O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) divulgou, a 18
de outubro, a decisão de que os serviços mínimos decretados à greve dos
professores às avaliações, em julho, são ilegais, o que, para os sindicatos
significa uma “tremenda derrota em
tribunal” para o Governo da República.
Segundo o TRL, “o
direito à greve só deve ser sacrificado ao mínimo indispensável”, pelo que
“a obrigação de recolha, pelo diretor de
turma, ou de quem o substitua, em momento anterior ao da reunião do Conselho de
Turma, de todos os elementos referentes à avaliação de cada aluno, esvazia o
direito à greve, traduzindo-se numa imposição ilegal de serviços mínimos se
essa reunião tem que realizar-se em período de greve”.
Assim, para os juízes do TRL que assinam o acórdão, “a decisão que impõe tal prestação viola o
princípio da proporcionalidade”.
Sobre o assunto, Mário Nogueira, secretário-geral da
Federação Nacional dos Professores (FENPROF), declarou aos
jornalistas, no Parlamento, à saída duma reunião com o grupo parlamentar do
Bloco de Esquerda para discutir a questão da recuperação integral do tempo de
serviço congelado aos docentes:
“Acabámos de ser informados de que o Governo
sofreu mais uma tremenda derrota em tribunal pelo facto de ter sido considerado
pelo Tribunal da Relação de Lisboa considerados ilegais os serviços mínimos
decretados em julho”.
Nogueira entende que esta decisão releva para a greve ao
trabalho extraordinário que devia ter-se iniciado a 15 de outubro e que foi
adiada para 29 de outubro, depois de o Ministério da Educação ter contestado a
legalidade do pré-aviso de greve atempadamente emitido.
Dizendo que “este é um
Governo que está completamente fora da lei”, Mário Nogueira, afirmou que “isto só pode dar força aos professores”
para a continuidade da sua luta. Por isso, disse da sua convicção de que,
“a partir de dia 29, os professores vão
voltar à greve”, frisando que esta será uma greve por tempo indeterminado e
que outras formas de luta estão já previstas, como uma concentração frente à
Assembleia da República a 2 de novembro, quando o Ministro da Educação, Tiago
Brandão Rodrigues, é ali esperado para a discussão na especialidade do
orçamento do seu ministério.
Recorde-se que os professores estiveram entre junho e julho
em greve às reuniões de avaliação sumativa de final de ano, bloqueando a
realização de milhares de reuniões de conselho de turma e o lançamento de
classificações finais, o que atrasou a conclusão do ano escolar e deixou
milhares de alunos em suspenso, sobretudo nos casos de anos com exames e provas
finais.
O Ministério da Educação entendeu contornar a situação ao
equiparar estas reuniões a reuniões administrativas, determinando bastar a
presença de um terço dos professores, e não de todos, como definido para os
conselhos de turma, para que as reuniões se pudessem realizar, o que acabou por
acelerar o lançamento das classificações.
Com o prolongamento da greve ao longo de um mês, temendo os
efeitos nos encarregados de educação e nos alunos em anos de exames e provas
finais, o Governo solicitou que fossem decretados serviços mínimos por um
colégio arbitral, o que acabou por suceder, obrigando à realização de conselhos
de turma para o 9.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade e ao lançamento das
classificações para esses alunos, com a justificação de que era necessário não
colocar em causa o calendário de exames e o acesso ao ensino superior.
Vistas as coisas, deve ser revista a legislação atinente ao funcionamento
dos conselhos de turma.
Nesse sentido, quem de direito deveria suscitar junto do Tribunal
Constitucional a fiscalização sucessiva da constitucionalidade e/ou da legalidade
dos números 3, 4 e 5 do art.º 34.º da Portaria n.º 226-A/2018, de 7 de agosto, que
“procede à
regulamentação dos cursos científico-humanísticos, a que se refere a alínea a)
do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, de 6 de
julho, designadamente dos cursos de Ciências e Tecnologias, Ciências
Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e de Artes Visuais, tomando como
referência a matriz curricular-base constante do anexo VI do mesmo decreto-lei”
e “define ainda as regras e procedimentos da conceção e operacionalização do
currículo dos cursos previstos no número anterior, bem como da avaliação e
certificação das aprendizagens, tendo em vista o Perfil dos Alunos à Saída da
Escolaridade Obrigatória”. Com efeito, uma norma restritiva dum direito
protegido constitucionalmente (como o direito à greve) só pode ser decretada pelo Parlamento
(vd
alínea b do n.º 1 do art.º 165.º da CRP),
salvo autorização ao Governo – por se encontrar no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
***
O
outro lado da desautorização do Governo de Costa vem da Região Autónoma da
Madeira.
O Governo Regional da Madeira decidiu contar os 9
anos, 4 meses e 2 dias do tempo congelado à classe docente, o que leva a
FENPROF a referir que esta decisão faz cair por terra toda a argumentação do
Governo do Continente sobre a matéria.
Na verdade, como já passou timidamente para a
comunicação social, o Conselho do Governo Regional desta Região Autónoma acaba
de aprovar a recuperação integral do tempo de serviço dos professores da Região,
ou seja, os 9 anos, 4 meses e 2 dias que estiveram no congelador entre 30 de
agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e de 1 de janeiro de 2011 a 31 de
dezembro de 2017. Esta recuperação do tempo de carreira tem início em janeiro
de 2019 e não em setembro como se chegou a equacionar.
E Jorge Carvalho, Secretário Regional da Educação
declarou, no dia 17, que “a presente
resolução respeita integralmente os compromissos assumidos pelo Governo
Regional da classe docente”. A decisão, como sublinhou o governante,
pretende “reconhecer todo o tempo que foi
dedicado à atividade docente, valorizando assim também os professores da
Madeira”.
Obviamente a FENPROF apressou-se a aplaudir a decisão
que chega da Madeira. E Mário Nogueira adianta que “vem dar confiança aos professores para irem até ao fim da luta, no
Continente e nos Açores, custe o que custar, doa a quem doer”,
acrescentando: “E seja quem for, do
Presidente da República aos deputados”.
Par o secretário-geral da Fenprof, a decisão do governo
madeirense é “um bom exemplo de que é possível” recuperar os 9 anos, 4 meses e
2 dias e põe a nu a fragilidade da posição do Governo da República, fazendo cair
por terra toda a argumentação do Governo”. Pelo que garante que a luta vai continuar:
“Não vamos desistir e não vamos baixar os
braços”.
Também a FNE (Federação
Nacional da Educação) se mostra
satisfeita. João Dias da Silva refere:
“É uma ótima notícia, que já tinha sido
pré-anunciada pelo Governo da Madeira. […]. E é muito importante para os
sindicatos do Continente, para continuar a defender o princípio da legalidade e
da justiça.”.
E Nogueira sublinha que, neste momento, há três
realidades diferentes no país relativamente à recuperação do tempo de serviço
dos docentes: No Continente, o Governo aprovou um decreto-lei que limpa 6 anos,
6 meses e 14 dias da vida profissional dos professores e, nos Açores, o PS
votou contra um projeto de resolução que previa a reposição gradual do tempo de
serviço dos docentes. A bancada do PS, nos Açores, que está em maioria, chumbou
a proposta do PSD que defendia a reposição faseada, durante 5 anos, do tempo de
serviço congelado aos professores. Os votos contra foram apenas do PS (a restante
oposição votou pela contagem gradual).
O PS açoriano entende dever esperar pela solução a
adotar a nível nacional relativamente ao descongelamento das carreiras. E
Avelino Meneses, Secretário Regional da Educação vincou:
“Nunca enganámos os professores! Não
assinámos qualquer declaração de compromisso. Também não inscrevemos no
orçamento da região autónoma dos Açores qualquer norma que, pretensamente, nos
obrigasse à recuperação de um determinado tempo de serviço.”.
A deputada socialista Sónia Nicolau aduziu que o
projeto de decreto do PSD era “uma cópia do
diploma apresentado pelo PSD/Madeira e é um projeto argiloso”. Porém, o
deputado socialdemocrata Luís Maurício entrou no debate, declarando:
“A grande diferença, senhor Secretário e
senhores Deputados, é que a Madeira exerceu as suas prerrogativas autonómicas e
o Governo dos Açores demitiu-se de exercer, podendo aqui responder ao anseio mais
que justo dos professores”.
***
Assim,
com base na posição do TRL a tirar o tapete ao Governo de Costa no atinente à
greve dos professores e na do Governo Regional da Madeira de contagem integral
do tempo de serviço docente, podem os professores acalentar a esperança de que o
Parlamento obrigue o Executivo à contagem de todo o tempo que esteve congelado
até 1 de janeiro de 2018.
O Bloco de Esquerda reiterou que pretende pedir a
apreciação parlamentar do decreto-lei sobre a contagem do tempo de serviço dos
professores e os sindicatos manifestaram-se esperançados na união da Assembleia
da República para obrigar à sua contagem integral.
Com efeito, em conferência de imprensa no final duma
reunião do grupo parlamentar do BE com representantes das 10 estruturas
sindicais unidas em plataforma para reivindicar a contagem integral do tempo de
serviço congelado aos docentes – 9 anos, 4 meses e 2 dias – a deputada Joana
Mortágua reafirmou a disponibilidade do Bloco para suscitar a apreciação
parlamentar do decreto do Governo “quando
o senhor Presidente da República decidir, se decidir, promulgar”.
O diploma, aprovado no início de outubro em Conselho
de Ministros, depois de o Ministério da Educação ter decidido dar por
terminadas as negociações com os sindicatos sem que tenha havido acordo, prevê
apenas a recuperação 2 anos, 9 meses e 18 dias dos mais de 9 anos
reclamados. Assim, o Comunicado do Conselho de Ministros, de 4 de outubro,
explica:
“A solução encontrada
– recuperação de 2 anos, 9 meses e 18 dias, a repercutir no escalão para o qual
progridam a partir de 1 de janeiro de 2019 – permite conciliar a contagem do
tempo para efeitos de progressão entre 2011 e 2017 com a sustentabilidade
orçamental. Esta solução corporiza o disposto no artigo 19.º da Lei do
Orçamento do Estado para 2018 que determina que ‘a expressão remuneratória do
tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos
especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do
decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido
para o efeito, é considerada em processo
negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo
em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis.”
(Sublinhei).
De facto, é caso para questionar os nossos ministros
como conseguem conciliar “a contagem do tempo de serviço” (dito em
absoluto, tem de se intender contagem integral e não apenas “parcial” ou de
algum tempo) com uma
contagem de sensivelmente um terço (já muitos católicos não querem rezar
o terço…), a não ser desvirtuando o teor do predito
artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).
Assim tem razão Joana Mortágua quando discorre:
“A partir dessa apreciação parlamentar temos
esperança de poder devolver aos professores aquilo que é justo e de poder
corrigir o erro que foi falhar o compromisso que tinha com os professores deste
país”.
A mesma deputada afirmou também que esse será o tempo
de a Assembleia da República “retomar o
compromisso com os professores” demonstrado na aprovação do Orçamento do
Estado para 2018 com a norma que previa a recuperação integral do tempo
congelado e com a recomendação nesse sentido, aprovada por todos os grupos
parlamentares (socialistas incluídos).
E o secretário-geral da FENPROF, que tem assumido o
papel de porta-voz da plataforma sindical, mostrou-se esperançado, depois da importante
reunião com o grupo parlamentar do PSD, que antecedeu o encontro com os
bloquistas, de que possa haver um entendimento generalizado nesse sentido, até
tendo por base as decisões recentes na Madeira e Açores. Na verdade, o Governo
regional da Madeira, no dia 17, aprovou por decreto a contagem integral do
tempo de serviço dos professores na região autónoma a partir de 1 de janeiro de
2019 e, nos Açores, todos os partidos votaram no parlamento regional pela
contagem integral, à exceção do PS, que por via da maioria absoluta
inviabilizou que tal se concretizasse. E o grupo parlamentar do PSD afirmou aos
sindicatos, que “seria coerente numa
eventual apreciação parlamentar com o que têm sido as posições do PSD nesta
matéria”, o que, segundo Mário Nogueira, deverá significar votar a favor da
contagem integral. Disse o sindicalista:
“Confrontados com o que se passou na Madeira
e nos Açores o que nos foi dito foi que seriam coerentes. A coerência aqui,
penso eu, ao contrário do que está a acontecer com os professores, que parece
que estamos em três países, é ser um partido que é único em qualquer parte do
país que esteja. Se assim for, só nos fica a faltar o pleno dos que marcaram
reunião, que é também a posição do CDS-PP favorável a essa contagem. O pleno
seria a do PS, mas ainda nem sequer reunião marcou ainda.”.
E Mário Nogueira conclui que, mesmo sem o PS, os
sindicatos estão “esperançados em que o
tempo de serviço integral vai ser contado”.
***
Têm os decisores políticos de ganhar a vontade
política de satisfazer a justeza das legítimas aspirações de quem trabalha em
nome do Estado para a causa da educação das crianças e jovens. Nem vale a pena
invocar a falta de dinheiro, porquanto as estruturas representativas da classe
docente sempre estiveram abertas para a negociação dum faseamento protelado no
tempo, protelamento até excessivo. Por outro lado, todos sabemos que há sempre
dinheiro para acorrer aos disparates das instituições financeiras e deixar
passivamente que alguns se apropriem impunemente da riqueza nacional sem que se
faça a devida justiça, que tantas vezes se perde em minúcias processuais, o que,
ao invés do que sucede implicaria a revisão das leis processuais.
Além disso, há que responsabilizar governos e
formadores de opinião pública pelo ataque cerrado que arquitetaram contra os
professores (e aos funcionários públicos em geral) com base
em meias verdades e mentiras, levando alguns incautos a pensar que não sabiam
do que falavam, quando muitos sabem bem o que dizem, mas são personalidades
para quem vale tudo.
2018.10.19 – Louro de Carvalho
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