Precisamente no dia (8 de outubro) em que se conheceram os nomes
dos galardoados com o “Prémio de Ciências Económicas em
Memória de Alfred Nobel”,
mais conhecido por “Nobel da Economia”
– desta feita atribuído a estudos sobre
alterações climáticas e inovação tecnológica – foi publicado um relatório de especialistas da ONU a
alertar que o mundo terá de avançar com transformações “rápidas e sem
precedentes” para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius.
Segundo aquele documento dos especialistas do Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas (IPCC, em inglês), o planeta, comparativamente com o período pré-industrial, tem apenas uma
dúzia de anos para evitar um aquecimento global de 1,5 graus Celsius, a partir
do qual o risco de fenómenos extremos como secas, inundações e picos de calor
subirá de forma dramática. No entanto, garantem que ainda é possível impedir
que isso aconteça, desde que se avance com “medidas sem precedentes”.
No texto de 400 páginas encomendado pelas Nações Unidas e divulgado na
cidade sul-coreana de Incheon, após reunião de 5 dias em que participaram 570
representantes de 135 países, os
cientistas descrevem, com base em 6000 estudos, os impactos de um aquecimento
de mais 1,5º Celsius, nível que a Terra poderá atingir já em 2030 (ou entre 2030 e 2052) devido à falta duma redução maciça das emissões de gases de efeito
estufa. E sublinham que limitar o aquecimento global a quase um grau pode
significar a diferença entre a vida e a morte de muitas pessoas e ecossistemas.
Para isso é preciso avançar com
transformações “rápidas e sem precedentes nos sistemas de energia, transportes,
construção e indústria”.
Assim, coloca-se aos governos a necessidade de promover algumas
transformações para evitar que o mundo ultrapasse a predita linha vermelha. Desde logo, importa reduzir – e muito – as emissões de CO2, uma
redução que em 2030 tem de ser de 45% em relação aos níveis registados antes;
depois, em 2050, tem de ser fornecida
85% da eletricidade global através de energias renováveis, reduzindo o
recurso ao carvão para bem perto do zero; e tem de se avançar com a reconversão
de sete milhões de quilómetros quadrados de solos (quase o tamanho da Austrália) para campos de culturas energéticas, como biocombustíveis.
Porém, é preciso considerar que tudo isto tem custos. O
documento fala num “investimento médio anual nos sistemas de energia a rondar os
2,4 biliões de dólares”.
É certo que a janela de oportunidade para o conseguir ainda não se fechou completamente,
como realça o relatório, mas os peritos admitem ter “pouca esperança” de que o
mundo seja capaz de enfrentar este desafio, desde logo porque estas mudanças
requerem custos muito elevados a curto prazo. O documento fala, como se disse,
num “investimento médio anual nos sistemas de energia a rondar os 2,4 biliões
de dólares [dois biliões de euros] entre 2016 e 2035”, mas é um
investimento que certamente a médio prazo compensará.
Stephen Cornelius, que já participou nas negociações do IPCC e agora
integra a organização ambientalista WWF disse à BBC que “há custos e benefícios que devem ser pesados” e frisou:
“Cortar emissões pode ser pesado no imediato,
mas é ainda assim mais barato do que pagar pela remoção do dióxido de carbono
mais para o final do século. E o relatório também aponta os benefícios de um
maior crescimento económico se conseguirmos manter o aquecimento global dentro
do limite de 1,5 graus em vez dos 2 graus celsius, além de que não teremos
maiores riscos de impactos de catástrofes naturais.”.
Por outro lado, limitar o aquecimento a 1,5ºC pode impedir, por
exemplo, a extinção de espécies e a destruição total do coral, fundamental para
o ecossistema marinho, reduzir a subida
do mar em 10 centímetros até 2100 e salvar áreas costeiras. Ao invés, exceder
esse limite provocará chuvas torrenciais e secas profundas, com impacto
negativo na produção de alimentos, especialmente em áreas sensíveis como o
Mediterrâneo ou América Latina, e afetará a saúde, o abastecimento de
água e o crescimento económico, com um impacto especialmente negativo nas
populações mais pobres e vulneráveis do planeta.
O relatório, agora dado à luz foi encomendado pela ONU após o Acordo Climático
de Paris de 2015, em que os signatários se comprometeram a manter o aquecimento
global abaixo de 2ºC e limitá-lo a 1,5ºC em relação aos valores registados no
século XIX. O relatório, dirigido aos países da Convenção-quadro da ONU sobre
alterações climáticas, será usado como base para as discussões da 24.ª cimeira
do clima, em Katowice, na Polónia, em dezembro próximo.
***
Entretanto, é de recordar que organizações não-governamentais (ONG) e
especialistas pediram, a 4 de setembro, à União Europeia (UE) que passe a
liderar as negociações sobre as alterações climáticas dentro da ONU, mercê do
fraco ou nulo envolvimento demonstrado por países como a Austrália e Estados
Unidos.
Harjeet Singh, ativista da ActionAid
International, disse aos jornalistas, no âmbito da conferência sobre
alterações climáticas, realizada em Banguecoque, na Tailândia, de 4 a 9 de setembro:
“Esperamos
que a UE dê um passo à frente”. E acrescentou que “é muito deprimente ouvir as declarações (sobre mudança climática) dos
Estados Unidos, Austrália ou Nova Zelândia”.
Singh proferiu aquelas declarações numa conferência de imprensa em que
participou juntamente com outros ativistas e especialistas que integram a
plataforma “rede para a ação climática”.
Mais de 2.000 delegados de 190 países e da UE participaram na conferência de
Banguecoque, que tinha como objetivo chegar a acordo sobre um quadro de
orientações e regras para serem aprovadas na Cimeira do Clima (COP 24), que se
realiza na Polónia em dezembro, tendo presente o Acordo de Paris (2015), que apresenta
um plano de ação destinado a limitar o aquecimento global a um valor abaixo dos
dois graus centígrados, entre outras medidas.
Esta conferência é a última oportunidade de avançar nas negociações antes
da COP 24, após o fraco progresso obtido na reunião preparatória em maio
passado na cidade alemã de Bona.
Na predita conferência de imprensa, o referido ativista lembrou que, no ano
passado, existiam mais de 18 milhões de pessoas deslocadas no mundo devido a
catástrofes naturais, que são maioritariamente causadas devido às mudanças
climáticas.
Também a 9 de setembro, no termo da conferência, um grupo de ecologistas
advertiu que, três anos após a assinatura por 195 países do Acordo de Paris
para combater as alterações climáticas, o protocolo pode estar em risco pelas
divergências dos Estados no financiamento. E Rachel Kennerly, representante do
grupo ecologista Friends of the Earth
(Amigos da Terra) denunciou:
“Há uma dúzia de países, liderados pela
posição dos Estados Unidos, que recusam propostas para avançar com mecanismos
de financiamento”.
Falando aos jornalistas no âmbito da conferência sobre as alterações
climáticas, aquela ecologista britânica apelou aos países que lutam contra este
tipo de fenómenos, bem como à UE, a que deem “um passo em frente” na
concretização dos objetivos do Acordo de Paris, deixando de lado “as ambições”
da administração norte-americana. No
Acordo de Paris ficou assente que os países desenvolvidos têm de contribuir, a
partir de 2020, com 100 mil milhões de dólares por ano (cerca de 87 mil milhões de euros),
para ajudar os Estados mais desfavorecidos a lutar contra as alterações
climáticas e a mitigar os seus efeitos.
Intervindo também nesta ocasião, o porta-voz da organização
não-governamental ActionAid International,
Harjeet Singh, já referido atribuiu a “crise” financeira à “falta de confiança”
entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento para a alocação de verbas no
âmbito do Acordo.
Já Jesse Bragg, da associação Corportate Accountability, recusou “permitir
que Trump e os grandes grupos económicos [da indústria dos combustíveis] continuem a quebrar o Acordo de Paris”,
lembrando a intenção dos Estados Unidos de abandonar tal pacto até novembro de
2020, como consta
da respetiva notificação feita em tempo à ONU.
Por seu lado, Lidy Nacpil, a responsável da associação Asian People's Movement on Debt and Development, disse esperar que
os países desenvolvidos “tenham noção de que estas ações refletem uma negação clara
das suas responsabilidades” e sublinhou a urgência das negociações antes da COP
24.
***
Como foi
apontado acima, este ano, o “Prémio de Ciências Económicas em Memória de
Alfred Nobel”, mais conhecido por “Nobel
da Economia” vai, no seu cinquentenário,
para estudos sobre alterações climáticas e inovação tecnológica na pessoa dos
norte-americanos William Nordhaus e Paul Romer, como anunciou a Real
Academia Sueca das Ciências, a 8 de outubro.
William
(‘Bill’) Nordhaus foi premiado pela
pesquisa sobre o tema do impacto económico das alterações climáticas e Paul
Romer concentrou-se no estudo de como a tecnologia influencia o crescimento.
William
(“Bill”) Nordhaus, americano de 77
anos, é um dos académicos mais respeitados
na área da economia ligada ao meio-ambiente e, em particular, às alterações
climáticas. Já era visto, nos últimos dias, como um dos mais prováveis
vencedores, pelos modelos que criou e que calculam a interação entre a
economia, o uso de energia e as alterações climáticas. Com efeito este cientista norte-americano foi o primeiro investigador a
criar um modelo quantitativo capaz de descrever a interação entre a economia e
o clima e mostra como as atividades económicas contribuíram para as alterações
climáticas, com especial destaque para o aquecimento global no último século –
um trabalho que é usado para determinar o impacto de políticas ambientais, como
os impostos sobre as emissões de carbono.
Em
1993, Nordhaus já
avisava:
“A
Humanidade está a arriscar a sua sorte na relação com o ambiente natural,
através de uma multiplicidade de intervenções – injetando na atmosfera gases
vestigiais como os gases com efeito-estufa ou químicos que libertam
ozono, promovendo enormes alterações sobre o uso de territórios como a
desflorestação, eliminando várias espécies [animais] nos seus habitats naturais
ao mesmo tempo que criam espécies transgénicas em laboratório, e acumulando
armas nucleares suficientes para destruir as civilizações humanas”.
Por seu
turno, o também norte-americano Paul Romer, de 63 anos, que foi economista-chefe do Banco Mundial (BM), é sobretudo conhecido por ter formulado a notável teoria
do crescimento endógeno. É mesmo considerado
um dos pais da teoria do crescimento endógeno, decisiva para, como
afirmou a Real Academia Sueca das Ciências, “integrar a inovação tecnológica na
análise macroeconómica de longo prazo”.
O antigo economista-chefe
do BM focou-se no impacto da acumulação de
ideias no crescimento económico a longo prazo e demonstrou como as forças
económicas governam a vontade das empresas em criar novas ideias e promover a
inovação.
Em chamada
telefónica audível na cerimónia de entrega dos prémios, Paul Romer também
respondeu a questões ligadas às alterações climáticas e salientou que “o problema que temos hoje é que as pessoas
pensam que proteger o ambiente vai ser tão difícil e tão oneroso que preferem
ignorar o problema e fingir que não existe”.
Romer
garantiu, na mesma conversa, que não estava à espera de receber o prémio, de
tal forma que ignorou duas chamadas telefónicas ao início da manhã, que eram da
academia mas que achou deverem ser “chamadas de spam” ou de
publicidade.
O
académico demitiu-se do Banco Mundial, no início deste ano, após ter dado
uma entrevista ao The Wall Street Journal onde deu a
entender que as inclinações políticas dos técnicos do banco estavam a ter uma
influência indesejável na preparação dos rankings mundiais sobre
os países onde é mais fácil ter negócios.
***
Criado em 1968 – há
exatamente 50 anos – e financiado pelo Banco Central da Suécia como forma de reconhecimento do
trabalho dos investigadores da área, o “Prémio
de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel” não faz parte dos
famosos galardões atribuídos pela Fundação Nobel desde o início do século XX, como são os prémios para a
ciência (física,
química, medicina),
a paz e a literatura (que este ano não vai ser entregue). Ainda assim, porque é a distinção mais prestigiante que um
economista pode receber, ficou popularmente conhecido como o “Nobel
da Economia” e já galardoou figuras como John Hicks, Friedrich Hayek, James
Tobin, John Nash, Joe Stiglitz e Paul Krugman. O vencedor do ano passado foi
Richard Thaler, um dos criadores da economia comportamental, que alia
investigação na área da psicologia com a teoria económica.
Além do
prestígio, o vencedor ganha um diploma, uma medalha de ouro e um cheque no
valor de nove milhões de coroas suecas (cerca de 850 mil euros), a dividir pelos premiados nos casos em que o prémio é
partilhado).
***
Em suma,
honremos os laureados e preocupemo-nos efetivamente com a saúde do planeta. Talvez
seja o momento de reiterarmos o mérito do Papa Francisco no equacionamento duma
justa ecoeconomia ao serviço do homem a partir dos esforços dos decisores e dos
agentes pela preservação da Terra e do ecossistema, sabendo que os abusos e os
atropelos ao ecossistema prejudicam sobretudo os mais débeis física e
economicamente. Por isso, há que apelar à vontade política humanizada e
humanizante e à moderação económica.
Talvez seja
a hora de reler a encíclica Laudato Si’
e tirar daí as necessárias consequências.
2018.10.09 –
Louro de Carvalho
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