sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Empresas que dispensam para levar filhos à escola no 1.º dia de aulas


Pelo Decreto-Lei n.º 85/2019, de 1 de julho, que entrou em vigor “no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação”, ou seja, a 1 de agosto passado, a tempo de produzir efeitos para o início do ano letivo ora iniciado, os funcionários públicos têm, a partir deste ano, três horas para acompanharem os filhos no primeiro dia de aulas.
Foi no quadro do programa “3 em linha” que o Governo implementou a dispensa dos funcionários públicos por três horas para acompanharem os seus filhos com menos de 12 anos, nesse primeiro dia. De acordo com o predito Decreto-Lei, os trabalhadores do Estado passaram a ter o direito de dar essa falta justificada já a partir do ano letivo de 2019-2020. Tal medida tem como objetivo promover “um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional” e “melhorar o índice de bem-estar dos trabalhadores”, como justificou a Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa. No entanto, o diploma aponta para a necessidade de salvaguardar o normal funcionamento das administrações. A este respeito, pode ler-se:
Exercendo-se, todavia, de forma simultânea por um largo número de trabalhadores, é necessário criar condições para o seu exercício efetivo e acautelar em simultâneo o interesse público, evitando prejuízo grave para o normal funcionamento do órgão ou serviço. Assim, é estabelecida a necessidade de o empregador tomar as medidas de gestão com a antecedência necessária para promover a utilização deste mecanismo de conciliação.”.
Uma semana depois de ter sido aprovado em Conselho de Ministros, o diploma recebeu “luz verde” do Presidente da República, que fez, contudo, questão de defender o alargamento deste regime aos trabalhadores do setor privado e social, “por forma a evitar uma divisão no setor do trabalho em Portugal”.
De notar que a estas três horas de dispensa na Função Pública para acompanhar as crianças no primeiro dia de aulas, somam-se outras 4, por trimestre, previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, para deslocações ao estabelecimento de ensino dos filhos, sendo a falta considerada justificada. Mas, ao contrário da dispensa primeiramente referida, estas últimas horas também estão disponíveis para os trabalhadores do privado. Isso mesmo diz a alínea f) do n.º 2 artigo 249.º do Código do Trabalho, explicando que essa deslocação deve ser feita por “motivo de situação educativa”.
Teoricamente, a nova disposição, a do Decreto-Lei n.º 85/2019, de 1 de julho, aplica-se apenas aos trabalhadores das administrações públicas e desde que não haja transtorno para os serviços. Todavia, no privado, há empresas que oferecem alternativas que replicam essa dispensa.
O Bloco de Esquerda ainda tentou com a CDU o alargamento ao setor privado da dispensa de três horas para acompanhar os filhos à escola no primeiro dia de aulas. No entanto, o PS, abstendo-se, juntou-se ao PSD e ao CDS para travar tal alargamento. O PS alegou que tal medida em relação ao setor privado era matéria para debate em sede de Concertação Social e não para impor por decreto-lei.
Assim, os pais que não trabalham na Administração Pública continuam legalmente sem a possibilidade de faltar para ir levar os filhos no arranque do ano letivo, mas, da banca à advocacia, há empresas que vão oferecer esquemas semelhantes que replicam essa dispensa.
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Foi em julho que o Executivo fez publicar, em Diário da República, o decreto-lei que permite que os trabalhadores do Estado faltem justificadamente por três horas para acompanharem os filhos com idade até 12 anos no primeiro dia de aulas. Apesar de o Presidente da República ter apelado ao alargamento desta dispensa ao setor privado, os pais que não são funcionários públicos não foram abrangidos, no início deste ano letivo, por esta medida. Porém, como se disse, há empresas que oferecem esquemas que disponibilizam o mesmo benefício.
Exemplo disso é a Altice Portugal, que fez saber, em comunicado, que daria “tolerância de ponto” a todos os trabalhadores com filhos até aos 12 anos, que os queiram acompanhar no primeiro dia do ano letivo. Segundo esta empresa de telecomunicações, é uma forma de “apostar na promoção das melhores condições no acompanhamento na vida escolar e na conciliação da vida profissional, familiar e pessoal”.
O mesmo acontece na empresa de formação e recrutamento Ranstad, que deu a manhã aos trabalhadores para poderem acompanhar os filhos à escola.
Os maiores bancos portugueses, que representam cerca de dois terços dos trabalhadores do setor bancário, também prometeram alguma flexibilidade aos trabalhadores no arranque do ano letivo. Por exemplo, os trabalhadores do Novo Banco têm falta justificada se acompanharem filhos ou enteados, o que se aplica apenas no primeiro dia de escola do 1.º ano e do 5.º ano. O BCP e o Banco Santander também têm medidas que incluem esta “tolerância de ponto”. No BCP, a tolerância inclui “meio dia no primeiro dia de escola para os filhos que ingressem no primeiro ano da escolaridade básica e preparatória” (1.º e 2.º Ciclos?) e, no caso do Santander, é dado aos funcionários o dia inteiro para acompanharem os filhos na entrada para a escolaridade obrigatória. Já o BPI não concede tolerância de ponto.
Entre as seguradoras, destaca-se a Fidelidade pelos benefícios concedidos aos trabalhadores com filhos em idade escolar. No primeiro dia de aulas, quem tem filhos até aos 10 anos de idade, terá dispensa a manhã ou da tarde do primeiro dia de aulas. Além disso, tem direito a sete horas por mês para assistência pessoal por doença familiar ou do próprio. Mas as regalias da seguradora vão mais longe: há “cheques” para material escolar, prémios de mérito, entre outros, no sentido de preservar “um correto equilíbrio entre a vida profissional e familiar de cada um dos nossos colaboradores”, diz Joana Queiroz Ribeiro, diretora de pessoas e organização.
Nas sociedades de advogados, este e outros benefícios tendem a não ser considerados, por se tratar de “profissão liberal”. Mas há exceções. A SRS Advogados e a Sérvulo & Associados, empresas sediadas em Lisboa, concedem aos trabalhadores a manhã do primeiro dia de aulas dos filhos até aos 12 anos. E há sociedades que, para o mesmo fim, concedem o dia inteiro aos colaboradores. E Álvaro Roquette Morais, managing partner da sociedade de advogados Broseta, assegura:
Apesar de a advocacia ser uma profissão liberal, é evidente que em alturas específicas, como no regresso às aulas ou pausas de calendário nos períodos letivos, existe uma maior flexibilidade quanto aos horários”.
No setor da indústria, que tem maior expressão no norte do país, as regras repetem-se. Na Riopele, empresa de indústria têxtil de Famalicão, aduz-se que, por lei, os trabalhadores têm direito a quatro horas livres por trimestre, que podem usufruir quando considerarem ser mais conveniente. A empresa diz que se tem mostrado disponível para “atender qualquer situação excecional em que o limite possa ser ultrapassado”, mas não diz explicitamente que as horas podem ser usadas no primeiro dia de aulas.
Na empresa de estampagens Adalberto, só a partir deste ano se começou a ponderar a concessão da “tolerância de ponto” para esse fim. Miguel Ferreira, diretor de R&H da Adalberto justifica esta falta de ponderação com o facto de a empresa ter muitos funcionários muito jovens, “na faixa dos 25/26 anos que ainda não têm filhos”. Carla Oliveira, administradora da empresa de calçado e sofás Elastron, garante que a empresa é flexível, mas “não existe uma lei interna relativamente a esse assunto”. A Carris, empresa de transportes públicos de Lisboa, não dispensa os trabalhadores com filhos em início de idade escolar. Contudo, garante que, “quando solicitado e existindo disponibilidade, tem sido prática da empresa autorizar os pais a estarem presentes nas reuniões de escola dos filhos menores”.
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Na verdade, o Código do Trabalho atribui 4 horas por trimestre aos trabalhadores para se deslocarem aos estabelecimentos de ensino dos filhos por motivo de “situação educativa”.
Nessa justificação cabem reuniões e até visitas espontâneas ou de natureza mais administrativa, mas alguns juristas defendem que não se encaixa o acompanhamento do menor no primeiro dia de aulas. Com efeito, em seu entender, “situação educativa” é um conceito que dizem ter uma amplitude grande, tão grande que lá cabem várias justificações, mas não a que Executivo considerou para dar dispensa de três horas aos trabalhadores do Estado no primeiro dia do ano letivo: o simples acompanhamento dos filhos no primeiro dia de aulas.
Rui Valente, sócio e responsável da área de Direito Laboral da Garrigues, sustenta:
A alínea f) do n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho é bastante abrangente e adota a expressão – e conceito indeterminado – ‘por motivo da situação educativa do menor’, pelo que tanto parece integrar situações em que os pais são chamados à escola, como de reuniões por eles agendadas, como ainda visitas espontâneas de acompanhamento da vida escolar do menor“,
Que factos encaixam então no conceito de “situação educativa do menor”?
Para a advogada Sofia Silva e Sousa, da Abreu, “é um conceito indeterminado e amplo”. Segundo a especialista em Direito Laboral, cabem nesse conceito deslocações relacionadas com o acompanhamento do percurso escolar do aluno e do seu comportamento, não tendo nenhuma “conotação negativa”, isto é, não são apenas as situações preocupantes que são passíveis de ser usadas como justificação.
Para Hugo Martins Braz, sócio da Valadas Coriel & Associados, cabem na mencionada alínea f) do n.º 2 artigo 249.º do Código do Trabalho assuntos “relacionados com o percurso escolar do educando, como sejam, reuniões com diretor de turma ou outros professores relacionadas com a evolução do aluno, notas, comportamento, necessidades educativas especiais” e deslocações para “tratar de assuntos de natureza mais administrativa: matrículas, justificação de faltas, inscrição em atividades extracurriculares desenvolvidas no meio escolar, mudanças de turmas”.
Eduarda Almeida da Costa, da RSN Advogados, confirma:
Neste conceito dever-se-ão ver integradas todas as situações de cumprimento de deveres inerentes ao cargo de encarregado de educação, isto é, o de participar na reunião de pais, obter informações junto do diretor de turma ou tratar de assuntos administrativos, relacionados com a vida escolar do menor, sempre no pressuposto de acompanhamento efetivo”.
Para estes advogados, nestas 4 horas não cabem deslocações para “meramente” acompanhar os filhos à escola no primeiro dia de aula. Ou seja, nem por esta via conseguem os trabalhadores do privado pedir uma dispensa semelhante à que vai passar a ser possível na Função Pública. Hugo Martins Braz, referindo que a exceção serão deslocações que terão como justificação um dos motivos referidos, como por exemplo reunião com um professor, salienta:
O mero acompanhamento do educando à escola no primeiro dia de aulas não nos parece que se enquadre diretamente no referido conceito de ‘motivo de situação educativa’.
E a advogada da Abreu reforça:
Em princípio, não caberia. Esse motivo não é uma situação educativa, mas um mero acompanhamento.”.
No entanto, Rui Valente é a exceção e frisa:
Creio que a ida à escola no primeiro dia de aulas é passível de encaixar na atual formulação da lei, embora limitada a quatro horas em cada trimestre e quanto à qual o empregador pode pedir a entrega de documento comprovativo”.
Ainda assim, Sofia Silva e Sousa enfatiza que, se se pudesse encaixar este motivo neste artigo do Código do Trabalho, o Executivo não teria criado um regime específico para estas situações para os funcionários públicos, já que a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas também já prevê a dispensa de quatro horas para deslocações ao estabelecimento de ensino de um filho, nos mesmos moldes que estão em vigor no privado. Daí que o Presidente da República, na nota que acompanhou a promulgação do diploma relativo aos funcionários públicos, tenha pedido o alargamento deste novo regime também aos trabalhadores do privado. E Rui Rio acrescentou: “Vamos propor que seja para todos os trabalhadores e que [seja] apenas duas horas”.
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Em meu entender, as 4 horas que o Código do Trabalho e a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas devem abranger o acompanhamento dos filhos e enteados no primeiro dia de aulas, que é uma verdadeira “situação educativa”. Trata-se dum momento de forte socialização da criança, de contacto com uma nova realidade, a escola do 1.º Ciclo, em que a criança se desprende mais da mãe ou do pai. E, de forma semelhante, tal acontece no 5.º ano, momento em que normalmente se muda de estabelecimento, embora o aluno possa manter-se no mesmo Agrupamento.
Não parece que o Executivo tenha considerado este momento uma coisa diferente de “situação educativa”, mas que simplesmente quis reforçar a articulação entre a vida profissional e as obrigações familiares, no que está a ser acompanhado por várias empresas, como ficou exposto, ficando outras sensibilizadas para o caso. Aí alguns advogados, a meu ver, estão a prestar mau serviço ao Direito Laboral por estarem a distinguir o que não deve ser distinguido.  
Rui Rio, com as duas horas com que pretende beneficiar os trabalhadores do setor privado, bem poderia ver que elas são insuficientes, pois o dia de entrada na escola é basicamente para conhecer o estabelecimento, após o que as crianças regressam a casa. Se três horas são suficientes, duas não o serão.
Obviamente que as 4 horas previstas no Código do Trabalho, no que respeita ao 1.º trimestre, são mesmo insuficientes para cobrirem o 1.º dia de aulas. E a questão resolve-se não negando a situação educativa do 1.º dia, mas reforçando a prerrogativa do Código do Trabalho no atinente ao 1.º trimestre.
2019.09.13 – Louro de Carvalho   

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