No quadro da sua
viagem apostólica de 4 a 10 de setembro a Moçambique, Madagáscar e Maurícias,
Francisco chegou à tarde do dia 4 a Maputo, em cujo aeroporto decorreu a
cerimónia de boas-vindas, permanecendo na cidade até ao final da manhã do dia
6.
***
Após a visita
de cortesia ao Presidente da República no Palácio da Ponta Vermelha, o
Pontífice encontrou-se com as Autoridades, a Sociedade Civil e o Corpo
Diplomático.
No seu
discurso, sentiu-se feliz por iniciar a viagem apostólica “por este país, tão
abençoado pela sua beleza natural como pela sua grande riqueza cultural que
traz à provada alegria de viver do vosso povo a esperança num futuro melhor” e que
“abre as suas portas para alimentar um renovado futuro de paz e reconciliação”.
Dirigiu “palavras
de proximidade e solidariedade” aos que sentiram as pesadas consequências dos
ciclones Idai e Kenneth, partilhando “a angústia e sofrimento” de quem foi
atingido e “o compromisso da comunidade católica para fazer frente a tão dura
situação” e pedindo “a solicitude de todos os atores civis e sociais que, pondo
a pessoa no centro, sejam capazes de promover a necessária reconstrução”.
Saudou o
esforço de paz e reconciliação desenvolvido sob a égide da comunidade
internacional como “o melhor caminho para enfrentar as dificuldades e desafios”
que Moçambique tem como nação, destacando o acordo de cessação definitiva das
hostilidades militares entre irmãos moçambicanos assinado recentemente na Serra
da Gorongosa – um marco plantado na senda da paz que parte do Acordo Geral de
1992 em Roma. São esforços que sustentam a esperança e dão confiança para que o
modo de escrever a história não seja “a luta fratricida”, mas “a capacidade de
se reconhecerem como irmãos, filhos duma mesma terra, administradores dum
destino comum”. É a coragem da paz,
“uma coragem de alta qualidade: não a da força bruta e da violência, mas aquela
que se concretiza na busca incansável do bem comum”.
Assegurando
que os moçambicanos conheceram “o sofrimento, o luto e a aflição”, mas sem
deixarem que “o critério regulador das relações humanas fosse a vingança ou a
repressão” ou que “o ódio e a violência tivessem a última palavra”, citou São
João Paulo II para observar:
“Com
a guerra ‘muitos homens, mulheres e crianças sofrem por não terem casa onde
habitar, alimentação suficiente, escolas onde se instruir, hospitais para
tratar a saúde, igrejas onde se reunir para rezar e campos onde empregar as
forças de trabalho. Muitos milhares de pessoas são forçadas a deslocar-se à
procura de segurança e de meios para sobreviver; outras refugiam-se nos países
vizinhos.’ (...) Não à violência e sim à paz!” (Discurso de Chegada,
16 de setembro de 1988, n. 3).
Reconhecendo
que o povo, ao longo dos anos, sentira que a busca da paz – missão que envolve
a todos – “exige um trabalho árduo, constante e sem tréguas”, pois a paz é “como
uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência”, disse
que é preciso continuar a afirmar, com determinação mas sem fanatismo, com
coragem mas sem exaltação, com tenacidade mas de maneira inteligente: não à violência que destrói, sim à paz e à
reconciliação.
Mais que a
ausência de guerra, a paz é “o empenho incansável”, especialmente dos que
ocupam um cargo de maior responsabilidade, em “reconhecer, garantir e
reconstruir concretamente a dignidade, tantas vezes esquecida ou ignorada, de
irmãos nossos, para que possam sentir-se os principais protagonistas do destino
da própria nação”, pois, “sem igualdade de oportunidades, as várias formas de
agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais
tarde, há de provocar a explosão”. Ora, se a sociedade “abandona na periferia
uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou
serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade”.
Depois,
Francisco salientou alguns dos aspetos de desenvolvimento que a paz
possibilitou, como a educação e a saúde, e encorajou a prossecução do trabalho
de “consolidar as estruturas e instituições necessárias” para que “ninguém se
sinta abandonado”, especialmente os jovens, que formam grande parte da
população e que “são o presente que interpela, busca e precisa de encontrar canais
dignos que lhes permitam desenvolver todos os seus talentos; e são um potencial
para semear e desenvolver a tão desejada amizade social”.
E frisou que,
no quadro da cultura de paz, “o caminho há de ser aquele que favoreça a cultura
do encontro e dela fique todo impregnado: reconhecer o outro, estreitar laços,
lançar pontes”; e, por outro lado, torna-se “imprescindível manter viva a
memória como caminho que abre futuro; como caminhada, que leve a procurar metas
comuns, valores compartilhados, ideias que favoreçam superar interesses
setoriais, corporativos ou partidários para que as riquezas da nação sejam
colocadas ao serviço de todos, especialmente dos mais pobres”. E exortou:
“Tendes
uma corajosa e histórica missão a cumprir: não cesseis os esforços enquanto
houver crianças e adolescentes sem educação, famílias sem teto, trabalhadores
sem trabalho, camponeses sem terra... Tais são as bases dum futuro de
esperança, porque futuro de dignidade! Tais são as armas da paz.”.
E, após ter
afirmado as condições-base da subsistência condigna – terra, teto e trabalho –,
o Santo Padre inscreveu na rota da paz o olhar pela Casa Comum e disse que,
nesta ótica, “Moçambique é uma nação abençoada”, sendo os moçambicanos “especialmente
convidados a cuidar desta bênção”. A seguir, explanou:
“A
defesa da terra é também a defesa da vida, que reclama atenção especial quando
se constata uma tendência à pilhagem e espoliação, guiada por uma ânsia de
acumular que, em geral, não é cultivada sequer por pessoas que habitam estas
terras, nem é motivada pelo bem comum do vosso povo. Uma cultura de paz implica
um desenvolvimento produtivo, sustentável e inclusivo, onde cada moçambicano
possa sentir que este país é seu, e no qual possa estabelecer relações de
fraternidade e equidade com o seu vizinho e com tudo o que o rodeia.”.
Por fim,
disse que todos são “os construtores da obra mais bela a ser realizada: um futuro de paz e reconciliação como
garantias do direito ao futuro dos vossos filhos” e expressou o desejo de,
em comunhão com os irmãos bispos e “a Igreja Católica que peregrina nesta terra”,
contribuir para que “a paz, a
reconciliação e a esperança reinem definitivamente” no povo moçambicano.
***
Numa festa
inter-religiosa e culturalmente rica da juventude, Francisco pronunciou o segundo
discurso do dia em Maputo, neste dia 5. Os jovens foram a expressão da paz e da
reconciliação do país, através de cantos, apresentações artísticas e tradições
religiosas, sempre encorajados pelo Pontífice que incentivou a não se resignarem
diante das provações e terem cautela com a ansiedade que pode criar barreiras
para realizar os sonhos.
O Papa encontrou
os jovens no Pavilhão do Clube de Desportos do Maxaquene, conhecido como Maxaca
– uma sociedade com tradição no futebol, tanto que já ganhou cinco títulos
nacionais. Hoje o espaço acolheu mais de 4 mil jovens cristãos, muçulmanos e
hinduístas para um grande encontro inter-religioso.
Em cerca de
uma hora com a juventude de Moçambique, o Papa conseguiu conhecer um pouco da
realidade local das diferentes confissões religiosas que se apresentaram,
através da arte do canto e de coreografias especiais, demonstrando diferentes
temas e motivos de preocupação dos jovens do país. E foi interpretado um hino
comum às denominações religiosas antes do discurso do Pontífice, em que
destacou no quadro da consciência da importância dos jovens:
“O que há de mais importante para um pastor
do que encontrar-se com os seus jovens? Vós sois importantes! Precisais de
saber disso, precisais de acreditar nisso: vós sois importantes! Mas com
humildade porque não sois apenas o futuro de Moçambique ou da Igreja e da
humanidade; vós sois o presente de Moçambique! Com tudo o que sois e fazeis, já
estais a contribuir para ele com o melhor que hoje podeis dar.”.
O Papa
começou por enaltecer a expressão tão autêntica da alegria que carateriza o
povo de Moçambique, vincando:
“É uma alegria que reconcilia e se torna o melhor antídoto
capaz de desmentir todos aqueles que querem dividir, fragmentar ou contrapor.
Como faz falta, em algumas regiões do mundo, a vossa alegria de viver!”.
Também foi
elogiada pelo Pontífice a presença das diferentes confissões religiosas no
local, demonstrando a união familiar através do “desafio da paz”, da esperança
e da reconciliação. Com essa experiência, disse ele, é possível perceber que
“todos somos necessários: com as nossas diferenças, mas necessários”. E
apontou:
“Vós, jovens, caminhais com dois pés como os
adultos, mas, ao contrário dos adultos que os mantêm paralelos, vós colocais um
atrás do outro, pronto a arrancar, a partir. Vós tendes tanta força, sois
capazes de olhar com tanta esperança! Sois uma promessa de vida, que traz em si
um certo grau de tenacidade (cf Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit,
139), que não deveis perder nem deixar que vos roubem.”.
Procurando
responder a duas perguntas dos jovens sobre como realizar os sonhos da
juventude e como contribuir para solucionar os problemas que afligem o país, a
indicação do Pontífice veio do caminho de riqueza cultural apresentado pelos
jovens, através da arte, expressão “de parte dos sonhos e realidades”, sempre
regada de esperança e de ilusões. E Francisco voltou a insistir com os jovens
para não deixarem que “roubem a sua alegria”, para não deixarem de cantar e se
expressarem conforme as tradições de casa.
Depois
alertou para a cautela com “duas atitudes que matam os sonhos e a esperança: a
resignação e a ansiedade”.
“São grandes inimigas da vida, porque
normalmente nos impelem por um caminho fácil, mas de derrota; e a porta que
pedem para passar é muito cara… (…) Paga-se com a própria felicidade e até com
a própria vida. Resignação e ansiedade: duas atitudes que roubam a esperança.
Quantas promessas de felicidade vazias que acabam por mutilar vidas! Certamente
conheceis amigos, conhecidos – ou pode mesmo ter acontecido convosco – que, em
momentos difíceis, dolorosos, quando parece que tudo cai em cima de vós, ficais
prostrados na resignação. (…) Quando tudo parece estar parado e estagnante,
quando os problemas pessoais nos preocupam, as dificuldades sociais não
encontram as devidas respostas, não é bom dar-se por vencido’. ”.
Inspirado no
desporto, deu o exemplo do futebolista Eusébio da Silva, o “pantera negra”, que
começou a carreira no clube de Maputo, acentuando que o atleta não se resignou
ante as graves dificuldades económicas da família e a morte prematura do pai,
sendo que o futebol o ajudou a perseverar. E, fazendo a analogia com o jogo em
equipa, falou da importância do empenho pelo país com a tática da união e
independentemente do que diferencia as pessoas, frisando:
“Como é importante não esquecer que ‘a
inimizade social destrói. E uma família se destrói pela inimizade. Um país se
destrói pela inimizade. O mundo se destrói pela inimizade. E a inimizade maior
é a guerra porque são incapazes de se sentar e falar, de se sentar e falar.
Sede capazes de criar a amizade social!”.
E o Papa
lembrou o provérbio africano conhecido e citado mundialmente para “sonhar juntos”,
que diz: “Se quiseres chegar depressa,
caminha sozinho; se quiseres chegar longe, vai acompanhado”. Mas é preciso
afastar a ansiedade que é inimiga dos sonhos da juventude por um país melhor, pois
– diz o Pontífice – “eles são
conquistados com esperança, paciência e determinação, renunciando às pressas”.
A seguir,
veio o exemplo de Maria Mutola, que aprendeu a perseverar, apesar de ter
perdido a medalha de ouro nos três primeiros Jogos Olímpicos que disputou. O
título dourado veio na quarta tentativa, quando a atleta dos 800 m venceu nas
Olimpíadas de Sidney. “A ansiedade não a deixou absorta em si mesma, ao
conseguir nove títulos mundiais”, disse Francisco.
No âmbito da
importância dos idosos e da Casa Comum, o Papa exortou a não esquecerem o apoio
dos idosos, que podem ajudar a realizar sonhos sem que “o primeiro vento da
dificuldade” venha a impedir. Com efeito, escutar as pessoas mais experientes,
valorizando as tradições e fazendo a própria síntese, como aconteceu com a
música (o ritmo
tradicional de Moçambique: da marrabenta
nasceu o pandza, com toque moderno). Por outro lado, o Papa argentino lembrou o comprometimento
com o cuidado da Casa Comum num país com tamanha beleza natural, mas que também
já sofreu com o embate de dois ciclones, pois o desafio de proteger o meio
ambiente é uma forma de permanecer unidos para ser “artesãos da mudança tão
necessária”.
Por fim, o
Papa Francisco encorajou os jovens a encontrarem novos caminhos de paz,
liberdade, entusiasmo e criatividade, e “com o gosto da solidariedade”, para
responderem às provações e problemas vividos no país, dado que é grande “o
poder da mão estendida e da amizade” para que a solidariedade cresça e se torne
na melhor arma para transformar a história. E Francisco concluiu
apelando aos jovens que não esqueçam quanto Jesus os ama:
“[É o amor do Senhor que se entende mais de
levantamentos que de quedas, mais de reconciliação que de proibições, mais de
dar nova oportunidade que de condenar, mais de futuro que de passado (Ibid., 116).
Eu sei que vós acreditais nesse amor que torna possível a reconciliação.]”.
***
No encontro em Maputo, na catedral da Imaculada Conceição,
com bispos, sacerdotes, religiosos, seminaristas, consagrados, catequistas e
animadores, o Papa exortou:
“Reavivemos o nosso chamamento vocacional e
que o nosso sim comprometido proclame as grandezas do Senhor e alegre o
espírito do nosso povo em Deus nosso Salvador. E encha de esperança, paz e
reconciliação o vosso país, nosso querido Moçambique.”.
Sugeriu que voltar a Nazaré pode ser o caminho para enfrentar
a crise de identidade, para nos renovarmos como
pastores-discípulos-missionários. E disse:
“Não podemos
correr atrás daquilo que redunda em benefícios pessoais; os nossos cansaços
devem estar mais relacionados com ‘a nossa capacidade de compaixão: são
compromissos nos quais o nosso coração estremece e se comove’.”
“Para nós, sacerdotes – acrescentou o Santo Padre –, as
histórias do nosso povo não são um noticiário: conhecemos a nossa gente,
podemos adivinhar o que se passa no seu coração”. “E, assim, a nossa vida
sacerdotal se vai doando no serviço, na proximidade ao povo fiel de Deus…,
etc., o que sempre, sempre cansa.”.
Falando aos
jovens que se interrogam ou que se sentem chamados à vida consagrada, disse:
“Tu
que ainda te interrogas ou tu que já estás a caminho duma consagração
definitiva dar-te-ás conta de que ‘a ansiedade e a velocidade de tantos
estímulos que nos bombardeiam fazem com que não haja lugar para aquele silêncio
interior onde se percebe o olhar de Jesus e se ouve o seu chamamento’.”.
Depois, aconselhou:
“Procura, antes, aqueles espaços de calma e
silêncio que te permitam refletir, rezar, ver melhor o mundo ao teu redor e
então sim, juntamente com Jesus, poderás reconhecer qual é a tua vocação nesta
terra.”.
E concluiu
vincando que a Igreja em Moçambique é convidada a ser a Igreja da Visitação: “não pode ser parte do problema das
competências, menosprezos e divisões de uns contra os outros, mas porta de
solução, espaço onde sejam possíveis o respeito, o intercâmbio e o diálogo”.
***
Seguiu-se
a visita privada à “Casa Mateus 25” e espera-se pelo que, após a visita ao hospital de Zimpeto, vai dizer
na Missa do dia 6, no Estádio de Zimpeto.
O Papa não para de ouvir, compreender e levantar a sua voz –
ora ternurenta ora interpelante – de profeta, apóstolo e missionário.
2019.09.05
– Louro de Carvalho
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