A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) tem já 33 anos de vigência, feitos a 14 de outubro. Foi, com efeito,
aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, que estabelece o quadro
geral do sistema educativo, sistema que se
define como “o conjunto de meios pelo qual se concretiza
o direito à educação; se exprime pela
garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o
desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização
da sociedade; se desenvolve segundo
um conjunto organizado de estruturas e de ações diversificadas, por iniciativa
e sob responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas,
particulares e cooperativas; e tem por
âmbito geográfico a totalidade do território português (continente e regiões autónomas),
mas deve ter uma expressão suficientemente flexível e diversificada, de modo a
abranger a generalidade dos países e dos locais em que vivam comunidades de
portugueses ou em que se verifique acentuado interesse pelo desenvolvimento e
divulgação da cultura portuguesa.
Nestes termos, a LBSE é o
referencial normativo das políticas educativas que visam o desenvolvimento da
educação e do sistema educativo.
A 1.ª alteração foi
introduzida pela Lei n.º 115/97, de 19 de setembro, e abrangeu os artigos 12.º, 13.º, 31.º
e 33.º no atinente ao ensino superior e à qualificação para a docência em
educação especial. A 2.ª alteração foi introduzida pela Lei n.º 49/2005, de 30
de agosto, incidindo nos artigos 11.º, 12.º, 13.º,
31.º e 59.º no atinente ao ensino superior e aditando ao art.º 13.º os
artigos 13.º-A, 13.º-B e 13.º-C. Estabeleceu que a formação dos educadores de infância
e dos professores do ensino básico e do secundário “adquirem a qualificação
profissional através de cursos superiores organizados de acordo com as necessidades
do desempenho profissional no respetivo nível de educação e ensino”; que
“a qualificação profissional dos professores de disciplinas de natureza
profissional, vocacional ou artística dos ensinos básico e secundário pode
adquirir-se através de cursos superiores que assegurem a formação na área da
disciplina respetiva, complementados por formação pedagógica adequada”; e que “a
qualificação profissional dos professores do ensino secundário pode ainda
adquirir-se através de cursos superiores que assegurem a formação científica na
área de docência respetiva, complementados por formação pedagógica adequada”.
Por outro lado, os estabelecimentos de ensino
superior poderão realizar “cursos de ensino pós-secundário não superior visando
a formação profissional especializada”. Por seu turno, a Lei n.º
89/2009, de 27 de agosto, “estabelece o
regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens que se encontram
em idade escolar (dos 6 aos 18 anos) e consagra a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a
partir dos 5 anos de idade”. E a Lei n.º 65/2015, de 3 de julho, confere a 1.ª alteração a essa Lei,
estabelecendo a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a
partir dos 4 anos de idade.
***
Já houve
tentativas de substituir a LBSE por uma outra. Era preciso acentuar a liberdade de escolha e a clara dualidade de
percursos no ensino básico. Assim, o Governo de Durão Barroso, cujo
Ministro da Educação era David Justino, propôs ao Parlamento a discussão da Lei
de Bases da Educação (LBE),
concebida em pressupostos e moldes diferentes (da LBSE), que foi aprovada pelos
partidos que apoiavam o Governo de coligação, mas Jorge Sampaio vetou-a pelo
facto de não ter havido debate público suficiente e por não ter havido consenso
parlamentar que lhe desse consolidação. E o Governo de Santa Lopes deixou cair
a LBE.
Por outro
lado, em 2016, o CNE (Conselho
Nacional de Educação),
presidido por David Justino criou uma comissão eventual para o estudo e avaliação da LBSE no CNE, badalando a necessidade de uma
LBE. Assim, na celebração dos seus 30 anos e,
atenta a sua importância estrutural para o sistema educativo, o CNE considerou
relevante e pertinente o estudo e avaliação da atualidade e adequação da lei
quanto ao desenvolvimento social, económico e cultural do país.
Neste intuito e por forma a promover uma reflexão
informada e de qualidade em torno da Lei, o CNE levou a cabo um conjunto de
iniciativas. A primeira delas teve lugar na 121.ª Sessão Plenária do CNE, com a
audição de 9 ministros que ocuparam as pastas da Educação e/ou do Ensino
Superior durante o período de vigência da Lei de Bases: Roberto Carneiro,
Diamantino Durão, Eduardo Marçal Grilo, Guilherme d’Oliveira Martins, Augusto
Santos Silva, Júlio Pedrosa, David Justino, Maria do Carmo Seabra, Isabel
Alçada. Esqueceram-se de António Couto dos Santos, Manuela Ferreira Leite,
Lurdes Rodrigues, Nuno Crato e Margarida Mano.
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1. “Educar para que futuro?” foi o tema do primeiro do ciclo de seminários sobre a LBSE, com a reflexão
e o debate sobre as seguintes questões:
“Quais as tendências das
sociedades atuais que importa identificar como estruturantes? Qual o papel do conhecimento no desenvolvimento
económico, social e cultural? Como
potenciar a interação entre conhecimento e capacidades individuais na
construção da relação entre ensino e aprendizagem? Quais os perfis de formação
adequados à capacidade das novas gerações em torno dos pilares fundamentais:
liberdade/autonomia, cidadania/valores, desenvolvimento/ conhecimento/capacidades?
Como conciliar equidade e diferenciação dos
trajetos educativos? Como adequar
as capacidades desenvolvidas às oportunidades criadas pela sociedade e pela
economia?”.
2. “Currículo e conhecimento: o que
ensinar e como ensinar?” foi o tema de mais um seminário. Ao considerar o currículo a forma racionalmente organizada do
conhecimento tido como válido e relevante para a capacitação das novas
gerações, o desafio que se coloca é o de saber que tipo de conhecimento escolar
deve ser privilegiado e que tipo de capacidades se pretendem desenvolver. E as
questões levantadas foram:
“Numa era de incerteza, será mais
adequado privilegiar os saberes estruturantes das diferentes formas de saber,
ou adotar uma distribuição igualitária das cargas horárias e trajetos das
diferentes disciplinas? Deverá favorecer-se a dimensão universal do conhecimento
(a matemática, as ciências, as línguas estrangeiras, etc.), a nacional (a
geografia e a história ‘pátria’, a literatura nacional, etc.) ou a europeia? E que
equilíbrio deverá existir entre essas três dimensões? Deveremos convergir com
os currículos internacionais ou reforçar as particularidades do nosso sistema
de ensino? E a partir de que idade se deve organizar o currículo em
disciplinas? Que alterações se deverão introduzir no sistema de monodocência?
Deveremos admitir uma componente específica de ensino aprendizagem de carácter
multidisciplinar que faça confluir sobre o desenvolvimento de temas os
conhecimentos disciplinares apreendidos?”.
Foram questões debatidas por especialistas do currículo e da
didática de diferentes áreas do conhecimento, entre as quais, a matemática, as
ciências, a história, a filosofia e o português.
3. “Organização
do Sistema Educativo: Ciclos de Ensino e Modalidades de Educação” foi
tema de outro seminário, que pretendeu reunir especialistas para debater as
seguintes questões:
“A concretização da intencionalidade
educativa da educação de infância contribui para melhores desempenhos nos anos
subsequentes? Justifica-se a particularidade da existência de três ciclos no
ensino básico? Qual o papel do ensino secundário e da diversidade de vias?
Como se integram as modalidades especiais de educação escolar na organização do
sistema educativo?”.
4. “Escolaridade
obrigatória, diferenciação de trajetos, equidade e sucesso no sistema educativo”
foi o tema do seminário que pretendeu recolher o contributo dos diferentes
especialistas que nele participaram para uma reflexão informada em torno das
questões e desafios que uma escolaridade obrigatória de 12 anos coloca ao País.
5. “Liberdade de ensino e serviço
público de educação” foi o tema de mais um seminário. E, considerando
que, no art.º 2.º da LBSE, se
refere que “No acesso à educação e na sua
prática é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da
liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas
possíveis, (…)” e que, passadas três décadas sobre a sua publicação, e,
tendo em conta as alterações ocorridas na sociedade e no sistema educativo,
importava analisar e debater algumas questões:
“Como se concretiza a liberdade de
ensinar e de aprender consagrada na Constituição e na LBSE? Quais as
dimensões que essa liberdade pode assumir para além da criação de escolas de
ensino privado e cooperativo? Os princípios estabelecidos pela lei serão
bastantes para assegurar o direito das famílias a orientar a educação dos
filhos? Poder-se-á falar de liberdade de ensinar e de aprender relativamente
ao ensino público? Haverá uma efetiva liberdade de ensinar e de aprender
quando existem constrangimentos à liberdade de escolha? O que falta para
que a liberdade de ensinar e de aprender possa ser exercida por todos? Poderá
a liberdade de escolha ser estimulada pela existência de projetos pedagógicos
alternativos, independentemente da natureza da escola (pública ou privada)?
Até que ponto o exercício da liberdade de escolha pode contribuir para a
melhoria da qualidade da educação e da equidade do sistema educativo? Em que
circunstâncias deve o Estado financiar o ensino privado? Como tem sido usada a
liberdade de escolha noutros países? Haverá algo a reter desses modelos?”.
6. “Organização e desenvolvimento do
ensino superior” foi o tema do seminário que pretendeu
refletir sobre diferentes perspetivas no que respeita à natureza binária do
sistema, a organização e reconhecimento da formação, a internacionalização e
mobilidade e a investigação científica.
Segundo o art.º 11.º da LBSE, o ensino superior “compreende o ensino
universitário e o ensino politécnico”. O ensino universitário está, pois,
“orientado por uma constante perspetiva de promoção de investigação e de
criação do saber”, ao passo que o ensino politécnico está “orientado por uma
constante perspetiva de investigação aplicada e de desenvolvimento, dirigido à
compreensão e solução de problemas concretos”. Importa, assim, debater esta
natureza binária e refletir sobre a missão das diferentes instituições de
ensino superior. É assinalável a expansão do ensino superior nas últimas três
décadas, a qual de manifestou não na multiplicação de instituições de ensino
superior e na diversidade da oferta formativa, de tal modo que, nos últimos 15
anos, a economia não teve capacidade de absorver as qualificações produzidas
pelo sistema, em parte devido ao facto de a oferta ser desajustada das
necessidades da economia e da sociedade. Por outro lado, a reorganização da
formação (no âmbito do Processo de Bolonha) introduziu alterações no sistema
de reconhecimento e certificação da qualidade e na organização
da formação que adotou um sistema europeu de créditos (art.º 13.º da LBSE).
A internacionalização e mobilidade são
uma referência explícita para a convergência dos sistemas de educação europeus,
bem como uma referência na LBSE:
“A mobilidade dos estudantes entre
os estabelecimentos de ensino superior nacionais […], bem como entre
estabelecimentos de ensino superior estrangeiros e nacionais, é assegurada
através do sistema de créditos, com base no princípio do reconhecimento mútuo
do valor da formação e das competências adquiridas”.
Os processos de internacionalização do ensino superior respondem aos
desafios da globalização das sociedades da informação e do conhecimento e da
criação de redes de cooperação.
Por fim, a LBSE reforça, no art.º 18.º, a importância da investigação
científica no ensino superior, salienta a necessidade de se
considerarem “os objetivos predominantes da instituição em que se insere”, bem
como de garantir as condições de publicação e facilitação da divulgação do conhecimento
produzido. E incentiva “a colaboração entre as entidades públicas, privadas e
cooperativas no sentido de fomentar o desenvolvimento da ciência, da tecnologia
e da cultura”.
7. “Formação de professores: dilemas
e desafios” foi o tema de um outro seminário em que se abordaram os princípios gerais da formação inicial e
contínua de educadores e professores definidos na LBSE à luz dos desenvolvimentos
do sistema e dos estudos e recomendações sobre esta matéria, a nível nacional e
internacional.
Os princípios gerais sobre a formação de educadores e professores
encontram-se estabelecidos em diversos artigos da LBSE, nomeadamente: o art.º
33.º, que a define como devendo ser flexível, integrada, assente em práticas
metodológicas, estimuladora da inovação e da investigação e conducente a uma
prática reflexiva; o artigo 34.º, que aborda questões relacionadas com as
instituições de ensino superior que a realizam, como a definição de perfis de
competências e de formação e a relação entre a formação científica na área de
docência e a formação pedagógica; e o art.º 38.º, em que se exprime a importância
da formação contínua.
Esta temática assume uma importância particular tendo em conta o
progressivo envelhecimento do corpo docente no ativo em Portugal, a necessidade
de renovação dos quadros das escolas e os desafios com que o sistema educativo se
depara relativamente a esta questão. Neste contexto, o seminário pretendeu
promover a reflexão e o debate sobre perspetivas da formação inicial e contínua
de educadores e professores dos ensinos básicos e secundário, bem como de
outras dimensões associadas, como a profissionalização, o acesso e a
organização da carreira docente.
8. E “Centralidade,
descentralização e autonomia: o que compete a quem?” foi o último dos seminários
daquele ciclo de estudos. A informação sobre ele é parca. Na verdade, pouco
entendimento existe sobre a autonomia das escolas. A LBSE consagra explicitamente
a autonomia das instituições do ensino superior. Das outras instituições – estabelecimentos
de educação e ensino não superior – refere apenas a administração e gestão em
termos de democraticidade e representatividade. E, embora os diplomas que
estabelecem o regime de autonomia, administração e gestão das escolas e agrupamentos
se escudem na LBSE, o certo é que a autonomia não está ali respaldada explicitamente,
pelo que esta é propagandeada, concedida ou reconhecida e se restringe à
vontade do governante da área, que a pode fazer repousar na figura do diretor,
a quem se reconhece tacitamente o poder de tudo decidir (incluindo os elementos do conselho geral),
desde que o município não se sinta apoquentado.
Nesse ano de 2016, houve tentativas de subversão da LBSE. Por
exemplo, o CDS fez entrar no Parlamento, a 29 de setembro, o Projeto de Lei n.º 306/XIII/2.ª para alterar os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º,
6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 12.º, 20.º, 26.º, 33.º, 34.º, 37.º, 40.º, 43.º, 44.º,
46.º, 47.º, 48.º, 50.º, 57.º, 58.º, 59º, 60.º, 61.º e 62.º – que não teve êxito.
O Projeto apresentava 4 grandes alterações: consagração
da estabilidade das políticas educativas, garantindo previsibilidade às
escolas e famílias, por períodos de 6 anos, desvinculando as políticas públicas
dos ciclos eleitorais; universalização da
educação pré-escolar aos 3 anos e a obrigatoriedade aos 5, reconhecendo que
uma intervenção precoce é promotora de maior equidade no acesso ao sucesso, bem
como a reorganização de ciclos de ensino em
2 ciclos de 6 anos; reconhecimento dos conceitos
de autonomia e descentralização, para reforçar a aproximação da política
educativa às pessoas; e maior
participação dos encarregados de educação na vida escolar, bem como maior liberdade de escolha, com a
definição duma rede pública, integrada por escolas e projetos educativos, incluindo
não estatais, se contratualizados com o Estado. É a liberdade de escolha em
absoluto, como a liberdade de ensinar o que se entender.
***
Não vingaram
as tentativas e a LBSE resistiu. O CNE vai estudando o estado da Educação e
funcionando como órgão consultivo da Assembleia da Republica e do Governo para
a área da Educação. Ne sutor ultra
crepidam!
2019.12.14 –
Louro de Carvalho
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