Depois de
debates de bastidores, entrega da proposta governamental da Lei do Orçamento do
Estado para 2020 (OE 2020) na Assembleia da
República e do primeiro surto de reações à proposta, os partidos
deixaram o sentido de votação em aberto, em nome da margem negocial para ainda
virem a influenciar o OE 2020 na especialidade.
Parece que,
tal como na legislatura em que o 2.º Governo de António Guterres tinha um número de deputados do PS pertinho da maioria absoluta (empate: 115
deputados contra 115 das oposições), também
agora que o PS ficou a 8 deputados da maioria absoluta (108
deputados contra 122), torna-se
mais difícil que na legislatura anterior a aprovação do Orçamento.
Já houve,
nos anos 90, o orçamento do queijo limiano, com um deputado do CDS a fazer a
diferença. No entanto, nesta legislatura as contas parlamentares têm várias
fórmulas, sendo possíveis diversos cenários.
De todos
quantos não negaram à partida a ciência da viabilização e aceitaram negociar
com o Governo nenhum ficou satisfeito com a proposta, mas todos deixaram em aberto – vão analisar – o
que fazer na votação marcada para 10 de janeiro, nomeadamente PCP, Bloco de
Esquerda (BE), Verdes (PEV), PAN e Livre. É provável que a votação na
generalidade viabilize a aprovação com vista à discussão na especialidade onde
os partidos da esquerda e o PAN tentarão forçar compromissos para que as suas
propostas possam entrar na negociação e vingar ao menos em parte, pois aí o
Orçamento é debatido e votado em detalhe. E foi para aí que o próprio Governo
empurrou algumas das principais medidas, deixando os partidos com a expectativa
de terem sinais mais claros até ao momento da primeira votação do OE.
Nesse
momento, haverá várias
conjugações possíveis para fazer passar o Orçamento. Basta que 15
deputados se abstenham para a bancada do PS ser suficiente para aprovar o OE. Ora,
mesmo que o PAN e o CDS (este dificilmente não votará contra) se abstenham, bem como o IL (Iniciativa
Liberal) e o Chega, o Orçamento 2020 não passará
só por isso. Mas, se o PAN e o CDS votarem a favor, já passará. Só a abstenção
ou o voto favorável do PAN, do Chega e da Iniciativa Liberal não bastam. Mas basta a abstenção ou o voto favorável
do BE. Basta o voto favorável do PCP e do PEV, mas não a sua abstenção. E basta
a posição conjunta de abstenção ou de voto favorável do PCP, PEV e BE.
Ainda assim,
para o OE 2020 passar, a proposta de lei muito dificilmente poderá ficar como
está. Por outro lado, dificilmente BE PCP e PEV se separarão na votação
orçamental, mas têm fazer de tudo para não desgostarem o seu eleitorado, o que
sucedeu em parte na legislatura anterior.
Não há
dúvidas de que os socialistas votarão a favor da proposta do seu Governo. Mas, como
já se sabe, não chega. São apenas 108 deputados, faltam 8 para a maioria
parlamentar que permitiria aprovar a proposta de OE sem ajudas. Se as ameaças
dos partidos à esquerda fossem levadas à letra e todos votassem contra ou mesmo
apenas os dois com maior peso, PCP e BE, a proposta teria um redondo chumbo.
Mas o Governo tentou acautelar isso e deixou normas em aberto e autorizações
legislativas na proposta de Orçamento, a significar que há caminho a fazer na
especialidade. Fonte do Governo diz que “este ano há mais especialidade”, pois o
quadro político resultante das eleições legislativas deu azo a que a estratégia
de todos fosse diferente. A do Governo sintetiza-se em “Reunimos, ouvimos, incluímos e negociaremos na especialidade”. Há,
pois, a esperança de que a esquerda volte a aglutinar-se caso a caso. Na mesma
linha do que o Primeiro-Ministro disse a partir da Grécia, o PS não
vê motivos para rutura à esquerda, num Orçamento que, segundo o deputado João
Paulo Correia, “não traz nenhum retrocesso”.
Se a
esquerda toda se abstiver, a maioria absoluta consegue-se com 100 votos a favor
da proposta de Orçamento. E, assim, o PS, com os seus 108 votos será suficiente
para a viabilização. No Governo, a expectativa é a de que o BE não vote contra
o primeiro Orçamento da legislatura, porque isso poderia retirar margem
negocial e de reivindicação em futuras negociações. Já pode ser uma hipótese a
abstenção do antigo parceiro. No PCP, o mesmo cenário parece menos provável à
partida, já que o líder da bancada parlamentar recentemente fez referência ao
facto histórico de os deputados comunistas nunca se terem abstido num OE. Mas o
mesmo deputado João Oliveira acautelou esta hipótese, vincando:
“O facto de nunca termos optado pela abstenção não é nenhuma projeção
para o futuro: é uma constatação em relação ao passado”.
Assim, se a
esquerda toda seguir esse caminho, o OE passará. E isso bastará.
***
Se PCP e Verdes se abstiverem e BE votar contra,
não são suficientes os votos do PS para a
proposta do Governo ser viabilizada. E aqui O PAN pode ser decisivo. Nunca fez
formalmente parte da maioria parlamentar na anterior legislatura, mas votou muitas
vezes ao lado do partido do Governo. Agora, com 4 deputados, é peça-chave que
António Costa tem levado em conta no desenho de cenários. No cenário em que a
esquerda se divida entre a abstenção e o voto contra, o PS precisaria de dois
deputados e poderia contar com o PAN para garantir a aprovação na generalidade.
Contudo, dificilmente os comunistas ficariam isolados a segurar o Governo,
sobretudo depois dum resultado eleitoral nas legislativas que fez as bancadas
comunista e dos Verdes reduzir para 12 o número dos deputados destes dois
partidos e com o seu rival à esquerda, o BE, a votar contra.
Já é
aritmeticamente possível o
contrário: PS a
favor, BE abster-se, PCP e Verdes a votar contra. Com o BE a
abster-se, o PS necessitaria de 106 deputados para ter a maioria absoluta na
votação do Orçamento. Tendo 108, a proposta estaria mais do que garantida.
Basta que um
dos dois principais parceiros da anterior legislatura apoie o Governo para o OE
passar, mesmo que o outro partido da esquerda vote contra. Mas ter um dos
parceiros a segurar o Governo e outro fora deste apoio é hipótese pouco
provável, sobretudo com o BE e o PCP incomodados com um Orçamento a apresentar
um excedente de 0,2% e sem concretizar claramente a subida extraordinária das
pensões, a dar um magríssimo e vergonhoso aumento salarial de 0,3% aos
funcionários públicos, a engrossar pouquíssimo (em relação à divida do setor) o orçamento da Saúde, ou a levantar problemas quanto
ao impacto orçamental que significaria a redução generalizada do IVA da luz
para a taxa mínima ou até para a intermédia, conforme os escalões de consumo.
Porquê a necessidade do beneplácito de Bruxelas se o OE 2019 passou um escalão
para a taxa mínima?
PS, BE, PCP, Verdes, PAN e Livre a votar favor seria o cenário de sonho para Costa, que teria mais um partido a
aprovar um orçamento de um Governo seu do que na legislatura anterior: o Livre.
É um cenário possível, a que ninguém fechou a porta, embora os preditos partidos
tenham entendido que, por enquanto, têm a ganhar se mantiverem a possibilidade
de votar a favor em aberto, na tentativa de terem ganhos nas negociações que se
seguirão do debate na especialidade.
A margem
negocial cresce consoante a incerteza do Governo em ter a proposta aprovada.
A solução mais criativa seria: PS a favor, BE,
PCP e Verdes contra: Livre, PAN e PSD-Madeira a favor. É uma solução que
envolve deputados da direita, mas há quem nos
partidos da esquerda faça estas contas. Isto porque nas últimas semanas o
PSD-Madeira, pela voz de Miguel Albuquerque, disse não descartar a negociação de
questões regionais com o Governo da República. E, na sequência disso, avaliará
a hipótese do voto a favor do Orçamento. E, hoje, dia 17, o Presidente do
Governo Regional da Madeira congratulou-se publicamente com a inclusão da verba
para o cofinanciamento do novo hospital no OE 2020. No Bloco de Esquerda,
medidas como o aumento do IVA nas touradas (uma das bandeiras do PAN) foram vistas como uma cedência importante ao partido
de André Silva que pode mudar as contas todas, caso a ideia inicial do
PSD-Madeira se materializasse. Com esta conjugação de forças (PS, PAN e
três deputados do PSD eleitos pela Madeira), só
faltaria o Livre para que a proposta passasse. A esquerda podia votar contra
que nada travaria o OE do Governo. Mas a hipótese é vista com muita
desconfiança no Governo, que pensa que, nesta situação, um partido como o Livre
nunca estaria ao lado de PSD-Madeira e PAN. Fonte do Executivo, que julga
difícil “envolver” Livre e PAN nesta “lógica”, diz que “é uma fantasia”. Por
outro lado, os deputados do PSD eleitos pela Madeira só seriam úteis ao PS
nesta solução. Mas, em todo caso, mantêm em aberto o seu sentido de voto.
Obviamente que
todo o raciocínio supra pressupõe que o PSD de Rui Rio, quiçá de Montenegro ou
de Pinto da Luz votará contra, pois se os laranjas se abstiverem, o PS vai de
ânimo folgado em frente. Não se crê que os socialdemocratas ofereçam um presente
de Reis Magos a Costa votando favoravelmente um orçamento que dizem minado pela
esquerda embora não retorcido.
***
A ver vamos
qual a capacidade dos partidos de moderarem as suas ambições em nome da
governação ou se preferem a autoafirmação intempestiva perante um PS às vezes
com o rei na barriga. Haverá surpresas?
2019.12.17 – Louro de Carvalho
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