A notícia, veiculada por comunicado da Associação 25 de Abril assinado pelo seu presidente coronel
Vasco Lourenço, teve quase imediato eco nos diversos órgãos de comunicação
social, na blogosfera e nas redes sociais a marcar este 10 de outubro.
Além da sua brilhante carreira militar e do seu desempenho na
revolução de 1974, que derrubou a ditadura, Gertrudes da Silva escreveu vários
livros e teve papel relevante na explicitação do ideal abrilino com debates em
diversos fóruns, nomeadamente em escolas.
Com efeito,
o predito comunicado noticia que o coronel Diamantino Gertrudes da Silva morreu
nesta quarta-feira, dia 10, com a idade de 75 anos, e destaca a atividade que
desenvolveu no movimento dos capitães e nas operações militares da revolução. Além
disso, a Associação 25 de Abril
informou que o velório seria, deste dia 10 para o dia 11, na Igreja Nova, em
Viseu, e o funeral se realizaria hoje, dia 11, às 16 horas no cemitério de Vila
Nova de Paiva.
A
respeito do finado, Vasco Lourenço escreve que Diamantino Gertrudes da Silva
foi um “militar de Abril de todas as horas” e lembra que “foi o mais antigo dos
quatro capitães que em Viseu, no RI14, desenvolveram grande atividade no
Movimento dos Capitães”, atividade que “alargaram a toda a zona centro, como
dinamizadores da conspiração”. Os outros três capitães subentendidos no texto
do Presidente da Associação 25 de Abril eram os capitães António Luís Ferreira do Amaral, Aprígio
Ramalho e Arnaldo Carvalhais da Silveira Costeira. Mas é ainda de mencionar o
capitão Amândio Almeida Augusto (conhecido em quartéis
como o capitão Silêncio).
Refere
ainda o coronel Vasco Lourenço que as militâncias daqueles capitães “envolveram
então oficiais de Lamego, Guarda, Coimbra, Aveiro, para só referir as mais
significativas”.
Nas
operações militares do 25 de Abril, Gertrudes da Silva comandou a companhia que
saiu de Viseu, juntamente com as forças oriundas de Aveiro e Figueira da Foz, constituindo
o Agrupamento November e tendo um “papel
determinante em Peniche”, onde controlou o Forte, que então era uma prisão com
presos políticos (lugar
de má memória) e, depois
em Lisboa.
***
Carlos
Esperança, no blogue “Ponte Europa”,
considera que “o herói de Abril, o comandante das tropas sublevadas idas de Viseu, com
companhias de Aveiro e da Figueira da Foz, foi uma figura decisiva na gesta
heroica da inesquecível madrugada”. E acrescenta:
“Não foi fácil a progressão até Lisboa nem pacífica a rendição dos
esbirros que vigiavam o Forte de Peniche, que deixou cercado por uma companhia,
antes de avançar sobre Lisboa no cumprimento da missão que lhe coube”.
E profere um lamento indireto sobre a forma como a revolução tratou
alguns dos seus corifeus menos grados ao poder constituído, mas salientando a
grandeza do perfil deste Capitão de Abril:
“O melhor aluno do seu curso não foi general, foi um coronel fiel ao
ideário de Abril, um capitão de Abril coerente, corajoso e modesto”.
E Vasco
Lourenço, já citado, referindo-se ao “núcleo” do
RI14, em que pontificou Gertrudes da Silva, diz que se constituiu “como um dos polos de onde irradiaram os
valores e os empenhamentos que nos levariam à ação do 25 de Abril de 1974, onde
libertámos Portugal e lançámos os alicerces para a Democracia, a Paz e o
Desenvolvimento”. E prosseguiu:
“Depois dessa manhã libertadora, Gertrudes da Silva empenhou-se
profundamente – sempre no RI14 – no processo de consolidação da Liberdade e da
Democracia, transformando-se num dos Capitães de Abril mais respeitados no seio
dos seus camaradas”.
E, em conclusão,
regista:
“Portugal ficou mais pobre. Perdeu mais um
dos pais da Liberdade e da Democracia. Os militares de Abril e a Associação 25
de Abril perderam um dos seus melhores. Pessoalmente, vejo partir mais um
grande Amigo.”.
Também
José Eduardo Ferreira, Presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira,
concelho de onde Gertrudes da Silva era natural, endereçou condolências à
família referindo em comunicado que “foi um
dos nossos maiores cidadãos, com um percurso de vida imaculado e um gosto especial
por tudo o que era nosso” com uma notável “grandeza e nobreza de vida e de espírito” do coronel.
***
Não será
descabido evocar gestos significativos da parte de Viseu aos seus Capitães de Abril.
Assim,
a Câmara Municipal, em sua reunião de 10 de dezembro de 2009, tomou
conhecimento concordante do despacho do seu Presidente, de 25 de novembro, que
atribui o topónimo “Avenida dos Capitães
de Abril” ao arruamento com início na Rotunda da Manhosa (Palácio do Gelo) e fim na Rotunda da Poça das Feiticeiras
(tendo de permeio a
Rotunda Mestre José Loureiro, junto à entrada de Ranhados), em correspondência à proposta
feita pela Associação dos Deficientes das
Forças Armadas (ADFA) pelos seus 35 anos e pelos mesmos
do 25 de Abril.
E a ADFA, na proposta de
memória que fez aos capitães de Abril do RI14, relata o curso dos acontecimentos
na noite de 24 para 25 de abril, de que se faz síntese (cf site da CM de Viseu):
Os Capitães de Abril de Viseu, constituídos em unidade de missão, comandaram
todas as operações. Convocaram oficiais subalternos, a quem informaram da situação
e nomeação de oficiais para controlar Central Telefónica, posto de rádio da
ordem pública, posto de rádio do STM, reforço da vigilância periférica,
montagem de guarda às viaturas e vigilância sob pessoal que pernoitava no Quartel.
Depois, convocaram furriéis e cabos milicianos, informaram o resto das tropas e
formaram a Companhia que avançaria para Lisboa, tomando o Forte de Peniche. Porque
os militares do Forte não se renderam, foi cercado com Obuses apontados,
deslocando-se o resto do agrupamento para Lisboa, até que, mais tarde, se
conseguiu a rendição, assim se evitando um banho de sangue.
Estes homens, que tudo arriscaram – a vida, a carreira militar, o seu
bem-estar e da família – na luta pelos valores da liberdade e democracia, “merecem
e são credores do respeito, da admiração e reconhecimento de todos!”. Diz a história
que antes, durante e nos dias seguintes à revolução, a missão destes capitães “foi muito difícil, dentro e fora do Quartel
do RI14”.
A ação dentro do Quartel iniciou-se com a montagem dos Dispositivos de segurança
por um piquete reforçado e com a constituição das forças de reserva, divididas
em equipas, montagem de metralhadoras Breda e de Morteiros 81mm em pontos
estratégicos.
Os militares que se encontravam dentro do Quartel e não aderiram, foram
postos fora, outros dirigiram-se para o Tribunal Militar, aonde se apresentaram
e onde alguns tinham julgamento. Aos que dormiam/pernoitavam fora do Quartel,
ao chegarem, foi-lhes comunicada a situação, tendo sido vedada a entrada aos não
aderentes.
É de anotar que, na tarde do dia 24 de abril, o Coronel José Azevedo, novo
Comandante do RI 14, a mando do QG/RMC trazia diretrizes para demover os
Capitães de Abril de participarem no movimento. No ato de posse, perante
formatura geral, apelou insistentemente à necessidade de todos os militares lhe
obedecerem, se as circunstâncias o viessem a exigir, “isto porque os Comandos
da Região Militar desconfiavam de que algo estava em marcha”. Porém, “os
Capitães de Abril de Viseu não temeram as pressões”, pois estavam decididos: “sabiam
do viver do povo, do que se passava nos campos, que se trabalhava de sol a sol,
nas fábricas, da miséria a que estava votado e da chacina que era a guerra
colonial”. Ao sinal radiofónico, avançaram. E, fruto da ação da força e do
querer, apesar de saberem que punham em risco carreiras, vidas e família, “cumpriram
tudo a que se propuseram; e a revolução foi um êxito e tiveram no povo das
Beiras de Viseu a aderência e o apoio total”. E a proposta termina referindo:
“Foram dignos heróis das Beiras Centro do RI
14 de Viseu da bela cidade, cumpriram e são credores do reconhecimento público,
com este pequeno gesto da atribuição em placa, do nome de uma Avenida de Viseu,
em honra das suas personalidades que mais se distinguiram e este conjunto dos
cinco magníficos, que foram os obreiros da liberdade e da democracia em Viseu e
em Portugal merecem e são os Capitães de Abril de Viseu: Capitão Diamantino Gertrudes da Silva, Capitão Arnaldo Carvalhais da
Silveira Costeira, Capitão Amândio Augusto, Capitão Aprígio Ramalho e Capitão
António Luís Ferreira do Amaral”.
***
Natural
de Alvite, do concelho de Moimenta da Beira, Diamantino Gertrudes da Silva nasceu
a 20 de fevereiro de 1943 e, depois dos estudos liceais, ingressou na Academia
Militar em 1963, seguindo a carreira militar na arma de Infantaria, atingiu o
posto de coronel (por promoção,
não por simples graduação, como já vi escrito), em que passou à reserva. Cumpriu duas comissões de serviço
na Guerra Colonial: a primeira em Angola; e a segunda na Guiné. Por várias
vezes foi louvado e condecorado no âmbito militar, graças à sua coragem e espírito
patriótico de missão, e foi agraciado com a Grã Cruz da Ordem da Liberdade pela
participação especial no Movimento das Forças Armadas que gerou a revolução política
abrilina.
Entretanto,
em 1976, à margem da vida militar, começou a frequentar a Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra onde concluiu a licenciatura em História em 1980.
Segundo
o Jornal do Centro – que publica o
essencial da sua biografia e uma das suas últimas entrevistas – nas últimas décadas,
o coronel, mais conhecido como o Capitão
de Abril ou o Herói de Abril, foi
um ativista cívico através da apresentação de comunicações em várias instituições,
com especial incidência nas escolas. Neste âmbito, é de mencionar a extensa comunicação
sob o título “A Guiné no Contexto da
Guerra Colonial e do Regime do Estado Novo” na apresentação do “Diário da Guiné”, de Mário Beja Santos,
que se pode ler no blogue “Luís Graça &
Camaradas da Guiné” (https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/03/guin-6374-p2632-guin-e-o-25-de-abril.html). Mas também publicou livros seus. Entre
2003 e 2007, uma trilogia que percorre a Guerra Colonial e a Revolução do 25 de
Abril de 74, com os títulos: “Deus,
Pátria e... a Vida” (2003), editado pela Palimage; “A Pátria ou a Vida” (2005), editado pela Palimage; e “Quatro Estações em Abril” (2007), editado
pela Palimage. E, em 2011, publicou “Tempos
sem remição”, um livro que incide sobre sagas familiares na época do Estado
Novo.
***
Enquanto
capelão militar, conheci pessoalmente o Major Silva, comandante de batalhão, no
então Regimento de Infantaria de Viseu (antigo e atual RI14) de 12 de outubro de 1981 a 16 de dezembro de 1982 (tempo em que ali prestei serviço). Confesso que o admirava pela postura
disciplinada e disciplinadora, saudável compreensão da vida das pessoas, bom sentido
de humor sem cair em exageros, respeitador das pessoas e instituições e um
homem muito culto. Evoco a paciência com que me respondeu à questão provocatória
“Como se justifica a legitimidade do Golpe
de Estado?” que lancei ao ouvir a afirmação televisiva do Ministro da
Defesa Freitas do Amaral de que as Forças Armadas eram só para a defesa contra
eventual invasão externa e apoio às populações em calamidade pública – e a recomendação
que me fez à minha partida para a 24.ª Peregrinação Militar Internacional a Lourdes,
que rezasse por todos os pecadores, mesmo pelos aparentemente incorrigíveis.
2018.10.11 – Louro de
Carvalho
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