terça-feira, 9 de outubro de 2018

Temos apenas 12 anos para salvar o planeta do aquecimento global


Precisamente no dia (8 de outubro) em que se conheceram os nomes dos galardoados com o “Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel”, mais conhecido por “Nobel da Economia” – desta feita atribuído a estudos sobre alterações climáticas e inovação tecnológica – foi publicado um relatório de especialistas da ONU a alertar que o mundo terá de avançar com transformações “rápidas e sem precedentes” para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius.
Segundo aquele documento dos especialistas do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, em inglês), o planeta, comparativamente com o período pré-industrial, tem apenas uma dúzia de anos para evitar um aquecimento global de 1,5 graus Celsius, a partir do qual o risco de fenómenos extremos como secas, inundações e picos de calor subirá de forma dramática. No entanto, garantem que ainda é possível impedir que isso aconteça, desde que se avance com “medidas sem precedentes”.
No texto de 400 páginas encomendado pelas Nações Unidas e divulgado na cidade sul-coreana de Incheon, após reunião de 5 dias em que participaram 570 representantes de 135 países, os cientistas descrevem, com base em 6000 estudos, os impactos de um aquecimento de mais 1,5º Celsius, nível que a Terra poderá atingir já em 2030 (ou entre 2030 e 2052) devido à falta duma redução maciça das emissões de gases de efeito estufa. E sublinham que limitar o aquecimento global a quase um grau pode significar a diferença entre a vida e a morte de muitas pessoas e ecossistemas. Para isso é preciso avançar com transformações “rápidas e sem precedentes nos sistemas de energia, transportes, construção e indústria”.
Assim, coloca-se aos governos a necessidade de promover algumas transformações para evitar que o mundo ultrapasse a predita linha vermelha. Desde logo, importa reduzir – e muito – as emissões de CO2, uma redução que em 2030 tem de ser de 45% em relação aos níveis registados antes; depois, em 2050, tem de ser fornecida 85% da eletricidade global através de energias renováveis, reduzindo o recurso ao carvão para bem perto do zero; e tem de se avançar com a reconversão de sete milhões de quilómetros quadrados de solos (quase o tamanho da Austrália) para campos de culturas energéticas, como biocombustíveis.
Porém, é preciso considerar que tudo isto tem custos. O documento fala num “investimento médio anual nos sistemas de energia a rondar os 2,4 biliões de dólares”.
É certo que a janela de oportunidade para o conseguir ainda não se fechou completamente, como realça o relatório, mas os peritos admitem ter “pouca esperança” de que o mundo seja capaz de enfrentar este desafio, desde logo porque estas mudanças requerem custos muito elevados a curto prazo. O documento fala, como se disse, num “investimento médio anual nos sistemas de energia a rondar os 2,4 biliões de dólares [dois biliões de euros] entre 2016 e 2035”, mas é um investimento que certamente a médio prazo compensará.
Stephen Cornelius, que já participou nas negociações do IPCC e agora integra a organização ambientalista WWF disse à BBC que “há custos e benefícios que devem ser pesados” e frisou:
Cortar emissões pode ser pesado no imediato, mas é ainda assim mais barato do que pagar pela remoção do dióxido de carbono mais para o final do século. E o relatório também aponta os benefícios de um maior crescimento económico se conseguirmos manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5 graus em vez dos 2 graus celsius, além de que não teremos maiores riscos de impactos de catástrofes naturais.”.
Por outro lado, limitar o aquecimento a 1,5ºC pode impedir, por exemplo, a extinção de espécies e a destruição total do coral, fundamental para o ecossistema marinho, reduzir a subida do mar em 10 centímetros até 2100 e salvar áreas costeiras. Ao invés, exceder esse limite provocará chuvas torrenciais e secas profundas, com impacto negativo na produção de alimentos, especialmente em áreas sensíveis como o Mediterrâneo ou América Latina, e afetará a saúde, o abastecimento de água e o crescimento económico, com um impacto especialmente negativo nas populações mais pobres e vulneráveis do planeta.
O relatório, agora dado à luz foi encomendado pela ONU após o Acordo Climático de Paris de 2015, em que os signatários se comprometeram a manter o aquecimento global abaixo de 2ºC e limitá-lo a 1,5ºC em relação aos valores registados no século XIX. O relatório, dirigido aos países da Convenção-quadro da ONU sobre alterações climáticas, será usado como base para as discussões da 24.ª cimeira do clima, em Katowice, na Polónia, em dezembro próximo.
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Entretanto, é de recordar que organizações não-governamentais (ONG) e especialistas pediram, a 4 de setembro, à União Europeia (UE) que passe a liderar as negociações sobre as alterações climáticas dentro da ONU, mercê do fraco ou nulo envolvimento demonstrado por países como a Austrália e Estados Unidos.
Harjeet Singh, ativista da ActionAid International, disse aos jornalistas, no âmbito da conferência sobre alterações climáticas, realizada em Banguecoque, na Tailândia, de 4 a 9 de setembro: Esperamos que a UE dê um passo à frente. E acrescentou que “é muito deprimente ouvir as declarações (sobre mudança climática) dos Estados Unidos, Austrália ou Nova Zelândia”.
Singh proferiu aquelas declarações numa conferência de imprensa em que participou juntamente com outros ativistas e especialistas que integram a plataforma “rede para a ação climática”.
Mais de 2.000 delegados de 190 países e da UE participaram na conferência de Banguecoque, que tinha como objetivo chegar a acordo sobre um quadro de orientações e regras para serem aprovadas na Cimeira do Clima (COP 24), que se realiza na Polónia em dezembro, tendo presente o Acordo de Paris (2015), que apresenta um plano de ação destinado a limitar o aquecimento global a um valor abaixo dos dois graus centígrados, entre outras medidas.
Esta conferência é a última oportunidade de avançar nas negociações antes da COP 24, após o fraco progresso obtido na reunião preparatória em maio passado na cidade alemã de Bona.
Na predita conferência de imprensa, o referido ativista lembrou que, no ano passado, existiam mais de 18 milhões de pessoas deslocadas no mundo devido a catástrofes naturais, que são maioritariamente causadas devido às mudanças climáticas.
Também a 9 de setembro, no termo da conferência, um grupo de ecologistas advertiu que, três anos após a assinatura por 195 países do Acordo de Paris para combater as alterações climáticas, o protocolo pode estar em risco pelas divergências dos Estados no financiamento. E Rachel Kennerly, representante do grupo ecologista Friends of the Earth (Amigos da Terra) denunciou:
Há uma dúzia de países, liderados pela posição dos Estados Unidos, que recusam propostas para avançar com mecanismos de financiamento”.
Falando aos jornalistas no âmbito da conferência sobre as alterações climáticas, aquela ecologista britânica apelou aos países que lutam contra este tipo de fenómenos, bem como à UE, a que deem “um passo em frente” na concretização dos objetivos do Acordo de Paris, deixando de lado “as ambições” da administração norte-americana. No Acordo de Paris ficou assente que os países desenvolvidos têm de contribuir, a partir de 2020, com 100 mil milhões de dólares por ano (cerca de 87 mil milhões de euros), para ajudar os Estados mais desfavorecidos a lutar contra as alterações climáticas e a mitigar os seus efeitos.
Intervindo também nesta ocasião, o porta-voz da organização não-governamental ActionAid International, Harjeet Singh, já referido atribuiu a “crise” financeira à “falta de confiança” entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento para a alocação de verbas no âmbito do Acordo.
Já Jesse Bragg, da associação Corportate Accountability, recusou “permitir que Trump e os grandes grupos económicos [da indústria dos combustíveis] continuem a quebrar o Acordo de Paris”, lembrando a intenção dos Estados Unidos de abandonar tal pacto até novembro de 2020, como consta da respetiva notificação feita em tempo à ONU.
Por seu lado, Lidy Nacpil, a responsável da associação Asian People's Movement on Debt and Development, disse esperar que os países desenvolvidos “tenham noção de que estas ações refletem uma negação clara das suas responsabilidades” e sublinhou a urgência das negociações antes da COP 24.

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Como foi apontado acima, este ano, o “Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel”, mais conhecido por “Nobel da Economia vai, no seu cinquentenário, para estudos sobre alterações climáticas e inovação tecnológica na pessoa dos norte-americanos William Nordhaus e Paul Romer, como anunciou a Real Academia Sueca das Ciências, a 8 de outubro.
William (‘Bill’) Nordhaus foi premiado pela pesquisa sobre o tema do impacto económico das alterações climáticas e Paul Romer concentrou-se no estudo de como a tecnologia influencia o crescimento.
William (“Bill”) Nordhaus, americano de 77 anos, é um dos académicos mais respeitados na área da economia ligada ao meio-ambiente e, em particular, às alterações climáticas. Já era visto, nos últimos dias, como um dos mais prováveis vencedores, pelos modelos que criou e que calculam a interação entre a economia, o uso de energia e as alterações climáticas. Com efeito este cientista norte-americano foi o primeiro investigador a criar um modelo quantitativo capaz de descrever a interação entre a economia e o clima e mostra como as atividades económicas contribuíram para as alterações climáticas, com especial destaque para o aquecimento global no último século – um trabalho que é usado para determinar o impacto de políticas ambientais, como os impostos sobre as emissões de carbono.
Em 1993, Nordhaus já avisava:
A Humanidade está a arriscar a sua sorte na relação com o ambiente natural, através de uma multiplicidade de intervenções – injetando na atmosfera gases vestigiais como os gases com efeito-estufa ou químicos que libertam ozono, promovendo enormes alterações sobre o uso de territórios como a desflorestação, eliminando várias espécies [animais] nos seus habitats naturais ao mesmo tempo que criam espécies transgénicas em laboratório, e acumulando armas nucleares suficientes para destruir as civilizações humanas”.
Por seu turno, o também norte-americano Paul Romer, de 63 anos, que foi economista-chefe do Banco Mundial (BM), é sobretudo conhecido por ter formulado a notável teoria do crescimento endógeno. É mesmo considerado um dos pais da teoria do crescimento endógeno, decisiva para, como afirmou a Real Academia Sueca das Ciências, “integrar a inovação tecnológica na análise macroeconómica de longo prazo”.
O antigo economista-chefe do BM focou-se no impacto da acumulação de ideias no crescimento económico a longo prazo e demonstrou como as forças económicas governam a vontade das empresas em criar novas ideias e promover a inovação.
Em chamada telefónica audível na cerimónia de entrega dos prémios, Paul Romer também respondeu a questões ligadas às alterações climáticas e salientou que “o problema que temos hoje é que as pessoas pensam que proteger o ambiente vai ser tão difícil e tão oneroso que preferem ignorar o problema e fingir que não existe”.
Romer garantiu, na mesma conversa, que não estava à espera de receber o prémio, de tal forma que ignorou duas chamadas telefónicas ao início da manhã, que eram da academia mas que achou deverem ser “chamadas de spam” ou de publicidade.
O académico demitiu-se do Banco Mundial, no início deste ano, após ter dado uma entrevista ao The Wall Street Journal onde deu a entender que as inclinações políticas dos técnicos do banco estavam a ter uma influência indesejável na preparação dos rankings mundiais sobre os países onde é mais fácil ter negócios.
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Criado em 1968 – há exatamente 50 anos – e financiado pelo Banco Central da Suécia como forma de reconhecimento do trabalho dos investigadores da área, o “Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel” não faz parte dos famosos galardões atribuídos pela Fundação Nobel desde o início do século XX, como são os prémios para a ciência (física, química, medicina), a paz e a literatura (que este ano não vai ser entregue). Ainda assim, porque é a distinção mais prestigiante que um economista pode receber, ficou popularmente conhecido como o “Nobel da Economia” e já galardoou figuras como John Hicks, Friedrich Hayek, James Tobin, John Nash, Joe Stiglitz e Paul Krugman. O vencedor do ano passado foi Richard Thaler, um dos criadores da economia comportamental, que alia investigação na área da psicologia com a teoria económica.
Além do prestígio, o vencedor ganha um diploma, uma medalha de ouro e um cheque no valor de nove milhões de coroas suecas (cerca de 850 mil euros), a dividir pelos premiados nos casos em que o prémio é partilhado).
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Em suma, honremos os laureados e preocupemo-nos efetivamente com a saúde do planeta. Talvez seja o momento de reiterarmos o mérito do Papa Francisco no equacionamento duma justa ecoeconomia ao serviço do homem a partir dos esforços dos decisores e dos agentes pela preservação da Terra e do ecossistema, sabendo que os abusos e os atropelos ao ecossistema prejudicam sobretudo os mais débeis física e economicamente. Por isso, há que apelar à vontade política humanizada e humanizante e à moderação económica.
Talvez seja a hora de reler a encíclica Laudato Si’ e tirar daí as necessárias consequências.
2018.10.09 – Louro de Carvalho

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