quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Faleceu o coronel Diamantino Gertrudes da Silva, capitão de abril


A notícia, veiculada por comunicado da Associação 25 de Abril assinado pelo seu presidente coronel Vasco Lourenço, teve quase imediato eco nos diversos órgãos de comunicação social, na blogosfera e nas redes sociais a marcar este 10 de outubro.
Além da sua brilhante carreira militar e do seu desempenho na revolução de 1974, que derrubou a ditadura, Gertrudes da Silva escreveu vários livros e teve papel relevante na explicitação do ideal abrilino com debates em diversos fóruns, nomeadamente em escolas. 

Com efeito, o predito comunicado noticia que o coronel Diamantino Gertrudes da Silva morreu nesta quarta-feira, dia 10, com a idade de 75 anos, e destaca a atividade que desenvolveu no movimento dos capitães e nas operações militares da revolução. Além disso, a Associação 25 de Abril informou que o velório seria, deste dia 10 para o dia 11, na Igreja Nova, em Viseu, e o funeral se realizaria hoje, dia 11, às 16 horas no cemitério de Vila Nova de Paiva.
A respeito do finado, Vasco Lourenço escreve que Diamantino Gertrudes da Silva foi um “militar de Abril de todas as horas” e lembra que “foi o mais antigo dos quatro capitães que em Viseu, no RI14, desenvolveram grande atividade no Movimento dos Capitães”, atividade que “alargaram a toda a zona centro, como dinamizadores da conspiração”. Os outros três capitães subentendidos no texto do Presidente da Associação 25 de Abril eram os capitães António Luís Ferreira do Amaral, Aprígio Ramalho e Arnaldo Carvalhais da Silveira Costeira. Mas é ainda de mencionar o capitão Amândio Almeida Augusto (conhecido em quartéis como o capitão Silêncio).  
Refere ainda o coronel Vasco Lourenço que as militâncias daqueles capitães “envolveram então oficiais de Lamego, Guarda, Coimbra, Aveiro, para só referir as mais significativas”.
Nas operações militares do 25 de Abril, Gertrudes da Silva comandou a companhia que saiu de Viseu, juntamente com as forças oriundas de Aveiro e Figueira da Foz, constituindo o Agrupamento November e tendo um “papel determinante em Peniche”, onde controlou o Forte, que então era uma prisão com presos políticos (lugar de má memória) e, depois em Lisboa.
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Carlos Esperança, no blogue “Ponte Europa”, considera que o herói de Abril, o comandante das tropas sublevadas idas de Viseu, com companhias de Aveiro e da Figueira da Foz, foi uma figura decisiva na gesta heroica da inesquecível madrugada”. E acrescenta:
Não foi fácil a progressão até Lisboa nem pacífica a rendição dos esbirros que vigiavam o Forte de Peniche, que deixou cercado por uma companhia, antes de avançar sobre Lisboa no cumprimento da missão que lhe coube”.
E profere um lamento indireto sobre a forma como a revolução tratou alguns dos seus corifeus menos grados ao poder constituído, mas salientando a grandeza do perfil deste Capitão de Abril:
O melhor aluno do seu curso não foi general, foi um coronel fiel ao ideário de Abril, um capitão de Abril coerente, corajoso e modesto”.
E Vasco Lourenço, já citado, referindo-se ao “núcleo” do RI14, em que pontificou Gertrudes da Silva, diz que se constituiu “como um dos polos de onde irradiaram os valores e os empenhamentos que nos levariam à ação do 25 de Abril de 1974, onde libertámos Portugal e lançámos os alicerces para a Democracia, a Paz e o Desenvolvimento”. E prosseguiu:
Depois dessa manhã libertadora, Gertrudes da Silva empenhou-se profundamente – sempre no RI14 – no processo de consolidação da Liberdade e da Democracia, transformando-se num dos Capitães de Abril mais respeitados no seio dos seus camaradas”.
E, em conclusão, regista:
Portugal ficou mais pobre. Perdeu mais um dos pais da Liberdade e da Democracia. Os militares de Abril e a Associação 25 de Abril perderam um dos seus melhores. Pessoalmente, vejo partir mais um grande Amigo.”.
Também José Eduardo Ferreira, Presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira, concelho de onde Gertrudes da Silva era natural, endereçou condolências à família referindo em comunicado que “foi um dos nossos maiores cidadãos, com um percurso de vida imaculado e um gosto especial por tudo o que era nosso” com uma notável “grandeza e nobreza de vida e de espírito” do coronel.
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Não será descabido evocar gestos significativos da parte de Viseu aos seus Capitães de Abril.
Assim, a Câmara Municipal, em sua reunião de 10 de dezembro de 2009, tomou conhecimento concordante do despacho do seu Presidente, de 25 de novembro, que atribui o topónimo “Avenida dos Capitães de Abril” ao arruamento com início na Rotunda da Manhosa (Palácio do Gelo) e fim na Rotunda da Poça das Feiticeiras (tendo de permeio a Rotunda Mestre José Loureiro, junto à entrada de Ranhados), em correspondência à proposta feita pela Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) pelos seus 35 anos e pelos mesmos do 25 de Abril.
E a ADFA, na proposta de memória que fez aos capitães de Abril do RI14, relata o curso dos acontecimentos na noite de 24 para 25 de abril, de que se faz síntese (cf site da CM de Viseu):
Os Capitães de Abril de Viseu, constituídos em unidade de missão, comandaram todas as operações. Convocaram oficiais subalternos, a quem informaram da situação e nomeação de oficiais para controlar Central Telefónica, posto de rádio da ordem pública, posto de rádio do STM, reforço da vigilância periférica, montagem de guarda às viaturas e vigilância sob pessoal que pernoitava no Quartel. Depois, convocaram furriéis e cabos milicianos, informaram o resto das tropas e formaram a Companhia que avançaria para Lisboa, tomando o Forte de Peniche. Porque os militares do Forte não se renderam, foi cercado com Obuses apontados, deslocando-se o resto do agrupamento para Lisboa, até que, mais tarde, se conseguiu a rendição, assim se evitando um banho de sangue.
Estes homens, que tudo arriscaram – a vida, a carreira militar, o seu bem-estar e da família – na luta pelos valores da liberdade e democracia, “merecem e são credores do respeito, da admiração e reconhecimento de todos!”. Diz a história que antes, durante e nos dias seguintes à revolução, a missão destes capitães “foi muito difícil, dentro e fora do Quartel do RI14”.
A ação dentro do Quartel iniciou-se com a montagem dos Dispositivos de segurança por um piquete reforçado e com a constituição das forças de reserva, divididas em equipas, montagem de metralhadoras Breda e de Morteiros 81mm em pontos estratégicos.
Os militares que se encontravam dentro do Quartel e não aderiram, foram postos fora, outros dirigiram-se para o Tribunal Militar, aonde se apresentaram e onde alguns tinham julgamento. Aos que dormiam/pernoitavam fora do Quartel, ao chegarem, foi-lhes comunicada a situação, tendo sido vedada a entrada aos não aderentes.
É de anotar que, na tarde do dia 24 de abril, o Coronel José Azevedo, novo Comandante do RI 14, a mando do QG/RMC trazia diretrizes para demover os Capitães de Abril de participarem no movimento. No ato de posse, perante formatura geral, apelou insistentemente à necessidade de todos os militares lhe obedecerem, se as circunstâncias o viessem a exigir, “isto porque os Comandos da Região Militar desconfiavam de que algo estava em marcha”. Porém, “os Capitães de Abril de Viseu não temeram as pressões”, pois estavam decididos: “sabiam do viver do povo, do que se passava nos campos, que se trabalhava de sol a sol, nas fábricas, da miséria a que estava votado e da chacina que era a guerra colonial”. Ao sinal radiofónico, avançaram. E, fruto da ação da força e do querer, apesar de saberem que punham em risco carreiras, vidas e família, “cumpriram tudo a que se propuseram; e a revolução foi um êxito e tiveram no povo das Beiras de Viseu a aderência e o apoio total”. E a proposta termina referindo:
Foram dignos heróis das Beiras Centro do RI 14 de Viseu da bela cidade, cumpriram e são credores do reconhecimento público, com este pequeno gesto da atribuição em placa, do nome de uma Avenida de Viseu, em honra das suas personalidades que mais se distinguiram e este conjunto dos cinco magníficos, que foram os obreiros da liberdade e da democracia em Viseu e em Portugal merecem e são os Capitães de Abril de Viseu: Capitão Diamantino Gertrudes da Silva, Capitão Arnaldo Carvalhais da Silveira Costeira, Capitão Amândio Augusto, Capitão Aprígio Ramalho e Capitão António Luís Ferreira do Amaral”.
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Natural de Alvite, do concelho de Moimenta da Beira, Diamantino Gertrudes da Silva nasceu a 20 de fevereiro de 1943 e, depois dos estudos liceais, ingressou na Academia Militar em 1963, seguindo a carreira militar na arma de Infantaria, atingiu o posto de coronel (por promoção, não por simples graduação, como já vi escrito), em que passou à reserva. Cumpriu duas comissões de serviço na Guerra Colonial: a primeira em Angola; e a segunda na Guiné. Por várias vezes foi louvado e condecorado no âmbito militar, graças à sua coragem e espírito patriótico de missão, e foi agraciado com a Grã Cruz da Ordem da Liberdade pela participação especial no Movimento das Forças Armadas que gerou a revolução política abrilina.
Entretanto, em 1976, à margem da vida militar, começou a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra onde concluiu a licenciatura em História em 1980.
Segundo o Jornal do Centro – que publica o essencial da sua biografia e uma das suas últimas entrevistas – nas últimas décadas, o coronel, mais conhecido como o Capitão de Abril ou o Herói de Abril, foi um ativista cívico através da apresentação de comunicações em várias instituições, com especial incidência nas escolas. Neste âmbito, é de mencionar a extensa comunicação sob o título “A Guiné no Contexto da Guerra Colonial e do Regime do Estado Novo” na apresentação do “Diário da Guiné”, de Mário Beja Santos, que se pode ler no blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné” (https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/03/guin-6374-p2632-guin-e-o-25-de-abril.html). Mas também publicou livros seus. Entre 2003 e 2007, uma trilogia que percorre a Guerra Colonial e a Revolução do 25 de Abril de 74, com os títulos: Deus, Pátria e... a Vida (2003), editado pela PalimageA Pátria ou a Vida” (2005), editado pela Palimage; e Quatro Estações em Abril” (2007), editado pela Palimage. E, em 2011, publicou “Tempos sem remição”, um livro que incide sobre sagas familiares na época do Estado Novo.
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Enquanto capelão militar, conheci pessoalmente o Major Silva, comandante de batalhão, no então Regimento de Infantaria de Viseu (antigo e atual RI14) de 12 de outubro de 1981 a 16 de dezembro de 1982 (tempo em que ali prestei serviço). Confesso que o admirava pela postura disciplinada e disciplinadora, saudável compreensão da vida das pessoas, bom sentido de humor sem cair em exageros, respeitador das pessoas e instituições e um homem muito culto. Evoco a paciência com que me respondeu à questão provocatória “Como se justifica a legitimidade do Golpe de Estado?” que lancei ao ouvir a afirmação televisiva do Ministro da Defesa Freitas do Amaral de que as Forças Armadas eram só para a defesa contra eventual invasão externa e apoio às populações em calamidade pública – e a recomendação que me fez à minha partida para a 24.ª Peregrinação Militar Internacional a Lourdes, que rezasse por todos os pecadores, mesmo pelos aparentemente incorrigíveis.
2018.10.11 – Louro de Carvalho

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