terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Políticas educativas e desempenho de Portugal no PISA (2000-2015)


É o título dum relatório que culmina um estudo que reúne os resultados das análises feitas por uma equipa coordenada por Domingos Fernandes, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que chega à conclusão de que há fatores críticos que impedem que o sistema escolar seja mais democrático e, consequentemente, que os alunos hajam obtido melhores resultados no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) entre 2000 e 2015.
A análise extensa e pormenorizada de 15 programas que materializam as políticas públicas das últimas três décadas e as entrevistas a 37 professores, 5 diretores e 6 inspetores – para compreender o que mudou na Educação que possa estar relacionado com a melhoria da qualidade da Educação e que explique os resultados alcançados naquele programa internacional de avaliação – recomenda o aprofundamento dos seguintes pontos: retenções, faltas às aulas, indisciplina e frequência ainda não generalizada e continuada na educação pré-escolar.
E o predito documento sublinha:
Portugal tem sido um dos países e economias da OCDE cujos progressos têm sido relevados nos relatórios internacionais dos últimos quatro ciclos do programa (2006, 2009, 2012, 2015), não só pela consistente melhoria dos resultados obtidos pelos alunos em Matemática, Leitura e Ciências, mas também porque, nesses domínios, a percentagem de alunos com desempenhos de nível superior tem aumentado, havendo uma redução simultânea do número de alunos com desempenhos mais baixos. Os resultados obtidos na edição de 2015 do PISA foram superiores à média dos países e economias da OCDE participantes no estudo, ainda que, no caso da Matemática, a diferença entre as respetivas médias não seja estatisticamente significativa.”.
A investigação não visa equacionar relações de causa e efeito, mas apenas contribuir, fundamentadamente, para a compreensão de relações que possam fazer sentido entre as políticas públicas de Educação e os resultados nacionais no PISA. A isto vêm as susoditas entrevistas e a análise dos preditos 15 programas com base em informação institucional disponibilizada, avaliações externas, documentação avulsa, legislação. Também se analisaram as relações entre os resultados globais obtidos por Portugal nas diferentes edições do PISA, tendo como referência as médias globais da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e algumas das principais caraterísticas das amostras de alunos participantes.
Uma coisa é certa: os resultados dos nossos alunos no PISA melhoraram de forma consistente, entre 2000 e 2015 e a qualidade de ensino e das aprendizagens melhorou “mais ou menos significativamente”, mas há uma diversidade de pontos críticos que impedem que o sistema escolar seja mais democrático e, consequentemente, que os alunos obtenham melhores resultados tanto nas provas de avaliação externa nacionais, como nas provas de avaliação externa internacionais, como o PISA.
Os números demonstram que a retenção tem vindo a descer, mas ainda é um flagelo. Dos alunos portugueses que participaram, em 2015, no PISA, 31% tinham uma ou mais retenções no seu percurso escolar, ao passo que a média global dos restantes países participantes era 12% (diferença muito significativa, mais do dobro). Refere, a propósito, o documento:
O sistema escolar português continua a ter bastantes dificuldades em lidar com as diferenças e com práticas pedagógicas que sejam capazes de ganhar todos e cada um dos alunos para percursos livres de retenções. Ou seja, continua a ter dificuldades em ser verdadeiramente mais inclusivo, mais democrático.”.
E os investigadores apontam:
As razões para esta situação poderão passar por uma certa tradição ‘pedagógica’ em que a retenção é encarada como algo que é normal e que, ‘com certos alunos’, pouco ou nada há a fazer para a debelar ou erradicar. Mas também por uma diversidade de razões relacionadas com as práticas pedagógicas e a organização e funcionamento das escolas que, em geral, têm assumidas dificuldades em lidar com as diferenças.”.
De facto, a par dos esforços que têm produzido resultados e que poderão ser replicados com as adaptações necessárias e justificáveis, há aspetos a repensar e a aprofundar, tendo em conta as experiências de sucesso que já estão em prática em vários agrupamentos.
Os nossos alunos faltam mais às aulas do que a média verificada na OCDE, o que gera dificuldades ao nível das aprendizagens, pois “os alunos têm menos oportunidades para aprender”. E a frequência da educação pré-escolar, apesar vir a subir, é ainda significativamente inferior no contexto dos países da OCDE (No PISA de 2012, a diferença entre o número de crianças que frequentavam a educação pré-escolar em Portugal e nos restantes países da OCDE era de 10%).
É de reconhecer que, a partir de 1986, com a publicação da LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), melhorou a qualidade da Educação, bem como as práticas pedagógicas e as aprendizagens dos alunos – melhorias a que não são alheios os professores, tal como a uma evolução positiva em vários domínios fundamentais, nomeadamente na capacidade para conceber e desenvolver projetos para resolver dificuldades de aprendizagem, nas relações com os pais e encarregados de educação, nas competências para refletir acerca dos problemas pedagógicos. Há uma melhoria das competências pedagógicas e organizacionais:
Pode dizer-se que os agrupamentos e as escolas prestam melhores serviços educativos e que têm sido capazes de gerar melhores resultados”.
O PISA é mal conhecido nas escolas, quer no seu âmbito e propósitos, quer na natureza das provas e no tratamento da informação gerada, quer ainda nas relações com o currículo. É um conhecimento bastante superficial, limitado a informações esparsas ou mais ou menos bombásticas veiculadas pela maioria dos órgãos da comunicação social. E o estudo frisa:
Consequentemente, os resultados do PISA tendem a ser muito pouco ou mesmo nada valorizados por um assinalável número de diretores e de professores. Esta situação não é desejável sob muitos pontos de vista pois, inclusivamente, as pessoas não têm oportunidades para se aperceberem e/ou compreenderem a relevância do seu trabalho pedagógico.”.
Isto mostra que as escolas e os professores, embora não o tenham afirmado, não reconhecem o próprio trabalho “como central para a melhoria da provisão pública de educação”. Nesse sentido, os investigadores recomendam que se definam estratégias de comunicação que “divulguem os resultados dos alunos portugueses neste ou noutros estudos internacionais e chamem a atenção para os seus diferentes significados”.
Ora, o trabalho pedagógico nas escolas é fundamental e é importante compreender com profundidade o que sucede nos mais variados contextos escolares. Assim, o relatório deixa ler:
Na verdade, a investigação em domínios tais como a organização e funcionamento pedagógico das escolas, o desenvolvimento curricular, a autonomia e a flexibilidade curricular, a avaliação das (e para as) aprendizagens e, em geral, as práticas pedagógicas serão fundamentais para compreender e melhorar as políticas públicas de educação”.
A avaliação externa das escolas mereceu referências positivas da parte de docentes e diretores, pelo que se aconselha a aprofundar o conhecimento das estratégias desse programa para reforçar o que deve continuar e se criarem mecanismos que permitam enfrentar os problemas de organização e funcionamento pedagógico e de prestação do serviço educativo nas escolas.
Desse modo, poder-se-ão combater mais eficaz e eficientemente fenómenos tais como o abandono e a retenção escolares e, consequentemente, melhorar a qualidade da Educação e dos seus resultados”.
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Como se disse, os investigadores analisaram 15 programas. São eles: Minerva (Meios Informáticos no Ensino: Racionalização, Valorização, Atualização); PIPSE (Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar); Programa FOCO (Formação Contínua de Professores); PEPT (Programa Educação para Todos); Programa Ciência Viva; Programa Nónio; Programa RBE (da Rede de Bibliotecas Escolares); Programa dos TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária); Programa INO (Iniciativa Novas Oportunidades); PFEEC (Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências); PAM (Plano de Ação da Matemática); PNEP (Nacional do Ensino do Português); PNL (Plano Nacional de Leitura); PTE (Plano Tecnológico da Educação); e PMSE (Programa Mais Sucesso Escolar).
A grande maioria deste 15 programas teve efeitos positivos nas escolas, nos professores e nos alunos. Mas alguns merecem particular destaque, quer nas intervenções dos participantes no estudo, quer nas avaliações, estudos ou reflexões que foram consultados. A RBE, por exemplo, é um programa cujo sucesso é unanimemente referido. Assim, lê-se no relatório:
A sua forma de organização e estrutura funcional, o facto de as escolas terem de criar um projeto para aderir ao programa, a forma como está inserido nas escolas, as dinâmicas criadas através dos projetos que se geram no seu âmbito e a colaboração próxima com os alunos e com os seus professores parecem ser aspetos, entre outros, que fizeram deste programa, já com cerca de 22 anos, um interessante exemplo que em muito tem contribuído para melhorar os níveis de literacia da leitura dos alunos portugueses, muito particularmente ao nível do Ensino Básico”.
Também o TEIP tem reações muito positivas, pois apoia a comunidade educativa e estimula o desenvolvimento de ações destinadas a “apoiar as crianças e jovens que, por qualquer razão, têm assinaláveis desvantagens dos pontos de vista social, económico e cultural em relação à generalidade dos alunos”. É um programa que visa tornar o sistema escolar “mais inclusivo e, por isso, mais democrático”. No entanto, em termos de resultados, os agrupamentos e escolas TEIP “ainda estarão aquém do que se poderá considerar mais desejável”. Mesmo assim, os investigadores realçam:
Há assinaláveis resultados alcançados em aspetos tão relevantes como a redução do abandono e da retenção, a participação das famílias na vida das escolas, a significativa melhoria da vida pedagógica das instituições e a qualidade do acompanhamento e apoio social, psicológico e pedagógico aos alunos”.
E estes professores sentem-se mais preparados para lidar com as diferenças, colaboram mais entre si na criação e desenvolvimento de projetos e melhoraram as suas práticas pedagógicas.
Por outro lado, o PNEP e o PAM têm tido efeitos unanimemente considerados bastante positivos, sobretudo na formação dos professores. São inovadores nas estratégias da formação, na relação entre formadores e formandos, nos processos de acompanhamento das práticas pedagógicas, na produção e partilha de materiais e no trabalho colaborativo entre os professores.
Assim, os investigadores concluem:
As políticas públicas desenvolvidas após a publicação da LBSE, analisadas através dos 15 programas considerados nesta investigação, produziram efeitos considerados positivos ou mesmo muito positivos em vários domínios do sistema escolar. De tal modo que os resultados de Portugal nas últimas edições do PISA, a partir de 2009, poderão ser vistos como uma medida da melhoria da qualidade da educação com, pelo menos, alguma credibilidade.”.
Por conseguinte, recomendam que as políticas públicas continuem a “apostar no desenvolvimento de programas com as caraterísticas que foram sinalizadas”, e que se faça uma “eventual refundação e melhoria de alguns programas em curso, o relançamento de outros que tenham sido descontinuados ou o lançamento de novos que se considerem necessários”. Recomendam o reforço do combate ao abandono e à retenção, bem como às faltas às aulas nos programas em curso ou a criar. E recomendam medidas que levem ao aumento do número de crianças na educação pré-escolar e que garantam a melhoria das condições nas escolas, no atinente ao acesso à internet, a software educativo de qualidade e ao equipamento laboratorial.
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No relatório do PISA 2018 (cujos resultados já foram divulgados), o ME conclui que o nosso sistema educativo “é o único da OCDE que apresenta melhorias significativas”. E o Ministro referiu:
Os resultados que agora conhecemos, recolhidos em 2018, mostram bem como as competências reveladas agora pelos jovens nascidos no ano de 2002 resultam de muitos fatores que a enriqueceriam. Estes estudantes ingressaram no 1.º Ciclo em 2008 encontrando-se, a maioria, no ano letivo de 2015/2016, o primeiro da nossa governação já no 8.º ano.”.
Desde 2000, Portugal apresentou, segundo o governante, “um caminho de melhoria contínua e significativa nos três domínios” e acima da média da OCDE. Na sua opinião, a descida do nível médio de competências dos alunos na Leitura, na Matemática e Ciências, no espaço da OCDE, ainda que ligeira, deve ser motivo de preocupação. Neste sentido referiu:
Por isso mesmo, para Portugal, mais do que um ranking internacional, o PISA é um poderoso instrumento de cooperação internacional e de aprendizagem com os outros”.
O relatório internacional apresenta Portugal como uma das 7 economias, entre 79 analisadas, onde, ao longo da participação no PISA, os resultados foram de progresso consistente nos três domínios avaliados. Além de Portugal, apenas Albânia, Colômbia, Macau (China), República da Moldávia, Peru e Qatar o conseguiram. Apesar dos progressos, os resultados dos alunos portugueses a Ciências pioraram em 2018 face aos registados no relatório anterior, em 2015.
Segundo Tiago Brandão Rodrigues, há um caminho a percorrer e muito a fazer, pelo que diz:
E porque precisamos de fazer mais dentro e fora da escola, resgatámos a centralidade do Programa Ciência Viva e do Plano Nacional de Leitura. Precisamos fazer ainda mais e melhor na equidade, pois o estatuto económico dos pais ainda é prescritor de sucesso escolar maior em Portugal do que noutros países.”.
Também João Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Educação, considera que os resultados do último PISA devem “motivar para um trabalho mais profundo”. Na sua ótica, os indicadores “permitem contrariar a expressão: no antigamente é que era bom. Temos um sistema educativo que tem vindo a fazer uma produção continuada e sustentada”.
No último PISA os resultados dos alunos de origem socioeconómica mais favorecida ficam 95 pontos acima dos que têm maiores dificuldades económicas. Este diferencial é superior à média da OCDE, de 89 pontos. Em 2009, a diferença com base na origem socioeconómica dos alunos era de 87 pontos, em linha com a média da OCDE. Entre os alunos com desempenho de topo na Leitura, 16% são de classes mais altas e apenas 2% de origem desfavorecida.
E o Presidente da República, que tudo comenta, diz ver nos resultados do PISA um esforço em melhorar a qualidade da Educação e o peso do contexto socioeconómico. Observa ele:
Há duas realidades. Uma realidade é que aqueles que têm piores condições económicas e sociais também têm piores condições, às vezes, quer de afirmação, quer de recuperação, quer de progressão. Mas, em geral, há um esforço demonstrado por estes resultados no sentido de melhorar a qualidade do ensino e da educação em Portugal.”.
E conclui o óbvio:
Apesar de aspetos críticos no nosso sistema de educação, há passos positivos que estão a ser dados”.
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É pena que investigação tão pormenorizada não tenha pegado na indisciplina e nos comportamentos desviantes de muitos dos alunos (sendo que algumas das faltas não são de presença, mas de natureza disciplinar ou até derivadas do facto de o aluno comparecer sem os materiais exigidos). Muitos pisam o seu dever de aprender e tolhem a liberdade de outros aprenderem, bem como o direito/dever do professor de ensinar (e assacam-lhe a culpa de tudo). E muitas vezes os pais são cúmplices deste desmando. E devo perguntar porque é que, se os 15 programas são tão positivos, se entrou numa cruzada de pressão sobre a escola e os professores em ordem a resultados escolares positivos, como devo abjurar do oportunismo discursivo do Ministro manifestado na primeira transcrição supra de suas palavras ou do linguajar popularucho de João Costa. E permito-me criticar o porquê de alguns programas terem sido descontinuados e substituídos (vg: PIPSE vs PEPT). É a política, seu distraído! PS perfilha uns; e PSD/CDS outros (mecanismo da roda dentada) …
Depois, o PISA, embora possa constituir um exercício de aferição internacional, não incide sobre programas escolares, mas em competências consensuais o quadro da OCDE.
2019.12.10 – Louro de Carvalho      

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