Foi recentemente (aliás no dia 29 de setembro) inaugurado o ‘campus’ de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa. E, na cerimónia de
inauguração, encerrada com um discurso do Presidente da República, marcou
presença o ex-Presidente da República Cavaco Silva, que deixou o local minutos
antes de o atual chefe de Estado discursar.
O motivo
fornecido invocado pelo ex-Presidente foi um evento familiar – a festa de aniversário
do neto e o batizado dum sobrinho – a que não podia faltar, já que “estavam
todos” à sua espera.
Cavaco Silva
estava sentado desde as 18,30 horas, numa das pontas da primeira fila, uma vez
que planeava sair antes do fim da cerimónia. Mas, menos de dez minutos depois da entrada do Chefe de
Estado, deixou o local e, à saída, questionado pelos jornalistas se iria
sair sem ouvir Marcelo Rebelo de Sousa, justificou: “Vou
para uma festa familiar a que não posso faltar”. Já avisei a
organização de que tenho de sair mais cedo porque estão todos à minha
espera para uma festa do meu neto, que faz anos, e para o batizado do meu
sobrinho”, disse à RTP ao ser-lhe perguntado se havia algum desconforto depois
de Marcelo ter dito que não comentava as declarações do antecessor por uma
questão “ de cortesia e sentido de Estado”.
Obviamente que a invocação de tal circunstância
de família não convenceu ninguém, uma vez que um político – e Cavaco, apesar de
algumas vezes ter declarado que não é político, é o político com maior
longevidade na vida política ativa – sabe congraçar a vida pública com a vida
familiar, a não ser em circunstâncias de vida ou de morte. Por exemplo, Manuela
Ferreira Leite estava disposta a ir a Londres ao nascimento dum neto, mesmo à
custa da interrupção da campanha eleitoral partidária às eleições legislativas
quando era a líder partidária; e António Guterres desmarcou a sua agenda
política aquando da morte da primeira esposa.
Agora estava muito fresca a memória das críticas
do ex-Chefe de Estado à decisão presidencial sobre proposta governamental da
nomeação da nova Procuradora-Geral, Lucília Gago, com efeitos a partir de 12 de outubro, e da não recondução
da atual, Joana Marques Vidal (que sairá no fim do mandato), espelhada em palavras como um facto “estranho,
muito estranho, estranhíssimo”, sendo até “a decisão mais estranha do Governo que geralmente é conhecido como
gerigonça”.
A isto Marcelo, que percebeu a tentativa de
colagem à maioria governamental que apoia este Governo, assumiu publicamente a
total e exclusiva responsabilidade da decisão da nomeação, vincando
expressamente que, nos termos da Constituição e da Lei, é o Presidente quem
nomeia. E relegou para o âmbito da omissão o facto de a proposta partir
necessariamente do Governo.
***
Cavaco não
esperou para ouvir Marcelo discursar na inauguração do ‘campus’ de Carcavelos da
Universidade Nova de Lisboa, mas o Presidente, que chegou pelas 19,15 horas, 15
minutos antes da hora prevista, fez questão de ir cumprimentar o seu antecessor.
Mas não se ficaria por aqui. Mesmo sem o ex-Chefe de Estado na sala, Marcelo optou por responder à ausência com elogios.
No discurso, no fim do qual condecorou a Nova
Business School (NBE), elogiou o
ex-Presidente, que foi o primeiro Chefe de Estado em Portugal com formação
aprofundada na área da economia, assim como foi “o mais duradouro Primeiro-Ministro
de Portugal”.
***
Ora, Cavaco
Silva, segundo explicou à RTP, tinha deveres familiares a que não podia faltar.
Contudo, quis deixar claro que, apesar de estar mais afastado da política, a
sua vasta experiência de Presidente (durante 10 anos), Primeiro-Ministro (durante 10 anos – X, XI e XII
Governos Constitucionais) e Ministro
das Finanças (durante um ano, no VI Governo Constitucional, liderado por Sá Carneiro) fazem-no “saber muito bem o que se passa na
política”. Tanto que, para isso (para saber bem “o que se passa no mundo da política”), nem precisa de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa.
Na verdade,
em declarações à RTP antes da cerimónia de inauguração e questionado sobre esta
troca de palavras, invocou a sua
experiência política, sem dar uma resposta direta, mas dizendo:
“Eu tenho uma experiência de dez anos
de Primeiro-Ministro e dez anos de Presidente da República e também um ano de
Ministro das Finanças. Sei bem
aquilo que se passa no mundo da política. Mas, evito fazer comentários e
raramente os faço.”.
Cavaco fizera
as susoditas críticas à margem dum congresso da APDC (Associação
Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações) classificando a não recondução de Joana Marques
Vidal como algo “muito estranho,
estranhíssimo, tendo em atenção a forma competente como exerceu as suas funções
e o seu contributo decisivo para a credibilização do Ministério Público”.
Um dia depois, Marcelo respondeu ao antecessor e salientou que é ao Presidente
da República e não ao Governo que incumbe nomear a PGR, dizendo que “por
uma questão de cortesia e de sentido de Estado” não comentaria as palavras
do antecessor. Foi nestes termos que se expressou, à margem da IV
Cimeira do Turismo, organizada pela Confederação do Turismo de Portugal:
“O que me está a dizer é que o Presidente
Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato.
Perante isso, tenho sempre o mesmo comportamento: entendo que, desde que exerço
estas funções, não devo comentar nem ex-Presidentes, nem amanhã quando o deixar
de o ser, futuros Presidentes, por uma questão de cortesia e de sentido de
Estado, e não me vou afastar dessa orientação.”.
***
Na cerimónia
de inauguração do novo ‘campus’ da Universidade Nova de Lisboa, onde ficará
instalada a sua Faculdade de Economia, marcaram presença os ministros da
Economia, Manuel Caldeira Cabral, e o do Ensino Superior, Manuel Heitor, o
ex-Presidente da República Cavaco Silva, já referido, a líder do CDS-PP,
Assunção Cristas, e o seu antecessor, Paulo Portas.
E os
ex-ministros Miguel Poiares Maduro (PSD), Luís Amado (PS), Maria de
Belém Roseira (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP), o presidente da EDP António Mexia e o presidente e vice-presidentes
da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, e Miguel Pinto Luz, bem como
a conselheira de Estado Leonor Beleza foram algumas das muitas figuras do mundo
político, académico e económico que marcaram presença em Carcavelos.
O Presidente
da República condecorou a NSBE com o título de membro honorário da Ordem da
Instrução Pública e fez questão de destacar um dos seus “mestres”, Aníbal
Cavaco Silva.
Marcelo
Rebelo de Sousa, na sua intervenção, que encerrou a longa cerimónia de
inauguração do novo ‘campus’, destacou aquela Faculdade de Economia como “a
escola mais exigente e mais rigorosa” que conheceu na sua carreira académica. Frisou
como positiva a ligação ao mar deste novo ‘campus’, situado em frente à praia
de Carcavelos, e confessou que, no início, ouviu quem tivesse reticências sobre
a localização “heterodoxa” da instituição. E Gracejou:
“Até ouvi dizer que podia haver o risco de
rapidamente se transformar numa escola de surf, o que a mim não me complexava
nada, sempre compatibilizei a academia com o surf e o body board”.
Elogiando os
mecenas e fundadores da NSBE, Marcelo deixou uma palavra especial a um deles,
Alexandre Soares dos Santos, bem como aos dois Governos que apoiaram a obra – o
atual do PS e o anterior executivo PSD/CDS-PP –, e ao Presidente da Câmara Municipal
de Cascais, Carlos Carreiras. “É verdade
que tem uma grande equipa, mas uma grande equipa só é grande porque tem um
grande líder”. No final, anunciando a condecoração da NSBE, saudou a sua
capacidade “de sonhar e construir o
futuro”. E, enaltecendo a qualidade dos que fizeram o nome desta
instituição, que classificou como “uma
grande escola, pioneira em tantos lances científicos, pedagógicos, nacionais e
internacionais”, desafiou:
“Que o digam
todos quantos fizeram a sua história, com natural relevo para Alfredo Sousa, e
os que a viveram intensamente, como tantos antigos e atuais mestres aqui
presentes, em particular o
primeiro Presidente da República de Portugal economista e o mais duradouro
Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva”.
***
No final da
cerimónia, questionado pelos jornalistas se estranhou a saída de Cavaco Silva da
cerimónia de inauguração antes do seu discurso, desvalorizou essa ausência e
vincou: “Mas cumprimentámo-nos, tinha um compromisso familiar e tinha dito que
teria de sair, mas eu entrei a tempo de estar com ele”. Salientando que a relação com o antecessor
“está ótima” – “falámo-nos, como sempre,
muito bem” –, o Chefe de Estado escusou-se a fazer mais comentários sobre
as palavras de Cavaco em relação à não recondução da atual Procuradora-Geral da
República. “Não tenho mais nada a dizer
sobre isso”, afirmou, questionado se as críticas de Cavaco ao processo de
nomeação revelaram falta de sentido de Estado.
Sobre a
referência a Cavaco Silva no seu discurso na inauguração do novo ‘campus’ da
Nova, o Presidente da República considerou-a “uma questão de justiça”. E
destacou:
“Há um fundador, Alfredo de Sousa, mas
depois há os patriarcas, aqueles que estão desde o início. Eu, não os podendo
cumprimentar a todos, cumprimentei o mais importante. E merecia porque fez muito
por esta escola.”.
***
No atinente
à experiência, começo por dizer que Marcelo, não tendo grande experiência
governativa, concorde-se ou discorde-se, tenta intervir pela palavra e atitude
em todos os domínios do poder político e habitualmente sabe do que fala levando
consigo muitos decisores a agir em consonância com ele, tantas vezes invocando
o que disse ou escreveu outrora.
Outros, com
ainda menos experiência política, desempenharam cargos políticos de relevo. Vejam-se
os casos dos ex-Presidentes Ramalho Eanes e Jorge Sampaio ou dos ex-Primeiros-Ministros
António Guterres e Passos Coelho. E, se os Presidentes, Chefes de Governo e Ministros
do pós-25 de Abril erraram, não foi por falta de experiência, mas pela sua ambição
revolucionária, pelo exílio ou fuga de cérebros e de capitais (Até o
General Galvão de Melo entendia que a Banca devia ter sido nacionalizada de
imediato!), pela contínua dança de cadeiras
governativas e pela necessária integração de mais meio milhão de regressados
das ex-colónias.
Ademais, quando
se assume um cargo pela 1.ª vez, não se tem qualquer experiência pessoal do cargo.
Vale-nos a formação, a experiência alheia, a humildade em aprender, nomeadamente
através do recrutamento de colaboradores competentes (e não apenas
amigos), e o empenho pessoal no exercício.
É óbvio que
a formação académica e a formação contínua são cada vez mais necessárias (não pode
hoje vir um CEO gabar-se de que não precisa da licenciatura, armado com a
experiência), mas são
insuficientes. Por outro lado, a experiência, que é a mestra da vida e da ação,
também é insuficiente, podendo até, se não for lúcida, deixar aninhar vícios de
difícil correção.
Por fim, a
formação e sobretudo a experiência que sejam fonte de informação privilegiada,
criam responsabilidades acrescidas a que dificilmente os titulares de cargos se
podem eximir. E, se vi, por exemplo, Guterres a assumir publicamente a
responsabilidade por determinados erros, também seria bom que, por exemplo,
Cavaco Silva, Sócrates e Passos Coelho, além de muitos que foram Ministros das
Finanças e/ou da áreas económicas se chegassem à frente na responsabilização pelo
estado a que isto chegou. O povo o merece!
2018.10.03 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário