domingo, 21 de outubro de 2018

Também hoje há muitos filhos de Zebedeu a querer mandar


A passagem do Evangelho de Marcos (Mc 10,35-45) tomada para a Liturgia da Palavra do XXIX domingo do Tempo Comum no Ano B tem lugar paralelo em Mateus (Mt 20,20-28), mas com uma diferença. Enquanto em Marcos os apóstolos Tiago e João é que fazem o pedido a Jesus de lhes conceder que se sentassem um à direita e outro à esquerda no Reino da glória, em Mateus é Salomé, a mãe destes filhos de Zebedeu que se aproxima de Jesus com eles e Lhe faz o pedido.

Zebedeu (forma grega para designar Zebadias ou Zabdiel, a significar “Jahvé deu) era um pescador da Galileia com bens suficientes para ter serventes ou jornaleiros ao serviço (Mc 1,20) e para João, um dos filhos, ter acesso ao Pontífice (Jo 18,25) e poder sem dificuldade arcar com o múnus de receber em sua casa a mãe de Jesus (Jo, 19,27). Por sua vez, Salomé (perfeita) era uma das servidoras do colégio apostólico e agora subia com Jesus a Jerusalém (Mt 27, 55-56). O facto de os evangelistas não evidenciarem Zebedeu, a não ser na expressão “os filhos de Zebedeu”, talvez encontre motivo na ocorrência da sua morte pouco depois do encontro com Jesus na Galileia, que deu azo à chamada destes seus dois filhos (Lc 5,10) para o apostolado. Também alguns pensam que Salomé estava aparentada com Jesus pelo lado de Zacarias, o marido de Isabel, parenta de Maria (Lc 1,36).
No respeitante ao nome de Tiago ou Jacob (em grego, Iáckobos; e em latim, Iacobus) este filho do Zebedeu é chamado de Tiago, o maior, para distingui-lo do outro, Tiago, o menor, filho de Alfeu. Jacob, nome hebraico que significa “o suplantador”, foi dado ao segundo filho de Isaac e de Rebeca. Jacobo, que será a tradução direta para espanhol, tem muitas variantes, Giacomo (italiano), Jacme (provençal), Jacques (francês), James (inglês), Jaime (espanhol e português). Da pronúncia Santi Iacobi, no latim medieval temos Santiago nome que originou Tiago (por abreviação ou truncação), Diago (por sonorização de t para d), Diego (por assimilação vocálica incompleta) e Diogo (por dissimilação vocálica). E Ioánes (João), do hebraico Iochanan (a significar: Jahveh favoreceu), era o nome dum sacerdote durante o Pontificado de Joaquin, que voltou junto com Zorobabel. O apóstolo João era irmão menor de Tiago e, como este, filho de Zebedeu e, segundo a tradição, o autor do 4.º Evangelho.  
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O pedido ambicioso da cleronomia e do acesso ao topo do carreirismo
Estes filhos de Zebedeu, que Jesus chamou de Boanerges ou Filhos do Trovão (também Simão teve a mudança de nome para Pedro), correspondendo a filhos da voz de Deus ou da vingança do Senhor (cf 1Sm 2,10), aproximaram-se do Mestre a manifestar a vontade de conseguirem os dois postos de maior honra no suposto Império de Jesus. Obviamente não entraram de chofre: começaram a palpar terreno dizendo querer que o Mestre lhes conceda o que pedem; e, à pergunta sobre que tipo de pedido, esclarecem de pronto: o primeiro e o segundo lugar na Glória (em grego, doxa).
Querer estar pertinho de Jesus e partilhar com Ele do seu mistério e projeto é coisa boa, mas o diabo está na intenção e no desejo da finalidade dessa proximidade: mandar, ter poder. De facto, quer diretamente, quer através da mãe e junto com ela, os dois pediram os postos de maior relevância pensando que Jesus ia instaurar o Reino em Jerusalém para onde se dirigiam. O modo de julgar, tanto da mãe como dos filhos, era totalmente humano como se o novo reino fosse um Reino temporal e geográfico à laia dos reinos que eles conheciam. O seu modo de pensar era o dos judeus da época, que pretendiam um reino davídico de dominação, ao estilo romano. Se Salomé fosse parenta indireta de Jesus, como sustentam certos comentaristas, o seu pedido e atuação não seriam tão inusitados e desmedidos. O parentesco era motivo de especial prerrogativa por parte dos que Jesus chama grandes em política e sociedade. Por isso, se tornou pertinente a advertência de Jesus que vem na segunda parte desta perícopa evangélica (41-45).
Poderá dizer-se que Pedro tinha sido louvado e preferido como chefe da comunidade (cf Mt 16,16). Porém, em Marcos (8,27-30), como em Lucas (cf Lc 9,18-21), existe a confissão de Pedro, mas sem referência ao prémio pela mesma como em Mateus (cf Mt 16,17-18). Apenas Mateus incorre em certa falta de lógica ao referir que mãe e filhos pedem um lugar já destinado por Jesus a Pedro. Contudo, a recusa de Jesus face à tentação de Pedro, a quem chama de Satanás, (vd Mt 16, 21-23), dava a entender que o primado de Pedro tinha ficado em capitis diminutio. A transfiguração, perante os três discípulos Pedro, Tiago e João, mostra uma certa predileção pelos dois irmãos a ponto de eles, os filhos do trovão (Boanerges em Mc 3,17) ter a ousadia de pedir ao Senhor licença para lançar sobre uma aldeia samaritana fogo do céu (cf Lc 9,54) nessa última viagem a Jerusalém, tal como Elias em 2 Rs 1, 10-12. Agora, dirigem-se-Lhe como o novo rei de Israel que em Jerusalém vai iniciar o Reino.
Diz-se que Ciro, rei da Pérsia, preferia colocar os hóspedes mais honrados à esquerda pela proximidade do lugar do coração. Não se tratava apenas de privilégios (vd 1Rs 2,19), mas também de verdadeiros ofícios em que o rei exercia o poder através dos ministros. O Salmo 110, 1 fala do Messias como convidado de Jahvé, para se sentar à direita do seu trono, o que significava participar do seu poder e dignidade. Jesus utiliza aquele salmo davídico com interpretações messiânicas para confundir a ciência dos fariseus que não souberam responder porque David chama Senhor ao messias, sendo que este era seu filho ou descendente e, portanto, inferior a ele próprio (Mc 12,35-37). Por outro lado, o título de Boanerges, que Jesus deu aos dois irmãos mostra que eram personalidades fortes, inclinados a comandar. Assim, pediam o que naturalmente sentiam como adequado à sua vocação. Lucas (Lc 22,24-30) coloca o episódio após o anúncio da traição de Judas e, não atribuindo o pedido a Tiago e João, refere, no v. 24, que se levantou “entre eles uma discussão sobre qual deles devia ser considerado o maior”.
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A lição de Jesus contida na sua resposta
Considerando que não sabiam o que estavam a pedir, respondeu de maneira fina sem se indignar por um pedido aparentemente desmedido e imprudente. Era preciso dialogar sobre a pretensão deles. Escutando-os, servia-lhes de exemplo para a escuta. Antes lhes pôs a questão de serem capazes de assumir o destino dele: Podeis beber o cálice (em grego, potêrion) que tenho de beber e receber o batismo (em grego, baptisma) em que devo ser batizado? (verbos no presente com sentido de futuro). Era destino de amargura e sangue o que eles chamam de glória do Reino, cálice a beber e batismo em que se deve ser submerso, cálice de vingança, cólera e indignação, cálice que por três vezes Jesus rogou ao Pai para não beber (cf Mc 14,6). Jesus sabia que seria tratado como inimigo pela ira do Pai. Era o cálice da vingança divina a que aludem Salmos e Profetas.
Assim, o Salmo 75 refere:
O Senhor tem um cálice na mão. Nela derrama um vinho fermentado e bem misturado e obriga a bebê-lo a todos os malvados da terra até à última gota”. (Sl 75, 9-10).
Em Isaías, lê-se:
Desperta. Desperta, levanta-te, Jerusalém, que da mão do Senhor bebeste o cálice da sua ira, o cálice do atordoamento e o esgotaste.” (Is 51,17).
Em Jeremias:
Porque assim me disse o Senhor, o Deus de Israel: Toma de minha mão este cálice do vinho de meu furor e darás a beber dele a todas as nações às quais eu te enviar (Jr 25,15).
E, em Ezequiel 23, 31-33:
Seguiste (Jerusalém) o caminho de tua irmã (Samaria). Por isso, entregarei o seu cálice na tua mão… beberás o cálice de tua irmã, cálice fundo e largo.. cálice de espanto e desolação.” (Ez 23, 31-33).
No concernente ao Batismo, só Marcos traz essa referência. É a submersão ou imersão na água ou no fogo do Espírito Santo (Mt 3,11). Mas Jesus toma essa figura para designar o seu batismo de sangue, imerso no seu próprio sangue como o guerreiro que vem de Edom (o país inimigo por excelência) com a veste manchada do sangue dos inimigos ou como o que sai do lagar depois da pisa das uvas, porque era o dia da vingança e chegava o ano dos redimidos (cf Is 63,1-4). Só que esse sangue era o próprio de Jesus em que a justiça divina tinha determinado castigar o pecado e, por isso, Jesus, predisse: “tenho de ser batizado num batismo (de dores) e como me angustio até ser consumado” (Lc 12,50). E, quando censurou Pedro por ter usado da espada contra Malco no Monte das Oliveiras, fez referência ao cálice do seu destino: “Mete a espada na bainha; não beberei porventura, o cálice que o Pai me deu?  (Jo 18,11). Jesus insta os dois interlocutores pedintes a unirem-se-Lhe na hora de sua paixão e morte. Na verdade, a sua morte não era um ato de rancor e vingança dos dirigentes de Israel, nem provinha de decisão iníqua da justiça romana, nem demonstrava um triunfo do mal demoníaco, mas um ato de amor do Pai que mostrava a sua misericórdia salvando o pecador e revelava a sua justiça punindo o justo para indicar a gravidade  do pecado e a urgência da conversão. Obviamente quem segue o Senhor terá disponibilidade para ter o mesmo fim que Ele (batismo, cálice e gloria), não necessariamente pela via do martírio, mas pela doação total.
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A pronta disponibilidade dos Boanerges e o esclarecimento da parte de Jesus
Eles temerariamente disseram que “sim”. E, face a esta resposta positiva e resoluta dos dois discípulos, Jesus anuiu: beberiam o cálice que Ele beberia e seriam batizados no batismo em que Era é batizado, mas advertiu que sobre os postos de honra que almejavam não Lhe pertencia concedê-los, pois serão daqueles para quem estão reservados. Sentar-se à direita e à esquerda é uma questão de previdência divina, preparada pelo Pai como diz Mateus (Mt 20,23). E a profecia de Jesus em relação aos dois irmãos gémeos cumpriu-se, mas depois de terem realizado o previsto batismo de Cristo no sangue e no Espírito. No caso de Tiago, realizou-se material e totalmente, pois foi morto no ano 44 por ordem de Agripa (At 12,2); e de João Tertuliano diz que foi martirizado ante portam latinam submerso em azeite fervente do qual saiu ileso, para morrer de velho em Patmos, ilha do Egeu. Afinal, souberam arriscar!
Na segunda parte da resposta de Jesus, de não dispor dos lugares preferidos no Reino, porque já estão predestinados, o uso do verbo na passiva (êtoímastai) indica que é desígnio de Deus (ou do Pai, como frequentemente Jesus afirma) a decisão para coisas que não correspondem à sua humanidade, mas aos planos divinos, não a ele como Mestre dum colégio apostólico, mas que já está determinado pela suprema autoridade de Deus, Criador e Senhor do Universo. Não há aqui referência ao mistério trinitário, então completamente desconhecido dos apóstolos. O Pai que eles conheciam era o Pai celeste, de quem se deviam tornar filhos (Mt 5,45), o Senhor do céu e da terra (Mt 11,25), que decide quem deve entrar no Reino (Jo 6,44), que reservava os melhores postos no Reino (Mt 20,23) e de cujos planos futuros nem os anjos nem o Filho podiam saber com determinação o dia e a hora (Mt 24,36 e Mc 13,32). Próprio do Filho era o julgamento final (Mt 25,34), como o era dum triunfador sobre os inimigos. Porém, a suprema ironia é que no momento em que Jesus recebe o Reino (na cruz) estavam com ele, um à sua direita e outro à sua esquerda, não dois dos discípulos (enquanto os outros fugiram, um dos Boanerges, João, estava à distância junto com Maria e as mulheres que a acompanhavam), mas dois homens condenados por latrocínio: um impenitente e um arrependido. A este foi ali prometido o paraíso.
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A reação dos demais membros do colégio apostólico e a lição de Jesus
Perante a pretensão dos Boanerges, compreensivelmente os dez começaram a indignar-se contra eles. Com efeito, a ambição humana estava fortemente arraigada no ânimo dos discípulos de Jesus. Daí a sua indignação com os dois irmãos que pretendiam a melhor posição no futuro Reino de que todos estavam à espera com a entrada de Jesus em Jerusalém. Face a essa manifesta indisposição contra os filhos de Zebedeu, Jesus chamou-os e, dando-lhes a todos eles a lição do serviço, ao invés do que fazem os considerados chefes no mundo, e exprimindo claramente a finalidade para que veio ao mundo, disse-lhes:
Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas e como os grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos.”.
Jesus opõe, assim, o seu Reino aos reinos em prática dos povos vizinhos. Nestes últimos, os chefes tiranizam os povos e os grandes exercem um poder opressor sobre os súbditos. Bastava ser um adulto na época para ter sofrido os abusos e vexações, ao menos tributárias, de Herodes, de Arquelau e de Antipas para não falar dos venais procuradores romanos. Ora, no reino do Messias, cuja semente eram aqueles discípulos, não podia suceder assim. Ao invés, o que aspira a ser grande tem de ser servidor, e o que almeja ser o primeiro deve ser o servo de todos. Não deve existir ambição nem pretensão nas lideranças do Reino, pois estas não são para proveito próprio, mas carisma em prol da comunidade, ministério, diakonia, exatamente como aquele que serve de livre vontade ou é servo. Assim, quem ambiciona postos que apenas ofereçam serviço e trabalho de servo? Porém, o exemplo vem justamente do Filho do Homem, que “não veio (para) ser servido, mas servir e dar sua vida (como) resgate (lytron, em grego)  por muitos.
As palavras entre parênteses não estão no grego original, mas foram acrescentadas para completar a nossa sintaxe. A expressão “Filho do homem” tem vários sentidos. Um deles é o substituto do “eu”, como fazemos em português. A frase seria traduzida: “Assim como eu …”. Jesus, Rei e Chefe principal do novo Reino, teve não só um momento, mas uma vida dedicada ao bem dos súbditos, vindo a dar a vida como resgate por muitos. A palavra grega “lytron” é traduzida para latim como redemptio, aqui no acusativo do singular redemptionem. Surge no NT só em ambos estes casos paralelos, os de Marcos e Mateus. Significa resgate ou preço pago pela liberdade ou alforria dum escravo. Geralmente usa-se a palavra apolytrosis, que aparece em Lucas e nas cartas de Paulo com significado mais teológico e restritivo de resgate, ou pagamento, o preço do sangue de Cristo (Ef 1,7) e que geralmente é traduzida por redenção. Era o preço da passagem de escravos a libertos (no caso dos cristãos a filhos), o preço da liberdade segundo o que vemos em Jo 8,33, a passagem de escravos do pecado, que segundo Paulo tem personalidade própria (Rm 6,6), à liberdade de filhos (Jo 8,36). O preço foi o sangue que Jesus derramou até a última gota (Jo 19,34). E, como o sangue simbolizava a vida, Ele afirma que deu a vida pelos que eram até então pecadores e, portanto, escravos do pecado, mas que agora nele creem (Jo 8,31-32) e se tornaram amigos (Jo 15,15) e filhos. E, sobre a dimensão do serviço, a lição de Jesus vem explicita em Lucas na perícopa acima referenciada, acrescentando em consonância com um tópico do discurso eucarístico antes enunciado na ceia, devemos escutar:
Pois, quem é maior: o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é o que está sentado à mesa? Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve. Vós sois os que permaneceram sempre junto de mim nas minhas provações, e Eu disponho do Reino a vosso favor, como meu Pai dispõe dele a meu favor, a fim de que comais e bebais à minha mesa, no meu Reino. E haveis de sentar-vos, em tronos, para julgar as doze tribos de Israel.” (Lc 22,27-30).
E João, depois do lava-pés, transcreve o discurso de Jesus sobre o serviço, no âmbito do seu amor levado ao extremo e como preparação para o mandamento novo do amor:
Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também. Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática.” (Jo 13,13-17). 
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Concluindo
Na História da Igreja vemos repetida aquela atuação dos Boanerges. O poder real era outrora ambicionado pelos representantes do clero. Disso são amostra cabal os antipapas, os poderes militares e políticos dos Pontífice romanos, os litígios entre bispos desde o século III, a excessiva cleronomia, que, ao invés do Vaticano II, impede a evidência do real papel do laicado e esgrime na luta pela progressão e promoção na carreira eclesiástica. Tudo isto a par do desejo de mando que se trasladou para o laicado sob a capa de democratização e igualdade ou sob a acusação de discriminação do sexo. De facto, enquanto muitos e muitas lutam genuinamente pela igualdade de oportunidades na Igreja, outros querem lugares de mando e não de serviço. 
Ora, como Kennedy perguntava o que podia fazer pela pátria, também nós nos devemos interrogar insistentemente sobre o que podemos fazer pelo Reino de Cristo e responder com sincera e generosamente. Na verdade, não sabemos o que pedimos quando esperamos e rogamos por triunfos pessoais. E, após 2000 anos, estamos submersos na ignorância que oprimia os Boanerges. Ainda sonhamos com recompensas terrenas e coroas temporais. Vemos clérigos desejar títulos de monsenhor, cónego ou bispo, como se isso fosse degrau para espalhar e engrandecer mais e melhor o Reino. Há poucos crentes que, a exemplo de Isabel da Hungria, deixem a coroa no banco do templo para coroar a cabeça com a coroa de espinhos que encimava o crucifixo da igreja. É, pois, pela via de muitas tribulações que devemos entrar no Reino dos Céus (cf At 14,22). O pior não é que Tiago ou João estejam de novo dentro da Igreja, mas que dificilmente, como os outros restantes apóstolos, haja quem não os censure, porém, não por outro motivo a não ser a inveja. Ora, nada se deve fazer por vanglória ou partidarismos, mas por humildade, tendo cada um dos como outros superiores a si mesmo (cf Fl 2,3). Feliz de quem pode com sinceridade regozijar-se quando o outro é exaltado, embora ele mesmo seja esquecido, simplesmente posto de lado ou mesmo relegado para a prática do bem nas áreas em que os outros não querem trabalhar, áreas – passe a expressão – de latrinas do Reino.
Jesus cumpre a profecia de Isaías (cf Is 53,10-11) segundo a qual o Senhor esmaga o seu servo com sofrimento até ao sacrifício da via em reparação, após o qual receberá muita gente como despojos. Ele é o Sumo Sacerdote que a Carta aos Hebreus (cf Heb 4,14-16) diz ter penetrado os Céus, pelo que, firmes na fé, vamos confiantes ao trono da graça e alcançaremos misericórdia.
2018.10.21 – Louro de Carvalho

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