Depois de
tantos e reiterados apoios formais da parte do Primeiro-Ministro, Azeredo Lopes
acabou por apresentar hoje, dia 12 de outubro, o seu pedido de demissão,
alegadamente para evitar que as Forças Armadas sejam “desgastadas pelo ataque
político” e pelas “acusações” de que disse estar a ser alvo por causa do
processo de Tancos.
Com efeito,
em carta enviada ao Primeiro-Ministro e a que a agência Lusa teve acesso, frisou:
“Não podia, e digo-o de forma sentida, deixar que, no que de mim
dependesse, as mesmas Forças Armadas fossem desgastadas pelo ataque político ao
ministro que as tutela”.
O ministro
demissionário reiterou a negação de ter tido conhecimento (direto ou
indireto) duma operação em que o
encobrimento se terá destinado a proteger o, ou um dos, autores do furto. E, sobre o momento da tomada de decisão, invocou o desejo de
aguardar pela finalização da proposta de Orçamento do Estado para 2019 para
“não perturbar” o processo com a sua saída.
A verdade é
que o governante estava desgastado desde há muito tempo, tendo as suas
declarações de que não sabia da suposta encenação da entrega do material supostamente
furtado de Tancos constituído a gota de água para a erosão final, sobretudo se
atendermos às declarações contraditórias que vieram a lume da parte quer do seu
ex-chefe de gabinete, quer do ex-diretor da PJM, quer ainda do ex-porta-voz da
mesma PJM, sendo as destes dois militares, além de contraditórias, marcadas por
atos de recuo e fautoras de suspeitas.
Porém, não
se pode pôr de parte o facto de o governante ter, no caso do suposto furto de
material bélico de Tancos, funcionado como o fole do acordeão. Na verdade,
precipitadamente tanto disse publicamente tratar-se dum caso inédito e muito
grave para a segurança nacional como depois o desvalorizou e afirmou que, no
limite, até poderá nem ter havido furto. No entanto, as chefias militares, curvadas,
ajoelharam perante o poder político, deixando essas, sim, o Exército mal postado
na fotografia quer pelas declarações do general anterior CEMGFA (Chefe
do Estado-Maior General das Forças Armadas)de que o
material estava obsoleto e não causava qualquer perigo para a segurança
nacional (esquecendo que material obsoleto não é eficaz em caso de ataque e defesa,
mas pela sua índole mortífera pode causar dano às pessoas e bens), quer pelas atitudes erráticas do general CEME (Chefe
do Estado-Maior do Exército), que
demite e reintegra comandantes, vê passivamente e sem qualquer explicação, sair
da instituição generais que estavam em lugares estratégicos de comando. E
diga-se que não é um ministro que desgasta as Forças Armadas, mas todo um
conjunto de atitudes políticas do Parlamento e do Governo, o desfavor da
opinião pública e eventual falta de atitude ética e/ou técnica dos próprios
militares.
***
Entretanto,
não devemos passar ao de leve que o primeiro caso polémico de Azeredo Lopes foi
a demissão do general Carlos Jerónimo do cargo de CEME, que se recusou a
executar a exigência, feita pelo ministro, da exoneração do subdiretor do
Colégio Militar (CM)
depois de este assumir a existência de uma corrente interna no CM excludente de
alunos homossexuais, para o que eram alertados os encarregados de educação (mentalidades
vs lei). Então, o Ministério da Defesa Nacional e o
Exército escusaram-se a confirmar ou a desmentir a informação obtida junto de
fontes militares. Mas o desconforto começou aí. O próprio Secretário de Estado
da Defesa, Marcos Perestrelo, disse, ao tempo, que a demissão do CEME, na sequência
duma entrevista do subdiretor do Colégio Militar, tenente-coronel António
Grilo, fora “uma decisão do próprio”. O ministro pedira informação ao CEME
sobre o que iria fazer sobre isso.
O caso
do CM começou com uma reportagem publicada pelo jornal Observador ‘online, em que o subdiretor do Colégio Militar
afirmara:
“Nas situações de afetos [homossexuais], obviamente não podemos fazer
transferência de escola. Falamos com o encarregado de educação para que perceba
que o filho acabou de perder espaço de convivência interna e a partir daí vai
ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares. Porque é o que se
verifica. São excluídos.”.
Na
altura, o Ministério da Defesa Nacional pediu explicações ao CEME e considerou
“absolutamente inaceitável qualquer
situação de discriminação, seja por questões de orientação sexual ou quaisquer
outras, conforme determinam a Constituição e a Lei”. E o general Carlos
Jerónimo rejeitou o que terá qualificado como ingerência direta na cadeia hierárquica
do Exército.
***
Das reações
ao pedido de demissão do Ministro da Defesa Nacional destacam-se as reações
formais: a do Presidente da República e a do Primeiro-Ministro. Mas são de
considerar, pela sua relevância, também as dos partidos políticos e a da ANS.
Numa nota do
Presidente da República colocada no site da
Presidência, lê-se:
“O Primeiro-Ministro informou esta tarde o Presidente da República do
pedido de demissão do Ministro da Defesa Nacional, propondo a sua exoneração,
nos termos do art.º 133.º, h) da Constituição, mais tendo acrescentado que
oportunamente proporia o nome de um substituto”.
Confrontado
com a situação, “o Presidente da
República aceitou a proposta de exoneração e aguarda a proposta de nomeação do
sucessor” – lê-se na mesma nota.
Por sua vez,
o Primeiro-Ministro, em
nota enviada à comunicação social, explica que aceitou a demissão de Azeredo
Lopes por respeito à sua “dignidade,
honra e bom nome” e para garantir a “preservação
da importância fundamental das Forças Armadas”. E agradece o trabalho desenvolvido
pelo Ministro da Defesa Nacional demissionário e que fala na necessidade de
preservar o prestígio das Forças Armadas, explicitando:
“Quero
publicamente agradecer ao Professor Doutor José Alberto de Azeredo Lopes a
dedicação e empenho com que serviu o país no desempenho das suas funções”.
***
Já a ANS (A Associação
Nacional de Sargentos) estranhou
“o momento” da demissão. A este respeito, o sargento-mor Lima Coelho, antigo
presidente da ANS e atual diretor do jornal da associação, disse ao DN que “as dificuldades” sentidas e a “ausência
de resposta para muita coisa” – desde o caso de Tancos às questões associativas
e ao “cumprimento da lei” – fundamentam a estranheza quanto ao momento da
demissão. E lamentou que o ministro “saia sem resolver os problemas que tinha
entre mãos” e que têm contribuído para “o desgaste das Forças Armadas”,
sobretudo tendo em conta que ainda recentemente se ouviu o Primeiro-Ministro
dizer que “tinha toda a confiança” em Azeredo Lopes e que ele era “um ativo” do
Governo.
O governante
saiu na semana em que o seu antigo chefe de gabinete confirmou ter recebido os
dois principais responsáveis da PJM pela operação simulada de resgate das armas
furtadas em Tancos, o coronel Luís Vieira e o major Vasco Brazão. E o
tenente-general Martins Pereira, ex-chefe de gabinete do Ministro, que começou
por ser omisso em relação ao memorando que Vasco Brazão disse ter-lhe entregue
e ao telefonema que o major também afirmou ter sido feito para o Ministro,
acabou esta semana por entregar o documento ao Ministério Público.
Ora, Azeredo
Lopes reafirmou na carta de demissão não ter tido conhecimento da operação de
encobrimento para recuperar as armas e, segundo disse a PGR, não foi
constituído arguido nem foi chamado para prestar declarações ao Ministério
Público.
***
Também os
partidos políticos tomaram posição e reagiram. Mas diga-se que Rui Rio, antes
de a demissão ser conhecida, declarou que, se fosse Primeiro-Ministro, o Ministro
já não estaria no Governo por já não ter condições políticas – o que passaria
por uma conversa em privado, que o levaria talvez a ele próprio a formular o
pedido de demissão.
A
coordenadora do BE, Catarina Martins, registou “a retirada de consequências
políticas” de um “processo rocambolesco” como o suposto roubo das armas de
Tancos, mas considerou que a demissão do Ministro da Defesa Nacional “não é a
única resposta” necessária.
Catarina
Martins, em visita ao Centro de Acolhimento Temporário para Refugiados, em
Lisboa, quando foi conhecida a demissão de Azeredo Lopes, disse aos
jornalistas:
“Não há ninguém no país que não perceba a enorme gravidade de todo o
caso do roubo de armas de Tancos e de todo o processo, até rocambolesco. Nós
sempre dissemos que ele era bastante grave, o Governo parece agora retirar
consequências políticas da gravidade deste caso.”.
O BE regista,
de facto, “a retirada de consequências políticas”, mas a líder do partido fez
questão de sublinhar que “há muitas perguntas sem respostas”, sustentando:
“Portanto, eu julgo que uma demissão não é a única resposta de que
precisamos neste caso, é preciso mesmo compreender o que se passou. Há uma
investigação em curso e nós esperamos que o país possa ter as respostas que
merece sobre um caso que tem toda a gravidade.”.
Por seu
turno, o CDS lançou a dúvida sobre o que se terá passado desde o dia 10 – o dia
do debate quinzenal em que António Costa disse manter a confiança no ministro
da Defesa Nacional – para este pedir a demissão agora. Nesta conjetura de
dúvida, João Almeida disse:
“Parece muito pouco provável que
a razão para que o senhor Ministro se tenha demitido seja algum facto novo
acontecido entre quarta-feira, quando tinha toda a confiança do primeiro-ministro,
e hoje quando se demitiu”.
E o deputado
centrista lançou a dúvida/suspeita:
“Coisa
diferente é se houve revelação ou conhecimento por alguém de factos que se
teriam passado há mais tempo e a
gravidade de uma coisa ou de outra será aferida. Felizmente neste Parlamento,
numa comissão de inquérito que também ela foi proposta pelo CDS”.
Já antes,
João Almeida tinha dito que “o senhor Ministro há de saber por que é que se
demitiu”, pois a demissão é assim “muito reveladora”, para lá de “tardia” e
“inevitável”, porque, segundo o deputado, “percebeu-se desde o início” que o
ministro demissionário “desvalorizou o que se passou” e que, desde então, “era
impossível mantê-lo, além do facto de, “passado todo este tempo”, “ninguém
ignorar a degradação que houve da instituição militar”. Por isso, sacudiu as
críticas do Primeiro-Ministro a acusar o PSD e CDS de romperem com um “consenso
nacional” em torno das Forças Armadas e da Defesa Nacional. Perante a demissão
de Azeredo Lopes, o CDS distingue entre “quem se preocupa desde o início com o
prestígio das Forças Armadas e quer que a política resolva os seus problemas”,
que é o CDS, “ou quem diz uma coisa num dia e dois dias depois se prova que
aquilo que disse não vale absolutamente nada”, caso de Costa.
E o PCP
regista que Azeredo Lopes e o Primeiro-Ministro concluíram que o titular da
pasta da Defesa Nacional “não tinha condições para se manter em funções”. Falando
aos jornalistas nos, o deputado comunista António Filipe limitou-se a
sublinhar, por mais de uma vez, que o partido “regista” que Costa e Azeredo
entenderam que o Ministro “não tinha condições
para se manter em funções”, sendo eles os únicos que podiam fazer essa
avaliação. Em nome do PCP, o deputado espera agora que sejam apuradas “todas as
responsabilidades”, recordando que há um processo criminal em curso, que
“obviamente” prosseguirá, e que “está agendado um inquérito parlamentar que
seguirá os seus trâmites”. Por outro lado, diz esperar “que a justiça funcione”.
Moderada se mostra a reação de Marco António Costa, deputado
do PSD e Presidente da Comissão Parlamentar de Defesa. Em declarações à SIC
Notícias, disse:
“Este
é um tempo bastante preocupante quanto às nossas Forças Armadas, é necessária
uma atitude de estabilidade institucional. Este é um momento que tem sido doloroso para a imagem das Forças Armadas,
constituídas por homens e mulheres que dão o melhor de si próprios; é
necessário um esclarecimento cabal de onde estão todas as armas, pois algumas
podem estar em mãos erradas. Faço uma leitura de preocupação
com este processo, porque não se sabe onde estão algumas armas, não se sabe o
que levou ao furto. Sabemos uma parte do que é público quanto à devolução das
armas. Quero dizer que o senhor
Ministro teve sempre uma atitude impecável com a Assembleia da República.”.
E continuou:
“Esta demissão resolve um problema ao Governo quanto à
degradação da sua autoridade política junto das Forças Armadas aos olhos do
país. Era preciso estancar esta sangria de autoridade. O senhor Ministro
sentiu a necessidade de tomar esta iniciativa devido a um conjunto de
perguntas, dúvidas no ar. O que está em causa é uma tentativa extrema de o
Governo de estancar esta sangria de autoridade política nas Forças Armadas aos
olhos do país.”.
Por fim,
o PS reagiu à demissão de Azeredo
Lopes dizendo que é tempo de devolver “recato e serenidade” às Forças Armadas.
Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do partido, declarou aos
jornalistas:
“O PS sublinha a importância das Forças Armadas, o respeito pelas Forças
Armadas e a tranquilidade que devem ter para exercer as suas funções”.
Para a
deputada, é preciso manter as Forças Armadas estáveis, pois, como acrescentou “não é desejável que as Forças Armadas sejam
alvo de uma disputa político-partidária”, tendo sido esta a posição quer do
PS, quer do Primeiro-Ministro. E a demissão de Azeredo Lopes permitirá “deixar
as instituições funcionarem e que as Forças Armadas tenham condições para
funcionar”.
***
É este o
caso de um detentor dum cargo do poder político e membro do Governo, que
superintende e toda a administração pública, que, sabendo que as forças armadas
têm de se subordinar ao poder político, mas oferecem uma ancestral, embora
compreensível, dificuldade a que alguém interfira na cadeia hierárquica ou a
que os detentores do poder político tentem condicionar o comando operacional,
esquecendo que a sua responsabilidade consiste sobretudo na definição do
conceito estratégico nacional, na orientação superior, na nomeação e exoneração
das chefias, na alocação dos meios e na atenção à prestação de contas ao poder
político.
Para
interferir eficazmente na cadeia hierárquica, o político deve ter peso, ser
hábil e ter capacidade de liderança. Quem não se recorda de Ministros da Defesa
Nacional breves e inábeis (seria descortês referi-los)?
***
Enfim,
um ministro que primeiro tropeçou e caiu e só depois se demitiu! Tombou pela Pátria,
mas sem heroísmo.
2018.10.12 –
Louro de Carvalho
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