quinta-feira, 4 de outubro de 2018

A experiência política não é tudo, mas origina maior responsabilização


Foi recentemente (aliás no dia 29 de setembro) inaugurado o ‘campus’ de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa. E, na cerimónia de inauguração, encerrada com um discurso do Presidente da República, marcou presença o ex-Presidente da República Cavaco Silva, que deixou o local minutos antes de o atual chefe de Estado discursar.
O motivo fornecido invocado pelo ex-Presidente foi um evento familiar – a festa de aniversário do neto e o batizado dum sobrinho – a que não podia faltar, já que “estavam todos” à sua espera.
Cavaco Silva estava sentado desde as 18,30 horas, numa das pontas da primeira fila, uma vez que planeava sair antes do fim da cerimónia. Mas, menos de dez minutos depois da entrada do Chefe de Estado, deixou o local e, à saída, questionado pelos jornalistas se iria sair sem ouvir Marcelo Rebelo de Sousa, justificou: Vou para uma festa familiar a que não posso faltar”. Já avisei a organização de que tenho de sair mais cedo porque estão todos à minha espera para uma festa do meu neto, que faz anos, e para o batizado do meu sobrinho”, disse à RTP ao ser-lhe perguntado se havia algum desconforto depois de Marcelo ter dito que não comentava as declarações do antecessor por uma questão “ de cortesia e sentido de Estado”.
Obviamente que a invocação de tal circunstância de família não convenceu ninguém, uma vez que um político – e Cavaco, apesar de algumas vezes ter declarado que não é político, é o político com maior longevidade na vida política ativa – sabe congraçar a vida pública com a vida familiar, a não ser em circunstâncias de vida ou de morte. Por exemplo, Manuela Ferreira Leite estava disposta a ir a Londres ao nascimento dum neto, mesmo à custa da interrupção da campanha eleitoral partidária às eleições legislativas quando era a líder partidária; e António Guterres desmarcou a sua agenda política aquando da morte da primeira esposa.
Agora estava muito fresca a memória das críticas do ex-Chefe de Estado à decisão presidencial sobre proposta governamental da nomeação da nova Procuradora-Geral, Lucília Gago, com efeitos a partir de 12 de outubro, e da não recondução da atual, Joana Marques Vidal (que sairá no fim do mandato), espelhada em palavras como um facto “estranho, muito estranho, estranhíssimo”, sendo até “a decisão mais estranha do Governo que geralmente é conhecido como gerigonça”.
A isto Marcelo, que percebeu a tentativa de colagem à maioria governamental que apoia este Governo, assumiu publicamente a total e exclusiva responsabilidade da decisão da nomeação, vincando expressamente que, nos termos da Constituição e da Lei, é o Presidente quem nomeia. E relegou para o âmbito da omissão o facto de a proposta partir necessariamente do Governo.
***
Cavaco não esperou para ouvir Marcelo discursar na inauguração do ‘campus’ de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa, mas o Presidente, que chegou pelas 19,15 horas, 15 minutos antes da hora prevista, fez questão de ir cumprimentar o seu antecessor. Mas não se ficaria por aqui. Mesmo sem o ex-Chefe de Estado na sala, Marcelo optou por responder à ausência com elogios. No discurso, no fim do qual condecorou a Nova Business School (NBE), elogiou o ex-Presidente, que foi o primeiro Chefe de Estado em Portugal com formação aprofundada na área da economia, assim como foi “o mais duradouro Primeiro-Ministro de Portugal”.
***
Ora, Cavaco Silva, segundo explicou à RTP, tinha deveres familiares a que não podia faltar. Contudo, quis deixar claro que, apesar de estar mais afastado da política, a sua vasta experiência de Presidente (durante 10 anos), Primeiro-Ministro (durante 10 anos – X, XI e XII Governos Constitucionais) e Ministro das Finanças (durante um ano, no VI Governo Constitucional, liderado por Sá Carneiro) fazem-no “saber muito bem o que se passa na política”. Tanto que, para isso (para saber bem “o que se passa no mundo da política”), nem precisa de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa.
Na verdade, em declarações à RTP antes da cerimónia de inauguração e questionado sobre esta troca de palavras, invocou a sua experiência política, sem dar uma resposta direta, mas dizendo:
Eu tenho uma experiência de dez anos de Primeiro-Ministro e dez anos de Presidente da República e também um ano de Ministro das Finanças. Sei bem aquilo que se passa no mundo da política. Mas, evito fazer comentários e raramente os faço..
Cavaco fizera as susoditas críticas à margem dum congresso da APDC (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações) classificando a não recondução de Joana Marques Vidal como algo “muito estranho, estranhíssimo, tendo em atenção a forma competente como exerceu as suas funções e o seu contributo decisivo para a credibilização do Ministério Público”. Um dia depois, Marcelo respondeu ao antecessor e salientou que é ao Presidente da República e não ao Governo que incumbe nomear a PGR, dizendo que por uma questão de cortesia e de sentido de Estado” não comentaria as palavras do antecessor. Foi nestes termos que se expressou, à margem da IV Cimeira do Turismo, organizada pela Confederação do Turismo de Portugal:
O que me está a dizer é que o Presidente Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato. Perante isso, tenho sempre o mesmo comportamento: entendo que, desde que exerço estas funções, não devo comentar nem ex-Presidentes, nem amanhã quando o deixar de o ser, futuros Presidentes, por uma questão de cortesia e de sentido de Estado, e não me vou afastar dessa orientação.”.
***
Na cerimónia de inauguração do novo ‘campus’ da Universidade Nova de Lisboa, onde ficará instalada a sua Faculdade de Economia, marcaram presença os ministros da Economia, Manuel Caldeira Cabral, e o do Ensino Superior, Manuel Heitor, o ex-Presidente da República Cavaco Silva, já referido, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, e o seu antecessor, Paulo Portas.
E os ex-ministros Miguel Poiares Maduro (PSD), Luís Amado (PS), Maria de Belém Roseira (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP), o presidente da EDP António Mexia e o presidente e vice-presidentes da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, e Miguel Pinto Luz, bem como a conselheira de Estado Leonor Beleza foram algumas das muitas figuras do mundo político, académico e económico que marcaram presença em Carcavelos.
O Presidente da República condecorou a NSBE com o título de membro honorário da Ordem da Instrução Pública e fez questão de destacar um dos seus “mestres”, Aníbal Cavaco Silva.
Marcelo Rebelo de Sousa, na sua intervenção, que encerrou a longa cerimónia de inauguração do novo ‘campus’, destacou aquela Faculdade de Economia como “a escola mais exigente e mais rigorosa” que conheceu na sua carreira académica. Frisou como positiva a ligação ao mar deste novo ‘campus’, situado em frente à praia de Carcavelos, e confessou que, no início, ouviu quem tivesse reticências sobre a localização “heterodoxa” da instituição. E Gracejou:
Até ouvi dizer que podia haver o risco de rapidamente se transformar numa escola de surf, o que a mim não me complexava nada, sempre compatibilizei a academia com o surf e o body board”.
Elogiando os mecenas e fundadores da NSBE, Marcelo deixou uma palavra especial a um deles, Alexandre Soares dos Santos, bem como aos dois Governos que apoiaram a obra – o atual do PS e o anterior executivo PSD/CDS-PP –, e ao Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras. “É verdade que tem uma grande equipa, mas uma grande equipa só é grande porque tem um grande líder”. No final, anunciando a condecoração da NSBE, saudou a sua capacidade “de sonhar e construir o futuro”. E, enaltecendo a qualidade dos que fizeram o nome desta instituição, que classificou como “uma grande escola, pioneira em tantos lances científicos, pedagógicos, nacionais e internacionais”, desafiou:
Que o digam todos quantos fizeram a sua história, com natural relevo para Alfredo Sousa, e os que a viveram intensamente, como tantos antigos e atuais mestres aqui presentes, em particular o primeiro Presidente da República de Portugal economista e o mais duradouro Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva.
***
No final da cerimónia, questionado pelos jornalistas se estranhou a saída de Cavaco Silva da cerimónia de inauguração antes do seu discurso, desvalorizou essa ausência e vincou: “Mas cumprimentámo-nos, tinha um compromisso familiar e tinha dito que teria de sair, mas eu entrei a tempo de estar com ele. Salientando que a relação com o antecessor “está ótima” – “falámo-nos, como sempre, muito bem” –, o Chefe de Estado escusou-se a fazer mais comentários sobre as palavras de Cavaco em relação à não recondução da atual Procuradora-Geral da República. “Não tenho mais nada a dizer sobre isso”, afirmou, questionado se as críticas de Cavaco ao processo de nomeação revelaram falta de sentido de Estado.
Sobre a referência a Cavaco Silva no seu discurso na inauguração do novo ‘campus’ da Nova, o Presidente da República considerou-a “uma questão de justiça”. E destacou:
Há um fundador, Alfredo de Sousa, mas depois há os patriarcas, aqueles que estão desde o início. Eu, não os podendo cumprimentar a todos, cumprimentei o mais importante. E merecia porque fez muito por esta escola.”.
***
No atinente à experiência, começo por dizer que Marcelo, não tendo grande experiência governativa, concorde-se ou discorde-se, tenta intervir pela palavra e atitude em todos os domínios do poder político e habitualmente sabe do que fala levando consigo muitos decisores a agir em consonância com ele, tantas vezes invocando o que disse ou escreveu outrora.
Outros, com ainda menos experiência política, desempenharam cargos políticos de relevo. Vejam-se os casos dos ex-Presidentes Ramalho Eanes e Jorge Sampaio ou dos ex-Primeiros-Ministros António Guterres e Passos Coelho. E, se os Presidentes, Chefes de Governo e Ministros do pós-25 de Abril erraram, não foi por falta de experiência, mas pela sua ambição revolucionária, pelo exílio ou fuga de cérebros e de capitais (Até o General Galvão de Melo entendia que a Banca devia ter sido nacionalizada de imediato!), pela contínua dança de cadeiras governativas e pela necessária integração de mais meio milhão de regressados das ex-colónias.
Ademais, quando se assume um cargo pela 1.ª vez, não se tem qualquer experiência pessoal do cargo. Vale-nos a formação, a experiência alheia, a humildade em aprender, nomeadamente através do recrutamento de colaboradores competentes (e não apenas amigos), e o empenho pessoal no exercício.
É óbvio que a formação académica e a formação contínua são cada vez mais necessárias (não pode hoje vir um CEO gabar-se de que não precisa da licenciatura, armado com a experiência), mas são insuficientes. Por outro lado, a experiência, que é a mestra da vida e da ação, também é insuficiente, podendo até, se não for lúcida, deixar aninhar vícios de difícil correção.   
Por fim, a formação e sobretudo a experiência que sejam fonte de informação privilegiada, criam responsabilidades acrescidas a que dificilmente os titulares de cargos se podem eximir. E, se vi, por exemplo, Guterres a assumir publicamente a responsabilidade por determinados erros, também seria bom que, por exemplo, Cavaco Silva, Sócrates e Passos Coelho, além de muitos que foram Ministros das Finanças e/ou da áreas económicas se chegassem à frente na responsabilização pelo estado a que isto chegou. O povo o merece!
2018.10.03 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário