segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Revistas por palpação só por lei e pelas competentes autoridades


Deu entrada na Assembleia da República, no passado dia 4 de outubro, a Proposta de Lei n.º 150/XIII, do Governo (adiante designada por Proposta), que pretende alterar “o regime do exercício da atividade de segurança privada e da autoproteção”, através da alteração da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, que estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada e procede à primeira alteração à Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal). A Proposta foi admitida no dia 16, baixando à comissão competente, no caso a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O documento, aprovado em Conselho de Ministros no verão passado, vem instruído com os diversos pareceres das entidades cuja atividade está de algum modo conexa com a matéria e anexa a ficha de “avaliação prévia de impacto de género” (AIG) com a seguinte anotação: “Sem impacto de género”.
Segundo o texto da Proposta, “foi ouvido o Conselho de Segurança Privada, para o qual foram convidados como membros não permanentes a Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna, o Banco de Portugal, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S. A., a Associação Portuguesa de Bancos, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, a Associação Portuguesa de Centros Comerciais, a Associação Portuguesa de Segurança e a Associação de Diretores de Segurança de Portugal”.
A norma que está suscitar polémica é a do art.º 19.º, cujo teor vem respaldado na Exposição de Motivos nos termos seguintes:
No que diz respeito às funções que podem ser desempenhadas pelo pessoal de vigilância, repõe-se a possibilidade de realização de revistas pessoais de prevenção e segurança por palpação e vistoria dos bens transportados no acesso a recintos desportivos, a zonas restritas de segurança de portos e aeroportos ou a outros locais que justifiquem proteção reforçada e onde estas tenham sido autorizadas, desde que sob supervisão das forças de segurança. Cientes da existência de determinados locais que exigem especiais cuidados de segurança, prevê-se ainda a possibilidade de, em situações excecionais, ser realizado um controlo de segurança com recurso a meios técnicos à saída, contribuindo para a prevenção da prática de ilícitos criminais.”.
O teor do art.º 19.º, com a epígrafe “Revistas pessoais de prevenção e segurança”, passará a ser:
1. Os assistentes de recinto desportivo, no controlo de acesso aos recintos desportivos, bem como os assistentes de portos e aeroportos, no controlo de acesso a zonas restritas de segurança de instalações portuárias e aeroportuárias, podem efetuar revistas pessoais de prevenção e segurança com o estrito objetivo de impedir a entrada de objetos e substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar atos de violência.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o pessoal de vigilância pode:
a) Recorrer ao uso de raquetes de deteção de metais e de explosivos ou operar outros equipamentos de revista não intrusivos com a mesma finalidade, previamente autorizados;
b) Realizar revistas intrusivas por palpação e vistoria dos bens transportados pelos visados, devendo, neste caso, estar sob a supervisão das forças de segurança territorialmente competentes.
3. Por um período delimitado no tempo, e mediante despacho do membro do Governo responsável pela área da administração interna, podem ser autorizadas revistas pessoais de prevenção e segurança em locais de acesso vedado ou condicionado ao público, que justifiquem proteção reforçada, nos termos do número anterior.
4. A revista por palpação apenas pode ser realizada por pessoal de vigilância do mesmo género que a pessoa controlada.
5. A supervisão das forças de segurança, prevista na alínea b) do n.º 2, a requerer pela entidade responsável pela gestão do espaço ou do evento, deve atender ao número de seguranças privados a realizar revistas, ao número de pessoas a ela sujeitos e a outros fatores e circunstâncias que contribuam para a avaliação de risco.
6. A entidade autorizada a realizar revistas pessoais de prevenção e segurança nos termos do n.º 3 promove a afixação da autorização concedida, em local visível, junto dos locais de controlo de acesso.
7. A recusa à submissão a revista, realizada nos termos da presente lei, pode determinar a impossibilidade de entrada no local controlado.”.
O teor acima descrito substitui o curto art.º 19.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, mantendo-lhe epígrafeRevistas pessoais de prevenção e segurança”, que é o seguinte:
1. Os assistentes de recinto desportivo, no controlo de acesso aos recintos desportivos, bem como os assistentes de portos e aeroportos, no controlo de acesso a zonas restritas de segurança de instalações portuárias e aeroportuárias, podem efetuar revistas pessoais de prevenção e segurança com o estrito objetivo de impedir a entrada de objetos e substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar atos de violência, devendo, para o efeito, recorrer ao uso de raquetes de deteção de metais e de explosivos ou operar outros equipamentos de revista não intrusivos com a mesma finalidade, previamente autorizados. 
2. Por um período delimitado no tempo, e mediante despacho do membro do Governo responsável pela área da administração interna, podem ser autorizadas revistas pessoais de prevenção e segurança em locais de acesso vedado ou condicionado ao público, que justifiquem proteção reforçada, devendo o pessoal de vigilância devidamente qualificado utilizar meios técnicos adequados, designadamente raquetes de deteção de metais e de explosivos ou operar outros equipamentos de revista não intrusivos com a mesma finalidade, previamente autorizados, bem como equipamentos de inspeção não intrusiva de bagagem, com o estrito objetivo de detetar e impedir a entrada de pessoas ou objetos proibidos e substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar atos que ponham em causa a segurança de pessoas e bens. 
3. A entidade autorizada a realizar revistas pessoais de prevenção e segurança nos termos do número anterior promove a afixação da autorização concedida, em local visível, junto dos locais de controlo de acesso.”.
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No seu parecer, o STAD (Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas) sugere que “as palpações só devem ocorrer por agentes da PSP com a participação dos trabalhadores de segurança privada”. Ou seja, limita-se a propor a inversão da ordem que está prevista na alínea b) do n.º. 2.
Os pareceres das demais entidades, a não ser o da IGAI, não relevam para este artigo.
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Porém, o parecer da IGAI (Inspeção-geral da Administração Interna) ataca duramente a Proposta por alegadamente a revista por palpação levantar dúvidas sobre direitos constitucionais.
Como refere o “Observador”, “a alteração mais relevante do regime passa por abrir à segurança privada a possibilidade de ‘revistas intrusivas por palpação’, embora vigiadas pela polícia, no acesso a recintos desportivos, culturais, aeroportos e portos”.
O parecer da IGAI pode ler-se no site do Parlamento na data que regista a entrada da Proposta de Lei n.º 150/XIII (4 de outubro) e é tratado em artigo do “Diário de Notícias”, que denomina a alteração proposta pelo Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, de “impulso legislativo”, que coloca várias dúvidas de base. Além disso, segundo a IGAI, não esclarece:
Em que circunstâncias concretas são tais revistas admissíveis? Porque são de admitir? O que é que está mal hoje ou que insuficiências há hoje no serviço prestado pela indústria da segurança privada que, com as revistas pessoais intrusivas por palpação e a vistoria dos bens transportados pelos visados, possa melhorar e ser mais eficiente?”.
Por outro lado, aquele órgão inspetivo diz que o novo regime “pode confundir-se com uma medida de polícia, atribuindo a pessoal de vigilância atribuições que a Constituição e a lei reservam exclusivamente para a polícia” e critica a “ironia” de polícias a vigiar revistas da segurança privada, apontando:
Não deixaria de ser irónico que agora a polícia tivesse de regressar a um domínio de que esteve afastada e que tivesse de o fazer desviando agentes de funções mais consentâneas com os domínios mais nobres da função policial para exercer controlo sobre o trabalho realizado por pessoal de vigilância”.
O art.º 19.º da Proposta determina que o pessoal de vigilância passa a poder “realizar revistas intrusivas por palpação e vistoria dos bens transportados pelos visados, devendo, neste caso, estar sob a supervisão das forças de segurança territorialmente competentes”. Ou seja, acompanhados de polícias. E também estipula que tais revistas devem ser feitas por pessoas do mesmo género (Não sei como é que os corifeus da igualdade de género não contestam o ato discriminatório dessa revista intrusiva só poder ser feita por agente do mesmo sexo que o revistado!). Ora, a lei em vigor só permitia a utilização, por parte dos seguranças, de raquetes de deteção de metais e de explosivos ou outros equipamentos “não intrusivos”, sendo proibido qualquer contacto físico entre o segurança e o revistado. E até agora, este tipo de revistas era permitido no âmbito das leis de segurança para aeroportos e eventos desportivos. Doravante, passarão a estar consagradas na lei de segurança privada e são alargadas a festivais e concertos, e outros acontecimentos de acesso restrito ao público.
Por isso, com pertinência, questiona agora a IGAI: 
Quais os direitos constitucionalmente protegidos cujo valor é tão mais elevado e intenso que se sobreponham, justifiquem e comprimam direitos, liberdades e garantias dos cidadãos ao ponto de os sujeitar à indignidade de uma revista pessoal intrusiva por palpação e à vistoria dos bens que transporte na altura, simplesmente porque o cidadão se encontra em alguns dos locais [recintos desportivos, aeroportos, portos] sem que necessariamente recaia qualquer suspeita da prática de ato ilícito ou que se prepare para o fazer?”.
Para o DN, o parecer da IGAI é arrasador para a nova lei, que considera “pouco ambiciosa”. E, as suas críticas são mais duras na análise da norma que permite a “revista pessoal e intrusiva por palpação e vistoria dos bens transportados por cidadãos” no acesso a recintos desportivos, culturais, aeroportos e portos, por entender que a Propostanão estabelece limites, apenas prevê e autoriza esta ação por parte dos seguranças privados, pondo mesmo em causa os direitos constitucionais dos cidadãos”.
O DN sublinha que a IGAI é tão cáustica que não se inibe de dar uma lição de português ao Ministro da Administração Interna, apontando discordâncias verbais entre orações, concluindo que o texto terá sido redigido de forma “algo apressada e que inclusive faltou oportunidade para a revisão final”.
Porém, neste aspeto, não sei se a IGAI ou o DN têm razão, uma vez que a redação final será a que resultar da aprovação parlamentar, onde há uma comissão específica para a redação dos textos legislativos. Por outro lado, nunca, jamais, em tempo algum é o Ministro que redige este tipo de textos e este passou no Conselho de Ministros. Ademais, a IGAI teria muito que fazer se pretendesse e se fosse a sua missão corrigir textos. Cada macaco no seu galho!
Mas a IGAI levanta uma outra questão de semântica: o verbo “dever” foi substituído pelo verbo “poder”. E explica:
Quando se diz na lei atualmente em vigor ‘devendo, para o efeito, recorrer ao uso de raquetes de deteção de metais e explosivos ou operar outros equipamentos de revista não intrusivos’ substituindo-se ‘devendo’ por ‘podendo’ atenua-se o caráter obrigatório que hoje resulta da lei”.
Ou seja, a forma verbal “podendo”, segundo esta instância inspetiva:
Não impõe o dever de utilizar meios não intrusivos nas revistas pessoais, quanto muito passa a possibilitar apenas a utilização de equipamentos não intrusivos, o que abre a porta à contingência, critério e discricionariedade de quem procede à revista, de decidir se utiliza, ou não, os meios não intrusivos”.
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A IGAI critica ainda o facto da permissão destas revistas a qualquer cidadão, independentemente de sobre a pessoa recair qualquer suspeita da prática de ato ilícito ou só por se encontrar num local classificado como recinto desportivo, porto ou aeroporto. E a IGAI questiona:
Quais os direitos constitucionalmente protegidos cujo valor é tão mais elevado e intenso que se sobreponham, justifiquem e comprimam direitos, liberdades e garantias dos cidadãos ao ponto de os sujeitar à indignidade de uma revista pessoal intrusiva por palpação e à vistoria dos bens que transporte na altura, simplesmente porque o cidadão se encontra em alguns dos locais [recintos desportivos, aeroportos, portos] sem que necessariamente recaia qualquer suspeita da prática de ato ilícito ou que se prepare para o fazer?”.
Critica o facto de privados fazerem revistas por apalpação sob a vigilância da polícia, frisando: 
Não deixaria de ser irónico que agora a polícia tivesse de regressar a um domínio de que esteve afastada e que tivesse de o fazer desviando agentes de funções mais consentâneas com os domínios mais nobres da função policial para exercer controlo sobre o trabalho realizado por pessoal de vigilância”.
E mais: diz não ser comparável este controlo policial (estritamente funcional) com o controlo que é exercício sobre as medidas de polícia cujos atos policiais são objeto de controlo judicial.
A IGAI, enquanto entende que a Proposta de lei de segurança privada está “longe de conter uma disciplina rigorosa sobre o modo como deve ser realizada a medida restritiva, não por polícia, mas por pessoal de vigilância”, sustenta, em suma, que “a compressão” dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos deve limitar-se ao necessário e na medida em que esteja em causa proteger outros direitos ou interesses, mas sempre salvaguardando o princípio da dignidade humana. Assim, as revistas por apalpação só devem ser permitidas, quer através da lei quer através das autoridades competentes.
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Devem, pois, os deputados atentar nas críticas da IGAI e melhorar a Proposta de modo que seja integralmente respeitado o exercício dos direitos constitucionalmente protegidos. Porém, questiono-me se é a IGAI que deve, no quadro da sua missão, velar pela constitucionalidade da lei e não apenas pelo seu cumprimento, bem como pelo apuramento dos factos e dos responsáveis no caso de incumprimento, com a respetiva sanção disciplinar e a participação ao Ministério Público no caso de haver indícios de pratica de crime. E pergunto-me se da prevenção de ilícitos criminais não será inimigo o excesso de garantismo ou a falta de vigilância, até porque a simples suspeição não implica a intenção ou a prática de atos ilícitos. Justificar-se-á ou não o incómodo do cidadão face ao bem da segurança? É algo que apenas cabe ao Parlamento, enquanto órgão do poder legislativo, ponderar e decidir, pois legislar em matéria limitativa dos direitos, liberdades e garantias é competência da reserva relativa da Assembleia da República.
2018.10.22 – Louro de Carvalho

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