Marques diz que
“há comentários que são desnecessários”. E
ironizou:
“Eu se pensasse dessa maneira não teria
visitado a Holanda e os holandeses já teriam migrados para as Ardennes”
***
Está na
moda fustigar – a Justiça dirá se com razão – as iniciativas dos Governos de
José Sócrates. Contudo, era necessário ter o discernimento necessário para
separar o joio do trigo e salvar este queimando aquele. Mas a tendência é medir
tudo pela mesma rasa catalogando tudo como mau.
Assim,
estamos a ver como o plano de barragens, com 10 prioritárias, foi eclipsado por
Passos Coelho e, esfuracado por Costa, meteu imensa água que não chegava a
Viseu em tempo de seca, dificilmente apaga incêndios, varre toda uma região com
o Leslie e varre cirurgicamente o país com a Ana, Elsa e Fabien. Há excessiva
água a jusante da Aguieira e quase nada a montante. Em tempo de seca, ficam as
florestas, as produções agrícolas mirradas, as povoações sem água; em tempo de incêndio,
ardem os montes, secam as fontes e a água das barragens mal dá para a cova dum
dente; em tempo de tempestade, ficam terrenos agrícolas alagados e mesmo
submersos, as árvores decapitadas ou tombadas, os muros ‘desenrocados’ e as
terras aluídas, casas abatidas e famílias desalojadas. Frutos da governação sem
o escopo nas necessidades globais e a atenção aos meios estruturantes, mas
baseada em ideologia fragmentária em que nem Rosseau nem Marx ou Mao nem Keynes
se reveriam.
É
preciso olhar ao bem-estar das populações e à integralidade do território. Não
há nada a fazer se o Oceano quiser entrar por aqui adentro? Nem diques, nem
dunas, nem fortalezas antimarítimas? Só se prescreve a fuga para sítios mais
altos? Ah holandeses duma figa, que dizem que, se Deus fez o mundo, os
holandeses fizeram a Holanda!
João da
Ega em Os Maias queria como remédio a
invasão espanhola. Espero que não apareça Ega a pedir a invasão holandesa.
Dizem que temos da melhor engenharia do mundo. Funcione!
2019.12.28 –
Louro de Carvalho
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