quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O Governo precisa de que o OE 2020 passe na Assembleia da República


Depois de debates de bastidores, entrega da proposta governamental da Lei do Orçamento do Estado para 2020 (OE 2020) na Assembleia da República e do primeiro surto de reações à proposta, os partidos deixaram o sentido de votação em aberto, em nome da margem negocial para ainda virem a influenciar o OE 2020 na especialidade.
Parece que, tal como na legislatura em que o 2.º Governo de António Guterres tinha um número de deputados do PS pertinho da maioria absoluta (empate: 115 deputados contra 115 das oposições), também agora que o PS ficou a 8 deputados da maioria absoluta (108 deputados contra 122), torna-se mais difícil que na legislatura anterior a aprovação do Orçamento. 
Já houve, nos anos 90, o orçamento do queijo limiano, com um deputado do CDS a fazer a diferença. No entanto, nesta legislatura as contas parlamentares têm várias fórmulas, sendo possíveis diversos cenários.
De todos quantos não negaram à partida a ciência da viabilização e aceitaram negociar com o Governo nenhum ficou satisfeito com a proposta, mas todos deixaram em aberto – vão analisar – o que fazer na votação marcada para 10 de janeiro, nomeadamente PCP, Bloco de Esquerda (BE), Verdes (PEV), PAN e Livre. É provável que a votação na generalidade viabilize a aprovação com vista à discussão na especialidade onde os partidos da esquerda e o PAN tentarão forçar compromissos para que as suas propostas possam entrar na negociação e vingar ao menos em parte, pois aí o Orçamento é debatido e votado em detalhe. E foi para aí que o próprio Governo empurrou algumas das principais medidas, deixando os partidos com a expectativa de terem sinais mais claros até ao momento da primeira votação do OE.
Nesse momento, haverá várias conjugações possíveis para fazer passar o Orçamento. Basta que 15 deputados se abstenham para a bancada do PS ser suficiente para aprovar o OE. Ora, mesmo que o PAN e o CDS (este dificilmente não votará contra) se abstenham, bem como o IL (Iniciativa Liberal) e o Chega, o Orçamento 2020 não passará só por isso. Mas, se o PAN e o CDS votarem a favor, já passará. Só a abstenção ou o voto favorável do PAN, do Chega e da Iniciativa Liberal não bastam. Mas basta a abstenção ou o voto favorável do BE. Basta o voto favorável do PCP e do PEV, mas não a sua abstenção. E basta a posição conjunta de abstenção ou de voto favorável do PCP, PEV e BE.  
Ainda assim, para o OE 2020 passar, a proposta de lei muito dificilmente poderá ficar como está. Por outro lado, dificilmente BE PCP e PEV se separarão na votação orçamental, mas têm fazer de tudo para não desgostarem o seu eleitorado, o que sucedeu em parte na legislatura anterior. 
Não há dúvidas de que os socialistas votarão a favor da proposta do seu Governo. Mas, como já se sabe, não chega. São apenas 108 deputados, faltam 8 para a maioria parlamentar que permitiria aprovar a proposta de OE sem ajudas. Se as ameaças dos partidos à esquerda fossem levadas à letra e todos votassem contra ou mesmo apenas os dois com maior peso, PCP e BE, a proposta teria um redondo chumbo. Mas o Governo tentou acautelar isso e deixou normas em aberto e autorizações legislativas na proposta de Orçamento, a significar que há caminho a fazer na especialidade. Fonte do Governo diz que “este ano há mais especialidade”, pois o quadro político resultante das eleições legislativas deu azo a que a estratégia de todos fosse diferente. A do Governo sintetiza-se em “Reunimos, ouvimos, incluímos e negociaremos na especialidade”. Há, pois, a esperança de que a esquerda volte a aglutinar-se caso a caso. Na mesma linha do que o Primeiro-Ministro disse a partir da Grécia, o PS não vê motivos para rutura à esquerda, num Orçamento que, segundo o deputado João Paulo Correia, “não traz nenhum retrocesso”.
Se a esquerda toda se abstiver, a maioria absoluta consegue-se com 100 votos a favor da proposta de Orçamento. E, assim, o PS, com os seus 108 votos será suficiente para a viabilização. No Governo, a expectativa é a de que o BE não vote contra o primeiro Orçamento da legislatura, porque isso poderia retirar margem negocial e de reivindicação em futuras negociações. Já pode ser uma hipótese a abstenção do antigo parceiro. No PCP, o mesmo cenário parece menos provável à partida, já que o líder da bancada parlamentar recentemente fez referência ao facto histórico de os deputados comunistas nunca se terem abstido num OE. Mas o mesmo deputado João Oliveira acautelou esta hipótese, vincando:  
O facto de nunca termos optado pela abstenção não é nenhuma projeção para o futuro: é uma constatação em relação ao passado”.
Assim, se a esquerda toda seguir esse caminho, o OE passará. E isso bastará.
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Se PCP e Verdes se abstiverem e BE votar contra, não são suficientes os votos do PS para a proposta do Governo ser viabilizada. E aqui O PAN pode ser decisivo. Nunca fez formalmente parte da maioria parlamentar na anterior legislatura, mas votou muitas vezes ao lado do partido do Governo. Agora, com 4 deputados, é peça-chave que António Costa tem levado em conta no desenho de cenários. No cenário em que a esquerda se divida entre a abstenção e o voto contra, o PS precisaria de dois deputados e poderia contar com o PAN para garantir a aprovação na generalidade. Contudo, dificilmente os comunistas ficariam isolados a segurar o Governo, sobretudo depois dum resultado eleitoral nas legislativas que fez as bancadas comunista e dos Verdes reduzir para 12 o número dos deputados destes dois partidos e com o seu rival à esquerda, o BE, a votar contra.
Já é aritmeticamente possível o contrário: PS a favor, BE abster-se, PCP e Verdes a votar contra. Com o BE a abster-se, o PS necessitaria de 106 deputados para ter a maioria absoluta na votação do Orçamento. Tendo 108, a proposta estaria mais do que garantida.
Basta que um dos dois principais parceiros da anterior legislatura apoie o Governo para o OE passar, mesmo que o outro partido da esquerda vote contra. Mas ter um dos parceiros a segurar o Governo e outro fora deste apoio é hipótese pouco provável, sobretudo com o BE e o PCP incomodados com um Orçamento a apresentar um excedente de 0,2% e sem concretizar claramente a subida extraordinária das pensões, a dar um magríssimo e vergonhoso aumento salarial de 0,3% aos funcionários públicos, a engrossar pouquíssimo (em relação à divida do setor) o orçamento da Saúde, ou a levantar problemas quanto ao impacto orçamental que significaria a redução generalizada do IVA da luz para a taxa mínima ou até para a intermédia, conforme os escalões de consumo. Porquê a necessidade do beneplácito de Bruxelas se o OE 2019 passou um escalão para a taxa mínima?
PS, BE, PCP, Verdes, PAN e Livre a votar favor seria o cenário de sonho para Costa, que teria mais um partido a aprovar um orçamento de um Governo seu do que na legislatura anterior: o Livre. É um cenário possível, a que ninguém fechou a porta, embora os preditos partidos tenham entendido que, por enquanto, têm a ganhar se mantiverem a possibilidade de votar a favor em aberto, na tentativa de terem ganhos nas negociações que se seguirão do debate na especialidade.
A margem negocial cresce consoante a incerteza do Governo em ter a proposta aprovada.
A solução mais criativa seria: PS a favor, BE, PCP e Verdes contra: Livre, PAN e PSD-Madeira a favor. É uma solução que envolve deputados da direita, mas há quem nos partidos da esquerda faça estas contas. Isto porque nas últimas semanas o PSD-Madeira, pela voz de Miguel Albuquerque, disse não descartar a negociação de questões regionais com o Governo da República. E, na sequência disso, avaliará a hipótese do voto a favor do Orçamento. E, hoje, dia 17, o Presidente do Governo Regional da Madeira congratulou-se publicamente com a inclusão da verba para o cofinanciamento do novo hospital no OE 2020. No Bloco de Esquerda, medidas como o aumento do IVA nas touradas (uma das bandeiras do PAN) foram vistas como uma cedência importante ao partido de André Silva que pode mudar as contas todas, caso a ideia inicial do PSD-Madeira se materializasse. Com esta conjugação de forças (PS, PAN e três deputados do PSD eleitos pela Madeira), só faltaria o Livre para que a proposta passasse. A esquerda podia votar contra que nada travaria o OE do Governo. Mas a hipótese é vista com muita desconfiança no Governo, que pensa que, nesta situação, um partido como o Livre nunca estaria ao lado de PSD-Madeira e PAN. Fonte do Executivo, que julga difícil “envolver” Livre e PAN nesta “lógica”, diz que “é uma fantasia”. Por outro lado, os deputados do PSD eleitos pela Madeira só seriam úteis ao PS nesta solução. Mas, em todo caso, mantêm em aberto o seu sentido de voto.
Obviamente que todo o raciocínio supra pressupõe que o PSD de Rui Rio, quiçá de Montenegro ou de Pinto da Luz votará contra, pois se os laranjas se abstiverem, o PS vai de ânimo folgado em frente. Não se crê que os socialdemocratas ofereçam um presente de Reis Magos a Costa votando favoravelmente um orçamento que dizem minado pela esquerda embora não retorcido.
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A ver vamos qual a capacidade dos partidos de moderarem as suas ambições em nome da governação ou se preferem a autoafirmação intempestiva perante um PS às vezes com o rei na barriga. Haverá surpresas?
2019.12.17 – Louro de Carvalho

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