terça-feira, 23 de outubro de 2018

Carta de Portugal mantém meta para o défice estrutural no OE 2019


Em carta dirigida ao Secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, a Comissão Europeia (CE), explicando os motivos, pede informações adicionais ao Governo português depois de analisar os planos orçamentais que seguiram para Bruxelas no passado dia 15, o dia em que o Executivo entregou a proposta de Orçamento do Estado para 2019 no Parlamento.
A este respeito, Bruxelas faz os seguintes reparos: o crescimento nominal da despesa líquida primária é de 3,4% no OE 2019, “o que excede o crescimento máximo recomendado de 0,7%e viola os limites de despesa definidos no Pacto de Estabilidade; o ajustamento estrutural do saldo orçamental previsto no Orçamento é de 0,3%, que, recalculado de acordo com a metodologia comummente acordada, baixa para 0,2%, representando um esforço que “está abaixo dos 0,6% do PIB requeridos pelas recomendações do Conselho de 13 de julho de 2018” – uma diferença significativa. Assim, surge o aviso costumeiro: “há risco de desvio significativo” no novo OE.
Com efeito, no referido Conselho Europeu de julho ficou assente que o Governo tem de reduzir este défice em pelo menos 0,6% do PIB, todos os anos, até atingir o objetivo de médio prazo (cerca de 0,25%). O problema é que a CE fez contas diferentes (inclui uns valores e não inclui outras medidas), tendo chegado à conclusão que o ajustamento de 2019 até vai ser menor que 0,3%. A CE fala em 0,2%.
Nestes termos, o défice nominal de quase zero previsto pelo Governo não convenceu, para já, a CE, pelo que pede ao Executivo que envie “informação adicional sobre a composição exata do esforço estrutural e dos desenvolvimentos na despesa previstos nos planos orçamentais para ver como evitar o risco de um desvio significativo face ao ajustamento estrutural recomendado em 2019 e em 2018 e 2019 em conjunto”, dizendo esperar uma resposta até ontem, dia 22, e que o diálogo “construtivo” continue.
Costa falara na “clássica” carta, que podia não chegar. Mas chegou, querendo Bruxelas ser esclarecida sobre a despesa e o ajustamento do défice estrutural (medida que não observável diretamente e em que se desconta o efeito do ciclo económico e das medidas extra)
Portugal não foi o único a receber pedido de clarificação da proposta de OE. Bélgica, França, Eslovénia e Espanha também foram questionados sobre os seus planos orçamentais de 2019. No caso de Itália, a situação é aparentemente mais grave, pois Roma propõe-se não respeitar de forma evidente as exigências do Pacto de Estabilidade, prevendo uma subida do défice e uma expansão orçamental estrutural.
O défice orçamental na Zona Euro recuou para os 1,0% tanto na zona euro como na UE (União Europeia) em 2017, com Portugal a apresentar, segundo o Eurostat, o segundo maior (3,0%) pelo impacto da capitalização da CGD.
De acordo com a segunda notificação do gabinete estatístico da UE, o saldo orçamental negativo na zona euro recuou dos 1,6% em 2016 para os 1,0% do PIB no ano passado, um ligeiro agravamento face aos 0,9% previstos na primeira notificação, divulgada em abril. Na UE, o défice orçamental recuou para os 1,0%, face aos 1,7% homólogos.
Em 2017, Malta (3,5%), Chipre (1,8%), Suécia (1,6%), República Checa (1,5%), Luxemburgo (1,4%), Holanda (1,2%), Bulgária e Dinamarca (1,1% cada), Alemanha (1,0%), Croácia (0,9%), Grécia (0,8%), Lituânia (0,5%) e Eslovénia (0,1%) apresentaram excedentes orçamentais. Os menores défices públicos, em percentagem do PIB, foram registados na Irlanda (-0,2%), Estónia (-0,4%), Letónia (-0,6%) e Finlândia (-0,7%). Espanha apresentou um défice superior ao limite de Bruxelas (-3,1%) e Portugal ficou no limite (-3,0%).
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Em resposta enviada ontem, dia 22, Portugal usa os elogios das agências de rating e dos participantes no mercado para justificar as metas definidas na proposta do OE. Apesar das dúvidas, Centeno mantém redução de 0,3% no défice estrutural, dizendo que o ajustamento de 0,3% “reflete largamente os impactos da continuação e do alargamento da revisão da despesa pública, que contribuiu para continuar com a consolidação estrutural ao longo dos últimos anos”. Como escreve Nuno Brito, o embaixador português junto da REPER (Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia), “o esforço de consolidação orçamental, com base no saldo estrutural incluído na proposta do Orçamento do Estado para 2019, é de 0,3% do PIB” – uma afirmação que rebate os cálculos de Bruxelas.
Assim, ao pedido da CE ao Executivo português de que enviasse “informação adicional sobre a composição exata do esforço estrutural e dos desenvolvimentos na despesa previstos nos planos orçamentais para ver como evitar o risco de um desvio significativo face ao ajustamento estrutural recomendado em 2019 e em 2018 e 2019 em conjunto”, Portugal responde justificando as contas com “os impactos da contínua e cada vez mais vasta revisão da despesa pública, o que permitiu uma consolidação orçamental continuada ao longo dos últimos anos”. Na verdade, segundo o Governo, o esforço orçamental para 2019 “com base no saldo estrutural surge depois de um esforço acumulado de 1,7 pontos percentuais de 2016 para 2018”.
Na missiva, Nuno Brito tenta rebater ponto por ponto as questões de Bruxelas. Ao reparo de que o crescimento nominal da despesa líquida primária é de 3,4% no OE, “o que excede o crescimento máximo recomendado de 0,7%”, responde dizendo que a meta para este indicador “também deve beneficiar” das políticas levadas a cabo pelo Executivo e deve “ser interpretada tendo em conta as constantes atualizações do esforço estrutural”. Por outro lado, especifica uma “revisão acumulada das estimativas iniciais de cerca de 2,2 pontos percentuais entre 2016 e 2018”. Está em causa uma questão técnica. Para Portugal a “sensibilidade da estimativa” para o cumprimento ou não da despesa líquida primária face aos dados disponíveis para o ano base “merece mais clarificações”. E, se a CE espera que o diálogo “construtivo” continue, garante-se que Portugal “está, sempre, totalmente disponível para levar a cabo discussões frutuosas”.
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Para a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental), as projeções macroeconómicas do Governo são “otimistas” mas “exequíveis”, se o contexto externo não vier a ser “significativamente pior do que o esperado”.
A análise é feita pela  UTAO na apreciação preliminar da proposta de Orçamento do Estado para 2019, que foi entregue à Assembleia da República. Pode ler-se no relatório:
As projeções do Ministério das Finanças para as variáveis que constam do cenário macroeconómico evidenciam algum otimismo, particularmente no investimento, embora exequíveis, desde que o contexto externo não venha a ser significativamente pior do que o esperado nas hipóteses assumidas para o enquadramento internacional”.
Na proposta de Orçamento do Estado, o Governo prevê que o PIB (Produto Interno Bruto) cresça 2,2% em 2019 (projeção ligeiramente abaixo do que o Governo tinha previsto no Programa de Estabilidade conhecido em abril, altura em que apontava para que o PIB crescesse 2,3% também em 2019).
Quanto ao investimento, a área que levanta mais dúvidas à UTAO, o Executivo antecipa que a FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) aumente 5,2% (uma revisão em baixa face à previsão de 6,2% que apresentava em abril) e 7% em 2019. Sobre este indicador, refere a UTAO:
Tendo em consideração que esta componente apresenta um dos principais contributos da procura interna para o crescimento em 2019, então a sua concretização adquire especial relevância para se cumprir a projeção de crescimento do PIB em 2019”.
Esta unidade especializada mostra ainda receios em torno do conjunto alargado de variáveis externas que podem condicionar o desempenho das variáveis que constam do cenário macroeconómico, em particular o investimento e as exportações“. Ao mesmo tempo, aponta:
A elevada dívida externa e a [posição de investimento internacional] negativa são vulnerabilidades que aumentam o risco da economia nacional às oscilações nos mercados financeiros”.
Também considera os riscos decorrentes da instabilidade política em países produtores de petróleo, bem como o facto de a procura externa relevante dirigida à nossa economia poder ser afetada pelo protecionismo crescente dos EUA e pelo Brexit. E prevê que, a prejudicar a economia portuguesa poderá estar também a “evolução divergente entre a política monetária da área euro e a dos Estados Unidos”, que poderá” “afetar as taxas de câmbio e as taxas de juro nos mercados monetários e financeiros”.

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Porém, noutro momento e pelo menos meio contraditoriamente com a posição acima referenciada, a UTAO vem duvidar da meta do Governo para o défice do próximo ano. Enquanto o Executivo prevê um défice de 0,2%, os técnicos que apreciaram a proposta de OE 2019 apontam para um défice de 0,5% em 2019, além de não verem qualquer ajustamento estrutural das contas públicas.
Assim, tendo em conta as “medidas temporárias e/ou não recorrentes” que constam do OE, a UTAO, como pode ler-se na apreciação preliminar da proposta de Orçamento, considera:
A trajetória de consolidação em direção ao objetivo de médio prazo subjacente à proposta do Orçamento do Estado para 2019 apresenta um risco de desvio significativo ainda mais evidente face ao ajustamento anual recomendado para o saldo estrutural”.
Neste aspeto, a UTAO alinha nas dúvidas levantadas por Bruxelas e não parecer tomar em conta a resposta de Portugal. E, para justificar as dúvidas relativamente à meta do défice definida pelo Governo, a UTAO aponta três reservas: as medidas temporárias e/ou não recorrentes; a compatibilidade entre o saldo global e o saldo orçamental; e dúvidas sobre as medidas de política discricionárias efetivamente presentes na proposta de OE 2019.
Nestes termos, a UTAO duvida da elegibilidade de algumas das medidas consideradas pelo Governo como temporárias ou não recorrentes, referindo que “foram encontradas divergências no apuramento pontual de algumas medidas, o que coloca reservas quanto ao efeito orçamental das mesmas considerado na proposta do Orçamento do Estado”. No atinente à compatibilidade entre o saldo global e o saldo orçamental, a UTAO vê uma discrepância significativa entre o que entende ser, de facto, o valor do saldo orçamental e o que é apresentado pelo Governo. Pelos cálculos da UTAO, o “saldo orçamental compatível com o saldo global constante dos mapas da proposta de lei e o valor dos ajustamentos é de -975 milhões de euros, e não os -385 milhões que o relatório do Ministério das Finanças apresenta”. Há, então, “uma discrepância de 590 milhões de euros, ou 0,3% do PIB”. Por fim, a UTAO levanta dúvidas “sobre o valor das medidas de políticas discricionárias consideradas pelo Ministério das Finanças nas projeções para 2019 e não incluídas no cenário orçamental de políticas invariantes”, por ter encontrado medidas diferentes e com valores totais diferentes em duas comunicações do Ministério das Finanças: o Projeto de Plano Orçamental para 2019; e uma resposta a um pedido de informação da UTAO. Quanto ao primeiro caso, o Governo aponta para a produção do efeito de melhoria destas medidas sobre o saldo orçamental equivalente a 0,39%; no atinente ao segundo, aponta um impacto na ordem dos 0,15% do PIB.
Considerando o desconhecimento sobre o real valor das medidas novas embutidas na proposta orçamental, os técnicos da UTAO que apreciaram o Orçamento concluem não conseguir validar “a contribuição das mesmas para o ajustamento do saldo estrutural planeado pelo Governo”.
Nestes termos, a UTAO calcula que o défice seja de 0,5% e não de 0,2% em 2019, uma alteração que “reforça o risco de incumprimento” do ajustamento orçamental exigido pela CE.
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Uma outra questão ligada ao Orçamento é a referente à dívida pública, que António Costa garante baixar consideravelmente.   
Efetivamente, Portugal mantém a terceira maior dívida pública da UE (União Europeia), em 2017, apesar de o Eurostat a ter revisto, no passado dia 22, para os 124,8% do PIB face aos para os 125,7% da primeira notificação, em abril.
Também foi revista a dúvida pública da Zona Euro, mas em alta, face à primeira notificação, com o gabinete estatístico da UE a divulgar um rácio de 86,8% do PIB face aos 86,7% estimados em abril – um recuo na comparação com a dívida de 89,1% do PIB em 2016. A dívida pública da UE baixou para os 81,6% (contra 83,3%), ligeiramente abaixo dos 81,9% apontados na primeira notificação do Eurostat.
Quinzes Estados-membros apresentaram uma dívida pública superior aos 60%, tendo as mais elevadas sido registadas na Grécia (176,1% do PIB), em Itália (131,2%), em Portugal (124,8% – um recuo face aos 129,2% de 2016), na Bélgica (103,4%), em França (98,5%) e em Espanha (98,1%).
Os menores rácios da dívida em função do PIB foram observados na Estónia (8,7%), no Luxemburgo (23,0%), na Bulgária (25,6%), na República Checa (34,7%), na Roménia (35,1%) e na Dinamarca (36,1%).
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Ora, não é o OE 2019 o documento de felicidade de que António Costa parece dar testemunho nem um instrumento tão eleitoralista como referem aqueles que o consideram uma orgia eleitoral. Com efeito, como pode ser eleitoralista um OE que não mexe nos escalões de IRS, que aumenta em grande ISP, IUC, o imposto sobre tabaco, plásticos… e que mantém genericamente o imposto do IVA agravado em alguns setores como o da eletricidade? Como pode ser eleitoralista um OE que mexe timidamente na melhoria, pouco mais que fictícia, no acesso às pensões de reforma antecipada, que não de aposentação, ainda por cima com Vieira da Silva a anunciar o fantasma das restrições? Como pode ser eleitoralista um OE que dispõe de apenas 50 milhões para aumento dos trabalhadores da administração pública? E poderiam aduzir-se mais exemplos…
Será um OE que obtenha a redução anunciada da dívida pública? De que se queixa Bruxelas com razoabilidade, quando deveria estimular o Estado ao investimento público em prol do crescimento económico e da melhoria social, para pode vir a pagar a dívida?
Enfim, temos um OE 2019 de contradições a dar com a mão esquerda um poucochinho e a tirar com a direita um bocadão a cada um.
Aguenta, Zé, e contenta-te com o governo que tens e que só pensa em ti!
2018.10.23 – Louro de Carvalho       

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