A edição de hoje, 30 de outubro, do Jornal de Notícias publica um artigo de
opinião de Rui Nunes, professor
catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto sob o título “Professor”, Património Imaterial da Humanidade”, em
que sustenta que “o professor deveria ser considerado pela UNESCO
como Património Cultural Imaterial da Humanidade” advertindo que não está em
causa ‘um professor’ individualmente considerado, mas “o magistério e a profissão
que ele representa”. E refere que a proposta surgira “num debate sobre educação promovido por
professores em Mirandela”, o que, segundo o também investigador do CINTESIS
– Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, revela que, “no interior do
país, frequentemente esquecido e marginalizado, também se pensa”, já que “o pensamento
é livre”. E sublinha: “Mas só é livre
porque alguém nos educou para a liberdade e para a cidadania”. Obviamente
que nos remete para a missão e papel do educador, professor e formador, bem
como para o jardim de infância, a escola, a academia.
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Obviamente que se concorda com a pretensão do
investigador e professor na pretensão que enuncia. Porém, não era necessário
advertir para o facto de não se tratar de relevar um professor individualmente
considerado, pois ninguém de bom senso cairia nesse entendimento. Com efeito,
não raro se fazem homenagens ou se erigem monumentos (estátuas, bustos, medalhas comemorativas…) a
entidades representativas ou simbólicas duma profissão, agremiação ou
corporação. Temos, por exemplo, os casos, por antonomásia, de monumentos ao Soldado Desconhecido, ao Bombeiro,
ao Ranger, ao Comando, ao Marinheiro, ao
Pescador, ao Catequista, aos Combatentes,
aos Mártires da Pátria, aos Descobridores, como temos, por exemplo,
a rua dos Caldeireiros, o bairro dos Pescadores, a rua dos Ferreiros, a rua dos Sapateiros, a rua dos Cónegos, a avenida das Forças Armadas, a avenida dos Defensores de Chaves, a igreja das Carmelitas, o convento dos Franciscanos, o valado dos Frades, o curral das Freiras… E não nos cabe na cabeça
individualizar alguém em casos destes. Já não é o caso de monumentos, bairros,
praças, ruas, avenidas em que o homenageado é perfeitamente identificado e individualizado
(vg avenida Gago Coutinho, aeroporto Francisco Sá
Carneiro, estátua equestre de Dom José I…). E isto acontece
mesmo quando a identificação é implícita como, por exemplo, no caso do Mosteiro da Batalha, que é memória da
batalha de Aljubarrota, ou o da Praça da
Batalha, onde esteve a Capela de Nossa Senhora da Batalha e foi edificado o
Palacete da Batalha, que é memória do que, segundo a tradição, ali se passou no
século X, uma sangrenta batalha entre os sarracenos de Almançor e os
habitantes do Porto, que acabariam por sair derrotados, sendo arrasada a cidade,
e lembrando-nos mais para cá as batalhas miguelistas – liberais do século XIX. Não
passo em silêncio que os públicos louvores, as condecorações e prémios tanto
são atribuíveis a pessoas singulares como a pessoas públicas, bem como a
insígnias identificadoras destas. Por exemplo, o Regimento de Infantaria n.º 14
foi, a
25 de abril de 2000,
feito Membro-Honorário da Ordem da Liberdade e, a 5 de março de 2012,
Membro-Honorário da Ordem Militar de Avis; e que Mário Soares, quando um
dos governos de Cavaco Silva urgiu a extinção do Regimento de Comandos,
condecorou o estandarte, a 16 de dezembro de 1993, com o título de Membro-Honorário
da Ordem Militar de Avis.
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Por mim, que me habituei a tratar os meus
habituais destinatários do correio eletrónico por Veneráveis Unidades do Património Imaterial da Humanidade, concordo
em absoluto com a proposta veiculada pelo Professor Rui Nunes. Na verdade, se
considero que uma pessoa per se tem
um valor inestimável e a sua passagem pela vida constitui uma irrepetível e imaterial
mónada patrimonial da humanidade, com maioria de razão hei de considerar o
professor na sua missão valorosa já não como uma unidade, embora a pessoa de
cada um o seja, do Património Imaterial
da Humanidade, mas uma pertença coletiva e inestimável desse património
imaterial.
Portugal já fez entrar no Património Cultural Imaterial da Humanidade o Fado (2011), o Cante Alentejano (2014) e a Arte Chocalheira (2015) – elementos
envolvidos pelos objetivos da UNESCO: levar
o público a reconhecer, salvaguardar e revitalizar o património imaterial;
avaliar e inventariar a herança cultural intangível em todo o mundo; incentivar os
Estados a estabelecer inventários nacionais e tomar medidas legais e
administrativas relevantes; e encorajar os portadores do conhecimento a identificar,
revitalizar e salvaguardar a sua herança.
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O predito Professor Catedrático sustenta a
proposta no pressuposto facto de a educação ser “o mais potente fator de
desenvolvimento de um povo e o garante da construção de uma sociedade plural,
igualitária e inclusiva”, sendo que “não
há igualdade de oportunidades sem educação” – o que deve induzir o carinho
e o respeito pelo “professor”. E defende que tal atitude deve ser visível logo em
relação ao Ensino Básico e ao Secundário, justificando:
“É ele que molda a personalidade de todas as
crianças e jovens e lhes garante, apesar de outras condicionantes sociais e
económicas, um futuro aberto às diferentes experiências que a vida pode
proporcionar. E potencia a aquisição das competências necessárias a uma plena
autorrealização.”.
E, considerando a missão da UNESCO, discorre:
“Sendo a UNESCO a entidade responsável pela
difusão global da educação, da cultura e da ciência, faz sentido que seja aqui
reconhecido o imenso papel que a educação e os educadores prestam no devir
coletivo da humanidade. Mais ainda quando estamos a entrar numa era
profundamente tecnológica onde é necessário aprofundar as “soft skills”
relacionadas com a inteligência emocional.”.
Por
outro lado, insistindo na missão tão nobre como espinhosa do professor a
sugestão de Rui Nunes frisa a responsabilidade “pela
incorporação de outros valores intangíveis tal como a língua e a cultura” e ainda “a aprendizagem da arte ou da história como fatores identitários únicos
e exclusivos de qualquer sociedade”. Por isso, o reconhecimento pela UNESCO
será, na ótica daquele professor universitário, “um gesto de reconhecimento e gratidão pelo papel único do professor na
sociedade e pela sua função de educador e de exemplo, em qualquer país e cultura”.
E, no atinente ao caso português, vinca:
“Em Portugal, foi a universalização do
ensino que colocou o país na rota da modernidade. Se hoje temos excelentes
médicos, arquitetos, engenheiros, entre outros profissionais, ou se temos uma
cultura de cidadania democrática e de respeito pelos direitos humanos, devemos
aos professores o seu empenho e a sua dedicação.”.
Importa
acentuar que esta proposta vem a talhe de foice num momento em que, depois de
tantos ataques desferidos por sucessivos governos da República aos professores,
estimulados ou secundados por sinistros fazedores da opinião pública, contra o
seu estatuto profissional e a sua posição na sociedade, na onda da
desvalorização dos trabalhadores na administração pública, encontramos os
educadores e professores sobrecarregados de trabalho, tantas vezes inútil, numa
situação de verdadeira proletarização e risco profissional e muitos em estado
de depressão, num contexto de escola degradada, sobretudo a pública a responder,
cada vez mais exclusivamente, à população social e economicamente mais
desfavorecida. E, neste contexto, por fatores vários, a apreciação que muitos
na sociedade portuguesa fazem da profissão docente é negativa, contrariando a
visão tradicional sobre a escola e o professor.
***
Por tudo isto, é de considerar oportuna e benéfica a proposta de Rui
Nunes, cuja intervenção não se tem confinado ao exercício da medicina nem mesmo
à medicina e à docência, como se pode ver a partir de alguns dados curriculares
colhidos da Wikipédia e do site da
Universidade do Porto (UP), que mostram uma personalidade que faz pontes
entre a academia e a sociedade, a academia e a cultura, a academia e a
administração pública.
Rui Manuel
Lopes Nunes (Porto, 1961), médico, investigador do CINTESIS (Centro de
Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde) e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto, é o primeiro doutorado em todo o espaço lusófono na área da bioética e o
presidente e fundador da APB (Associação Portuguesa de Bioética). Foi membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida), domínio em
que se distinguiu nas atividades académicas e de formação, nomeadamente no
curso de doutoramento em bioética, parceria entre a Faculdade de Medicina da UP
e o Conselho Federal de Medicina Brasileiro. Neste quadro, contribuiu para a
formação de mais de duas centenas de especialistas brasileiros nos diferentes
domínios da bioética, sendo de salientar a organização de numerosas
iniciativas, de que se destacam o Congresso
Nacional de Bioética e o Fórum
Luso-Brasileiro de Bioética. Publicou mais de 20 livros e cerca de duas
centenas de artigos, sendo de realçar as obras “Prioridades na Saúde” (com Guilhermina Rego, edição: Mc Graw-Hill, abril de 2002), “Testamento Vital” (com Helena Pereira de Melo, edição: Edições Almedina, junho de 2011), “Regulação na Saúde” (edição: Vida
Económica, dezembro de 2014), “Ensaios em Bioética”
(edição: CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e
Serviços de Saúde, setembro de 2017) e “GeneÉtica” (edição: Edições Almedina,
junho de 2013).
Na área cultural, é também autor e/ou coordenador das obras “Cultura & Sociedade” (edição: Edições
Almedina, setembro de 2015), “Educação para a
Arte” (edição: Pelouro
da Educação, Organização e Planeamento [da] Câmara Municipal do Porto, 2015), “O Porto e a Escola” (edição: Câmara Municipal do Porto, janeiro de 2015) e “O Porto e as Igrejas” (edição: Pelouro da Educação da
Câmara Municipal do Porto, em parceria com a Diocese).
A pari, mantém intensa atividade social: foi o primeiro presidente
da ERSE (Entidade
Reguladora da Saúde),
membro do Conselho Médico-Legal do Ministério da Justiça e formador
do CEJ (Centro de Estudos
Judiciários). Foi um dos
fundadores do CISP (Centro
de Inovação Social do Porto) e coordena o programa “Porto
Cidade de Ciência”. Em 2012, fundou o Fórum
Democracia e Sociedade, espaço de reflexão política sobre a sociedade
contemporânea. E participa num espaço de opinião semanal “Tema Central”, onde aborda as principais questões políticas e
sociais da atualidade.
Na área da
cultura, destaca-se o seu empenho em causas culturais, tendo sido responsável
pela elaboração do Plano Municipal de
Cultura do Porto e vindo a contribuir regularmente para a revista “As Artes entre as Letras”. Foi
administrador da Fundação Ciência e
Desenvolvimento e do Teatro
do Campo Alegre, no Porto, membro do júri do Concurso Nacional de Leitura e comissário de diferentes exposições
de pintura e fotografia, nacionais e internacionais, de que se destaca a
exposição em Paris “Ponts
d'Espoir” da artista plástica Isabel Saraiva.
Ganhou
notoriedade pela proposta de legalização do Testamento
Vital em Portugal e no Brasil e pela proposta que efetuou à UNESCO de Declaração Universal de Igualdade de Género.
Desde 4 de março de 2015, é presidente do Conselho
Consultivo da Entidade Reguladora da Saúde, cargo para que foi eleito por
larga maioria, através de voto secreto dos seus 19 pares neste órgão. Em junho
de 2016, foi nomeado Head of the Research
Department of the International Network of the UNESCO Chair in Bioetnics (Haifa). E, em novembro de 2017 foi eleito membro titular da
Academia Nacional de Medicina de Portugal,
instituição que acolhe os mais elevados representantes da medicina portuguesa.
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É, pois, de
inteira justiça o público reconhecimento da missão do professor, como o será
todo o esforço coletivo feito e a fazer em ordem à dignificação da sua
profissão e à valorização do seu estatuto. Estão em causa o bem das crianças, adolescentes,
jovens e adultos, num mundo em que o docente não pode deixar de ser discente, e
a educação, que não pode ser balizada por critérios etários, devendo, antes,
abranger a vida toda e estender-se a todas as atividades. Com efeito, a educação
constitui um bem superior – se não em si mesma – como instrumento e meio de
construção harmónica da personalidade e de desenvolvimento pessoal e social,
numa sociedade que não deve parar de ser aprendente.
E, se o Fado, o Cante Alentejano ou a Arte
Chocalheira dizem respeito apenas a um povo ou a uma região, o Professor e
a Educação dizem respeito a todo o mundo. Por outro lado, se se pretende constituir
o Professor como integrante do Património
Imaterial da Humanidade, tem imperativamente de se considerar cada
professor e cada professora como um ser humano colocado numa posição especial
na sociedade e de se velar pela sua integridade física, psicológica e moral (para o que o próprio e a própria também
devem contribuir). Merece
tal proteção enquanto pessoa humana e enquanto promotor/a social, pelo que não
pode ficar em silêncio ante a falta de solidariedade dos poderes!
2018.10.30 – Louro de Carvalho
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