Esta passagem evangélica (do XXVIII domingo do Tempo Comum no Ano B) distribui-se por três itens: a
busca da vida eterna (salvação) por parte dum homem rico (17-22 – Mateus
refere “um jovem “e Lucas “certo chefe”); o perigo das riquezas (23-27);
e a recompensa pelo desprendimento (28-31).
Um dilema surge neste evangelho de difícil solução: a
salvação, que desejamos, e as riquezas, que nos seduzem. A salvação postula a
prática dos mandamentos; e a posse das riquezas implica que, em vez da atitude
avara, se assuma a partilha com os mais necessitados. Porém, a situação é
problemática porque o desejo ou a posse obsessiva da riqueza torna o homem rico
e apegado aos bens materiais levando-o à acumulação sem freios. E, deste modo,
se a riqueza não é compartilhada, arvora-se em ídolo que, exigindo a escravidão
pessoal e alheia, se torna fonte de iniquidade. Ou, como assenta o Evangelho, o
deus Mammon opõe-se ao Senhor e,
nesta oposição, servimos a um e desprezamos o outro – escolha, difícil que,
pressupondo a abertura do homem, depende da graça de Deus que pode atuar onde o
homem falha totalmente.
***
Alguém corre pressuroso para o Senhor
Efetivamente, um determinado indivíduo (eis, em grego), um homem reto, na sua inquietude e
prontidão, corre para Jesus e, prostrando-se (gonypetêras) ante Ele, pergunta o que precisa de fazer para alcançar a
vida eterna (A ideia de
que a salvação depende das nossas obras!). A sua atitude de prostração foi um modo de adoração a
Jesus ou assumiu os contornos da proskinese oriental
ou, ainda, se assimilou à maneira como os discípulos manifestavam a reverência
pelos mestres, não só ajoelhando-se, mas abraçando-lhe os pés e beijando-os,
visível em Madalena, que se abraçou aos pés do ressuscitado (Jo 20,17). A palavra “didáskale” (mestre) com que se dirige a Jesus parece apontar para a
terceira hipótese. Mas a expressão vocativa completa é “didáskale agathê”. Ora, o adjetivo agathós originariamente significa “bom”, mas, ao qualificar nome
que denota função ou profissão, não exprime a moralidade do referente, mas a sua
excelência no mister. Assim, Jesus foi tratado por Mestre insigne ou excelente,
que sabe dar as respostas, pois tem uma sabedoria incomum, a sabedoria de Deus.
A pergunta denota insatisfação com a vida cómoda e rica face ao
ambiente de pobreza e dificuldades da generalidade das pessoas. Algo teria de
fazer o jovem para não ser excluído das bem-aventuranças que terá escutado dos
lábios de Jesus (Mt
5,3-11). Esta inquietude
quer dizer que as palavras de Jesus não tinham caído em terra baldia (Mc 4,8), pois, enquanto os outros mestres falavam da Lei
como se fora um deus a quem se devia adorar (Eram puros intérpretes, que não distinguiam entre o
verdadeiramente essencial e transcendente do contingente das normas de pureza
ritual), Jesus falava da
vida, dum Deus que é Pai e dum futuro muito mais relevante que a contingência
circunscrita a um corpo mortal e aos bem materiais. E o interlocutor, sabendo
que a sua riqueza não lhe proporcionava segurança e bem-estar por tempo ilimitado
e pretendendo assegurar a vida futura, perguntava o que fazer. Por sua vez, Jesus
pedagogicamente sustenta que ninguém é bom senão Deus (Com efeito, não era a hora de reiterar
o segredo messiânico, mas de manter o mistério do homem-Deus que tudo recebe do
Pai) e avança para a
solução: para alcançar a vida, é imperativo guardar os mandamentos. É a
resposta que revela que todo o ser humano é por natureza falível e limitado e
que só Deus é o mestre por excelência, tendo só Ele a resposta a todas as
interrogações da vida. Assim, Jesus afirma que a moralidade depende apenas de
Deus, sendo a Lei a concretização da sua bondade, pois favorece os mais
desamparados, as vítimas e não os carrascos. Os mandamentos remetem para Deus
como o bom (cf Sl 118,1), o melhor dos mestres para obter a
vida, de acordo com o que afirmou Moisés, após a Teofania do monte Horeb:
“Por todo o caminho que vos ordenou o
Eterno, vosso Deus (Jahvé Elohim), andareis para que vivais e seja bem para vós
e prolongueis os dias na terra que haveis de herdar (Dt 5,29).”.
Da bondade divina dão testemunho os salmos: “Provai e vede que o Senhor é bom” (Sl 34,8); e “Tu
és bom e fazes o bem; ensina-me os teus decretos” (Sl 119,68). Ao invés dos rabinos da
época, que tinham como norma a sentença de que não há nada bom exceto a Lei, o
salmista indica que é do Senhor que devemos escutar, como discípulos, os
preceitos e Jesus está na verdadeira linha da tradição, indicando que também
Ele tem como mestre o único Deus. Neste sentido recorda ao seu interlocutor os
mandamentos referentes às relações com o próximo (Ex 20,12-17 e Dt 5,16-21), os da segunda tábua do decálogo. O
texto mais antigo (Êxodo) tem esta ordem: adultério, roubo, homicídio. Já o
Deuteronómio põe o homicídio a anteceder o roubo. E há uma diferença entre
Marcos e os outros dois evangelistas dos sinóticos: só Marcos completa a
citação da tábua com “não defraudarás”
(não privarás o próximo
do que lhe é próprio, como em Dt 24, 14), o que significará: “não
cobiçarás a casa do teu próximo, nem a mulher, nem o campo, nem o servo, nem a
serva, o boi ou o asno, ou tudo que seja do teu próximo”. Marcos é,
pois, o único dos sinóticos a referir este preceito e utiliza o verbo “apostereîn”, que sugere que não se pode
reter o salário dos trabalhadores O preceito de não assassinar deve, contra os
budistas que citam o texto para evitar a matança de animais, ser entendido como
referido só à morte de seres humanos. E a honra devida aos pais expressa a
preocupação com o seu sustento. Na sua resposta, Jesus aponta que no homem
existe um dever que ele reduzirá ao amor e respeito para com o próximo, sem o
qual a vida terrena se inferniza por falta de convivência e a vida eterna será
a continuidade dessa desordem.
Quando à noção de próximo, são de referir, segundo os
diversos textos, significados como: irmão, companheiro, camarada, amigo,
esposo, amante e vizinho. Como mandamento da Lei, aparece em Dt 5, 20: Não dirás falso testemunho contra teu
próximo. Com o significado de amigo temos: Teu amigo que amas como à tua alma (Dt 13,6). A passagem que o escriba [nomikós]
cita em Lc 10,27 é Lv 19,18 é: Não
te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo, antes amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Segundo o comentário do rabino Meir Matziliah, “réa-
amith- ben- am- ah” são os termos utilizados para designar “companheiro,
próximo e irmão” (Ah é irmão e era usado para todo israelita). O livro do Levítico (19,17-18) tem: ah (irmão) amith (companheiro), ben (filho) am (povo)
e rea (próximo). Assim, a citação será:
“Não odiarás o teu irmão [ah] no teu
coração; repreenderás a teu companheiro [amith] e por causa dele não levarás
sobre ti pecado. Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos [ben] do
teu povo [am], mas amarás o teu próximo [reya] como a ti mesmo.”
Próximo era todo o que merece o nosso amor. Jesus,
com a parábola do bom samaritano (Lc cap 10) estende a ideia de próximo a todo homem, incluindo o que é
nosso inimigo (desde que
precise de nós). O
próprio doutor da Lei, que pretendia saber quem era o seu próximo, descobriu
que o próximo é aquele de que devemos ter compaixão, bem como aquele que tem
compaixão de nós.
***
Ante a resposta de Jesus, o rico reage perplexo dizendo
que vem guardando tudo isto desde a sua juventude [neotëtos]. Nestas palavras evidencia-se a integridade do homem
que indica a sua boa disposição face aos ensinamentos de Jesus a quem chama de
Mestre pela segunda vez e a afirmação da sua maturidade, pois a sua juventude
era um passado mais ou menos recente. E Lucas refere que era um príncipe ou
principal entre os judeus, o que requeria uma idade superior a 30 anos. Porém,
Mateus (19,22) apresenta o interrogador como
um jovem [neaniskos]. É uma divergência a testemunhar as
diversas origens na transmissão das narrativas (Lucas segue com bastante precisão o relato de Marcos e,
como Mateus, tem essa divergência). E, longe de jogar contra a história do facto, esta
divergência, não sendo essencial, mostra como os evangelhos têm uma componente
humana, dependente da condição do tempo e das testemunhas. Provavelmente “desde a minha juventude” (neotëtos]) transformou o indivíduo no homem jovem (neaniskos) de Mateus ou será tradução
imperfeita do aramaico. E, Jesus, tendo-o olhado, amou-o e disse-lhe:
“Uma só coisa falta: vai, vende quanto tens
e dá aos pobres. E terás um tesouro no céu e vem. Depois, vem e segue-me
(tendo tomado a cruz). – vd AugustinusMerk, para a inclusão de “tendo
tomado a cruz” .
Marcos diz que, tendo fixado a vista nele, “o amou”, ao passo
que outros traduzem por “lhe demonstrou o seu amor”. Em todo o caso, é gesto de
ternura da parte de Jesus (talvez o beijo na fronte como os mestres faziam aos discípulos), que revela que reconhecia a
verdade do testemunho do rico, humanamente dotado dos requisitos para entrar no
círculo dos discípulos. E Jesus declara que a coisa em falta não é para
ingressar na vida eterna, mas para se tornar um dos prediletos: é o
despojamento total das riquezas, que são obstáculo à perfeição. Jesus exige a
privação das riquezas, não como fim absoluto, mas como meio para obter a
felicidade. De facto, a causa importante é seguir o Mestre. Por outro
lado, o despojamento não é destruição, mas repartição entre os necessitados. Ptöchos, no grego, é o homem que sobrevive
com a caridade de outros. É usado o termo para descrever a viúva que deu duas
moedas ao tesouro (Mc
12,42 e Lc 21,3) e os
discípulos que tudo deixaram. Caso semelhante é o de Zaqueu que promete, em
sinal de conversão, dar metade dos bens aos pobres, após ter restituído,
segundo Lei, 4 vezes o injustamente roubado (Lc 19,8). Pobre é Lázaro, o mendigo da parábola do epulário. Hoje,
diríamos necessitados e não mendigos, já que pobres são os que não têm
riquezas, propriedades.
Com a sua proposta, Jesus coloca o bem e a felicidade, não na
proibição do decálogo, mas na prática generosa do desprendimento e do amor ao
próximo. Assim, para entrar na vida, devemos evitar o mal; mas, para obter o
tesouro celeste, temos mesmo de praticar o bem. Não fazer o mal ao próximo é compatível
com a posse das riquezas, mas para fazer o bem devemos usá-las como meio e
repartir. E este despojamento é a condição que Jesus exige dos discípulos:
negar-se a si mesmo (Mc
8,34), ou seja,
renunciar as todas as riquezas – materiais e espirituais – à ambição, posição
social e poder, bem como renunciar a preeminências e privilégios. Assim o
entenderam os primeiros cristãos que vendiam os seus bens e entregavam o
produto da venda à comunidade.
***
Contrariado e anuviado, o jovem afastou-se triste e pesaroso,
pois tinha muitas propriedades. Esta retirada significa a dificuldade em o rico
de seguir Jesus, por implicar uma renúncia muito difícil, e a tristeza que
acompanha o homem rico quando contempla as necessidades do próximo e não o ajuda
com os seus bens. Lucas não fala de retirada, mas supõe-na ao afirmar
que ficou muito triste porque era enormemente rico (Lc 18,23).
***
O comentário de Jesus sobre as riquezas
Tendo lançado o olhar ao redor, Jesus adverte os discípulos
de como é difícil os que têm riquezas ("chrëmata"), bens (ou
dinheiro, “chrëma”)
entrarem no reino do Deus, o que os deixou admirados. Porém, Jesus reitera:
“Filhos, como é difícil aos que têm confiado
nas riquezas entrarem no Reino de Deus” (Mc 10,24).
O termo utilizado no singular é dinheiro (chrema), como
em At 4,37 – o dinheiro da venda do terreno de Barnabé, traduzido por pretium em latim, e em AT 8, 18 era
o dinheiro (argýrion) que o mago Simão ofereceu a Pedro
para obter os dons do Espírito Santo.
O jovem rico, que era um dos príncipes ou principais de Israel
(Lc 18,18), ao ouvir que devia deixar a suas
posses, afastou-se com amargura e tristeza, talvez porque pensava ser escolhido
para integrar a chefia do novo Messias (aliás, era a ambição dos apóstolos). Foi a retirada do jovem o pretexto
para Jesus falar abertamente com os discípulos, que acreditavam serem os ricos,
os privilegiados de Jahvé (portanto, os que deviam ser escolhidos pelo Messias). E, dado o espanto dos
discípulos, Jesus matiza o discurso: não são apenas os ricos quem tem
dificuldade em ingressar no Reino, mas também os que põem a esperança nas
riquezas, ou seja, os que não as possuem, mas labutam por adquiri-las a todo
custo. Com efeito, as riquezas constituem a razão de ser e do agir de
muitos, que tudo subordinam às riquezas, cuja sedução (com as demais concupiscências) leva ao sufoco da palavra que
fica sem fruto (Mc 4,19). E elas constituem em si mesmas um
deus que escraviza e exige adoração divina (Mt 6,24).
Por isso, ao transformarem-se em ídolo, são iníquas (mamona iniquitatis / mamoma tês adikías – Lc 16,9.11), sendo que “iniquidade” (adikia) é a
palavra para significar “injustiça” no sentido humano, a lesão da justiça, a
virtude correspondente (em
Lc especialmente do juiz [18,6] e do desonesto administrador [16,8]).
O argumento de Jesus, além de insistente, é audaz e
eloquente: “é mais fácil um
camelo passar (dielthein)
pelo orifício duma agulha que um rico entrar (eiselthein) no
Reino de Deus” (Mc
10,25). O aoristo
infinitivo de “dielthein” e eiselthein indica um tempo quase futuro
de possibilidade e não um presente já em andamento. O buraco duma agulha
era símbolo de pequenez, ao passo que o camelo era então o animal de maior tamanho.
Hoje, diríamos “um elefante”, tal como sucede na escola babilónica em que o
Rabi Rabba troca o camelo pelo elefante e compara sonhos irrealizáveis com quem
sonhou com uma palmeira de ouro ou com um elefante a passar pelo ocelo duma
agulha. A comparação aduzida por Jesus evoca uma pequena parábola ou um
provérbio da época que pretende sublinhar a dificuldade. Também Maomé, que foi
educado num mosteiro cristão, afirma no Alcorão:
“Aos que desmentem e menosprezam nossas
revelações, as portas do céu serão fechadas e não entrarão no paraíso até que o
camelo passe pela fenda duma agulha” (Alc 7,40).
***
Face ao discurso pedagogicamente subversivo de Jesus, os
discípulos ficavam estupefactos dizendo entre si: Então quem pode ser salvo? Somente Lucas refere que eram os
ouvintes quem comentava. Assim, as palavras de Jesus foram proferidas mais ou
menos publicamente como uma asserção para toda a gente. Entende-se a
perturbação emergente pela convicção epocal: os abençoados por Deus, os ricos,
não se salvam ou dificilmente se podem salvar. Então é de perguntar o que se pode
passar com o resto maioritário dos mortais.
Porém, Jesus, tendo fixado neles o olhar, esclarece através
duma antítese em que sobressai o poder de Deus: para os homens é impossível,
mas não para Deus (cf Lc
1,37), uma vez que para
Deus todas as coisas são possíveis. Jesus afirma que o impossível (adynaton) para
os homens é possível (dynaton) para Deus. E a história abunda em
casos destes – como revelam os exemplos de António do Egito, de Francisco de
Assis e de muitos outros – a confirmar a possibilidade exposta por Jesus. Os
outros sinóticos escrevem o comentário final de Jesus com as mesmas palavras usando
a oposição “impossível e possível” correspondentes ao poder humano e
à absoluta faculdade divina. Jesus sabia, por exemplo, que tanto José de
Arimateia como Nicodemos eram pessoas ricas, mas que o amor deles à verdade era
muito superior à sua ambição terrena. Nicodemos submete a sua sabedoria a Jesus
quando lhe faz perguntas e lhe aceita as respostas. E José, num momento em que
todos abandonam Jesus, faz-se seu coveiro, dando-lhe um sepulcro rico como a uma
personagem amiga e venerada.
***
O valor do desprendimento total
Então Pedro desafia: “Eis
que nós abandonamos todas as coisas e te seguimos” (Mc 10,28). Lucas expressa com as mesmas palavras o pensamento
de Pedro. Porém, Mateus adiciona a pergunta, implícita nos outros dois: Que podemos esperar? Ou seja: Que
recebem os que abandonam tudo para seguir Jesus? Segundo Marcos, Jesus, em
resposta, declara:
“Em verdade vos digo: Não há ninguém que
tenha abandonado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou
filhos, ou campos por minha causa e do evangelho que não receba centuplicados
agora neste tempo casas e irmãos e irmãs e mães e filhos e campos no meio de
perseguições e na outra época que vem a vida eterna.” (Mc 29-31).
Lucas praticamente coincide com Marcos, enquanto Mateus
contém um inciso peculiar. Antes de se dirigir aos seus seguidores em geral,
Jesus fala aos seus imediatos apóstolos, os doze:
“Em verdade vos digo:
No dia da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do Homem se sentar no
seu trono de glória, vós, que me seguistes, haveis de sentar-vos em doze tronos
para julgar as doze tribos de Israel” (Mt 19,28).
Para Mateus, a resposta tem duas componentes: a dada aos doze
apóstolos; e a dirigida a todos os abandonam tudo para seguir Jesus. A
primeira, que só Mateus relata porque se refere diretamente a Israel – que não
interessava aos gentios – releva a fundação dum reino novo sob o poder do
Messias, em que o poder judicial, definindo quem é inocente (entra) e quem é culpado (fica de fora), seria dado aos apóstolos. Mateus identifica esse tempo com
uma regeneração ou novo nascimento [palingenesia], que implica a instauração do Reino, significando o tempo após a
ascensão de Jesus (quando
o Filho do Homem estiver assentado no trono de sua glória), em que eles então se tornarão
juízes das doze tribos de Judá. A segunda, narrada pelos três sinóticos,
apresenta Jesus a enumerar esse tudo que abrange a família (o mais próximo e sagrado que há) e os bens, por escolha do
evangelho; os tais receberão neste mundo (en to kairo touto) o cêntuplo (máximo rendimento duma semente e dum capital) que Lucas (mais moderado) afirma ser muitas vezes mais, e
assegurarão a vida eterna. Esta promessa, válida em todos os tempos, tem levado
muitos à vida religiosa, como anacoretas e cenobitas nos primeiros séculos,
como monges e frades na Idade Média e como regulares e associados de institutos
religiosos e seculares nos tempos modernos. E pode dizer-se que a promessa se
cumpre, já aqui na terra, com os notáveis aumentos de paz e bem-estar na vida
dos que O seguem, bem como na comunhão fraterna, como o entenderam os primeiros
cristãos. Marcos tem um inciso surpreendente: “juntamente com perseguições”
– o que era factual quando ao tempo da escrita do seu evangelho (antes dos anos 50), posterior à morte de Estêvão (ano 40, vd At 6, 8 – 7,1-60) à perseguição de Agripa (43-44, vd At 12,1-19) em que morre Tiago e é encarcerado
Pedro. E é isso o que podem esperar os cristãos que o sã a sério.
O jogo dos últimos e primeiros com que termina a perícopa
configura a profecia de que aqueles que, ao modo do jovem rico, não renunciam,
passam de primeiros a últimos, mas quem se despoja de tudo e segue o Mestre,
passa de último a primeiro.
***
É de convocar a sabedoria que o hagiógrafo preferiu e
implorou (Sb 7,7) para compreendermos e degustarmos
esta Palavra de Deus cortante, viva e eficaz, que nos penetra o íntimo (Heb 4,12-13).
2018.10.14
– Louro de Carvalho
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