quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Sobre os ditos brilhantes resultados nacionais no PISA 2018


Em artigo recente dei conta da posição do Ministro da Educação sobre os resultados do PISA 2018, que refere ser o sistema educativo português “o único da OCDE que apresenta melhorias significativas”, explicando:
Os resultados que agora conhecemos, recolhidos em 2018, mostram bem como as competências reveladas agora pelos jovens nascidos no ano de 2002 resultam de muitos fatores que a enriqueceriam. Estes estudantes ingressaram no 1.º Ciclo em 2008 encontrando-se, a maioria, no ano letivo de 2015/2016, o primeiro da nossa governação já no 8.º ano.”.
Ora, eu se não soubesse que as reformas educativas produzem só frutos a longo prazo, podia dizer que os bons resultados de 2015 se devem às “reformas” de Nuno Crato e o ligeiro decréscimo de 2018 se deve às “reformas” de Brandão Rodrigues. Não cometo essa injustiça, pois devo dizer que a grande reforma na Educação – que mobilizou o país – foi a de Roberto Carneiro (nunca percebi por que motivo não repetiu mandato), mas que ficou estrangulada quando Ferreira Leite definiu rubricas mínimas em todas as disciplinas do ensino secundário para efeitos de exame nacional no futuro. Depois, houve as mexidas de Ana Benavente, David Justino, Lurdes Rodrigues, Nuno Crato e Brandão Rodrigues à mescla com avanços e ruturas.  
Também não fica bem ao Secretário de Estado Adjunto e da Educação a petulância de dizer que os indicadores “permitem contrariar a expressão: no antigamente é que era bom”. O funcionamento do sistema deve ser avaliado em si e em contexto, não por ser antigo ou novo. 
Desde 2000, Portugal apresentou, segundo o Ministro, “um caminho de melhoria contínua e significativa nos três domínios” (Leitura, Matemática e Ciências) e acima da média da OCDE, com que se concorda. Na sua opinião, a descida do nível médio de competências dos alunos em Leitura e Ciências, embora ligeira, deve ser motivo de preocupação, porquanto:
Para Portugal, mais do que um ranking internacional, o PISA [Programa de Avaliação Internacional de Alunos] é um poderoso instrumento de cooperação internacional e de aprendizagem com os outros”.
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Na verdade os alunos portugueses mantêm resultados a Matemática, descem ligeiramente a Leitura, e baixam 9 pontos em Ciências, sendo significativo em Portugal o efeito do ESCS (estatuto socioeconómico e cultural) no desempenho escolar. Assim, as expectativas são maiores em contextos mais favorecidos. Mas a indisciplina e a falta de concentração também são condicionantes: mais de metade dos alunos não escuta o que os professores dizem, 50% chegaram tarde à escola nas duas semanas antes do PISA e o gosto por ler diminuiu, apesar de se terem multiplicado os incentivos, mas sem anular ou minorar os fatores de distração e de indisciplina, bem como das indigências económicas e mentais. Que pena ler-se pouco!
Como era expectável, o PISA voltou a avaliar a literacia de leitura, a literacia científica e a literacia matemática dos alunos de 15 anos de idade de 79 países. Segundo os dados revelados, os nossos estudantes estão na média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) nos três domínios. Este estudo trienal envolveu mais de 600 mil alunos. Em Portugal, participaram 276 escolas, 5 932 alunos e 5 452 professores, de todas as regiões do país.
Os desempenhos médios globais no PISA não variaram significativamente nas últimas duas décadas e Portugal é dos poucos países que apresenta uma trajetória de melhoria nos três domínios avaliados, estando a par da média da OCDE. China, Singapura e Macau, do continente asiático, obtiveram as melhores pontuações médias nas três áreas disciplinares examinadas.
O ESCS é um dos fatores analisados. Em Portugal, o contexto socioeconómico do aluno continua a ter impacto expressivo no desempenho escolar. A probabilidade de um estudante, entre os 25% mais desfavorecidos, obter uma pontuação abaixo do nível 2 de proficiência é aproximadamente três vezes maior do que a de um com ESCS superior. Por exemplo, o efeito do ESCS no desempenho em Leitura é maior em Portugal que no conjunto dos países da OCDE. A diferença da pontuação em Leitura entre os alunos portugueses mais favorecidos e os menos favorecidos é de 95 pontos (na OCDE é de 89 pontos), sendo que o ESCS pode explicar 13,5% da variação dos resultados. Em Portugal, 22% dos alunos têm possibilidade de se matricularem em escolas frequentadas por estudantes que atingem níveis mais elevados, mais que a média da OCDE, de 17%. São resilientes 10% dos nossos alunos (não divergindo da média da OCDE, de 11%). Apenas um em cada 10, provenientes de famílias mais desfavorecidas, teve um desempenho em Leitura no quartil superior, ou seja, obteve uma pontuação entre as 25% melhores.
Quanto às expectativas, 73,6% dos nossos alunos querem concluir um curso do Ensino Superior (percentagem superior ao da OCDE, de 69%). Portugal é dos países em que a diferença entre os alunos mais e menos favorecidos quanto à expectativa de concluir o Ensino Superior é mais expressiva, de 43%. Quase todos os alunos (93,1%), de meios com ESCS mais favorecidos querem concluir o Ensino Superior, enquanto só 50% dos alunos com ESCS mais baixo o querem.
Em relação a hábitos de leitura, em 2009 e em 2018, a proporção de alunos portugueses de 15 anos que “gosta de falar de livros com outras pessoas” foi superior à observada para a média da OCDE. No entanto, a percentagem de jovens portugueses que mantém esse gosto diminuiu 11 pontos em 2018. A percentagem de alunos portugueses que “só lê se for obrigado” e que considera a leitura uma “perda de tempo” aumentou em 2018 nove e três pontos percentuais respetivamente, seguindo a mesma tendência da OCDE.
Mais de metade dos nossos alunos (53,5%) não escuta o que os professores dizem em algumas aulas e cerca de 1/5 em muitas aulas. E 30% contam que os professores demoram muito tempo até sossegarem a turma. As queixas projetam-se nos resultados. Os alunos que dizem ter sempre indisciplina e barulho nas aulas tiveram menos 17 pontos na avaliação à Leitura, em relação aos que não se queixam desses problemas. Por outro lado, os alunos portugueses faltam mais e chegam mais vezes atrasados às aulas do que a média da OCDE. E 28% dos alunos faltaram um dia às aulas e 50% chegaram tarde à escola nas duas semanas que antecederam o PISA (na OCDE foram 21% e 48%, respetivamente).  
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Na Leitura, Portugal obteve a pontuação média de 492 pontos (5 pontos acima da média da OCDE, de 487 pontos), menos 6 pontos da média nacional de 2015, mas acima das médias de 2000 e 2009. Entre 2000 e 2018, considerando a variação média em ciclos de 3 anos, Portugal foi dos países que apresentaram evolução positiva e significativa em literacia de leitura, ou seja, de mais 4,3 pontos, acima da variação média da OCDE, que foi de 0,4 pontos. Perto de 80% dos nossos alunos atingiram, pelo menos, o nível 2 de proficiência em leitura, enquanto na OCDE essa percentagem ficou nos 77%. Neste nível, os alunos conseguem identificar a ideia principal de um texto moderadamente longo, localizar informação mediante critérios explícitos embora complexos, compreender relações ou atribuir significado a uma parte específica de um texto, fazendo inferências simples, refletir sobre a finalidade e a forma dos textos, mediante indicações explícitas. Cerca de 7% dos alunos nossos atingiram os níveis superiores da escala de proficiência em leitura, os níveis 5 e 6. Na OCDE esta média sobe para 9%. Nestes níveis, os alunos conseguem compreender textos de leitura demorada, lidar com conceitos abstratos ou contraintuitivos e distinguir factos de opiniões baseados em dados que dizem respeito ao conteúdo ou à fonte de informação.
Nas subescalas que avaliam a Leitura, Portugal obteve melhores desempenhos em “Avaliar e Refletir”, com 494 pontos, mais que nos processos cognitivos que implicam “Localizar Informação” com 489 pontos e “Compreender”, com 489 pontos, seguindo a tendência internacional. A pontuação média obtida por Portugal, em qualquer uma das subescalas da Leitura, corresponde a uma proficiência de nível 3, o que significa que os alunos conseguem localizar vários elementos de informação que obedecem a várias condições e, em alguns casos, conseguem identificar relações entre esses elementos. Ainda no processo “Compreender”, “os alunos conseguem integrar várias partes de um texto para identificar uma ideia principal, compreender relações ou atribuir significado a uma palavra ou a uma frase”. Nas tarefas que implicam “Avaliar e Refletir” conseguem estabelecer relações, fazer comparações, produzir explicações e avaliar um aspeto particular de um texto.
As raparigas obtiveram melhores desempenhos que os rapazes em Leitura, à semelhança do que se tem verificado. As raparigas obtiveram, em média, 24 pontos acima da pontuação média alcançada pelos rapazes, ou seja, 504 pontos versus 480 pontos. A diferença é menor que a de 2009 e semelhante à de 2000. Assim, lê-se no relatório nacional:
Portugal seguiu a tendência internacional, embora a diferença de pontuação entre rapazes e raparigas portugueses seja menor do que a observada para a maioria dos países/economias”.
Na Leitura, China, Singapura, Macau e Hong Kong (no continente asiático) tiveram os resultados mais altos (pontuações superiores a 520 pontos). A pontuação de Portugal não é muito diferente da pontuação alcançada pela Alemanha (498 pontos), Eslovénia (495 pontos), Bélgica (493 pontos), França (493 pontos), República Checa (490 pontos) e Holanda (485 pontos).
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Os alunos portugueses obtiveram uma média de 492 pontos em literacia matemática (3 pontos acima da média da OCDE), os mesmos que foram alcançados em Leitura. Em Matemática, verifica-se um aumento de 26 pontos relativamente a 2003 e de 5 pontos relativamente a 2012. Entre o ciclo de 2015 e o de 2018, a pontuação média em Matemática não se alterou significativamente, a subida foi de mais 0,9 pontos. China, Singapura, Macau, Hong Kong e Taipé Chinês obtiveram os melhores resultados do PISA, todos acima dos 500 pontos. China com o melhor desempenho atingiu 591 pontos, mais 99 do que Portugal.
Entre 2003 e 2018, há um crescimento de 6 pontos e, no mesmo período, a OCDE registou uma tendência negativa evidenciando um ligeiro decréscimo, de menos 0,6 pontos. Cerca de 12% dos nossos alunos alcançaram os níveis superiores da escala de proficiência em matemática (resultado superior ao verificado em 2003 e em 2012 e semelhante à média da OCDE, de 11%). Nos níveis 5 e 6 da escala de proficiência, os alunos conseguem modelar matematicamente situações complexas e selecionar, comparar e avaliar estratégias adequadas para resolver problemas. Atingiram pelo menos o nível 2 de proficiência em matemática 77% dos alunos, percentagem semelhante à média da OCDE, de 76%. Neste nível, os estudantes conseguem interpretar e reconhecer, sem instruções diretas, como se pode representar matematicamente uma situação simples. Por cá, os rapazes obtiveram mais 9 pontos que as raparigas (497 para os rapazes, 488 para as raparigas).
Os rapazes revelaram níveis de proficiência superiores em todos os ciclos PISA em que a Matemática foi domínio principal (2003 e 2012), embora a diferença tenha diminuído em 2018. Ainda assim, foi superior à diferença verificada no conjunto de países da OCDE (492 vs. 487 – 5 pontos favoráveis aos rapazes).” – lê-se no relatório.
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Em Ciências, Portugal obteve 492 pontos na avaliação (3 pontos acima da média da OCDE), mas há quebra de 9 pontos em relação aos resultados divulgados em 2015, embora essa tendência decrescente seja generalizada. Apesar disso, quando se analisa a variação média em ciclos de 3 anos, Portugal é dos 13 países que apresenta uma variação positiva e significativa de mais 4,3 pontos na avaliação das Ciências. À semelhança do verificado na avaliação da Leitura, China, Singapura e Macau são os três países com melhor desempenho. Mas 80% dos nossos alunos atingiram pelo menos o nível 2 de proficiência (percentagem ligeiramente superior à média dos países da OCDE, de 78%). Neste nível, os alunos são capazes de utilizar conhecimentos do dia a dia acerca de conhecimentos e procedimentos elementares para identificar uma explicação científica apropriada, interpretar dados e identificar a questão investigada num delineamento experimental simples. Nos níveis de desempenho que exigem o domínio de tarefas de maior complexidade, níveis 5 e 6, os resultados de Portugal são inferiores aos da média da OCDE. Apenas 6% dos nossos alunos conseguiram atingir, pelo menos, 633 pontos na escala das ciências enquanto, em média, no conjunto dos países da OCDE foram 7%. Nestes níveis de proficiência, os alunos conseguem, por exemplo, aplicar o seu conhecimento de ciências e sobre ciências de forma autónoma e criativa a uma grande variedade de situações, mesmo as menos familiares.
Os rapazes tiveram melhor desempenho em Ciências que as raparigas, embora não seja significativa a diferença (494 pontos para 489 pontos). A tendência é comum aos resultados nacionais em ciclos anteriores, mas não aos resultados da OCDE. Os resultados médios da OCDE, em função do género, mostram diferenças menos acentuadas que as verificadas em Portugal e sobretudo favoráveis às raparigas em 2018.
No conjunto dos nossos alunos com melhores desempenhos, um em cada 2 rapazes pensa desenvolver profissão na área das ciências e das engenharias, enquanto uma em cada 7 raparigas pensa fazê-lo. Ou seja, 48% dos rapazes e 15% das raparigas (resultados significativamente diferentes dos do conjunto dos países da OCDE, com uma média de 25% dos rapazes e 14% das raparigas). Na área da Saúde, a tendência inverte-se com a preferência de 47% das raparigas e 15% dos rapazes.
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O relatório internacional apresenta Portugal como uma das 7 economias, entre 79 analisadas, onde, no PISA, os resultados foram de progresso consistente nos três domínios avaliados. Além de Portugal, apenas Albânia, Colômbia, Macau (China), República da Moldávia, Peru e Qatar o conseguiram. Para Brandão Rodrigues, há um caminho a percorrer e muito a fazer, pelo que diz:
E porque precisamos de fazer mais dentro e fora da escola, resgatámos a centralidade do Programa Ciência Viva e do Plano Nacional de Leitura. Precisamos fazer ainda mais e melhor na equidade, pois o estatuto económico dos pais ainda é prescritor de sucesso escolar maior em Portugal do que noutros países.”.
Os resultados dos alunos de origem socioeconómica mais favorecida ficam 95 pontos acima dos mais desfavorecidos (diferencial superior à média da OCDE, de 89 pontos). Entre os alunos com desempenho de topo na Leitura, 16% são de classes mais altas e 2% de origem desfavorecida.
É preciso “um trabalho mais profundo” e analisar a fundo as nossas fragilidades e minorá-las. Não vale a pena tapar o sol com a peneira. O PNPSE, a educação inclusiva e a flexibilização curricular não resultarão (a não ser para fins estatísticos), se não se angular 180º a melhoria em disciplina, autoridade dos professores, moderação do hipercriticismo dos encarregados de educação e na otimização das condições de democracia na gestão e funcionamento da escola.
2019.12.11 – Louro de Carvalho

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