Eis a
trinomia que é inerente ao ser cristão, consonante com a respetiva trilogia.
O
cristão, enquanto discípulo de Cristo, tem de ser discípulo do presépio,
aprendendo as lições que ele fornece a quem estiver com a atenção do silêncio ativo,
do silêncio orante e apostólico. É preciso que olhe e veja o cenário, o sinta e
toque, não com as mãos, mas com o coração, e se fixe no centro, o Menino. E não
pode deixar de ler o presépio com a luz da ressurreição, pois, sem a
experiência do acompanhamento com o Ressuscitado, a manjedoura da gruta seria
cheia de ternura, mas não passaria de um episódio sem consequências.
É de
anotar que a manjedoura aonde os animais iam comer é o berço do menino Deus,
que não encontrou acolhimento numa hospedaria estando José e Maria em trânsito
em Belém. Este encantador sinal de humildade rústica significa a entrega de
Deus aos homens num menino, mas é prenúncio da entrega por nós, pela remissão
dos nossos pecados no altar da cruz, como da entrega por nós e por “todos” (muitos) na mesa da Última Ceia. À luz da
ressurreição, faz sentido olhar para o presépio e colher as lições e as
consequências das mesmas, como se pode ver pela passagem da carta a Tito (Tt
2,11-14) assumida como 2.ª leitura da Liturgia da Missa da Noite:
“Manifestou-se a graça de Deus, portadora de
salvação para todos os homens, para nos ensinar a renúncia à impiedade e aos
desejos mundanos, a fim de vivermos no século presente com sobriedade, justiça
e piedade, aguardando a bem-aventurada esperança e a gloriosa manifestação do
nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo. Ele entregou-se por nós, a fim de
nos resgatar de toda a iniquidade e de purificar e constituir um povo de sua
exclusiva posse e zeloso na prática do bem.”.
O
sacerdote que presidiu à celebração eucarística na igreja matriz de Santa Maria
da Feira sintetiza em duas a preditas consequências do Natal para a nossa vida:
ficarmos no espanto agradecido
porque, no presépio, com a luz e a força da vindoura ressurreição,
manifestou-se desde já a graça de Deus, manifestação a nós e dentro de nós que
nos deixa espantosamente maravilhados e agradecidos como Maria canta no seu
Magnificat; e abertos ao renascimento
a que fomos chamados por vocação divina sinalizada no Batismo e que reiteramos
e renovamos sempre que renunciamos à impiedade e aos desejos mundanos e
passamos a viver no meio do mundo com
sobriedade, justiça e piedade, movidos pela esperança messiânica dos bens prometidos
e plenamente manifestada pelo e no nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo,
que Se entregou para nos resgatar da iniquidade, nos purificar e constituir em
novo povo de Deus.
Ora com esta
farda discipular, passamos a envergar as asas do mensageiro. Com efeito, como o
anjo vamos dizer aos distraídos, mas abertos ao novo: uma grande alegria vos
encantará, bem como a todo o povo: nasceu o Salvador. E com a mesma frescura
natalina do presépio diremos no calor da estupefação: o que morreu, não está
morto; ressuscitou e está redivivo entre nós.
Sim, não
somos mensageiros do presépio para contar as estrelas que de lá se veem, ou
para dizer que lá estava o boi e o burro ou os camelos e ovelhas, quantos
pastores lá foram. Porém, somos mensageiros ao estilo dos anjos que anunciam o
Messias e cantam glória no Céu e paz na Terra. Sim, porque não somos
mensageiros da desgraça ou do desânimo, mas da graça, do renascimento, da
maravilha, da esperança da alegria.
Todavia, não
podemos ficar só no papel de mensageiros. Temos de fazer mais: semear o grânulo
seminal da curiosidade e do entusiasmo que faz caminhar para o presépio, o
Evangelho vivo, o Evangelho itinerante, o Evangelho da paz. O anúncio do anjo
tocou o coração dos pastores que se mobilizaram reciprocamente para irem a
Belém e ficaram maravilhados com o que viram, dando louvores a Deus e
espalharam a notícia do episódio na região. Ora, nós, temos de ser promotores
de outros mensageiros. Depois, os anjos cantaram paz e glória. Sim, pelo canto,
comunica-se a mensagem, faz-se a publicidade, promove-se o acontecimento e
faz-se festa. Somos, então promotores do Natal, somos cantores, trombeteiros e
tamborileiros do Natal. Mas, para que o nosso canto e toque instrumental não
soem a oco, temos de nos imbuir da lucidez e da força da Palavra divina, sendo
apóstolos da Bíblia, e regar a nossa vida com o sangue vertido da cruz e
alimentar-nos da mesa da Última Ceia, disponíveis na mesa do banquete
eucarístico, com profunda dimensão pessoal e alargada vertente comunitária.
E, se o
presépio é o admirável sinal, no dizer
do Papa Francisco, a Eucaristia é o mistério da imensa caridade divina. No
presépio vemos um menino (está oculta a divindade) reclinado na manjedoura, não no contacto direto da
pele com as palhinhas, mas envolto em panos por obra da mãe; na Eucaristia, não
o vemos na humanidade e divindade, mas sentimo-lo pela sensibilidade e lucidez
da fé, e o que vemos é pão e vinho com algumas gotas de água, por obra dos
sacerdotes, que, por ação de Cristo, emergem da comunidade a representam e a
ela presidem. E comemo-Lo e bebemo-lo nestas sagradas espécies. Também Ele aqui
não está em contacto direto da pele com a mesa-altar (isso foi na
cruz), mas envolto no corporal, pousando
sobre a patena ou guardado na píxide ou cibório e guardado no cálice, para o
podermos comungar sem escrúpulos. Afinal, as semelhanças do altar com a manjedoura
são mais que as esperadas. Porém, da manjedoura comem os animais, enquanto da
mesa-altar comem e bebem as pessoas.
Se as
religiões tentam explicar as relações dos homens com a divindade, a fé permite
sentir e perceber a capacidade que Deus tem para amar os homens e inventar as
formas de amar de que os homens mais precisam. O amor divino é infinitamente
grande, generoso e à medida de do próprio Deus, que tem de ser a pauta do amor
fraterno.
Enfim, sendo
discípulos do presépio e seus mensageiros temos de ser seus promotores
convidando e facilitando o acesso de todos – todos lá têm lugar, que ele é
inclusivo – mas não podemos ficar no presépio de animais e palhinhas, mas
saltar para o presépio espetacular da cruz e do sepulcro vazio, fazer a
caminhada de Emaús e convidar todos e cada um para a mesa eucarística e os mais
pobres para a mesa da nossa casa, ou seja, testemunhar o Amor a imitar.
Mas comecemos
hoje por contemplar o menino envolto em panos e reclinado na manjedoura, maravilhas
do inefável amor de Deus!
2019.12.24 – Louro de Carvalho
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