quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Da escuta ao discernimento no Sínodo dos Bispos de 2018 para Agir


Na semana conclusiva do Sínodo sobre os jovens, cujos trabalhos serão concluídos no próximo domingo, dia 28 de outubro, com a Missa solene na Basílica de São Pedro, são de assinalar, no dia 23: a apresentação do projeto do Documento Final e a entrega do texto, ainda reservado aos participantes, na Sala do Sínodo (252 os Padres Sinodais presentes); o briefing sobre o Sínodo, na Sala de Imprensa da Santa Sé; e o encontro intergeracional.  
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A apresentação do projeto do Documento Final foi saudada com um aplauso longo e caloroso, marcado pela aclamação dos jovens. A atividade realizada até à tarde do dia 22 pela Comissão para a Redação é classificável como “um trabalho cansativo, entusiasmante, atento a uma verdadeira corrida contra o tempo”. Os dois secretários especiais – os padres Giacomo Costa e Rossano Sala – comentaram brincando que “foi um exemplo bem-sucedido de sinodalidade, cuja demonstração é o entendimento perfeito nascido entre um jesuíta e um salesiano”, com referência aos dois institutos religiosos de proveniência (o primeiro é SJ, Sacerdote Jesuíta; e o segundo é SDB, Salesiano de Dom Bosco).
O Relator Geral Cardeal Sérgio da Rocha explicou que o projeto foi elaborado a partir do Instrumentum Laboris, texto base de referência do Sínodo. Porém, enquanto este é fruto dos dois anos de escuta do mundo juvenil, o Documento Final é fruto do discernimento realizado pelos Padres Sinodais no decorrer da assembleia do Sínodo. São, pois, documentos diferentes e complementares, que, juntos, dão “uma visão da complexidade das questões levantadas e dos dinamismos em ato no caminho para enfrentá-los. Por isso, devem ser lidos juntos, até porque “entre eles há uma referência contínua e intrínseca”.
Também constituem fontes do Documento Final os pronunciamentos, os relatórios e as emendas surgidas nos trabalhos da aula sinodal.
O Relator Geral recordou que o primeiro e principal destinatário do Documento Final é o Papa, cuja aprovação o tornará em breve disponibilizado “a toda a Igreja, às Igrejas particulares, aos jovens e a todos aqueles que estão comprometidos com os jovens na pastoral da juventude e vocacional”.
Mantendo a estrutura fundamental do Instrumentum Laboris na subdivisão nas três partes “reconhecer, interpretar, escolher”, o documento reflete a estrutura da passagem dos discípulos de Emaús: “Caminhava com eles”, “os seus olhos se abriram”, e por fim, “partiram sem demora”. Também os temas do Instrumentum Laboris se encontram no Documento Final, mas sobressaem os que foram mais debatidos ao longo destas três semanas.
Segundo o Cardeal Sérgio da Rocha, o texto, subdividido em 173 parágrafos, resultou dum trabalho de equipa, sendo os autores os Padres Sinodais, os participantes do Sínodo e, em particular, os jovens. Entregue aos Padres Sinodais, o Projeto, ainda reservado, é passível, no tempo que resta, de propostas de acréscimos e emendas.
Em termos dinâmico-temáticos, o ponto de partida e o ponto de chegada é, para o Cardeal Rocha, o povo de Deus “na variedade de situações socioculturais e eclesiais” que os trabalhos fizeram emergir. Mas o caminho sinodal ainda não terminou de facto, porque prevê uma fase de implementação, sendo importante que as Igrejas particulares e as Conferências Episcopais “possam assumir de maneira criativa e fiel a dinâmica do Documento a fim de adaptar ao seu contexto o que surgiu durante os trabalhos”. Assim, o processo sinodal não termina com “receitas pastorais a serem assumidas” (seria o oposto do discernimento); e, se a linguagem do texto elaborado não é propriamente jovem, recorda-se que foi decidido preparar uma Carta dirigida a todos os jovens por parte dos Padres Sinodais. A fase do Agir (da metodologia da Ação Católica) vem necessariamente depois e tem de ser longa, sinodal e coerente – penso eu.
Na meditação enquadrada pela oração que abriu a Congregação da manhã do dia 23, um Padre Sinodal, Dom Vilson Basso, Bispo de Imperatriz – MA, e Presidente da Comissão Juventude da CNBB, refletindo sobre os tempos difíceis vividos pela Igreja, convidou os presentes a viver o Sínodo como um kairos, ou seja, como uma ocasião para conversão. Nessa meditação inspirada nos textos litúrgicos do dia, aflorou a ideia de que os jovens querem efetivamente uma Igreja transparente e pobre, sendo hoje as palavras do Crucifixo de São Damião a São Francisco de Assis, “Vai e reconstrói a minha Igreja” um estímulo para todos. Com efeito, como sublinhou o orientador da meditação, uma árvore plantada ao longo dum riacho não receia o calor quando ele vem. E, mesmo em época de seca, o fruto da árvore não será menor se suas raízes estiverem plantadas ao longo do rio de água viva, que é Jesus. Por isso, os votos que formulou foram os de que, neste tempo de kairos, sofrimento e graça, a Igreja prossiga corajosa, cheia de esperança e empatia; e que a opção preferencial pelos jovens queira dizer dedicação em termos de tempo, pessoas e recursos financeiros nas paróquias e nas dioceses de todo o mundo.
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No Briefing sobre o Sínodo, sobressaiu a asserção de que a sabedoria dos idosos orienta as energias dos jovens, bem como tópicos sobre a corresponsabilidade de jovens e idosos, o acolhimento da Igreja estendido a todos os homens e a experiência do Sínodo como fonte de aprendizagem e inspiração. Assim, foi recordado que não se pode separar o caminho dos jovens do dos idosos e que, através de metáforas ligadas ao mar e ao universo, se pode apreender o sentido do Sínodo e o caminho da Igreja.
Joseph Sapati Moeono-Kolio, jovem auditor e membro da Caritas Internationalis para a Oceânia (Samoa), recordou que o seu povo navegou milhares de anos pelos mares, graças à sabedoria dos idosos, capazes de se orientarem pelas estrelas. E afirmou:
Os idosos sentavam-se no fundo das canoas e os jovens remavam seguindo as suas preciosas indicações. Esta sinergia repete-se na Igreja: os idosos têm a sabedoria para interpretar e orientar. Mas são os jovens que têm a energia para ir às periferias.”.
Segundo Dom Bienvenu Manamika Bafouakouahou, Bispo de Dolisie (República do Congo), o Sínodo é “uma espécie de lançamento em órbita”, em que os bispos são como satélites que enviam sinais aos jovens da terra. Para este Padre Sinodal, o Sínodo tem sido um caminho no convívio, onde o Papa, com a sua presença, “nos encorajou a trazer o que estava borbulhando em nossos corações” e em que os jovens, “nos rejuvenescem através de seus pronunciamentos”.
Já o Padre Antonio Spadaro, diretor da revista “La Civiltà Cattolica”, destacou que os sonhos dos idosos abrem aos jovens  as portas do futuro sublinhando a afirmação de Francisco de que “entrou na alma um versículo do Profeta Joel” e que “percebeu que, se os idosos não sonham, os jovens não podem ver o futuro”. E assegurou que, sendo o Sínodo “um modo de ser e de agir da Igreja”, a participação do povo de Deus na vida da Igreja é um elemento essencial.
O sacerdote jesuíta também recordou que, à tarde, o Papa Francisco iria encontrar os jovens e idosos de diferentes países no Salão Nobre do Augustinianum, em Roma, por ocasião da apresentação do livro “Francisco. A sabedoria do tempo. Em diálogo com o Papa Francisco sobre as grandes questões da vida”. Trata-se dum livro organizado pelo diretor da “Civiltà Cattolica”, com 250 entrevistas realizadas em mais de trinta países, em que os anciãos relatam as suas experiências aos jovens, e que nasceu de uma intuição do Papa, como observado por Francisco no prefácio, “precisamos de avós sonhadores  e memoriosos”.
Por seu turno, o Cardeal Luis Antonio G. Tagle, Arcebispo de Manila, declarou que “a Igreja deve ser sempre acolhedora”, uma comunidade “que considera sempre a humanidade de todos e está sempre presente ao lado de todos”. Assim, de acordo com o purpurado, esteve muito presente nas discussões “o olhar humano da Igreja para as pessoas, independentemente da sua orientação sexual” de forma que tem a sensação de que “os temas do mundo LGBT estarão presentes no documento final”.
Acrescentando que este Sínodo foi uma escola, o Arcebispo de Manila sublinhou que “os jovens ensinaram muito”, pelo que “devemos partir dos jovens e das suas experiências concretas” para depois se ir à pesquisa.
E, respondendo a uma pergunta sobre quanto e como a voz das mulheres era ouvida pelos Padres Sinodais, o Cardeal Tagle disse:
No meu Círculo Menor,  percebemos que a força da sabedoria que vem das mulheres deve ser ouvida. […]. Houve propostas muito concretas que se referiam também à necessidade de ter mais em conta as figuras das mulheres presentes nas Sagradas Escrituras, para as usar como figuras interpretativas das experiências dos jovens e lançar uma nova luz sobre elas.”.
Para o Cardeal Charles Maung Bo, Arcebispo de Yangon (Myanmar), o Sínodo “tem sido uma fonte de inspiração” que impele os pastores da Igreja a interrogarem-se sobre o que devem fazer pelos jovens de hoje. E, concentrando-se nos jovens, disse que toda a Igreja “evolui no caminho certo”. Neste sentido, espera que em cada diocese se siga as recomendações do Papa, como espera “uma infinidade de frutos do Sínodo”.
Por fim, o Prefeito do Dicastério para a Comunicação, Paolo Ruffini, recordou que fora entregue aos Padres Sinodais – e brevemente ilustrado na Sala do Sínodo – o projeto do Documento Final, que será objeto de propostas de acréscimos ou modificações, antes de ser entregue ao Papa.
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Incluído no Sínodo dos Bispos dedicado aos jovens, decorreu um encontro intergeracional em que o Papa esteve com os mais novos e com idosos, no Instituto Patrístico Augustinianum, em Roma. De acordo com o portal ‘Vatican News’, a iniciativa faz parte de um projeto global intitulado “Francisco. A sabedoria do tempo. Em diálogo com o Papa Francisco sobre as grandes questões da vida”, livro que apresenta várias “histórias de vida” e que conta com o comentário de Francisco.
No encontro marcaram presença jovens e idosos de todo o mundo, e também várias figuras ligadas à Igreja Católica, nomeadamente à pastoral dos jovens e à comunicação, como o Arcebispo do Panamá, Dom José Domingo Ulloa Mendieta, o anfitrião das Jornadas Mundiais da Juventude em 2019, o padre Jesuíta Antonio Spadaro, diretor da revista ‘La Civiltà Cattolica’, da Companhia de Jesus, e, ainda o diretor de cinema Martin Scorcese.
O evento permitiu celebrar “um projeto nascido de uma ideia do Papa, que há muito tempo dedica a sua atenção às relações entre as gerações, para que prossigam juntas no seu caminho”.
No prefácio do predito livro, Francisco escreve:
Como é bonito, pelo contrário, o encorajamento que o idoso consegue comunicar a uma jovem ou a um jovem em busca do sentido da vida! Esta é a missão dos avós. Uma verdadeira vocação.”.
E sublinha:
Há uma expressão que não me agrada: ‘Voltar à casa do Pai’, como se a nossa fosse uma viagem de ida e volta. É bonito dizer: ‘Estou indo para aquele encontro’.”.
Como já foi referido, o livro reúne 250 entrevistas realizadas em mais de trinta países, graças ao projeto “Compartilhando a Sabedoria do Tempo” realizado por um grupo de editoras coordenadas pela estadunidense Loyola Press, com a ajuda da organização sem fins lucrativos Unbound e do Serviço dos Jesuíta para os Refugiados. É uma história coral composta de palavras e imagens, nas quais se encontram histórias e rostos de idosos dos cinco continentes: o Papa comenta, em diálogo com o padre Spadaro, as aulas de desenho, momentos pastorais, e compartilha momentos da sua própria biografia pessoal.
A este respeito, o Papa verifica:
A nossa sociedade privou os avós de sua voz. Tirámos o espaço e a oportunidade de eles nos contarem a sua experiência, as suas histórias, a sua vida. Deixámo-los de lado e perdemos o bem da sua sabedoria. Quisemos remover o nosso medo da fraqueza e da vulnerabilidade, mas assim fazendo, fizemos aumentar nos idosos a angústia de serem mal apoiados e abandonados.”.
Pelo que exorta:
Devemos despertar o sentido civil da gratidão, do apreço, da hospitalidade, capaz de fazer com que o idoso se sinta parte viva da comunidade. Colocando de lado os avós, descartamos a possibilidade de entrar em contacto com o segredo que lhes permitiu a eles seguirem em frente, fazerem caminho na aventura da vida. […]. Faltam-nos modelos, testemunhos vividos. Ficamos perdidos. Privamo-nos do testemunho de pessoas que não somente perseveraram no tempo, mas que conservam no coração a gratidão por tudo aquilo que viveram.”.
Por outro lado, censura como “feio o cinismo de um idoso que perdeu o sentido do seu testemunho, que despreza os jovens, que se lamenta sempre” e conclui que, “deste modo, a sua sabedoria de vida não é mais transmitida, torna-se estéril nostalgia”. Frisa, como já foi dito, “o encorajamento que o idoso consegue comunicar a uma jovem ou a um jovem em busca do sentido da vida”, referindo que “esta é a missão dos avós, uma verdadeira vocação”. E vinca:
Os idosos são a reserva sapiencial da nossa sociedade. A atenção pelos anciãos é aquilo que distingue uma civilização.”.
Nestes termos, Francisco exorta, no encontro intergeracional, os idosos, que define como os “memoriosos da história”, a “formarem um coro”, “um coro permanente dum grande santuário espiritual, onde a oração de súplica e o canto de louvor apoiem a comunidade que trabalha e luta no ‘campo’ da vida”. Mas também lhes pede que ajam e que tenham a coragem de contrastar de todas as formas a “cultura do descarte” que lhes é imposta a nível mundial.
Aos jovens e sobre os jovens diz:
E o que peço aos jovens? […] Sinto pena de um jovem cujos sonhos se apagam na burocracia. Como o jovem rico do Evangelho. Vai embora triste, vazio. Peço, portanto, escuta, proximidade aos idosos; peço para não aposentarem a existência deles na ‘quietude burocrática, na qual guardam tantas propostas privadas de esperança e de heroísmo. Peço um olhar às estrelas, aquele espírito saudável de utopia que leva a recolher energia para um mundo melhor.”.
Em suma, aquilo de que o Santo Padre gostaria era de “um mundo que viva um novo abraço entre os jovens e os idosos”.
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Venha, pois, daí esse mundo desejado pelo Papa, bem como a Carta prometida aos jovens pelos Padres Sinodais! Já agora, que Francisco engendre uma nova Exortação Apostólica sobre o tema. Teremos, por esta via, uma boa componente da reforma (reconstrução franciscana) da Igreja?
2018.10.24 – Louro de Carvalho

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