terça-feira, 23 de outubro de 2018

O Sínodo dos Bispos de 2018 em metodologia da Ação Católica


Um texto de Solange Pereira (diretora da JOC) e do Padre Valentim Gonçalves (CJP-CIRP - Comissão Justiça e Paz da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal) publicado, no passado dia 21 no site do jornal “Voz da Verdade”, na secção “Doutrina Social” aborda alguns pontos do Sínodo dos Bispos que está a decorrer no Vaticano segundo a tríplice categorização metodológica da Ação Católica: Ver, Julgar e Agir – assumindo esta abordagem com a Visão da JOC.

Começa por registar as três novidades do Sínodo: “a presença de jovens, a presença de dois bispos chineses depois da assinatura de um acordo provisório para a nomeação de bispos e ainda a I Assembleia com o novo enquadramento jurídico apresentado pelo Papa na constituição apostólica “Episcopalis Communio”, reforçando o papel do Sínodo na linha do Vaticano II”.
Depois, na categoria do Ver, sublinha-se, da declaração do Cardeal Baldisseri, dias antes da assembleia, a asserção, no âmbito dos desafios que se lhe colocam, de que “a Igreja não tem medo de enfrentar esses desafios que são sempre difíceis e cheios de obstáculos”. E transcreve-se a afirmação do Papa Francisco num encontro com jovens de diversas religiões aquando da visita aos países bálticos:
Sabemos que muitos jovens não nos pedem nada, porque não nos consideram interlocutores significativos na sua existência. Alguns pedem expressamente para serem deixados em paz, porque sentem a presença da Igreja como algo molesto e irritante. É verdade. Ficam indignados com os escândalos sexuais e económicos contra os quais não veem uma clara condenação. O não saber interpretar adequadamente a vida e a sensibilidade dos jovens por falta de preparação ou simplesmente pelo papel passivo que lhes atribuímos. Estes são alguns dos vossos pedidos. Queremos dar-lhes resposta, queremos ser uma comunidade transparente, acolhedora, honesta, atraente, comunicativa, acessível, alegre e interativa.”.
Sendo este o tom para o percurso sinodal, os jovens presentes contribuem, no quadro desta problemática e de outras, “com um grande impacto social como o desemprego, as redes sociais, a pobreza e a educação”.
Na categoria do Julgar, atenta particularmente aos problemas do trabalho, desemprego, educação e pobreza, a JOC (Juventude Operária Católica), apesar da sua presença minoritária e, por vezes, suspeita na Igreja, não desiste de lidar com as magnas questões do trabalho, precariedade, horários, desemprego, política de salários, justiça social – lutando por um trabalho digno e justo segundo a batuta de Francisco:
O problema é não levar o pão para casa, isto tira a dignidade… temos que trabalhar e defender a dignidade que nos dá o trabalho”.
Por isso, a preocupação da JOC é “denunciar situações que ofendam a dignidade dos jovens” e alertar “para que estes fiquem despertos para outras semelhantes”.
Com efeito, para os articulistas, a falta de dignidade surge já na procura do primeiro emprego e nas dificuldades sentidas na tentativa de inserção no mundo do trabalho: trabalho a recibos verdes ou a contratos a termo e de curto-prazo, sem o exercício de direitos fundamentais como férias, baixa por incapacidade e subsídio de desemprego; instrumentalização empresarial dos jovens para obtenção da produtividade desejada; excesso de trabalho, horas extraordinárias (muitas vezes não remuneradas); clima de competitividade; salários precários; e bullying por parte dos colegas e da entidade patronal – a prejudicar a saúde física e mental dos jovens e os seus projetos de vida.
São estas as chagas sociais que, não sendo exclusivas dos jovens, os atingem logo ao despertar para a vida ativa, gerando a desilusão e a falta de esperança.
E, na linha do Agir, a JOC declara:
Ansiamos que o Sínodo leve esperança aos jovens que se encontram em situações de precariedade e de indignidade e lhes dê coragem de denunciar o que asfixia a vida. Que as palavras RESPEITO, LIBERDADE e DIREITOS sejam um pilar neste Sínodo. Esperamos que seja um Sínodo, não só para escrever um documento a falar dos jovens, mas sim um momento em que se pense a juventude com os jovens.”.
Escudado na afirmação do Papa no terceiro dia de Sínodo de que os jovens “não são mercadorias num leilão”, pedindo que não se deixem comprar, não se deixem seduzir, não se deixem escravizar pelas colonizações ideológicas” e exortando a que se apaixonem “pela liberdade de Jesus”, este movimento eclesial de juventude assegura:
Trabalhamos para que eles não sejam vistos como objeto, mas como meio para levar Jesus Cristo a outros jovens, como dizia o nosso fundador Joseph Cardijn: ‘Cada trabalhador e cada trabalhadora deve viver a experiência do amor de Deus. Não se pode respeitar a Deus, se não se respeitar os trabalhadores e as trabalhadoras, que são a imagem de Deus’..
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Vistas bem as coisas, é de referir que em todos os documentos atinentes ao Sínodo está subjacente esta metodologia da Ação Católica, obviamente não como se fora em compartimentos estanques, mas no sistema de predomínio a par da transversalidade temática e da permeabilidade e atitudinal.
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Assim, logo o Documento Preparatório, sob o lema “Nos passos do discípulo amado”, distribui as matérias por três capítulos:
I – Os jovens no mundo de hoje (é a categoria do Ver) desdobra-se em três subcapítulos: 1. Um mundo que se transforma rapidamente; 2. As novas gerações, com os itens “pertença e participação”, pontos de referência pessoais e institucionais e rumo a uma geração (hiper)conectada”; e 3. Os jovens e as escolhas.
II – Fé, discernimento e vocação (é a categoria do Julgar) desdobra-se em quatro subcapítulos: 1. Fé e vocação; 2. O dom do discernimento (discernir é julgar à luz da Palavra de Deus devidamente escutada e meditada), com os itens “reconhecer”, “interpretar e “escolher”; 3. Percursos de vocação e missão; e 4. O acompanhamento.
III – A ação pastoral (é a categoria do Agir ou indicações de planeamento da ação) desdobra-se em cinco subcapítulos: 1. Caminhar com os jovens, com os itens “sair”, “ver” e “chamar”. 2. Sujeitos, com os itens “todos os jovens, sem exclusão alguma”, “uma comunidade responsável” e “ as figuras de referência”. 3. Lugares, com os itens “a vida quotidiana e o compromisso social”, “os âmbitos específicos da pastoral” e “o mundo digital”. 4. Instrumentos, com os itens “as linguagens da pastoral”, “a atenção à educação e os percursos de evangelização” e “silêncio, contemplação, oração”. E 5. Maria de Nazaré, pois “cada jovem pode descobrir na vida de Maria o estilo da escuta, a coragem da fé, a profundidade do discernimento e a dedicação ao serviço” (cf Lc 1,39-45).
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Por seu turno, o Documento final da Reunião Pré-sinodal, da passada primavera, estrutura-se em três partes, em que se podem ver, respetivamente as categorias do Ver ou análise da realidade, com os desafios e as oportunidades; do Julgar ou a reflexão à luz da Palavra de Deus e na atenção aos Sinais dos Tempos; e do Agir ou do encontro de elementos para planear a ação pastoral eficaz. É, entretanto, de advertir que este julgamento não pode ser pautado por critérios meramente humanos, mas pela consonância tanto quanto possível com o juízo de Deus.
Parte I – Desafios e oportunidades dos jovens no mundo de hoje, com os itens: (1) A formação da personalidade; (2) Relação com os outros; (3) Os jovens e o futuro; (4) Relação com a tecnologia; e (5) A busca de sentido de vida.
Parte II – Fé e vocação, discernimento e acompanhamento, com os itens: (6) Os jovens e Jesus; (7) A Fé e a Igreja; (8) O sentido vocacional da vida; 9) Discernimento vocacional; (10) Jovens e acompanhamento.
Parte III – Atividades formativas e pastorais da Igreja, com os itens: (11) O estilo da Igreja; (12) Jovens Protagonistas; (13) Lugares preferenciais; (14) Iniciativas a serem reforçadas; e (15) Instrumentos a serem usados.
Como é de esperar, a fase da ação tem de considerar as descobertas da análise da realidade.

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Por fim, o Instrumentum Laboris, que é o documento de referência para os trabalhos sinodais, estrutura-se em Introdução (com as finalidades do Sínodo, o método do discernimento e explicação da estrutura do texto), três partes (Reconhecer, Interpretar, Escolher), Conclusão (com os itens: a vocação universal à santidade; a juventude, um tempo para a santidade; e jovens santos e juventude dos santos) e Oração pelo Sínodo (dirigida ao Senhor Jesus). 
IRECONHECER: A IGREJA À ESCUTA DA REALIDADE. É um momento de análise da realidade ou Ver, distribuída por cinco capítulos, com vários itens:
I. SER JOVEM HOJE – uma abrangente variedade de contextos; diante da globalização; o papel das famílias; as relações intergeracionais;  as escolhas de vida; educação, escola e universidade; trabalho e profissão; e juventude, fé e religiões. 
II. EXPERIÊNCIAS E LINGUAGENS – compromisso e participação social;  espiritualidade e religiosidade; os jovens na vida da Igreja; a transversalidade do continente digital; a música e as outras formas de expressão artística; e o mundo do desporto. 
III. NA CULTURA DO DESCARTE – a questão do trabalho; os jovens migrantes; as várias formas de discriminação; e doença, sofrimento e exclusão. 
IV. DESAFIOS ANTROPOLÓGICOS E CULTURAIS – o corpo, a afetividade e a sexualidade; novos paradigmas cognitivos e busca da verdade; os efeitos antropológicos do mundo digital; a deceção institucional e as novas formas de participação; a paralisia decisória na superabundância das propostas; e além da secularização. 
V. À ESCUTA DOS JOVENS – a fadiga de escutar; o desejo de uma “Igreja autêntica”; uma Igreja “mais relacional”; uma comunidade “comprometida com a justiça”; a palavra dos seminaristas e dos jovens religiosos. 
II – INTERPRETAR: FÉ E DISCERNIMENTO VOCACIONAL. É um momento da procura do confronto de realidade analisada com as exigências e alegrias da Fé, o discernimento sobre como responder àquilo a que Deus nos chama – o Julgar, distribuído por quatro capítulos, com vários itens:
I. A BÊNÇÃO DA JUVENTUDE – Cristo “jovem entre os jovens”; a chamada universal à alegria do amor; vigor físico, fortaleza de alma e coragem de arriscar; incerteza, medo e esperança; queda, arrependimento e acolhimento; disponibilidade para ouvir e necessidade de acompanhamento; amadurecimento da fé e dom do discernimento; e projeto de vida e dinâmica vocacional. 
II. A vocação à luz da fé – a vida humana no horizonte vocacional; chamados em Cristo; a sair de si mesmos; para a plenitude da alegria e do amor; a vocação a seguir Jesus; a vocação batismal; a chamada dos apóstolos; a vocação da Igreja e as vocações na Igreja; os diferentes caminhos vocacionais; a família; o ministério ordenado; a vida consagrada; profissão e vocação; e a condição inédita dos solteiros. 
III. O DINAMISMO DO DISCERNIMENTO VOCACIONAL – o pedido de discernimento; o discernimento na linguagem comum e na tradição cristã; a proposta do discernimento vocacional; reconhecer, interpretar, escolher; o papel da consciência; e o confronto com a realidade. 
IV. A ARTE DE ACOMPANHAR – “acompanhamento” pode ser dito em vários modos; acompanhamento espiritual; acompanhamento psicológico; acompanhamento e sacramento da reconciliação; acompanhamento familiar, educacional e social; acompanhamento na leitura dos sinais dos tempos; acompanhamento na vida quotidiana e na comunidade eclesial; as qualidades daqueles que acompanham; e acompanhamento dos seminaristas e jovens consagrados.
III - ESCOLHER: PERCURSOS DE CONVERSÃO PASTORAL E MISSIONÁRIA.  
I – UMA PERSPETIVA INTEGRAL – o discernimento como estilo de uma Igreja em saída; Povo de Deus num mundo fragmentado; e uma Igreja generativa. 
II – IMERSOS NO TECIDO DA VIDA QUOTIDIANA – o acompanhamento escolar e universitário; a exigência de um olhar e de uma formação integra; as especificidades e a riqueza das escolas e universidades católicas; economia, trabalho e cuidado da casa comum; à procura de novos modelos de desenvolvimento; o trabalho perante a inovação tecnológica; colaborar na criação de empregos para todos; na trama das culturas juvenis; formar para a cidadania ativa e para a política; aprender a habitar o mundo digital; a música entre interioridade e afirmação da identidade; desporto e competição; a amizade e o acompanhamento entre pares; proximidade e apoio na dificuldade e na marginalização; deficiência e doença; dependências e outras fragilidades; com jovens prisioneiros; em situações de guerra e violência; jovens migrantes e a cultura do acolhimento; perante a morte; e acompanhamento e anúncio. 
III. Uma comunidade evangelizada e evangelizadora – uma ideia evangélica de comunidade cristã; uma experiência familiar de Igreja; o cuidado pastoral para as jovens gerações; a família, sujeito privilegiado da educação; à escuta e em diálogo com o Senhor;  na escola da Palavra de Deus; o gosto e a beleza da liturgia; nutrir a fé na catequese; acompanhar os jovens rumo ao dom gratuito de si; e comunidade aberta e acolhedora para todos. 
IV. Animação e organização da pastoral – o protagonismo juvenil; a Igreja no território; a contribuição da vida consagrada; associações e movimentos; redes e colaborações a nível civil, social e religioso; o planeamento pastoral; a relação entre eventos extraordinários e vida quotidiana; rumo a uma pastoral integrada; e seminários e casas de formação. 
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Face ao exposto, pergunto-me como é que a Ação Católica em Portugal (que formou tão boa gente e a capacitou para a intervenção no apostolado, até com mandato da Hierarquia) ficou reduzida a uns pequenos grupos, ainda que persistentes e aguerridos. Se a sua metodologia passou aos documentos do Magistério e se acomoda, à boa maneira jesuítica, a matéria de reflexão em três partes ou capítulos, como é que o movimento qua tali quase sumiu? Foi a Hierarquia que lhe retirou o mandato ou o deixou cair? Foi ele que se partiu em os/as que entendiam que lhes cabia o aprofundamento da doutrina sem tirar as consequências práticas (e sem o apelo da ação perdeu ânimo) e os/as que se submergiram no mundo da ação olvidando o fervor evangélico? É de pensar, não?
2018.10.23 – Louro de Carvalho




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