Um texto
de Solange Pereira (diretora
da JOC) e do Padre Valentim Gonçalves (CJP-CIRP - Comissão Justiça
e Paz da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal)
publicado, no passado dia 21 no site do jornal “Voz da Verdade”,
na secção “Doutrina Social” aborda alguns pontos do Sínodo dos Bispos que está
a decorrer no Vaticano segundo a tríplice categorização metodológica da Ação
Católica: Ver, Julgar e Agir –
assumindo esta abordagem com a Visão da JOC.
Começa
por registar as três novidades do Sínodo: “a
presença de jovens, a presença de dois bispos chineses depois da assinatura de
um acordo provisório para a nomeação de bispos e ainda a I Assembleia com o
novo enquadramento jurídico apresentado pelo Papa na constituição apostólica “Episcopalis Communio”, reforçando o
papel do Sínodo na linha do Vaticano II”.
Depois, na categoria do Ver,
sublinha-se, da declaração do Cardeal Baldisseri, dias antes da assembleia, a
asserção, no âmbito dos desafios que se lhe colocam, de que “a Igreja
não tem medo de enfrentar esses desafios que são sempre difíceis e cheios de
obstáculos”. E transcreve-se a afirmação do Papa Francisco num encontro com
jovens de diversas religiões aquando da visita aos países bálticos:
“Sabemos que muitos jovens não nos pedem
nada, porque não nos consideram interlocutores significativos na sua
existência. Alguns pedem expressamente para serem deixados em paz, porque
sentem a presença da Igreja como algo molesto e irritante. É verdade. Ficam
indignados com os escândalos sexuais e económicos contra os quais não veem uma
clara condenação. O não saber interpretar adequadamente a vida e a
sensibilidade dos jovens por falta de preparação ou simplesmente pelo papel
passivo que lhes atribuímos. Estes são alguns dos vossos pedidos. Queremos
dar-lhes resposta, queremos ser uma comunidade transparente, acolhedora,
honesta, atraente, comunicativa, acessível, alegre e interativa.”.
Sendo este o
tom para o percurso sinodal, os jovens presentes contribuem, no quadro desta
problemática e de outras, “com um grande impacto social como o desemprego, as
redes sociais, a pobreza e a educação”.
Na categoria do Julgar, atenta
particularmente aos problemas do trabalho,
desemprego, educação e pobreza, a JOC (Juventude Operária Católica), apesar da sua presença minoritária e, por
vezes, suspeita na Igreja, não desiste de lidar com as magnas questões do
trabalho, precariedade, horários, desemprego, política de salários, justiça
social – lutando por um trabalho digno e justo segundo a batuta de Francisco:
“O problema é não levar o pão para casa, isto tira a dignidade… temos
que trabalhar e defender a dignidade que nos dá o trabalho”.
Por isso, a
preocupação da JOC é “denunciar situações que ofendam a dignidade dos jovens” e
alertar “para que estes fiquem despertos para outras semelhantes”.
Com efeito, para
os articulistas, a falta de dignidade surge já na procura do primeiro emprego e
nas dificuldades sentidas na tentativa de inserção no mundo do trabalho: trabalho
a recibos verdes ou a contratos a termo e de curto-prazo, sem o exercício de
direitos fundamentais como férias, baixa por incapacidade e subsídio de
desemprego; instrumentalização empresarial dos jovens para obtenção da
produtividade desejada; excesso de trabalho, horas extraordinárias (muitas vezes
não remuneradas); clima de
competitividade; salários precários; e bullying
por parte dos colegas e da entidade patronal – a prejudicar a saúde física e
mental dos jovens e os seus projetos de vida.
São
estas as chagas sociais que, não sendo exclusivas dos jovens, os atingem logo ao
despertar para a vida ativa, gerando a desilusão e a falta de esperança.
E, na linha do Agir, a JOC declara:
“Ansiamos que o Sínodo leve esperança aos jovens que se encontram em
situações de precariedade e de indignidade e lhes dê coragem de denunciar o que
asfixia a vida. Que as palavras RESPEITO, LIBERDADE e DIREITOS sejam um pilar
neste Sínodo. Esperamos que seja um Sínodo, não só para escrever um documento a
falar dos jovens, mas sim um momento em que se pense a juventude com os jovens.”.
Escudado na
afirmação do Papa no terceiro dia de Sínodo de que os jovens “não são mercadorias num leilão”, pedindo
que “não se deixem comprar, não se deixem seduzir, não se deixem escravizar
pelas colonizações ideológicas” e exortando a que se apaixonem “pela liberdade de Jesus”, este movimento
eclesial de juventude assegura:
“Trabalhamos para que eles não sejam vistos como objeto, mas como meio
para levar Jesus Cristo a outros jovens, como dizia o nosso fundador Joseph
Cardijn: ‘Cada trabalhador e cada trabalhadora deve viver a experiência do amor
de Deus. Não se pode respeitar a Deus, se não se respeitar os trabalhadores e
as trabalhadoras, que são a imagem de Deus’.”.
***
Vistas
bem as coisas, é de referir que em todos os documentos atinentes ao Sínodo está
subjacente esta metodologia da Ação Católica, obviamente não como se fora em compartimentos
estanques, mas no sistema de predomínio a par da transversalidade temática e da
permeabilidade e atitudinal.
***
Assim, logo
o Documento Preparatório, sob o lema
“Nos
passos do discípulo amado”, distribui as matérias por três capítulos:
I – Os
jovens no mundo de hoje (é a categoria do Ver) desdobra-se em três
subcapítulos: 1. Um mundo que se transforma rapidamente; 2. As novas gerações,
com os itens “pertença e participação”, “pontos de referência pessoais e institucionais” e
“rumo a uma geração (hiper)conectada”; e 3. Os jovens e as escolhas.
II – Fé,
discernimento e vocação (é a categoria do Julgar) desdobra-se em quatro
subcapítulos: 1. Fé e vocação; 2. O dom do discernimento (discernir
é julgar à luz da Palavra de Deus devidamente escutada e meditada), com os itens “reconhecer”, “interpretar e “escolher”;
3. Percursos de vocação e missão; e 4. O acompanhamento.
III – A
ação pastoral (é a categoria do Agir ou indicações de
planeamento da ação)
desdobra-se em cinco subcapítulos: 1. Caminhar com os jovens, com os itens “sair”, “ver” e “chamar”. 2.
Sujeitos, com os itens “todos os jovens, sem exclusão alguma”, “uma comunidade responsável” e “ as
figuras de referência”. 3. Lugares, com os itens “a
vida quotidiana e o compromisso social”, “os âmbitos específicos da pastoral” e “o mundo digital”.
4. Instrumentos, com os itens “as linguagens da pastoral”, “a atenção
à educação e os percursos de evangelização” e “silêncio, contemplação,
oração”. E 5. Maria de Nazaré, pois “cada
jovem pode descobrir na vida de Maria o estilo da escuta, a coragem da fé, a
profundidade do discernimento e a dedicação ao serviço” (cf Lc 1,39-45).
***
Por
seu turno, o Documento final da Reunião
Pré-sinodal, da passada primavera, estrutura-se em três partes, em que se podem ver,
respetivamente as categorias do Ver ou análise da realidade, com os desafios e as oportunidades; do Julgar ou a reflexão à luz da Palavra
de Deus e na atenção aos Sinais dos Tempos; e do Agir ou do encontro de elementos para planear a ação pastoral eficaz. É, entretanto,
de advertir que este julgamento não pode ser pautado por critérios meramente humanos,
mas pela consonância tanto quanto possível com o juízo de Deus.
Parte I – Desafios e oportunidades dos jovens no mundo de hoje, com os itens: (1) A formação da personalidade; (2)
Relação com os outros; (3) Os jovens e o futuro; (4) Relação com a tecnologia;
e (5) A busca de sentido de vida.
Parte II – Fé e vocação, discernimento e acompanhamento, com os itens: (6) Os jovens e Jesus; (7) A Fé e a Igreja; (8) O sentido vocacional da vida; 9) Discernimento
vocacional; (10) Jovens e acompanhamento.
Parte III – Atividades formativas e
pastorais da Igreja, com os itens: (11) O estilo da Igreja; (12) Jovens Protagonistas; (13) Lugares
preferenciais; (14) Iniciativas a serem
reforçadas; e (15) Instrumentos a serem usados.
Como é de esperar, a fase da
ação tem de considerar as descobertas da análise da realidade.
***
Por fim, o Instrumentum
Laboris, que é o documento de referência para os trabalhos sinodais,
estrutura-se em Introdução (com as finalidades do Sínodo, o método
do discernimento e explicação da estrutura do texto), três partes (Reconhecer, Interpretar, Escolher), Conclusão (com
os itens: a vocação universal à santidade; a juventude, um tempo para a
santidade; e jovens santos e juventude dos santos) e Oração pelo Sínodo (dirigida ao Senhor Jesus).
I – RECONHECER: A IGREJA À ESCUTA DA REALIDADE. É um momento de análise da realidade
ou Ver, distribuída por cinco
capítulos, com vários itens:
I. SER JOVEM HOJE – uma abrangente variedade de contextos; diante
da globalização; o papel das famílias; as relações intergeracionais; as
escolhas de vida; educação, escola e universidade; trabalho e profissão; e juventude,
fé e religiões.
II. EXPERIÊNCIAS E LINGUAGENS – compromisso e participação
social; espiritualidade e religiosidade; os jovens na vida da Igreja; a transversalidade
do continente digital; a música e as outras formas de expressão artística; e o
mundo do desporto.
III. NA CULTURA DO DESCARTE – a questão do trabalho; os
jovens migrantes; as várias formas de discriminação; e doença,
sofrimento e exclusão.
IV. DESAFIOS ANTROPOLÓGICOS E CULTURAIS – o corpo, a
afetividade e a sexualidade; novos paradigmas cognitivos e busca da verdade; os
efeitos antropológicos do mundo digital; a deceção institucional e as novas
formas de participação; a paralisia decisória na superabundância das propostas;
e além da secularização.
V. À ESCUTA DOS JOVENS – a fadiga de escutar; o desejo
de uma “Igreja autêntica”; uma Igreja “mais relacional”; uma comunidade
“comprometida com a justiça”; a palavra dos seminaristas e dos jovens
religiosos.
II – INTERPRETAR: FÉ E DISCERNIMENTO VOCACIONAL. É
um momento da procura do confronto de realidade analisada com as exigências e
alegrias da Fé, o discernimento sobre como responder àquilo a que Deus nos
chama – o Julgar, distribuído
por quatro capítulos, com vários itens:
I. A BÊNÇÃO DA JUVENTUDE – Cristo “jovem entre os jovens”; a
chamada universal à alegria do amor; vigor físico, fortaleza de alma e coragem
de arriscar; incerteza, medo e esperança; queda, arrependimento e
acolhimento; disponibilidade para ouvir e necessidade de acompanhamento; amadurecimento
da fé e dom do discernimento; e projeto de vida e dinâmica vocacional.
II. A vocação à luz da fé – a vida humana no horizonte
vocacional; chamados em Cristo; a sair de si mesmos;
para a plenitude da alegria e do amor; a vocação a seguir Jesus; a vocação batismal; a chamada dos
apóstolos; a vocação da Igreja e as vocações na Igreja; os diferentes caminhos
vocacionais; a família; o ministério ordenado; a
vida consagrada; profissão e vocação; e a condição inédita dos solteiros.
III. O DINAMISMO DO DISCERNIMENTO VOCACIONAL – o pedido de discernimento; o
discernimento na linguagem comum e na tradição cristã; a proposta do
discernimento vocacional; reconhecer, interpretar, escolher; o papel
da consciência; e o confronto com a realidade.
IV. A ARTE DE ACOMPANHAR – “acompanhamento” pode ser dito em
vários modos; acompanhamento espiritual; acompanhamento
psicológico; acompanhamento e sacramento da reconciliação; acompanhamento
familiar, educacional e social; acompanhamento na leitura dos sinais dos
tempos; acompanhamento na vida quotidiana e na comunidade eclesial;
as qualidades daqueles que acompanham; e acompanhamento dos seminaristas e
jovens consagrados.
III - ESCOLHER: PERCURSOS DE CONVERSÃO PASTORAL E MISSIONÁRIA.
I – UMA PERSPETIVA INTEGRAL – o discernimento como estilo de
uma Igreja em saída; Povo de Deus num mundo fragmentado; e uma Igreja
generativa.
II – IMERSOS NO TECIDO DA VIDA QUOTIDIANA – o acompanhamento
escolar e universitário; a exigência de um olhar
e de uma formação integra; as especificidades e a riqueza das escolas e
universidades católicas; economia, trabalho e cuidado da casa comum;
à procura de novos modelos de
desenvolvimento; o trabalho perante a inovação tecnológica; colaborar na
criação de empregos para todos; na trama das culturas juvenis; formar para a cidadania ativa e para a
política; aprender a habitar o mundo digital; a
música entre interioridade e afirmação da identidade; desporto e
competição; a amizade e o acompanhamento entre pares; proximidade e
apoio na dificuldade e na marginalização; deficiência
e doença; dependências e outras fragilidades; com jovens prisioneiros; em situações
de guerra e violência; jovens migrantes e a cultura do acolhimento; perante a
morte; e acompanhamento e anúncio.
III. Uma comunidade evangelizada e evangelizadora – uma ideia
evangélica de comunidade cristã; uma experiência familiar de Igreja; o
cuidado pastoral para as jovens gerações; a família, sujeito privilegiado da
educação; à escuta e em diálogo com o Senhor; na escola da Palavra de
Deus; o gosto e a beleza da liturgia; nutrir a fé na catequese; acompanhar
os jovens rumo ao dom gratuito de si; e comunidade aberta e acolhedora
para todos.
IV. Animação e organização da pastoral – o protagonismo
juvenil; a Igreja no território; a contribuição da vida consagrada;
associações e movimentos; redes e colaborações a nível civil, social e
religioso; o planeamento pastoral; a relação entre eventos extraordinários e
vida quotidiana; rumo a uma pastoral integrada; e seminários e casas de
formação.
***
Face ao exposto, pergunto-me como é que a Ação Católica em
Portugal (que formou tão
boa gente e a capacitou para a intervenção no apostolado, até com mandato da Hierarquia) ficou reduzida a uns pequenos
grupos, ainda que persistentes e aguerridos. Se a sua metodologia passou aos documentos
do Magistério e se acomoda, à boa maneira jesuítica, a matéria de reflexão em três
partes ou capítulos, como é que o movimento qua
tali quase sumiu? Foi a Hierarquia que lhe retirou o mandato ou o deixou
cair? Foi ele que se partiu em os/as que entendiam que lhes cabia o aprofundamento
da doutrina sem tirar as consequências práticas (e sem o apelo da ação perdeu ânimo) e os/as que se submergiram no mundo
da ação olvidando o fervor evangélico? É de pensar, não?
2018.10.23
– Louro de Carvalho
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