A
atenção da Igreja aos fenómenos que se passam no seu interior e às vozes que
bradam dentro de si mesma e a partir do mundo é condição necessária para que se
ponha em saída. Caso contrário, terá dificuldade em saber qual o objetivo da
saída ou as ações que prioritariamente devem ser desencadeadas.
Poderá
dizer-se que a saída é pautada pelo Evangelho. Certamente que sem Evangelho não
é possível qualquer saída não errática. No entanto, o Evangelho implica que se
perscrutem os sinais dos tempos e estes espelham, não só o que o mundo
apresenta de pior, mas também o que há de melhor e o que é tendencialmente bom,
se daí se partir para o seu reto ordenamento.
O Sínodo
dos Bispos sob o tema ‘Os jovens, a fé e o discernimento vocacional’, que está a encerrar,
consagrou um momento de escuta entre os participantes, mas também da parte dos
jovens oportunamente reunidos em assembleia pré-sinodal e de todos os que
houveram por bem dar o seu contributo através da internet, do correio
eletrónico e das redes sociais.
Se pensarmos no panorama por que se move a juventude e o
enquadrarmos no âmbito dos sinais dos tempos, talvez possamos
verificar a indiferença, o distanciamento e até hostilidade em relação às
Igrejas e mesmo às religiões, como podemos assinalar que muitas instâncias
sociais, societárias, culturais, estéticas, económicas, políticas e desportivas
tentam formatar os jovens capturando-os para os interesses poderosamente
instalados. Mas também verificamos que surgem grupos de jovens inteiramente empenhados
numa onda de reflexão e ações sérias, coerentes e norteadas pelos altos ditames
do espírito com vista à realização pessoal, sim, mas também com vista à
disponibilidade em favor do próximo. Tanto assim é que as grandes campanhas de
sensibilização em nome de causas altruístas contam com numerosos grupos de
jovens. E há aqueles jovens sem formação académica e/ou sem trabalho que não
encontram sentido na vida e que se sentem à parte, porque ninguém se aproxima
deles ou porque ninguém os convoca. Por outro lado, muitos quando ouvem
linguagens ou lhes propõem comportamentos que não são do seu mundo ou se as
linguagens utilizadas são herméticas ou obsoletas e os comportamentos propostos
lhes soam a desajustados, não se sentem bem nos átrios da Igreja e nos seus
espaços. Por isso, é urgente a escuta das suas vozes para se ajustarem as propostas
em linguagens e instrumentos aceitáveis e se poder discernir até que ponto e de
que modo as atitudes e comportamentos que se propõem se inserem no âmbito da
mensagem evangélica ou em que medida foram impostos por força de tradições ou
de construções humanas, embora com o fito de implantar o Evangelho entre as
pessoas e nos povos.
***
Como foi
referido, o Sínodo, embora tenha sido uma assembleia de Bispos, contou com a
presença de umas dezenas de jovens. E, se os Padres Sinodais elaboraram uma Carta aos jovens do mundo inteiro,
aprovada juntamente com o Documento Final
do Sínodo, também os jovens auditores ofereceram ao Papa o compromisso de
compartilharem o seu “sonho de uma Igreja em saída”. Com
efeito, em mensagem lida no final da tarde do dia 26, após um momento de
reunião dos Padres Sinodais e dos jovens auditores com música, dança e poesia –
o próprio Cardeal
Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo, deu um show a parte ao piano –, os jovens disseram ao Papa:
“Estamos contigo e com todos os bispos da nossa Igreja, mesmo nos
momentos de dificuldades. Pedimos-te para continuares o caminho que tomaste e
prometemos-te o nosso total apoio e a nossa oração diária.”.
Depois de lida, a mensagem foi
entregue ao Papa Francisco, assinada com canetas de cores diferentes. Ei-la na
íntegra, de acordo com o Vatican News,
com adaptações ao nosso português:
“Nós
jovens, presentes no Sínodo, queremos colher esta ocasião para te exprimir a
nossa gratidão por nos teres dado o espaço para fazer, juntos, este pequeno
pedaço da história. As ideias novas necessitam de espaço e tu deste-nos este
espaço. O mundo de hoje, que nos apresenta a nós, jovens, oportunidades
inéditas junto a tantos sofrimentos, tem necessidade de novas respostas e de
novas energias de amor. Tem necessidade de reencontrar a esperança e de viver a
felicidade que se experimenta no dar mais que receber, trabalhando por um mundo
melhor.
Nós queremos afirmar que
compartilhamos o teu sonho: uma Igreja em
saída, aberta a todos, sobretudo aos mais vulneráveis, uma Igreja ‘hospital de
campanha’. Já somos parte ativa desta Igreja e queremos continuar a comprometer-nos
concretamente para melhorar as nossas cidades e escolas, o mundo sociopolítico
e os ambientes de trabalho, difundindo uma cultura da paz e da solidariedade e
colocando no centro os pobres, nos quais se reconhece o próprio Jesus.
Ao final deste Sínodo,
desejamos dizer-te que estamos contigo e com todos os bispos da nossa Igreja,
mesmo nos momentos de dificuldades. Pedimos-te para continuares o caminho que
tomaste e prometemos-te o nosso total apoio e a nossa oração diária.”.
***
No
briefing do dia 26 na Sala de Imprensa da Santa Sé sobre o evento sinodal, os
intervenientes falaram em “grande sinal”,
“momento de graça”, “orquestra maravilhosa”, como expressões
classificativas deste Sínodo. E emergiu a esperança que o afirmado pelos jovens
e bispos sobre as situações de sofrimento e de injustiça presentes nos seus
países, encontre eco público.
Assim, declarou
o Cardeal Christoph Schönborn (Arcebispo de Viena e Presidente da
Conferência Episcopal Austríaca):
“Faço votos por que também exista uma voz forte para dizer ao mundo
político-económico quantas injustiças existem no mundo”.
Referindo que “o
caminho sinodal é o do discernimento” e que, “no final falará o Papa, como
já falou”, mas que “primeiro vem a escuta”, sublinhou que “o Sínodo é um
grande sinal”, pelo que faz votos por que “seja visto, ouvido e transmitido”. E, recordando o que lhe disse um
jovem africano proveniente dum país abalado pela guerra civil, vincou:
“A Igreja é a nossa
única esperança, lugar de acolhimento e de compreensão, onde nos podemos sentir
em casa”.
Por sua vez, Dom Eamon Martin (Arcebispo de Armagh e Presidente da Conferência dos Bispos irlandeses) anotou que o Sínodo foi “um momento
de graça” em que se sentiu “a presença e o poder do Espírito
Santo”, devendo essa força e essa alegria ser
transferidas para as várias dioceses. Neste sentido, propôs-se “ser um embaixador do Sínodo”, frisando que
“a Igreja quer dirigir-se a todos os jovens
do mundo”, “trabalhar com jovens, não
somente para os jovens”. Por isso, Dom Martin volta para casa “com a ideia de que serão os jovens os agentes de evangelização”.
No briefing, elevou-se a voz da
África mercê das reflexões de Dom Anthony Muheria (Arcebispo de Nyeri, Quénia),
que espera que do Sínodo “possa surgir
uma nova chama que entusiasme os jovens” e crê que os bispos poder “incendiar os jovens com o amor de Deus”.
Para o prelado, participar no Sínodo
foi “como ouvir uma maravilhosa orquestra”,
que parecia estar, no início, um pouco desafinada, mas que, depois, o Espírito
Santo a guiou em direção a “uma grande sinfonia”.
Nesta linha de pensamento, o Padre Enrique Figaredo
Alvargonzalez (Prefeito Apostólico de Battambang, Camboja), entendendo que do Sínodo vem “uma
nova energia”, declarou:
“Certamente o
Sínodo tem no próprio coração os jovens, a vocação, o discernimento e,
portanto, teremos uma nova energia para os jovens entre os jovens”.
Esperando o rejuvenescimento da Igreja, sustenta que
“será o Espírito Santo a guiar-nos”.
E Erduin Alberto Ortega Leal (jovem auditor e
membro da Comunidade de Sant’Egidio, Cuba) frisou que, “na Igreja, os jovens não devem
ser considerados como espectadores, mas verdadeiros protagonistas” e que “o
mundo é atormentado por tantos problemas” pois “está focado apenas no presente”. Ora, como observou, “os jovens, pelo contrário, precisam de
olhar para o futuro”. E “o Sínodo deu-nos
a oportunidade de ouvir e ser ouvidos”.
No briefing também foram apresentadas
as estatísticas gerais sobre o Sínodo e dados sobre as redes sociais –
facebook, twitter e Instagram – além de dados sobre o L’Osservatore Romano durante Sínodo.
Também
Dom Zeca Martins (Bispo de Huambo, Angola) falou ao Vatican News sobre a sua experiência durante o encontro sinodal, dando
o seu testemunho sobre a experiência vivida neste período de dedicação à
juventude do seguinte modo.
“Foram trabalhos muito fecundos e realmente
uma experiência única, uma experiência de uma vida partilhada, sobretudo de uma
vida que olha para os jovens nas suas muitas dificuldades, mas também nos seus
anseios, nas suas esperanças. Essas esperanças que foram apresentadas que, de
facto, a Igreja aqui reunida em torno do Santo Padre, tantos bispos de várias
partes do mundo reunidos em torno do Santo Padre, vai naturalmente dar uma
resposta espiritual, uma resposta teológica e uma resposta pastoral capaz de
indicar um caminho no qual, os jovens cristãos – e não só, devem ir trilhando
para se sentirem seguros consigo mesmos, na sua fé em Cristo e naquilo que vai
sendo discernimento da sua vocação, na vida profissional, na vida familiar, mas
sobretudo na vida à chamado ao seguimento de Cristo como consagrados, como
religiosos missionários e como aqueles que, de facto, anunciam Cristo diante
dos homens.”.
***
No contexto do Sínodo, marcado pela escuta em
ordem ao discernimento, se pronunciou a teóloga Marinella
Perroni (professora
de Novo Testamento no Pontifício Ateneu Santo Anselmo) sobre a questão em aberto referente à relação
Igreja-mulheres, fazendo remontar a sua reflexão à revolução cultural de 1968,
que deu, na sua ótica, um impulso decisivo às reivindicações do mundo feminino
que incubavam há tempos sob as cinzas, sendo útil, 50 anos depois, refletir
nesta linha sobre tal período de luzes e sombras.
Trata-se dum
período histórico, de 50 anos, muito particular, ao menos no Ocidente, de grande fermento
em todos os âmbitos da vida civil, política, social com profundos reflexos na
vida do quotidiano. No quadro do sonho com uma mudança geral, “os jovens clamavam pelo direito ao estudo
para todos, as mulheres exigiam a igualdade de direitos em relação aos homens,
a família era com frequência lugar de conflito entre as gerações”. Foi um
surto de contestações que abalou a sociedade e as Igrejas. Entraram sacerdotes
em crise, diminuíram as vocações religiosas e decresceu a adesão à fé. Porém,
hoje, na linha do que acima ficou dito é possível “ver com maior clareza o que houve de positivo e negativo, os prejuízos
causados e as conquistas, as contradições e os condicionamentos ocorridos”.
E, falando
particularmente das reivindicações das mulheres e do movimento feminista na
relação com Igreja Católica, Perroni verifica:
“Oficialmente a Igreja Católica, no sentido magisterial e hierárquico,
repeliu qualquer reivindicação ligada ao adjetivo ‘feminista’. De facto, Paulo
VI começa a ouvir vozes sobre o assunto… recordo-me de um discurso seu que
disse: ‘Ouvem-se vozes longínquas às quais mais cedo ou mais tarde teremos que
dar atenção: são as vozes de mulheres’. Também não podemos esquecer-nos de que
foi João XXIII, em 1963, que recordou, na sua encíclica Pacem in Terris,
que o reconhecimento da dignidade, pretendido pelas mulheres, era um sinal dos
tempos com o qual os que creem e, portanto, a Igreja, deviam absolutamente ter
atenção.”.
***
Continua em
agenda o debate sobre os direitos das mulheres, do seu papel e da contribuição
dentro da sociedade e da Igreja. Francisco volta recorrentemente ao tema
reconhecendo a necessidade de nova e profunda reflexão sobre a matéria. Assim,
na sua exortação apostólica Evangelium gaudium (a
primeira), escreve:
“As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da
firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à
Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir superficialmente”.
E, analisando
a história dos últimos 50 anos, a distinta teóloga admite:
“A posição da Igreja com relação à questão feminina depois de 1968 foi
bem diferente. Exatamente por esta recusa de dar atenção a um movimento
certamente difícil, confuso, complexo e anárquico, como o das mulheres, a
tentação foi de propor uma visão toda católica da figura feminina e das
reivindicações das mulheres.”.
As mulheres que
mais sentem necessidade de espaço e maior reconhecimento na Igreja Católica são
as Religiosas. Há dias, no Sínodo, foi abordado tema e pedida a igualdade de
direitos entre as Superioras religiosas presentes nos trabalhos e os seus
homólogos não sacerdotes em relação à possibilidade de votar documentos
sinodais que por enquanto não é reconhecida às Religiosas.
Neste
âmbito, muitas consagradas mostram um certo desencorajamento em relação ao que
esperavam, ou seja, uma mudança, que não ocorreu.
Não obstante
algo mudou. Por exemplo, no passado não existia a possibilidade de mulheres
lecionarem nos institutos académicos de teologia. Agora, abriu-se para elas o
múnus de ensinar. E Peroni refere:
“É verdade, a partir do Concílio houve a abertura das faculdades
teológicas e, portanto, a possibilidade de dar aulas, obter títulos académicos,
mesmo as leigas. Por isso, hoje temos um grande número de teólogas nas cátedras
universitárias. E isso tem um peso, foi uma mudança significativa.”.
***
A este
respeito, o Cardeal Reinhard Marx (Arcebispo de Munique e Freiburg e Presidente
da Conferência Episcopal da Alemanha), no briefing do
dia 24 sobre o Sínodo dos Bispos, sustentou que “seríamos tolos se renunciássemos ao potencial das mulheres”, que
devem fazer parte ‘hoje, e não amanhã’,
dos processos decisionais referentes à Igreja”. E enfatizou que é fundamental “entender
a evolução dos tempos, como já fez João XXIII”.
E Marinella Perroni,
registando que estas são palavras de um dos expoentes da Igreja Católica, reconhece
que muitas outras de teor semelhante foram pronunciadas nestes dias por outros
expoentes da Igreja, que dão boas esperanças. Por isso, faz uma declaração de
assumida esperança de alteração do status
quo a longo prazo e coloca no trilho certo a responsabilidade das mulheres
teólogas, discorrendo:
“Acredito que devemos aceitar as estratégias de longo prazo. Certamente
há responsabilidade histórica da nossa parte em assumir e aceitar. Mas também
há os que sempre, homens e mulheres, quiseram viver a sua fé e a sua pertença
eclesial dentro da história e não com uma espiritualidade individual. Portanto,
eu entendo que a nossa responsabilidade histórica como teólogas é esta: servir
a nossa Igreja na verdade e na liberdade.”.
***
Enfim, dois
desafios que se colocam à Igreja que emergiram no Sínodo: os jovens e as
mulheres. Os jovens, para poderem ser agentes da evangelização, têm de ser
mobilizados pela via da autenticidade humana e evangélica e duma linguagem catequética
descodificada em relação à origem e ajustada aos seus códigos juvenis, mais ouvidos,
mais chamados à participação nas decisões e menos afrontados no que é acessório.
Por sua vez, as mulheres, embora devam ter a paciência de esperar pela mudança
de médio e longo prazo, têm o direito e o dever de ganhar espaço no tríplice múnus
de ensinar,
santificar e governar. No ensino, basta seguir em frente, ganhar mais
competências e caldear a ciência com a sabedoria, articulando o academismo com
o sensus Ecclesiae; no governo, basta
dar sequência às competências adquiridas e a adquirir no âmbito do ensino (quem está
preparado tem ferramenta para governar); e, no quadro
da santificação, há que puxar pelo ser e dinamismo inerentes ao estatuto que o
Batismo nos dá e chegar à ponderação teológica dos fatores que têm sido impeditivos
da participação almejada. Não se trata de substituir o trabalho de padres, de
ganhar direitos inadequados, de obter protagonismo, mas unicamente de servir mais
e melhor o Reino de Deus.
2018.10.27 – Louro de Carvalho
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