No DN de
hoje, 31 de dezembro, Valentina
Marcelino dá-nos conta, em breve texto, de que foi revogada a decisão da
procuradora que despachou o arquivamento do processo em que a PSP da Amadora se
queixava de dois arguidos, tendo insultado um agente policial (chamando-lhe
“filho da p…”)
e tendo-o socado.
A
procuradora considerou que atribuir aquela expressão dita insultuosa ao polícia
pode ser considerado um “grito de revolta” e não um crime; e o soco uma forma
de defesa.
Agora, por
despacho de 10 de dezembro, o MP (Ministério Público) acabou por acusar dois homens que tinham chamado
“filho da p…” a um polícia e que tinham sido ilibados por uma procuradora que
arquivara o processo por considerar que isso era um “grito de revolta”,
exaltação e indignação; e o soco uma forma de defesa para se livrarem das mãos
do agente da autoridade.
Chamar
“filho da p…” a um agente da autoridade pode ser considerado um “grito de revolta”
e desferir um murro num polícia pode ser uma forma de “defesa da força física exercida
pelo agente policial” foram as conclusões escritas pela procuradora Cármen
Andrade, do DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) da Amadora, em despacho que decidiu o arquivamento duma
queixa de agressões contra agentes da PSP, conforme noticiaram os jornais no
passado mês de janeiro (há quase um ano).
A decisão e
a argumentação da magistrada do MP desagradaram aos polícias,
aos sindicatos e à hierarquia da PSP e do MP. E o caso inflamou as redes
sociais, mormente as páginas ligadas às forças de segurança. Os polícias
requereram a indicação de novos meios de prova e o inquérito acabou por ser
reaberto por ordem do coordenador do DIAP daquela Comarca, Hélder Cordeiro, o
mesmo magistrado que acusou os 18 polícias da esquadra de Alfragide –
julgados neste ano, tendo sido 8 condenados. E foi este procurador quem veio corrigir a decisão de Cármen
Andrade – entretanto transferida para outro tribunal – e acusar os dois homens, um português e outro
russo, pelos crimes de resistência e coação sobre funcionário e de injúria
agravada.
No seu
despacho, o magistrado ignora todas as considerações anteriores da procuradora
e frisa:
“Os
arguidos agiram por meio de violência constrangendo agentes das forças públicas
de segurança no desempenho das suas funções a uma ação e a suportar uma
atividade desenvolvida pelos arguidos contra si. Os arguidos sabiam que, ao
dirigirem aquelas expressões a um agente da PSP, no exercício de funções e por
causa delas, ofendiam a honra e consideração pessoal que lhe era devida.”.
O caso que originou o processo ocorreu no Bingo da Amadora, a 12 de maio
de 2018. Orlando Yuryevna, de nacionalidade russa, e Pedro Pereira, português,
ambos de 45 anos, envolveram-se em desacatos no interior do estabelecimento,
tendo sido advertidos por agentes da PSP para saírem da sala. Estariam ambos alcoolizados, “a falar alto e de ânimos
exaltados”, situação que se agravou quando um jogador que estava presente os
mandou calar.
Já no exterior,
Orlando dirigiu-se ao agente da PSP (...) uniformizado e no exercício de
funções, e desferiu-lhe um soco no peito, causando-lhe dor, ao mesmo tempo que
proferia para aquele agente e ofendido a frase: ‘És um filho da p….’. O agente
deu-lhe voz de detenção e o russo “reagiu de forma violenta à tentativa de
colocação das algemas” tentando evitar que lhe fossem colocadas. Nesta altura, Pedro Pereira “agarrou o agente (...) pelo braço esquerdo,
puxou-o, procurando impedir a consumação da algemagem ao arguido Orlando, ao
mesmo tempo que dizia para aquele agente: ‘Filho da p…, não faças isso’.”. E,
dentro da esquadra, Orlando terá ameaçado o agente, dizendo-lhe “vamo-nos
encontrar noutras alturas e sem farda”. Temos
aqui nitidamente a situação criminosa de agressão, injúria e ameaça.
Para a
procuradora que arquivara a queixa da PSP, estes comportamentos tinham de ser
avaliados no contexto próprio, pelo que escreveu:
“Estas palavras só por si e no exato contexto factual em que foram
proferidas, não têm o animus de ofender quem quer que seja,
funcionando antes como um ‘grito de revolta’, uma manifestação de exaltação e
indignação”.
Quanto à
agressão de Orlando ao agente, a magistrada entendeu que, “atentas às
circunstâncias concretas em que o arguido desferiu o murro, fê-lo num contexto
em que se queria defender da própria força física exercida pelo agente policial
e não com o intuito de lesar o corpo e/ou a saúde deste”. E, quanto ao “Filho da p…, não faças isso”, expressão dita por Pedro Pereira, a
procuradora entendeu:
“Não deve ser aferida por si só, mas no contexto factual em que foi
proferida e, in casu, não foi acompanhada de animus ofensivo,
funcionando apenas como um ‘grito de revolta’, uma manifestação de exaltação e
indignação relativamente ao facto de ver as autoridades exercerem força física
sobre o seu amigo”.
Sem ofensa, nem para magoar foi o que inferiu a procuradora na sua douta
lição de psicologia, em que não se lhe reconhece mérito.
Porém,
no seu despacho acusatório, Hélder Cordeiro, determina a medida de coação de termo de identidade e
residência aos dois arguidos até ao julgamento. No caso do russo, cuja residência está registada em Alicante,
Espanha, as autoridades não conseguiram ainda localizá-lo para o notificar da
acusação.
***
Veremos
o que decidirão os tribunais, mas uma coisa é certa: a sensibilidade permissiva
duma procuradora atrasou pelo menos um ano que se fizesse justiça. Resta saber
se a justiça virá na linha da acusação ou se virá do lado da permissibilidade
postada no despacho de arquivamento. A jurisprudência dos tribunais da relação,
como em tempos verifiquei, não augura nada de justo.
Mas
justiça ao sabor das sensibilidades, não! A justiça deve ser feita pela lei e
segundo o grau de culpabilidade aferida caso a caso. Um insulto é sempre um
insulto, uma agressão é sempre uma agressão e uma ameaça é sempre uma ameaça.
Tudo depende do grau de culpabilidade, mas não se pode negar o crime.
2019.12.31 – Louro
de Carvalho
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