sábado, 28 de dezembro de 2019

Deslocar aldeias em zona de inundações e manter o projeto de Montijo


João Pedro Matos Fernandes, Ministro do Ambiente e da Ação Climática, pediu, a propósito das cheias que inundaram as margens do Mondego, que se refletisse sobre a deslocalização das aldeias mais afetadas pelas cheias. 
Ontem, dia 27, confrontado com a asserção da Ordem dos Engenheiros Portugueses de que “há comentários que são desnecessários”, veio esclarecer o sentido da sua sugestão, referindo que não há plano, modelo, calendário ou prazo para deslocalizar as aldeias mais afetadas pelas cheias, mas que o tema não deve ser “tabu”.
Assim, em termos concretos e precisos, Matos Fernandes avisou que se deve refletir sobre a localização das aldeias afetadas de forma recorrente por cheias no Mondego, como se deve pensar, aliás, na sorte dos povoados das zonas costeiras. 
Depois de afirmar que as aldeias afetadas pelas cheias do Mondego nos dias anteriores “vão ter de ir pensando em mudar de sítio”, o Ministro explicou melhor o alcance da sua declaração.
Em declarações feitas aos jornalistas no dia 27, o governante garantiu que “não há nenhum plano”, “modelo” ou prazo para deslocalizar as aldeias mais afetadas. Estranho seria o Governo ter avançado no segredo dos deuses com um plano bem pensado e elaborado para futuras emergências – digo eu. Não obstante, manteve a tese e disse que, estando “uma boa parte” daquelas aldeias “numa zona de risco de inundação”,  foi um “desafio” que lançou às pessoas para “refletirem isso elas próprias” e desenvolveu:
Não há aqui nenhum plano ou modelo. (…) Mas a probabilidade de ocorrência de fenómenos extremos como este [cheias] vai aumentar, devido às alterações climáticas – entre 2001 e 2019, tivemos três cheias centenárias, daquelas que só deveriam acontecer uma vez por século segundo os livros. Aconteceram três em menos de 20 anos.”.
Tive um professor que, à falta de melhor argumento para as suas afirmações, referia: “como dizem os livros”. Agora, o Ministro devia escudar-se em dados mais concretos e mencioná-los. Porém, veio com uma especificação: não há “comparação com os aglomerados do litoral” que têm mesmo uma deslocalização anunciada, porque aí “o avanço do mar é inexorável e as cheias, embora mais frequentes [do que antigamente], não têm uma frequência tão continuada”. E Matos Fernandes quis sublinhar que “não faz sentido ser tabu, não ser discutida em democracia” a possibilidade de mudança dos territórios que mais são afetados pelas cheias.
Este é, apontou, “um desafio para pensar, que merece ser pensado e discutido”; aliás, os instrumentos de gestão territorial são desenhados à escala municipal e podemos ter aqui um processo de planeamento adequado, discutido e alargado sem nenhum calendário e agora sem nenhum projeto em cima da mesa.
Entre os territórios mais afetados pelo mau tempo na região centro que se intensificou no final da última semana e no fim de semana, estão aldeias cujos moradores “estão muito habituados a conviver com estas cheias, não que as considerem naturais, mas fazem parte da sua própria história de vida”.
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Numa conferência de imprensa dada em Coimbra, a Ordem dos Engenheiros Portugueses defendeu a construção de mais barragens como forma de mitigação dos fenómenos extremos provenientes das alterações climáticas. E Alfeu Sá Marques, professor da Universidade de Coimbra e especialista em hidráulica e recursos hídricos, disse haver “comentários desnecessários” e evocou o caso da Holanda como caso exemplificativo de que é possível controlar o nível das águas, ironizando:
Eu se pensasse dessa maneira não teria visitado a Holanda e os holandeses já teriam migrado para as Ardennes. Ter cidade abaixo no nível do mar tem sempre um certo risco, mas eu preferia estar com o PIB per capita holandês [a estar] com o português.”.
Apesar de Portugal não contribuir “quase nada para as alterações climáticas – temos apenas 1,15% das emissões de CO2 mundiais –, é um dos países do mundo que mais as vai sentir” lembra o presidente da secção regional do Centro da Ordem dos Engenheiros Portugueses, Armando Silva Afonso. E, como “no ano passado foi o Leslie, estes fenómenos vão ocorrendo a um ritmo impensável no passado”.
No caso da zona centro e do rio Mondego, a comissão de especialistas em hidráulica e recursos hídricos considera imprescindível a construção da barragem de Girabolhos, iniciada, mas travada pelo governo no início do mandato, em 2016.
No dia 23, Matos Fernandes tinha defendido em entrevista ao Jornal 2 que “paulatinamente aquelas aldeias vão ter de ir pensando em mudar de sítio”. O Ministro do Ambiente e da Ação Climática referiu também que “a natureza tem sempre razão” e lembrou que “o sítio onde houve a primeira rutura, que é a rutura de maior dimensão, foi o rio a ir à procura do seu leito natural”.
Após as declarações de Matos Fernandes, ora descritas pelo próprio como um “desafio” para reflexão, Emílio Torrão, presidente socialista da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (território especialmente afetado pelas cheias), referiu o óbvio, que a ideia encontraria muita resistência nas populações. E observou:
Mesmo na iminência de uma catástrofe, de levar com uma onda de água gigante, as pessoas não saem de casa; mesmo que eu lhes peça e suplique, mesmo que a GNR lhes ordene para saírem de casa, elas não saem”.
Ora, se convencer os moradores a sair temporariamente é uma missão espinhosa, “muito mais difícil será elas abandonarem de vez as suas habitações”, notou o autarca.
A longo prazo, porém, o autarca não descartou essa possibilidade. “Se se justificar, vai ter de acontecer um dia”, admitiu. Emílio Torrão considera que o Ministro “não deixa de ter razão” na proposta que faz, “mas não é uma solução que se consiga implementar de imediato”.
De facto, têm sido feitas deslocalizações de aldeias a propósito da construção de barragens – a prazo, com contrapartidas logísticas e financeiras. Porque não há de ser possível a deslocalização para evitar as consequências nefastas das cheias. Digo as nefastas, porque, em terrenos de forte apetência para certas produções agrícolas, as cheias podem trazer alguns benefícios pela via das aluviões.
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Quanto às possibilidades de gestão do Mondego, o Ministro referiu que não conseguiremos garantir que aquele leito de rio artificializado tenha capacidade para escoar um caudal superior a 2000 metros cúbicos por segundo. Este ano quase conseguiu chegar aos 2.200, porque foram investidos 8 milhões de euros na manutenção, mas não conseguimos ultrapassar esse valor e não devemos sequer atingi-lo.
Já questionado sobre se essa mesma reflexão não devia também ser feita pelo Governo sobre o novo aeroporto do Montijo, perante o risco de inundações, afirmou que, apesar de se saber que a costa portuguesa está sujeita ao aumento do nível médio das águas do mar, o sítio e o projeto do aeroporto têm caraterísticas que o protegem. Assim, o projeto é para manter embora com a elevação da pista para 5 metros.
Penso que as deslocalizações só se devem fazer se não houver outra hipótese segura. E, se calhar, haverá.
2019.12.28 – Louro de Carvalho

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