quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Uma Igreja que se coloca à escuta buscando respostas


É um bom ponto de partida para ensinar esta postura que se respira, quer na aula sinodal, quer nos seus bastidores. Presente na Sala de Imprensa da Santa Sé no briefing do dia 8, o auditor Thomas Leoncini (de 33 anos), escritor, estudioso de modelos psicológicos e sociais, expressou satisfação pelo encontro sinodal, que manifesta a vontade de escuta da Igreja, não se limitando à “simples tomada de consciência”, mas buscando “respostas radicais”, pois, como referiu, o Sínodo não se dirige somente aos jovens católicos, mas também aos ateus, agnósticos”, a todos “aqueles jovens que buscam uma esperança e um futuro” nestas sociedades “líquidas”.
No mesmo briefing Dom Charles Scicluna, Padre sinodal e Arcebispo metropolitano de Malta, destacou os temas que surgiram até então durante o Sínodo: a solidariedade entre as gerações, a contribuição das mulheres na missão da Igreja, a questão das migrações e da sexualidade, bem como a da santidade. E, assegurando que “sem justiça não se pode viver”, apontou que, no caso dos abusos, “buscar a verdade é essencial”.
Respondendo aos jornalistas credenciados, o prelado disse que o escândalo dos abusos sexuais, que figura no parágrafo 66 do  “Instrumentum laboris (Instrumento de trabalho) é fonte de “vergonha”, sobretudo porque “a maior parte das vítimas é constituída de jovens, com feridas infligidas por quem deveria curá-las” e que é preciso elevar o “nível de responsabilidade”. Porém, advertiu que a “justiça não deve tomar para si um tempo exagerado” e que o Papa sofre com esta morosidade, embora consciente do tempo necessário da “jurisdição civil”. E insistiu, atendendo à fraqueza humana, no facto de que “todos precisamos de misericórdia”, mas que “a misericórdia é vazia se não respeita a verdade e a justiça”.
Evocando o encontro realizado no Vaticano entre os dias 21 a 24 de fevereiro de 2019, para discutir a proteção dos menores e a prevenção aos abusos, disse da importância de ir à “raiz” do problema, sendo que o “ministério deve ser um serviço e não um abuso de poder”. Por fim, recordou aqueles muitos sacerdotes “santos” que trabalham e “confiam no Senhor”, frisando que “a santidade é o encontro entre a fraqueza do homem e a misericórdia de Deus”.
Durante o briefing o Padre sinodal e Bispo auxiliar de Lyon, Dom Emmanuel Gobilliard, tendo presente também os temas que surgiram até então durante o Sínodo, declarou que “todo o jovem é chamado à felicidade, à santidade, ao encontro com Cristo”. E, recordando as recomendações de Francisco aos bispos, afirmou que o ser humano “deve ser acolhido em sua complexidade e não encerrado numa simples identidade”, ou seja, deve “ser substantivo e não adjetivo”.
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Por sua vez, o Cardeal Dom Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo, deu entrevista sobre a 1.ª fase da Assembleia que se concluiu no dia 9, em que afirmou: “queremos dar espaço suficiente aos jovens, seja na Igreja, seja na sociedade e no mundo da política e da economia”.
As três fases do Sínodo correspondem às partes do Instrumentum Laboris, a referência da Assembleia por conter a síntese de testemunhos, reflexões e demandas provenientes de diferentes partes do mundo. A 1.ª parte do Documento de Trabalho foi de reconhecimento, com a Igreja “escutando” a realidade, como explica o Cardeal Baldisseri:
Este é o momento em que os Padres apresentam os relatórios ao público, porque já estão efetivamente publicados a todos os círculos menores, entre os grupos de trabalho. E já temos uma ideia de como os Padres são concernentes e profundamente incluídos no assunto que estamos trabalhando, através dos modos e emendas do texto-base, do Instrumentum Laboris, muito importantes e eficazes.”.
A 2.ª fase de interpretação, como esclareceu Dom Baldisseri, será feita por uma comissão de integração do Instrumentum Laboris, inicialmente de caráter provisório, mas fundamentalmente para ver como os Padres Sinodais interpretam o texto-base, pois todos os procedimentos do Sínodo estão regulamentados com vista a facilitar os debates e a troca de opiniões, de modo que emerja a voz das Igrejas espalhadas pelo mundo ao refletir a atual realidade juvenil. E vincou:
Estamos dentro deste grande tema que é global e não como uma forma, mas uma indicação substancial da realidade de hoje em que os jovens, infelizmente, não têm espaço. Nós queremos dar espaço suficiente seja na Igreja, seja na sociedade e no mundo da política e da economia. Esses jovens, como consequência, não veem um futuro. E nós queremos dar-lhes esperança.”.
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Nos círculos menores, evidencia-se a ideia dos jovens como sismógrafo da realidade e protagonistas da Igreja, dizendo os Padres sinodais, em nome da necessidade de uma Igreja empática, em diálogo, que “os jovens devem ser valorizados”. E desenvolvem:
A sua participação ativa na vida eclesial deve ser promovida e relançada, o seu compromisso deve ser bem aproveitado numa perspetiva de verdadeira sinodalidade, para que sejam protagonistas, com responsabilidade, de processos e não de eventos individuais. Deste modo, eles serão evangelizadores de seus coetâneos.”.
Em 14 sínteses, 6 línguas e um tema, “a escuta”, se articula o trabalho dos Círculos Menores centrado na 1.ª parte do Instrumentum Laboris a afirmar a necessidade duma Igreja empática, em diálogo, que evite autorreferencialidade e preconceitos e evidencie pontos sobre a credibilidade do testemunho. Com efeito, sendo “sismógrafo da realidade, os jovens são Igreja”, como reitera o Sínodo. Por isso, é preciso oferecer-lhes com alegria as razões para viver e esperar, evitando moralismos e mostrando que a vida é a resposta à vocação que Deus dá a cada um de nós, pois, “no fundo, a vida é bonita porque tem sentido” e, sendo os jovens capazes de tomar decisões, “é preciso ajudá-los a tomar decisões a longo prazo”.
Os Círculos menores detêm-se detalhadamente sobre o tema da cultura digital, rica de luz, mas também de sombras, como aumento do sentimento de solidão, risco duma atitude compulsiva para com a “cultura da tela”, duma “demência digital” que implica a incapacidade de concentração e compreensão de textos complexos, duma “migração virtual” que leva os jovens para um mundo próprio, às vezes fruto da invenção. Aí, a presença da Igreja é essencial para os acompanhar, advertindo-os que a internet deve ser usada, mas sem que sejam usados, e sendo de recordar que muitos jovens “não conectados” vivem em áreas rurais sem internet.
Também o tema dos abusos também foi examinado pelos 14 Círculos menores como escândalo que ameaça a credibilidade da Igreja e deve ser abordado de forma profunda, reconquistando a confiança dos fiéis, sem se esquecer o que já foi feito pela Igreja para combater e prevenir esse crime e evitar outras faltas catastróficas. É importante ajudar os sobreviventes dos abusos a encontrar o caminho do perdão e da reconciliação. Por outro lado, sublinha-se a necessidade duma articulação melhor da questão da sexualidade, que deve ser enfrentada com clareza e humanidade, sem negligenciar a linguagem teológica.
O olhar da Sala Sinodal dirige-se ao tema da migração (que afeta  muitos jovens) como o paradigma do interesse que os jovens dedicam ao compromisso da Igreja no campo da justiça e da política, pelo que urge uma pastoral adequada ao setor e um envolvimento conjunto das Conferências Episcopais afetadas diretamente por esse fenómeno. Daí se infere a necessidade de defender a causa do migrante internacionalmente criando canais de legalidade e segurança e a importância de promover oportunidades nos países de proveniência e nos de acolhimento, não devendo ser esquecidas as pessoas deslocadas e os migrantes internos, bem como os perseguidos e martirizados em muitas áreas do mundo.
Os Padres sinodais enfrentam o tema da formação e da educação – sólida, interdisciplinar e integral. E, evocando a relevância das escolas e universidades católicas, que devem ser valorizadas e não instrumentalizadas, para que possam formar os jovens na fé e na vida cristã, reiteram que o ensino é uma das principais tarefas da Igreja e que, muitas vezes, ante fenómenos como o fundamentalismo e a intolerância, a resposta melhor está na promoção duma educação para o respeito e para o diálogo inter-religioso e ecuménico. A formação passa também através do desafio duma pastoral familiar adequada que ajude na transmissão da fé entre as várias gerações, pois, atualmente, segundo os participantes no Sínodo, “a família está a passar por uma fase de crise, devido à sua desestruturação e ao enfraquecimento da figura paterna”. Os adultos, em geral, muito jovens e individualistas, não ajudaram a perceção da Boa Nova entre os adolescentes. Ora, é responsabilidade de todo fiel acompanhar os jovens ao encontro pessoal com Jesus, porque a juventude se constrói com base no que recebe na família. Por isso, a Igreja, “família de famílias”, deve oferecer-lhes uma verdadeira experiência familiar, na qual se sintam acolhidos, amados, cuidados e acompanhados em seu crescimento, desenvolvimento integral e realização de seus sonhos e esperanças. E, como afirma o Sínodo, a formação correta também diz respeito aos pastores. Na verdade, é necessário um novo estilo de vida sacerdotal e são necessários bispos que saibam acompanhar de forma competente os jovens, porque parecem faltar, no momento, estratégias pastorais eficazes, capazes de se confrontar com o secularismo e com a globalização, que apresenta oportunidades para conciliar modernidade e tradição. No fundo, a Igreja, mãe e mestra, deve ser escola de ensino para cada jovem, superando a falta de sintonia entre ela e os adolescentes.
Além disso, de vários Círculos surge a proposta de que do Sínodo saia uma mensagem aos jovens e que tenha um estilo narrativo adequado para lhes transmitir a esperança cristã com palavras proféticas que relatam o olhar de Deus sobre a juventude. Nesta ótica, é também sugerido o uso de multimédia, a fim de se dirigir aos jovens não apenas com um texto escrito, mas também com vídeos e imagens.
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Também o Cardeal Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, sublinhando que “a dinamicidade dos jovens é riqueza para a Igreja”, afirmou, aos microfones de Rádio Vaticano, Itália, numa pausa dos trabalhos desta XV Assembleia Geral ordinária:
É importante que o mundo inteiro, não somente a Igreja, mas também por exemplo a política, considere com atenção a questão sobre que mundo estamos a deixar aos nossos jovens. Como diz o Papa, os jovens não devem deixar-se aprisionar, devem permanecer livres, em busca, seguir adiante.”.
Prosseguindo, disse:
Faço votos para que deste Sínodo saia uma imagem do mundo juvenil como mundo de busca, sempre predisposto à abertura espiritual, interior, psicológica e moral. Jovens abertos às novidades que não se contentam com realidades predefinidas e que se tornarão adultos conscientes e responsáveis.”.
Considerando a índole da juventude, afirmou:
Os jovens não são uma categoria estática: há uma dinamicidade, porque quem é jovem move-se, no espaço de poucos anos torna-se maduro e carrega consigo esta riqueza. Esta dinâmica da abertura é um grande valor e, se o Sínodo conseguir valorizá-la, já será um grande fruto.”.
Tendo em conta que os jovens como “realidade dinâmica” indubitavelmente “obrigam a Igreja a repensar-se a si mesma” e não tendo nós fórmulas que valham para todos, questionou-se de qual juventude falamos. Com efeito, “se falamos da fase entre os 14 os 16 anos, estamos a falar de adolescentes” – uma “fase muito diferente da fase da juventude propriamente dita, entre os 25 e 28 anos”, mas “depois há uma fase intermédia”. E inferiu:
Em suma, não se pode falar genericamente de jovens, caso contrário corre-se o risco de dizer coisas que são corretas para uma faixa de idade e não para outra. Por exemplo, no campo da formação.”.
Admitindo que aos 29 anos um jovem já recebeu a formação e está à procura de trabalho, enquanto aos 16 ainda está em processo de busca ou desorientado, entende que não se podem considerar os jovens “como uma realidade compacta,” mas que se devem “compreender as várias exigências”. Assim, não é a mesma coisa falar sobre os jovens da África, da Ásia ou da Europa. É falar de quase dois biliões de pessoas. E, prosseguindo, disse
Os expoentes das Conferências Episcopais que se pronunciaram no Sínodo trouxeram diferentes experiências. Temos jovens como os do contexto africano que participam muito na vida da Igreja. Em outros contextos, ao invés, esta realidade é muito mais problemática.”.
Depois, no quadro do realismo que lhe assiste, verificou:
O mundo juvenil sempre teve dificuldade em se integrar na Igreja ou em responder de modo completo. Tivemos respostas extraordinárias em muitos casos, em muitos grupos […]. Mas o mundo juvenil, por si, é sempre uma realidade que tende a distanciar-se. Distancia-se da família, da sociedade tradicional, distancia-se também da Igreja. Pensar que o afastar-se, o distanciamento espontâneo dos jovens seja uma realidade somente eclesiológica é, a meu ver, equivocado.”.
Entendendo a realidade psicossocial do afastamento juvenil, concluiu:
É o próprio jovem que, em seu processo de busca, se questiona sobre como estar dentro da Igreja, sobre como ser Igreja. São fases típicas da busca juvenil que depois, por vezes, retornam em períodos sucessivos da maturidade, até mesmo muito mais lá adiante. O entusiasmo juvenil, talvez momentaneamente adormecido, muitas vezes retorna com uma maturidade e sabedoria inesperadas.”.
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E, no âmbito concreto da lusofonia, são de destacar as seguintes posições:
Dom Gilson Andrade da Silva, Bispo coadjutor de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro), falando da interação lusófona nos círculos menores a demonstrar a pluralidade da juventude, frisou:
Isso favorece uma amplidão de vista sobre a situação, um olhar maior sobre a realidade. O bonito também é perceber que entre todos os bispos, naquele grupo de língua portuguesa existe uma paixão comum, que é a paixão pela evangelização da juventude.”.
E Dom Gabriel MBILINGI, Arcebispo do Lubango, em Angola, e Presidente do Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madágascar (SECAM), em entrevista ao Vatican News, referiu o contributo específico dos jovens do continente africano para este Sínodo e para o futuro da Igreja em geral, falando duma Igreja jovem e viva, Igreja fundamentalmente formada por jovens que carateriza a África, apesar dos diferentes contextos, “uma Igreja, enfim, em que os jovens participam na vida da Igreja, apesar das dificuldades por que passam”.
E, sobre o Sínodo, acentuou o seu caráter “fundamentalmente de escuta e em que os jovens são protagonistas” e cuja metodologia se distingue dos anteriores pela presença de jovens (mais de trinta, de todos os Continentes) nas Congregações gerais. Salientou que, “depois de cada cinco intervenções, o Papa introduziu um momento de silêncio para os Padres Sinodais interiorizarem o que acabam de ouvir”, configurando assim um convite à renovação da própria Igreja e uma chamada à conversão dos Padres Sinodais, para lá dos próprios jovens.
E evocou a sessão de encontro e festa com os jovens no sábado no dia 6 de outubro em que, além de testemunhos comoventes, os jovens apresentaram questões ao Santo Padre e aos Padres Sinodais, que serão integradas nos trabalhos dos círculos menores.
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Um Sínodo multicolor realista, mas carregado de esperança!
2018.10.10 – Louro de Carvalho

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