sexta-feira, 26 de outubro de 2018

O Papa foi à Missa!


Popularmente diz-se que “os padres não vão à missa” justamente porque, regra geral, são eles que a celebram para o povo e com o povo ou, pelo menos, para e com um grupo de fiéis, embora ainda seja frequente o sacerdote celebrar com a presença dum simples ajudante.
Não obstante, muitas vezes veem-se padres a participar na celebração sem que efetivamente concelebrem. Antigamente, quando a concelebração não estava em voga, até sucedia que um celebrava e outro ajudava, trocando até de papéis. Também não raro, um sacerdote celebrava com a assistência do Bispo em lugar de destaque, parecendo que o prelado delegava o múnus a exercer na sua presença, o que parecia fazer pouco sentido, pois a ele cabe por excelência o múnus de ensinar, santificar e governar, devendo este múnus tríplice ser exercido em comunhão com o Bispo e com o Papa.
Tive um professor de Teologia que, mencionando doutrina de outros teólogos, referia que o crente participa sempre na celebração eucarística segundo a sua condição, o que permite a alguns afirmar que o sacerdote que participa na missa concelebra. E, se não comunga, como é que pode dizer-se que participa, já que são elementos integrantes da liturgia eucarística a apresentação os dons (antigamente designada por ofertório), a consagração e a comunhão? Ora, é consensual dizer-se que, sendo necessário que haja comunhão na missa, não é estritamente necessário que todos comunguem e, no limite, o próprio celebrante pode não o fazer. Também é necessário que a comunhão se faça sob a espécie de pão e de vinho e habitualmente só o celebrante e os concelebrantes (e os diáconos) comungam sob as duas espécies.
À luz desta doutrina, senti-me à vontade quando o venerando Arcebispo-Bispo de Lamego Dom António de Castro Xavier Monteiro me encarregou de acompanhar, não tendo eu ainda ordens sacras, um sacerdote enfermo que estava autorizado a celebrar missa em sua própria casa. Recomendando-me que fosse prudente quanto à possibilidade física de o referido sacerdote continuar a celebrar, respondi naturalmente que poderiam surgir dois cenários a que daria resposta: se a impossibilidade de o celebrante continuar surgisse antes da consagração, proveria respeitosamente à remoção da matéria do sacrifício e das alfaias litúrgicas porque não tinha havido celebração; se tal impossibilidade ocorresse já depois da consagração, pediria a quem estivesse a assistir que cuidasse do sacerdote doente e eu proveria à comunhão já que, embora esta fosse parte integrante da celebração não era, no limite, necessário que fosse o próprio sacerdote impossibilitado a comungar. Recordo que o Arcebispo-Bispo, que era doutor em Teologia, ficou tranquilo com o meu raciocínio.
No entanto, porque há, em termos do direito canónico, limitações ao número de missas que o sacerdote pode celebrar no mesmo dia, até para evitar o risco da banalização, não se assume, em termos de visibilidade litúrgica e para efeitos de satisfação de obrigações, o ato concelebrativo da parte dum sacerdote só porque está presente na missa.
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Fiquei a saber, pela leitura da crónica de Frei Bento Domingues no Público do passado dia 21, a razão por que os padres da Ordem de São Domingos de Gusmão apõem ao seu nome de religião a sigla OP, desdobrável em Ordem dos Pregadores. Diz o eminente cronista que São Domingos não pretendeu fundar uma ordem de dominicanos, mas uma ordem de pregadores já que os bispos se tinham demitido do múnus de pregar, mais ocupados que andavam com outros misteres, alguns bem longínquos da função sacerdotal – o que persistiu, com honrosas exceções, pelos séculos fora, algo que aconteceu também com alguns dos Sumos Pontífices.
Contemporaneamente, sobretudo depois do Vaticano II, regra geral, os bispos esfalfam-se no uso da Palavra oportuna e inoportunamente e instam os sacerdotes e diáconos ao mesmo múnus. De vez em quando, ou por impossibilidade ou porque também precisam do exercício da escuta, passam a palavra a sacerdotes que falem diante de si. O mesmo sucede com os Sumos Pontífices dos últimos decénios. E o Papa Francisco não é exceção. Em termos de homilias escritas, só é suplantado por João Paulo II, mas não podemos esquecer que, em jeito apostólico, concelebra quase diariamente com bispos e sacerdotes para e com um razoável número de pessoas em Santa Marta e profere sempre uma reflexão homilética, de que os serviços de informação do Vaticano nos dão sínteses. E habitualmente é ele quem preside às celebrações em que participa.
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Porém, no passado dia 25 de outubro, o Papa foi à missa, dado que esteve, mas não presidiu. Foi no quadro da peregrinação ao túmulo de São Pedro, através da Via Francígena, organizada pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização para os participantes no Sínodo dedicado aos jovens, em decurso no Vaticano.
Dizem os liturgistas que a celebração da missa em que participa o Bispo deve ser presidida por ele ou, pelo menos, dever ser ele a dar a bênção final. Ora, a missa em que o Papa esteve sem presidir e sem concelebrar, permanecendo numa das bancadas que ladeiam o altar, foi presidida por um Cardeal, que é bispo, cabendo aos concelebrantes rezar pelo Papa. Mas este não deixou de proferir uma pequena exortação quando recebeu os participantes. Em consonância com o teor da reflexão homilética de Dom Fisichella (de que se dá conta a seguir), o Sumo Pontífice convidou os participantes na peregrinação ao túmulo de São Pedro, através da Via Francígena, a que renovassem a profissão de fé em Jesus Cristono lugar em que o Apóstolo Pedro, com o testemunho de vida, confessou a sua fé no Senhor Jesus, morto e ressuscitado”.
No final da peregrinação, que se concluiu no túmulo de São Pedro, os Padres sinodais e os jovens participaram na celebração Eucarística presidida pelo Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, no Altar da Cátedra. E fez a reflexão homilética Dom Rino Fisichella, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, dicastério vaticano promotor da peregrinação.
O prelado proferiu uma oração para que a “profissão de fé” de Pedro se torne “também nossa”, ou seja, “doar a nossa vida ao Senhor Jesus”. E explicou como acolher na “nossa vida o significado de Pedro, sua vida e vocação”. Com efeito, Jesus disse a Pedro para lançar as redes e o pescador obedeceu: “Na sua palavra eu jogarei a rede”. Na verdade, Pedro lentamente entende que deve confiar, que precisa da graça de Deus, pois sem Ele não podemos fazer nada. E nós, várias vezes, quando invocamos o Espírito, repetimos a frase “sem a tua presença, sem a tua luz não há nada em nós” (Sine tuo numine nihil est in homine).
Por outro lado, segundo o orador homilético, Jesus ensina-nos que, quando estamos Nele, pensamos diferente. Na verdade, quando pergunta a Pedro se O ama, Pedro responde com sinceridade que ama Jesus. E este amor é entendido como a capacidade de doar a vida ao Senhor. Jesus entende que Pedro ainda não é capaz, que precisa de ter paciência. Por isso, lhe diz: “Segue-me!”. Para Fisichella, “este segundo chamamento é o chamamento ao amor, ao doar tudo, não só a sair, mas doar-se inteiramente”. Assim, passados 30 anos, Pedro “dobrará os joelhos diante de Deus”, porque está finalmente “pronto e capaz de doar-se totalmente”. Este é o dom do martírio: ninguém nos tira a vida; somos nós quem a oferece por si mesmo. Pedro cumpre a sua vocação. Passados 30 anos: não importa. Deus tem paciência connosco. Os seus tempos não são os nossos. Ele vem ao nosso encontro quando decide vir. E então quer encontrar um coração aberto. Então, Pedro dirá como Paulo aos primeiros cristãos de Tessalónica: “Queríamos dar-vos não apenas o Evangelho, mas a nossa própria vida”.
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A peregrinação pela Via Francigena é uma experiência espiritual que teve início na Idade Média, partindo da Inglaterra em direção ao túmulo de São Pedro, na Cidade Eterna.
Os participantes do Sínodo dos Bispos percorreram, como se disse, na manhã do dia 25, parte da Via Francígena, em peregrinação ao túmulo do Apóstolo São Pedro, na Basílica Vaticana.
Foram cerca de 300 Padres Sinodais, auditores e jovens, partiram às 8,30 horas (hora de Roma) do Centro Don Orione, no Parque Monte Mario – zona Norte de Roma – e se dirigiram para a Via Francígena. Ao longo do percurso, de cerca de 6 km por caminhos de montanha e pelas ruas de Roma, recolheram-se em oração em três etapas ou estações. E chegaram à Basílica de São Pedro por volta das 11,30 horas (foi um percurso de 3 horas) para venerar as relíquias do Apóstolo Pedro, sendo ali recebidos pelo Papa, e participar na celebração Eucarística diante do altar da Cátedra, na presença do Papa Francisco, presidida pelo Secretário-Geral do Sínodo.
O Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização, o dicastério que organizou a iniciativa, explicou à agência Ecclesia que a peregrinação nasceu da ideia de mostrar “uma Igreja a caminho”, para levar o Sínodo à rua, num percurso que evoca a história das peregrinações, ao longo de todos os séculos do Cristianismo.
E, por sua vez, o Arcebispo de Nampula (Moçambique), Dom Inácio Saúre, referiu que é “muito importante ter os bispos a caminhar junto com os jovens”. E, dentro do espírito do Sínodo e da peregrinação – caraterísticos os ser Igreja, observou:
O destino desta peregrinação é o túmulo de Pedro e, como bispos, estamos juntamente com o sucessor de Pedro, o Santo Padre, junto do qual vamos fazer a nossa profissão de fé, para renovarmos a nossa comunhão”.
Para Dom Gabriel Mbilingui, arcebispo do Lubango (Angola), foi importante reavivar o sentido da peregrinação, “que afinal é um caminho”. E, precisando que, “no fundo, o Sínodo é caminhar, caminhar juntos, indo na mesma direção, com o apoio uns dos outros”, elogiou a recuperação do “espírito do Sínodo”, como momento para caminhar juntos e sentir-se “irmãos”, que têm Cristo como seu “guia”. E acrescentou:
É, sobretudo, ocasião para reavivar a minha vocação, enquanto bispo, e o meu espírito de comunhão, dentro desta chamada sinodalidade”.
O Arcebispo angolano mostra-se satisfeito pelo trabalho já realizado em três semanas de reflexão sobre os jovens, “o símbolo da força, da energia, da alegria e da disponibilidade para seguir o Senhor”. E concluiu:
O que nós fazemos, no fundo, nesta peregrinação é seguir o Senhor, no caminho que o leva à Cruz, que significa dom da própria vida, para a nossa salvação, é um caminho que deixa à própria Igreja”.
E o jovem brasileiro Lucas Barboza Galhardo, um dos convidados no Sínodo, falou de um momento em que todos caminharam juntos, “na prática”, passando para o terreno o que tem sido discutido nas últimas três semanas. E enfatizou já diante da Basílica de São Pedro, na parte final da peregrinação:
Foi uma atividade muito boa, de integração. Durante o caminho, pude conversar com vários participantes, foi uma experiência bonita, pude partilhar a vida, conversar com amigos”.
De facto, esta foi uma experiência sinodal diferente das reuniões de trabalho e das celebrações que têm participantes reunidos no Vaticano desde 3 de outubro: caminharam da reserva natural do Monte Mario às ruas movimentadas de Roma concentrando-se junto ao túmulo de São Pedro.
Recorde-se que a assembleia sinodal se encerra no domingo, com a Missa final presidida pelo Papa, já após a discussão e aprovação, no sábado, do Documento Final e de uma Carta aos Jovens de todo o mundo. A este respeito, o Papa escreveu, no dia 24, na sua conta do Twitter:
Este Sínodo quer ser um sinal da Igreja que realmente escuta e que nem sempre tem uma resposta pré-fabricada, já pronta”.
Nesse mesmo dia, o Sumo Pontífice entregou a cada um dos jovens convidados do Sínodo uma cópia do ‘DoCat’, versão juvenil do Compêndio da Doutrina Social da Igreja. E pediu:
Espero que um milhão de jovens, mais ainda, que uma geração inteira seja, para os seus contemporâneos, uma Doutrina Social em movimento”.
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A Via Francígena, a primeira estrada construída pelos romanos é um itinerário milenar que passa por quatro países, entre campos, montanhas. A peregrinação pela Via Francígena é uma experiência espiritual, iniciada na Idade Média, em direção ao túmulo de São Pedro, na Cidade Eterna. Também conhecida como “Via Romea Francigena” por ser considerada a “estrada da França para Roma” teve, na realidade, como ponto de partida a cidade inglesa de Cantuária. E França, Suíça e Itália completam o itinerário dos países cortados pela Via Francígena, mencionada pela primeira vez num pergaminho do ano 876. Era um itinerário muito utilizado, no período medieval, por soldados, comerciantes e peregrinos que iam visitar o túmulo dos apóstolos Pedro e Paulo em Roma.
Porém, muitos viajantes, não terminando a sua peregrinação na Cidade Eterna, continuavam para o Sul de Itália, até ao porto de Bríndisi, donde embarcavam para a Terra Santa. Daí a importância da Via Francígena, que liga dois principais destinos das peregrinações medievais: Roma e Jerusalém, faltando apenas Santiago de Compostela, na Espanha.
Na verdade, a Via Francígena não é propriamente uma estrada, mas um conjunto de itinerários alternativos muito utilizados, mas esquecidos ao longo dos séculos, por via de diversas situações: mudanças políticas, ampliação do comércio e conflitos. Porém, não é fácil definir a rota, tampouco a extensão precisa da Via Francígena, que deveria ser de, aproximadamente, 1.800 km. No final do século X, um diário orientou os peregrinos: no ano 990, o Arcebispo de Cantuária, Dom Sigerico ou Sério, fez uma viagem a Roma, para receber o Pálio sagrado das mãos do Papa. Ao regressar à sua cidade, anotou, em seu diário, 79 etapas do seu percurso, ainda hoje utilizadas pelos peregrinos.
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Que o Sínodo e a Peregrinação sejam um estímulo para a maior vivência eclesial no mundo, sobretudo através da aliança intergeracional que interesses poderosos evitam e destroem! Há muito a fazer num mundo que não escuta a juventude e a desampara a mergulhar por caminhos ínvios, quando até não estimula capciosamente esse desmando. Há um campo aberto para a Igreja. Saiba ela, saibamos, na dedicação, sabedoria, escuta, oração e trabalho, arregaçar as mangas e pôr os pés ao caminho!
2018.10.26 – Louro de Carvalho

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