Popularmente
diz-se que “os padres não vão à missa” justamente porque, regra geral, são eles
que a celebram para o povo e com o povo ou, pelo menos, para e com um grupo de
fiéis, embora ainda seja frequente o sacerdote celebrar com a presença dum
simples ajudante.
Não
obstante, muitas vezes veem-se padres a participar na celebração sem que
efetivamente concelebrem. Antigamente, quando a concelebração não estava em
voga, até sucedia que um celebrava e outro ajudava, trocando até de papéis. Também
não raro, um sacerdote celebrava com a assistência do Bispo em lugar de
destaque, parecendo que o prelado delegava o múnus a exercer na sua presença, o
que parecia fazer pouco sentido, pois a ele cabe por excelência o múnus de ensinar, santificar e governar, devendo
este múnus tríplice ser exercido em comunhão com o Bispo e com o Papa.
Tive um
professor de Teologia que, mencionando doutrina de outros teólogos, referia que
o crente participa sempre na celebração eucarística segundo a sua condição, o
que permite a alguns afirmar que o sacerdote que participa na missa concelebra.
E, se não comunga, como é que pode dizer-se que participa, já que são elementos
integrantes da liturgia eucarística a apresentação os dons (antigamente
designada por ofertório),
a consagração e a comunhão? Ora, é consensual dizer-se que, sendo necessário
que haja comunhão na missa, não é estritamente necessário que todos comunguem
e, no limite, o próprio celebrante pode não o fazer. Também é necessário que a
comunhão se faça sob a espécie de pão e de vinho e habitualmente só o
celebrante e os concelebrantes (e os diáconos) comungam sob as duas espécies.
À luz
desta doutrina, senti-me à vontade quando o venerando Arcebispo-Bispo de Lamego
Dom António de Castro Xavier Monteiro me encarregou de acompanhar, não tendo eu
ainda ordens sacras, um sacerdote enfermo que estava autorizado a celebrar
missa em sua própria casa. Recomendando-me que fosse prudente quanto à
possibilidade física de o referido sacerdote continuar a celebrar, respondi
naturalmente que poderiam surgir dois cenários a que daria resposta: se a
impossibilidade de o celebrante continuar surgisse antes da consagração,
proveria respeitosamente à remoção da matéria do sacrifício e das alfaias
litúrgicas porque não tinha havido celebração; se tal impossibilidade ocorresse
já depois da consagração, pediria a quem estivesse a assistir que cuidasse do
sacerdote doente e eu proveria à comunhão já que, embora esta fosse parte
integrante da celebração não era, no limite, necessário que fosse o próprio
sacerdote impossibilitado a comungar. Recordo que o Arcebispo-Bispo, que era
doutor em Teologia, ficou tranquilo com o meu raciocínio.
No
entanto, porque há, em termos do direito canónico, limitações ao número de
missas que o sacerdote pode celebrar no mesmo dia, até para evitar o risco da
banalização, não se assume, em termos de visibilidade litúrgica e para efeitos
de satisfação de obrigações, o ato concelebrativo da parte dum sacerdote só
porque está presente na missa.
***
Fiquei a
saber, pela leitura da crónica de Frei Bento Domingues no Público do passado dia 21, a razão por que
os padres da Ordem de São Domingos de Gusmão apõem ao seu nome de religião a
sigla OP, desdobrável em Ordem
dos Pregadores. Diz o eminente cronista que São Domingos não pretendeu
fundar uma ordem de dominicanos, mas uma ordem de pregadores já que os bispos
se tinham demitido do múnus de pregar, mais ocupados que andavam com outros
misteres, alguns bem longínquos da função sacerdotal – o que persistiu, com
honrosas exceções, pelos séculos fora, algo que aconteceu também com alguns dos
Sumos Pontífices.
Contemporaneamente,
sobretudo depois do Vaticano II, regra geral, os bispos esfalfam-se no uso da
Palavra oportuna e inoportunamente e instam os sacerdotes e diáconos ao mesmo
múnus. De vez em quando, ou por impossibilidade ou porque também precisam do
exercício da escuta, passam a palavra a sacerdotes que falem diante de si. O
mesmo sucede com os Sumos Pontífices dos últimos decénios. E o Papa Francisco
não é exceção. Em termos de homilias escritas, só é suplantado por João Paulo
II, mas não podemos esquecer que, em jeito apostólico, concelebra quase
diariamente com bispos e sacerdotes para e com um razoável número de pessoas em
Santa Marta e profere sempre uma reflexão homilética, de que os serviços de
informação do Vaticano nos dão sínteses. E habitualmente é ele quem preside às
celebrações em que participa.
***
Porém, no passado dia 25 de outubro, o Papa foi à missa, dado que esteve,
mas não presidiu. Foi no quadro da
peregrinação ao túmulo de São Pedro, através da Via Francígena, organizada pelo
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização para os participantes
no Sínodo dedicado aos jovens, em decurso no Vaticano.
Dizem os
liturgistas que a celebração da missa em que participa o Bispo deve ser
presidida por ele ou, pelo menos, dever ser ele a dar a bênção final. Ora, a
missa em que o Papa esteve sem presidir e sem concelebrar, permanecendo numa
das bancadas que ladeiam o altar, foi presidida por um Cardeal, que é bispo,
cabendo aos concelebrantes rezar pelo Papa. Mas este não deixou de proferir uma
pequena exortação quando recebeu os participantes. Em consonância com o teor da reflexão
homilética de Dom Fisichella (de que se dá conta a seguir), o Sumo Pontífice convidou os participantes na peregrinação ao túmulo de São Pedro,
através da Via Francígena, a que renovassem a profissão de fé em Jesus Cristo “no lugar em que o Apóstolo Pedro, com o
testemunho de vida, confessou a sua fé no Senhor Jesus, morto e ressuscitado”.
No final da peregrinação, que se concluiu no túmulo de São Pedro, os Padres
sinodais e os jovens participaram na celebração Eucarística presidida pelo
Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, no Altar da
Cátedra. E fez a reflexão homilética Dom Rino Fisichella, Presidente do
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, dicastério vaticano
promotor da peregrinação.
O prelado
proferiu uma oração para que a “profissão
de fé” de Pedro se torne “também nossa”, ou seja, “doar a nossa vida ao Senhor Jesus”. E explicou como acolher na “nossa vida o significado de Pedro, sua vida
e vocação”. Com efeito, Jesus disse a Pedro para lançar as redes e o
pescador obedeceu: “Na sua palavra eu
jogarei a rede”. Na verdade, Pedro lentamente entende que deve confiar, que
precisa da graça de Deus, pois sem Ele não podemos fazer nada. E nós, várias
vezes, quando invocamos o Espírito, repetimos a frase “sem a tua presença, sem a tua luz não há nada em nós” (Sine tuo numine
nihil est in homine).
Por outro
lado, segundo o orador homilético, Jesus ensina-nos que, quando estamos Nele,
pensamos diferente. Na verdade, quando pergunta a Pedro se O ama, Pedro
responde com sinceridade que ama Jesus. E este amor é entendido como a capacidade
de doar a vida ao Senhor. Jesus entende que Pedro ainda não é capaz, que
precisa de ter paciência. Por isso, lhe diz: “Segue-me!”. Para Fisichella, “este
segundo chamamento é o chamamento ao amor, ao doar tudo, não só a sair, mas
doar-se inteiramente”. Assim, passados 30 anos, Pedro “dobrará os joelhos diante de Deus”, porque está finalmente “pronto e capaz de doar-se totalmente”. Este
é o dom do martírio: ninguém nos tira a vida; somos nós quem a oferece por si
mesmo. Pedro cumpre a sua vocação. Passados 30 anos: não importa. Deus tem
paciência connosco. Os seus tempos não são os nossos. Ele vem ao nosso encontro
quando decide vir. E então quer encontrar um coração aberto. Então, Pedro dirá
como Paulo aos primeiros cristãos de Tessalónica: “Queríamos dar-vos não apenas o Evangelho, mas a nossa própria vida”.
***
A peregrinação
pela Via Francigena é uma experiência espiritual que teve início na
Idade Média, partindo da Inglaterra em direção ao túmulo de São Pedro, na
Cidade Eterna.
Os
participantes do Sínodo dos Bispos percorreram, como se disse, na manhã do dia
25, parte da Via Francígena, em peregrinação ao túmulo do Apóstolo São Pedro,
na Basílica Vaticana.
Foram cerca
de 300 Padres Sinodais, auditores e jovens, partiram às 8,30 horas (hora de Roma) do Centro Don Orione, no Parque Monte Mario – zona
Norte de Roma – e se dirigiram para a Via Francígena. Ao longo do percurso, de
cerca de 6 km por
caminhos de montanha e pelas ruas de Roma, recolheram-se
em oração em três etapas ou estações. E chegaram à Basílica de São Pedro por
volta das 11,30 horas (foi um percurso de 3 horas) para venerar as relíquias do Apóstolo Pedro, sendo
ali recebidos pelo Papa, e participar na celebração Eucarística diante do altar
da Cátedra, na presença do Papa Francisco, presidida pelo Secretário-Geral do
Sínodo.
O Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova
Evangelização, o dicastério que organizou a iniciativa, explicou à agência Ecclesia que a peregrinação nasceu da
ideia de mostrar “uma Igreja a caminho”,
para levar o Sínodo à rua, num percurso que evoca a história das peregrinações,
ao longo de todos os séculos do Cristianismo.
E, por sua vez, o Arcebispo de Nampula (Moçambique), Dom Inácio Saúre, referiu que é “muito importante ter os bispos a caminhar
junto com os jovens”. E, dentro do espírito do Sínodo e da peregrinação – caraterísticos
os ser Igreja, observou:
“O destino desta peregrinação é o túmulo de
Pedro e, como bispos, estamos juntamente com o sucessor de Pedro, o Santo
Padre, junto do qual vamos fazer a nossa profissão de fé, para renovarmos a
nossa comunhão”.
Para Dom Gabriel Mbilingui, arcebispo do Lubango (Angola), foi importante reavivar o sentido da peregrinação,
“que afinal é um caminho”. E,
precisando que, “no fundo, o Sínodo é
caminhar, caminhar juntos, indo na mesma direção, com o apoio uns dos outros”,
elogiou a recuperação do “espírito do Sínodo”, como momento para caminhar
juntos e sentir-se “irmãos”, que têm Cristo como seu “guia”. E acrescentou:
“É, sobretudo, ocasião para reavivar a minha
vocação, enquanto bispo, e o meu espírito de comunhão, dentro desta chamada
sinodalidade”.
O Arcebispo angolano mostra-se satisfeito pelo trabalho já
realizado em três semanas de reflexão sobre os jovens, “o símbolo da força, da energia, da alegria e da disponibilidade para
seguir o Senhor”. E concluiu:
“O que nós fazemos, no fundo, nesta
peregrinação é seguir o Senhor, no caminho que o leva à Cruz, que significa dom
da própria vida, para a nossa salvação, é um caminho que deixa à própria Igreja”.
E o jovem brasileiro Lucas Barboza Galhardo, um dos
convidados no Sínodo, falou de um momento em que todos caminharam juntos, “na
prática”, passando para o terreno o que tem sido discutido nas últimas três
semanas. E enfatizou já diante da Basílica de São Pedro, na parte final da
peregrinação:
“Foi uma atividade muito boa, de integração.
Durante o caminho, pude conversar com vários participantes, foi uma experiência
bonita, pude partilhar a vida, conversar com amigos”.
De facto, esta foi uma experiência sinodal
diferente das reuniões de trabalho e das celebrações que têm participantes
reunidos no Vaticano desde 3 de outubro: caminharam da
reserva natural do Monte Mario às ruas movimentadas de Roma concentrando-se
junto ao túmulo de São Pedro.
Recorde-se que a assembleia sinodal se encerra no domingo,
com a Missa final presidida pelo Papa, já após a discussão e aprovação, no
sábado, do Documento Final e de uma Carta aos Jovens de todo o mundo. A este
respeito, o Papa escreveu, no dia 24, na sua conta do Twitter:
“Este Sínodo quer ser um sinal da Igreja que
realmente escuta e que nem sempre tem uma resposta pré-fabricada, já pronta”.
Nesse mesmo dia, o Sumo Pontífice entregou a cada um dos
jovens convidados do Sínodo uma cópia do ‘DoCat’, versão juvenil do Compêndio
da Doutrina Social da Igreja. E pediu:
“Espero que um milhão de jovens, mais ainda,
que uma geração inteira seja, para os seus contemporâneos, uma Doutrina Social
em movimento”.
***
A Via
Francígena, a primeira estrada construída pelos romanos é um itinerário
milenar que passa por quatro países, entre campos, montanhas. A peregrinação
pela Via Francígena é uma experiência espiritual, iniciada na Idade Média, em
direção ao túmulo de São Pedro, na Cidade Eterna. Também conhecida como “Via Romea Francigena” por ser
considerada a “estrada da França para Roma” teve, na realidade, como ponto de
partida a cidade inglesa de Cantuária. E França, Suíça e Itália completam o
itinerário dos países cortados pela Via Francígena, mencionada pela primeira
vez num pergaminho do ano 876. Era um itinerário muito utilizado, no período
medieval, por soldados, comerciantes e peregrinos que iam visitar o túmulo dos
apóstolos Pedro e Paulo em Roma.
Porém,
muitos viajantes, não terminando a sua peregrinação na Cidade Eterna,
continuavam para o Sul de Itália, até ao porto de Bríndisi, donde embarcavam
para a Terra Santa. Daí a importância da Via Francígena, que liga dois
principais destinos das peregrinações medievais: Roma e Jerusalém, faltando
apenas Santiago de Compostela, na Espanha.
Na verdade,
a Via Francígena não é propriamente uma estrada, mas um conjunto de itinerários
alternativos muito utilizados, mas esquecidos ao longo dos séculos, por via de
diversas situações: mudanças políticas,
ampliação do comércio e conflitos. Porém, não é fácil definir a
rota, tampouco a extensão precisa da Via Francígena, que deveria ser de,
aproximadamente, 1.800 km. No final do século X, um diário orientou os
peregrinos: no ano 990, o Arcebispo de Cantuária, Dom Sigerico ou Sério, fez
uma viagem a Roma, para receber o Pálio sagrado das mãos do Papa. Ao regressar à
sua cidade, anotou, em seu diário, 79 etapas do seu percurso, ainda hoje
utilizadas pelos peregrinos.
***
Que o Sínodo
e a Peregrinação sejam um estímulo para a maior vivência eclesial no mundo,
sobretudo através da aliança intergeracional que interesses poderosos evitam e
destroem! Há muito a fazer num mundo que não escuta a juventude e a desampara a
mergulhar por caminhos ínvios, quando até não estimula capciosamente esse
desmando. Há um campo aberto para a Igreja. Saiba ela, saibamos, na dedicação,
sabedoria, escuta, oração e trabalho, arregaçar as mangas e pôr os pés ao caminho!
2018.10.26 – Louro de Carvalho
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