João Pedro Matos Fernandes, Ministro do Ambiente
e da Ação Climática, pediu, a propósito das cheias que inundaram as margens do
Mondego, que se refletisse sobre a deslocalização das aldeias mais afetadas pelas cheias.
Ontem, dia 27, confrontado com a asserção da
Ordem dos Engenheiros Portugueses de que “há
comentários que são desnecessários”, veio esclarecer o sentido da sua sugestão,
referindo que não há plano, modelo, calendário ou prazo para
deslocalizar as aldeias mais afetadas pelas cheias, mas que o tema não deve ser “tabu”.
Assim, em
termos concretos e precisos, Matos Fernandes avisou que se deve refletir sobre
a localização das aldeias afetadas de forma recorrente por cheias no Mondego,
como se deve pensar, aliás, na sorte dos povoados das zonas costeiras.
Depois de
afirmar que as aldeias afetadas pelas cheias do Mondego nos dias anteriores
“vão ter de ir pensando em mudar de sítio”, o Ministro explicou melhor o
alcance da sua declaração.
Em declarações
feitas aos jornalistas no dia 27, o governante garantiu que “não há nenhum
plano”, “modelo” ou prazo para deslocalizar as aldeias mais afetadas. Estranho seria
o Governo ter avançado no segredo dos deuses com um plano bem pensado e
elaborado para futuras emergências – digo eu. Não obstante, manteve a tese e
disse que, estando “uma boa parte” daquelas aldeias “numa zona de risco de inundação”, foi um “desafio”
que lançou às pessoas para “refletirem isso elas próprias” e desenvolveu:
“Não há aqui nenhum plano ou modelo. (…) Mas a probabilidade de
ocorrência de fenómenos extremos como este [cheias] vai aumentar, devido às
alterações climáticas – entre 2001 e 2019, tivemos três cheias centenárias,
daquelas que só deveriam acontecer uma vez por século segundo os livros.
Aconteceram três em menos de 20 anos.”.
Tive um
professor que, à falta de melhor argumento para as suas afirmações, referia: “como
dizem os livros”. Agora, o Ministro devia escudar-se em dados mais concretos e
mencioná-los. Porém, veio com uma especificação: não há “comparação com os
aglomerados do litoral” que têm mesmo uma deslocalização anunciada, porque aí
“o avanço do mar é inexorável e as cheias, embora mais frequentes [do que
antigamente], não têm uma frequência tão continuada”. E Matos Fernandes quis sublinhar
que “não faz sentido ser tabu, não ser discutida em democracia” a possibilidade
de mudança dos territórios que mais são afetados pelas cheias.
Este é,
apontou, “um desafio para pensar, que merece ser pensado e discutido”; aliás, os
instrumentos de gestão territorial são desenhados à escala municipal e podemos
ter aqui um processo de planeamento adequado, discutido e alargado sem nenhum calendário
e agora sem nenhum projeto em cima da mesa.
Entre os
territórios mais afetados pelo mau tempo na região centro que se intensificou
no final da última semana e no fim de semana, estão aldeias cujos moradores
“estão muito habituados a conviver com estas cheias, não que as considerem
naturais, mas fazem parte da sua própria história de vida”.
***
Numa
conferência de imprensa dada em Coimbra, a Ordem dos Engenheiros Portugueses defendeu
a construção de mais barragens como forma de mitigação dos fenómenos extremos
provenientes das alterações climáticas. E Alfeu Sá Marques, professor da
Universidade de Coimbra e especialista em hidráulica e recursos hídricos, disse
haver “comentários desnecessários” e evocou o caso da Holanda como caso exemplificativo
de que é possível controlar o nível das águas, ironizando:
“Eu se pensasse dessa maneira não teria visitado a Holanda e os holandeses já teriam migrado para as
Ardennes. Ter cidade abaixo no nível do mar tem sempre um certo risco,
mas eu preferia estar com o PIB per capita holandês [a estar] com o português.”.
Apesar de
Portugal não contribuir “quase nada para as alterações climáticas – temos
apenas 1,15% das emissões de CO2 mundiais –, é um dos países do mundo que mais
as vai sentir” lembra o presidente da secção regional do Centro da Ordem dos
Engenheiros Portugueses, Armando Silva Afonso. E, como “no ano passado foi o
Leslie, estes fenómenos vão ocorrendo a um ritmo impensável no passado”.
No caso da
zona centro e do rio Mondego, a comissão de especialistas em hidráulica e
recursos hídricos considera imprescindível a construção da barragem de
Girabolhos, iniciada, mas travada pelo governo no início do mandato, em 2016.
No dia 23, Matos
Fernandes tinha defendido em entrevista ao Jornal
2 que “paulatinamente aquelas aldeias vão ter de ir pensando em mudar de
sítio”. O Ministro do Ambiente e da Ação Climática referiu também que “a
natureza tem sempre razão” e lembrou que “o sítio onde houve a primeira rutura,
que é a rutura de maior dimensão, foi o rio a ir à procura do seu leito
natural”.
Após as declarações
de Matos Fernandes, ora descritas pelo próprio como um “desafio” para reflexão,
Emílio Torrão, presidente socialista da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (território
especialmente afetado pelas cheias), referiu o
óbvio, que a ideia encontraria muita resistência nas populações. E observou:
“Mesmo na iminência de uma catástrofe, de levar com uma onda de água
gigante, as pessoas não saem de casa; mesmo que eu lhes peça e suplique, mesmo
que a GNR lhes ordene para saírem de casa, elas não saem”.
Ora, se
convencer os moradores a sair temporariamente é uma missão espinhosa, “muito
mais difícil será elas abandonarem de vez as suas habitações”, notou o autarca.
A longo
prazo, porém, o autarca não descartou essa possibilidade. “Se se justificar,
vai ter de acontecer um dia”, admitiu. Emílio Torrão considera que o Ministro
“não deixa de ter razão” na proposta que faz, “mas não é uma solução que se consiga
implementar de imediato”.
De facto,
têm sido feitas deslocalizações de aldeias a propósito da construção de
barragens – a prazo, com contrapartidas logísticas e financeiras. Porque não há
de ser possível a deslocalização para evitar as consequências nefastas das
cheias. Digo as nefastas, porque, em terrenos de forte apetência para certas produções
agrícolas, as cheias podem trazer alguns benefícios pela via das aluviões.
***
Quanto às
possibilidades de gestão do Mondego, o Ministro referiu que não conseguiremos garantir
que aquele leito de rio artificializado tenha capacidade para escoar um caudal
superior a 2000 metros cúbicos por segundo. Este ano quase conseguiu chegar aos
2.200, porque foram investidos 8 milhões de euros na manutenção, mas não
conseguimos ultrapassar esse valor e não devemos sequer atingi-lo.
Já
questionado sobre se essa mesma reflexão não devia também ser feita pelo
Governo sobre o novo aeroporto do
Montijo, perante o risco de inundações, afirmou que, apesar de se saber
que a costa portuguesa está sujeita ao aumento do nível médio das águas do mar,
o sítio e o projeto do aeroporto têm caraterísticas que o protegem. Assim, o
projeto é para manter embora com a elevação da pista para 5 metros.
Penso que as
deslocalizações só se devem fazer se não houver outra hipótese segura. E, se calhar,
haverá.
2019.12.28 – Louro de Carvalho
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