A 8 de
outubro de 1998, José Saramago tornou-se o primeiro, e até à data único, Prémio
Nobel de Literatura em língua portuguesa, o mais prestigiado de todos os
galardões literários. Uma visita
do Governo aos lugares emblemáticos da vida e obra de José Saramago, um
congresso internacional e a
publicação dum inédito são iniciativas que marcam o arranque das
celebrações dos 20 anos do Nobel da Literatura português, que se prolongam um
pouco por todo o último trimestre desse ano. Com efeito, duas décadas depois, a
Fundação José Saramago (FJS) está a organizar,
como informou a fundação em comunicado, tanto em Portugal como no estrangeiro (nomeadamente
em Espanha e Brasil), uma série
de iniciativas para “recordar esse momento histórico para a literatura
lusófona, celebrando o Prémio e o Escritor que o recebeu”.
Por ocasião da efeméride em causa, terão lugar diversas
iniciativas que constituirão uma oportunidade privilegiada para se reler e
estudar a obra saramaguiana, bem como a trajetória cívica e cultural que o
autor protagonizou na segunda metade do século XX e nos primeiros anos do
século XXI. Reconhecida em Portugal e no estrangeiro, a relevância da obra está
atestada em dezenas de traduções e em incontáveis estudos, de diferente
dimensão e propósito. Conforme declarou em 1998 o secretário da Academia Sueca,
o Prémio Nobel assinalou, em José Saramago, a “capacidade de tornar compreensível uma realidade fugidia com parábolas
sustentadas pela imaginação, pela compaixão e pela ironia”.
O início das
celebrações foi marcado por uma visita, nos passados dias 6 e 7 de outubro, do Primeiro-Ministro
e de outros membros do Governo a lugares emblemáticos da vida e obra de Saramago:
Lanzarote, Azinhaga e Lisboa, designada como “Lugares
de Saramago”. Este roteiro – iniciativa do gabinete do
Primeiro-Ministro e da FJS – contou com a presença do Chefe de Governo de
Espanha, Pedro Sánchez, em Lanzarote.
De hoje, dia
8, a 10 de outubro, decorre o Congresso
Internacional “José Saramago: 20 anos com o Prémio Nobel”, no Convento São
Francisco, em Coimbra, coordenado por Carlos Reis (que preside
à comissão executiva), professor
e especialista em literatura portuguesa, que conta com seis dezenas de
comunicações e mais de 300 participantes,
entre docentes, investigadores, alunos e público em geral.
No primeiro
dia do Congresso, foi apresentado o livro “Último Caderno de Lanzarote”,
editado pela Porto Editora, um inédito de José Saramago, escrito nos últimos 17
anos que viveu em Lanzarote, descoberto casualmente por Pilar del Rio, quando
procurava no computador textos para o caderno de conferências de Saramago, que
está a ser organizado por Fernando Gómez Aguilera. E, na mesma sessão, foi
também apresentado “Um país levantado em
alegria”, de Ricardo Viel – livro que explica como viveu Portugal e como Portugal
cresceu naquele dia com a notícia do Nobel – que, em
detalhes e surpresas, dá conta dos bastidores dos dias que antecederam o anúncio
do Prémio e dos que se lhe seguiram. A sessão, que teve início pelas 9,30 horas,
contou com as presenças de Maria Inês Cordeiro, diretora da Biblioteca Nacional
de Portugal (BNP), Pilar del Río, presidenta da FJS,
Manuel Alberto Valente, editor de ambos os livros, e Ricardo Viel, autor de um
dos títulos.
No dia 12 de
outubro, a Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, acolherá a apresentação
dos livros “Último caderno de Lanzarote”, diário de José Saramago referente ao ano de 1998,
e Um país levantado em alegria, de Ricardo Viel, já referido. A apresentação
destes livros será enquadrada pela exposição “O nosso Nobel”, mostra documental
dedicada a Saramago, uma iniciativa da Biblioteca Nacional de Portugal e da
FJS, com a curadoria de Fátima Lopes e Ricardo Viel.
Porto,
Madrid, Guadalajara, Belém do Pará, Vigo, Lanzarote, Azinhaga são algumas das
localidades onde, por todo o mundo, Saramago e a língua portuguesa estão a ser
celebrados, como refere a Porto Editora. O livro de Saramago será apresentado
no dia 25 de outubro, na Fundação César Manrique, em Lanzarote, em Espanha; e,
no dia 29, na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, será primeiramente juntamente
com o mencionado livro de Ricardo
Viel.
No final do
mês, no dia 31 de outubro, a Fundação José Saramago, em Lisboa, acolherá uma
sessão com a escritora Ana Margarida Carvalho sobre os contos de José Saramago. No dia 7 de novembro,
também na FJS, será haverá uma sessão com António Mega Ferreira sobre a poesia
de Saramago. E, no dia 14, o convidado é Jorge Vaz de Carvalho, para falar
sobre a música na obra de José Saramago e, a 5 de dezembro, Carlos Reis falará
sobre o romance ‘saramaguiano’.
No dia 10 de
dezembro, está prevista a abertura da exposição “A Rebeldia de Nobel”, com fotografias e textos de mais de duas
dezenas de escritores vencedores do Prémio Nobel de Literatura, no Torreão
Poente da Praça do Comércio, uma organização da Câmara Municipal de Lisboa e da
Fundação José Saramago, com o apoio da Embaixada da Suécia em Portugal.
Quatro dias
depois, a 14 de dezembro, o Museu do Estado do Pará, em Belém do Pará, no
Brasil inaugurará a exposição “Saramago –
os pontos e a vista”, cuja curadoria é de Marcello Dantas.
E, no dia
seguinte (15 de dezembro), a
encerrar as comemorações, o Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa, estreará
mundialmente a sinfonia “Memorial”,
de António Pinho Vargas, num concerto que também celebra dos 70 anos da
Declaração Universal de Direitos Humanos.
***
Como se
disse, de 8 a 10 de outubro de 2018, o Convento de São Francisco, em Coimbra, está
a acolher o “Congresso Internacional José Saramago: 20 Anos com o
Prémio Nobel”, organizado
pelo Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra – uma das universidades
que concederam ao escritor o doutoramento honoris
causa –, em
coorganização com a Câmara Municipal de Coimbra e com os apoios da Reitoria da
Universidade de Coimbra, da Faculdade de Letras (FLUC), da Fundação José Saramago e da Porto Editora.
Integram a Comissão
de Honra o Presidente da República, o Primeiro-Ministro, o Ministro da Educação,
o Ministro da Cultura, o Reitor da Universidade de Coimbra, o Presidente da
Câmara Municipal de Coimbra, a Presidenta da Fundação José Saramago e Eduardo
Lourenço. E integram a Comissão Executiva, coordenada por Carlos Reis, Ana
Paula Arnaut, António Apolinário Lourenço, Ana Teresa Peixinho, Marisa das
Neves Henriques e Inês Marques.
No congresso e conforme foi pormenorizado no respetivo
anúncio programático, são abordadas diversas facetas da obra de Saramago, em
vários géneros literários, bem como em atividades correlatas (por exemplo, a de jornalista), com inquestionável projeção no
universo da língua e da literatura portuguesas, em regime de sessões conjuntas
e diversas atividades paralelas, que decorrem em salas temáticas.
A sessão
de Abertura contou com a presença do Chefe de Estado e do Ministro da Cultura. E
a sessão de encerramento será presidida por Pilar del Río, Presidenta da FJS, após
o que os participantes assistirão a uma adaptação dramatúrgica de “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, por Filomena
Oliveira e Miguel Real, a cargo da “Éter – produção cultural”.
A expectativa do congresso é dupla: por um lado, fazer-se uma atualização
do conhecimento em torno do escritor, nestes 20 anos subsequentes à atribuição
do Prémio Nobel da Literatura e naqueles que se seguiram à sua morte, em 2010;
por outro, abrir essa atualização novas pistas de análise da obra de Saramago,
especialmente em âmbito académico” – como sublinhou o coordenador da comissão
executiva do congresso, o professor Carlos Reis.
Durante o primeiro dia, foram entregues os prémios do concurso de ensaio
sobre José Saramago, destinado a estudantes do ensino secundário, cabendo o 1.º
a Roberto
Gastão de Araújo Saraiva (Escola
Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, Caldas da Rainha), o 2.º a Rui Manuel da
Costa Miranda (Escola Secundária
Henrique Medina, Esposende) e o 3.º a Luís Henrique Vera da Silva Pedroso (Escola Secundária de Emídio Navarro, de Almada). Os prémios são constituídos por conjuntos de obras de José
Saramago, oferecidos pela Porto Editora.
São três as conferências plenárias do congresso: “Primo Levi e José Saramago: a obra
eterna e o quadro infinito”, por Teresa Cristina Cerdeira; “Disjecta membra do século breve:
memórias em risco e história a contrapelo em dois romances de José Saramago”,
por Roberto Vecchi; e “José Saramago e a personagem como alegoria”, por Carlos
Reis. As cerca de 60 comunicações (resumos num caderno de
67 páginas) decorrem
em sessões paralelas nas salas: O ANO DA
MORTE RICARDO REIS; MEMORIAL DO
CONVENTO; LEVANTADO DO CHÃO; e A JANGADA DE PEDRA. E realizam-se ainda três mesas
plenárias centradas nos temas “Personagens
e identidades”, “Diálogo sobre Deus e
Saramago” e “Outros Saramagos: ‘transmediações’.”.
De acordo com a FLUC, ficarão evidenciadas: a dimensão da “ilha desconhecida”, em
Saramago, as “cartografias imaginárias” e “representações de espaços distópicos”,
num paralelo entre o escritor português, o angolano José Eduardo Agualusa e o
brasileiro Ignácio Loyola de Brandão, a “glória das personagens” do Nobel da
Literatura (“figuras impalpáveis merecedoras
de estátua”), alegorias, religião e mito em “As
intermitências da morte”, as “estratégias narrativas em José Saramago”, a “forma
estética e consciência histórica”, na sua obra, bem como “o conceito de
cidadania” são temas em discussão ao longo destes três dias.
A obra é abordada de “Levantado do
Chão” a “Jangada de Pedra” e “Memorial do Convento”; de “O Ano da Morte de Ricardo Reis” e “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, a “Ensaio sobre a Cegueira”, “O Homem Duplicado”, “Caim” ou “A Viagem do Elefante”.
***
Pilar del Río, a viúva de José Saramago,
declarou que o último volume dos diários do escritor revela a sua vida em 1998
e a ‘loucura’ de receber o Prémio Nobel. E disse aos jornalistas:
“É a vida no ano de 1998 até 8 de outubro
[data em que Saramago foi anunciado como vencedor do Prémio Nobel de
Literatura], o dia como hoje [em que se comemoram 20 anos], um caderno onde
ficam referenciadas viagens, conferências, encontros, preocupações, ansiedade
e, a partir de 8 de outubro, a loucura do Nobel”.
Questionada sobre o que significava para
Saramago Coimbra, recordou que foi ali que ele soube da morte de José Cardoso
Pires – autor de “O Delfim”, “Alexandra Alpha”, “Balada da Praia dos Cães” –, em outubro de 1998, dias após receber
o Nobel.
Também lembrou Pilar del Río que Saramago
recebeu um doutoramento ‘honoris causa’
pela Universidade de Coimbra, em 11 de julho de 2004, proposto pela Faculdade
de Letras, e que teve o ensaísta Eduardo Lourenço como padrinho do doutorando.
***
O Primeiro-Ministro defendendo, no dia 7, que
Saramago poderia ter recebido um segundo Prémio Nobel da Literatura, disse durante
a homenagem que assinala 20 anos após a distinção:
“José Saramago conseguiu assegurar a
intermitência da morte, que é a vida dele que devemos sempre continuar a
encontrar na leitura de cada uma das páginas que ele legou e que legou à humanidade.
A humanidade reconheceu com o seu Prémio Nobel, mas que poderia seguramente
voltar a merecer um segundo Prémio Nobel por aquilo tudo que escreveu, depois
de ter recebido o primeiro.”.
António Costa lembrou que a “maratona”
que tem feito – visita a Lanzarote, Azinhaga do Ribatejo e Lisboa – procura
acompanhar “aquilo que foram os locais marcantes da vida de José Saramago e que
de alguma forma formataram a sua própria obra”. E acrescentou:
“Ontem [dia 6] em Lanzarote pudemos sinalizar
o universalismo que foi reconhecido para a atribuição do Prémio Nobel. Hoje,
aqui na Azinhaga, estamos ao regresso das suas origens na qual se formou como
menino, como homem, mas onde seguramente germinaram muitas das ideias que o
formaram como cidadão, como político e como escritor.”.
Costa, sublinhando a inevitabilidade da
passagem pela Azinhaga, “onde tudo começou”, disse que esta é uma forma de “homenagear Saramago após os 20 anos do seu
Prémio Nobel e prestar também uma homenagem a todas as terras, a todos aqueles
que de alguma forma contribuíram para o formar como homem, como político, como
escritor”. E frisou:
“Um dos momentos
mais solenes da vida dele foi quando discursou perante a academia que lhe
atribuiu o Prémio Nobel ao começar logo por recordar que a pessoa com quem mais
aprendeu tinha sido o seu avô Jerónimo. […] Ele [José Saramago] disse que aqui
encontrava o outro eu que algures
ficou encalhado, mas precisava de regressar aqui à Azinhaga para acabar de
nascer. Temos uma ideia de que vamos nascendo todos os dias ao longo da vida e,
ao longo da vida, vamos adquirindo novos
eus.”.
O Chefe do Governo constatou que Saramago
“não precisou de desdobrar os seus eus
em heterónimos”, mas condensou na obra sob o nome José Saramago “toda esta
formação”:
“Foi aqui [Azinhaga] que construiu a visão
do mundo, seguramente a experiência que aqui teve, dos seus avós, dos
trabalhadores rurais, da realidade social da Azinhaga que foi determinante na
sua formação ideológica, na sua formação como cidadão e na sua afirmação como
homem do mundo” – precisou.
Enfim, sublinhou que Saramago “nunca separou aquilo que era ser o escritor
daquilo que era ser o homem que tinha diversas dimensões e que sempre as
manifestou”.
***
O Presidente
da República, na sessão de abertura do congresso, referiu como o mais
importante do dia o nome de Roberto Saraiva, o premiado neste concurso José
Saramago, declarando:
“Se me permitem, com o devido respeito pelas
comunicações ilustres que certamente povoarão os vossos trabalhos ao longo de
tantos dias, para mim aquele momento [da intervenção do jovem aluno da escola
secundária Rafael Bordalo Pinheiro] valeu por todo o congresso. […] Valeu por
tudo quanto José Saramago teria gostado que fosse dito hoje e fosse sentido
hoje. Valeu pela atualidade de Saramago. E valeu pela atualidade de uma
mensagem que foi também uma mensagem de José Saramago.”.
Marcelo
destacou igualmente as mensagens entre intervenções lidas por alunos de escolas
profissionais na sessão de abertura do evento “como que a dizer que não há distinção de classes entre escolas e
escolas”, pois, “todas as escolas são
escolas de vida”.
Na sua
intervenção, o Presidente disse ter preparado um discurso sobre a vida, obra e
literatura de José Saramago para proferir na abertura do evento mas resolveu “abandoná-lo”,
discursando de improviso sobre o “exemplo do jovem Roberto”, de quem disse que
o vencedor do concurso revelou porque é que José Saramago não morreu, não morre
e nunca morrerá. E enfatizou:
“Foi a notícia de que
a mensagem do ‘descubramo-nos uns aos outros, falemos uns com os outros,
compreendamo-nos uns aos outros, consigamos convergir uns com os outros, para
além das nossas diversidades’ é uma mensagem do futuro. E por essa mensagem,
Roberto, valeu a pena este começo de congresso. Por essa mensagem, José
Saramago, valeu a pena uma vida e uma obra.”.
***
Que o congresso e toda a programação dos “20 anos do Nobel”
induzam a releitura da criativa obra literária
de Saramago e a sua atualidade na assunção no nosso património imaterial, nele
sentindo o pulsar do povo miúdo, tantas vezes oprimido e reprimido pelos
grandes.
2017.10.08 – Louro de Carvalho
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