Pelo Decreto-Lei
n.º 85/2019, de 1 de julho, que entrou em vigor “no
primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação”, ou seja, a 1 de
agosto passado, a tempo de produzir efeitos para o início do ano letivo ora
iniciado, os funcionários públicos têm, a partir deste ano, três horas para
acompanharem os filhos no primeiro dia de aulas.
Foi no quadro do programa “3 em linha” que o Governo implementou a dispensa dos
funcionários públicos por três horas para acompanharem os seus filhos com menos
de 12 anos, nesse primeiro dia. De acordo com o predito Decreto-Lei, os
trabalhadores do Estado passaram a ter o direito de dar essa falta justificada
já a partir do ano letivo de 2019-2020. Tal medida tem como objetivo promover
“um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional” e “melhorar o índice
de bem-estar dos trabalhadores”, como justificou a Ministra da Presidência e da
Modernização Administrativa. No entanto,
o diploma aponta para a necessidade de salvaguardar o normal funcionamento das administrações.
A este respeito, pode ler-se:
“Exercendo-se, todavia, de forma simultânea
por um largo número de trabalhadores, é necessário criar condições
para o seu exercício efetivo e acautelar em simultâneo o interesse público,
evitando prejuízo grave para o normal funcionamento do órgão ou serviço.
Assim, é estabelecida a necessidade de o empregador tomar as medidas de gestão
com a antecedência necessária para promover a utilização deste mecanismo de
conciliação.”.
Uma semana depois de ter sido aprovado em Conselho de Ministros, o diploma
recebeu “luz verde” do Presidente da República, que fez, contudo, questão de defender o alargamento deste regime aos trabalhadores
do setor privado e social, “por forma a evitar uma divisão no setor do
trabalho em Portugal”.
De notar que a estas três horas de dispensa na Função Pública para
acompanhar as crianças no primeiro dia de aulas, somam-se outras 4, por
trimestre, previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, para deslocações ao estabelecimento de ensino dos filhos, sendo a
falta considerada justificada. Mas, ao contrário da dispensa
primeiramente referida, estas últimas horas também estão disponíveis para os
trabalhadores do privado. Isso mesmo diz a alínea f) do n.º 2 artigo 249.º do
Código do Trabalho, explicando que essa deslocação deve ser feita por “motivo
de situação educativa”.
Teoricamente, a nova disposição, a do Decreto-Lei n.º 85/2019, de 1 de julho, aplica-se apenas aos
trabalhadores das administrações públicas e desde que não haja transtorno para
os serviços. Todavia, no privado, há empresas que oferecem alternativas que
replicam essa dispensa.
O Bloco de Esquerda ainda tentou com a CDU o alargamento ao setor privado da dispensa de três horas para acompanhar os
filhos à escola no primeiro dia de aulas. No entanto, o PS, abstendo-se,
juntou-se ao PSD e ao CDS para travar tal alargamento. O PS alegou que tal
medida em relação ao setor privado era matéria para debate em sede de
Concertação Social e não para impor por decreto-lei.
Assim, os pais que não trabalham na Administração Pública continuam legalmente
sem a possibilidade de faltar para ir levar os filhos no arranque do ano
letivo, mas, da banca à advocacia, há empresas que vão oferecer
esquemas semelhantes que replicam essa dispensa.
***
Foi em julho que o Executivo fez publicar, em Diário da República, o decreto-lei que
permite que os trabalhadores do Estado faltem justificadamente por
três horas para acompanharem os filhos com idade até 12 anos no primeiro
dia de aulas. Apesar de o Presidente da República ter apelado ao
alargamento desta dispensa ao setor privado, os pais que não são funcionários
públicos não foram abrangidos, no início deste ano letivo, por esta medida. Porém,
como se disse, há empresas que oferecem esquemas que disponibilizam o mesmo benefício.
Exemplo disso é a Altice Portugal, que fez saber, em comunicado, que daria “tolerância de ponto” a todos
os trabalhadores com filhos até aos 12 anos, que os queiram
acompanhar no primeiro dia do ano letivo. Segundo esta empresa de
telecomunicações, é uma forma de “apostar na promoção das melhores condições no
acompanhamento na vida escolar e na conciliação da vida profissional, familiar
e pessoal”.
O mesmo acontece na empresa de formação e recrutamento Ranstad, que deu a manhã aos trabalhadores para poderem
acompanhar os filhos à escola.
Os maiores bancos portugueses, que representam cerca de dois terços dos
trabalhadores do setor bancário, também prometeram alguma flexibilidade aos
trabalhadores no arranque do ano letivo. Por exemplo, os trabalhadores do Novo
Banco têm falta justificada se acompanharem filhos ou enteados, o que se aplica apenas no primeiro dia de escola do 1.º ano e do 5.º
ano. O BCP e o Banco Santander também têm medidas que incluem esta
“tolerância de ponto”. No BCP, a tolerância inclui “meio dia
no primeiro dia de escola para os filhos que ingressem no primeiro
ano da escolaridade básica e preparatória” (1.º e 2.º Ciclos?) e, no caso do Santander, é dado aos
funcionários o dia inteiro para acompanharem os filhos na entrada
para a escolaridade obrigatória. Já o BPI não concede tolerância
de ponto.
Entre as seguradoras, destaca-se a Fidelidade pelos benefícios
concedidos aos trabalhadores com filhos em idade escolar. No primeiro dia de aulas, quem tem filhos até aos 10 anos de
idade, terá dispensa a manhã ou da tarde do primeiro dia de aulas. Além
disso, tem direito a sete horas por mês para assistência pessoal por doença
familiar ou do próprio. Mas as regalias da seguradora vão mais longe: há “cheques”
para material escolar, prémios de mérito, entre outros, no sentido de preservar “um correto equilíbrio entre a vida profissional e familiar
de cada um dos nossos colaboradores”, diz Joana Queiroz Ribeiro, diretora de pessoas
e organização.
Nas sociedades de advogados, este e outros benefícios tendem a não ser
considerados, por se tratar de “profissão liberal”. Mas há exceções. A SRS Advogados e a Sérvulo &
Associados, empresas sediadas em Lisboa, concedem aos trabalhadores a
manhã do primeiro dia de aulas dos filhos até aos 12 anos. E há sociedades que, para o mesmo fim, concedem o dia inteiro aos
colaboradores. E Álvaro Roquette Morais, managing partner da
sociedade de advogados Broseta, assegura:
“Apesar de a advocacia ser uma profissão
liberal, é evidente que em alturas específicas, como no regresso às aulas ou
pausas de calendário nos períodos letivos, existe uma maior flexibilidade
quanto aos horários”.
No setor da indústria, que tem maior expressão no norte do país, as regras repetem-se. Na
Riopele, empresa de indústria têxtil de Famalicão, aduz-se que, por lei, os
trabalhadores têm direito a quatro horas livres por
trimestre, que podem usufruir quando considerarem ser mais conveniente.
A empresa diz que se tem mostrado disponível para “atender qualquer situação
excecional em que o limite possa ser ultrapassado”, mas não diz explicitamente
que as horas podem ser usadas no primeiro dia de aulas.
Na empresa de estampagens Adalberto, só a partir deste ano se começou a
ponderar a concessão da “tolerância de ponto” para esse fim. Miguel Ferreira, diretor de R&H da Adalberto justifica
esta falta de ponderação com o facto de a empresa ter muitos funcionários muito jovens, “na faixa dos 25/26 anos que ainda não têm filhos”. Carla
Oliveira, administradora da empresa de calçado e sofás Elastron, garante que a
empresa é flexível, mas “não existe uma lei interna relativamente a esse
assunto”. A Carris, empresa de transportes públicos de Lisboa,
não dispensa os trabalhadores com filhos em início de idade escolar.
Contudo, garante que, “quando solicitado e existindo disponibilidade, tem sido
prática da empresa autorizar os pais a estarem presentes nas reuniões de escola
dos filhos menores”.
***
Na verdade, o Código do Trabalho atribui 4 horas por trimestre aos
trabalhadores para se deslocarem aos estabelecimentos de ensino dos filhos por
motivo de “situação educativa”.
Nessa justificação cabem reuniões e até visitas espontâneas ou de natureza
mais administrativa, mas alguns juristas defendem que não se
encaixa o acompanhamento do menor no primeiro dia de aulas. Com efeito, em
seu entender, “situação educativa” é um conceito que dizem ter uma
amplitude grande, tão grande que lá cabem várias justificações,
mas não a que Executivo considerou para dar dispensa de três horas aos
trabalhadores do Estado no primeiro dia do ano letivo: o simples acompanhamento
dos filhos no primeiro dia de aulas.
Rui Valente, sócio e responsável da área de Direito Laboral da Garrigues,
sustenta:
“A alínea f) do n.º 2 do artigo 249.º do
Código do Trabalho é bastante abrangente e adota a expressão
– e conceito indeterminado – ‘por motivo da situação educativa do menor’, pelo
que tanto parece integrar situações em que os pais são chamados
à escola, como de reuniões por eles agendadas, como ainda visitas espontâneas
de acompanhamento da vida escolar do menor“,
Que factos encaixam então no conceito de “situação educativa do menor”?
Para a advogada Sofia Silva e Sousa, da Abreu, “é um
conceito indeterminado e amplo”. Segundo a especialista em Direito
Laboral, cabem nesse conceito deslocações relacionadas com o
acompanhamento do percurso escolar do aluno e do seu comportamento, não
tendo nenhuma “conotação negativa”, isto é, não são apenas as situações
preocupantes que são passíveis de ser usadas como justificação.
Para Hugo Martins Braz, sócio da Valadas Coriel & Associados, cabem na
mencionada alínea f) do n.º 2 artigo 249.º do Código do Trabalho assuntos
“relacionados com o percurso escolar do educando, como sejam, reuniões com diretor de turma ou outros professores relacionadas
com a evolução do aluno, notas, comportamento, necessidades educativas
especiais” e deslocações para “tratar de assuntos de natureza mais
administrativa: matrículas, justificação de faltas, inscrição em
atividades extracurriculares desenvolvidas no meio escolar, mudanças de
turmas”.
Eduarda Almeida da Costa, da RSN Advogados, confirma:
“Neste conceito dever-se-ão ver integradas
todas as situações de cumprimento de deveres inerentes ao cargo de encarregado
de educação, isto é, o de participar na reunião de pais, obter
informações junto do diretor de turma ou tratar de assuntos administrativos, relacionados
com a vida escolar do menor, sempre no pressuposto de acompanhamento efetivo”.
Para estes advogados, nestas 4 horas não cabem
deslocações para “meramente” acompanhar os filhos à escola no primeiro dia de
aula. Ou seja, nem por esta via conseguem os trabalhadores do privado
pedir uma dispensa semelhante à que vai passar a ser possível na Função
Pública. Hugo Martins Braz, referindo que a exceção serão
deslocações que terão como justificação um dos motivos referidos, como por exemplo
reunião com um professor, salienta:
“O mero acompanhamento do educando à escola
no primeiro dia de aulas não nos parece que se enquadre
diretamente no referido conceito de ‘motivo de situação educativa’.”
E a advogada da Abreu reforça:
“Em princípio, não caberia. Esse motivo não é uma situação educativa, mas um mero
acompanhamento.”.
No entanto, Rui Valente é a exceção e frisa:
“Creio que a ida à escola no
primeiro dia de aulas é passível de encaixar na atual formulação da lei,
embora limitada a quatro horas em cada trimestre e quanto à qual o empregador
pode pedir a entrega de documento comprovativo”.
Ainda assim, Sofia Silva e Sousa enfatiza que, se se
pudesse encaixar este motivo neste artigo do Código do Trabalho, o Executivo
não teria criado um regime específico para estas situações para os funcionários
públicos, já que a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas também já
prevê a dispensa de quatro horas para deslocações ao estabelecimento de ensino
de um filho, nos mesmos moldes que estão em vigor no privado. Daí que o
Presidente da República, na nota que acompanhou a promulgação
do diploma relativo aos funcionários públicos, tenha pedido o
alargamento deste novo regime também aos trabalhadores do privado. E Rui Rio
acrescentou: “Vamos propor que seja para
todos os trabalhadores e que [seja] apenas duas horas”.
***
Em meu entender, as 4 horas que o Código do Trabalho e a Lei Geral do
Trabalho em Funções Públicas devem abranger o acompanhamento dos filhos e
enteados no primeiro dia de aulas, que é uma verdadeira “situação educativa”. Trata-se
dum momento de forte socialização da criança, de contacto com uma nova
realidade, a escola do 1.º Ciclo, em que a criança se desprende mais da mãe ou
do pai. E, de forma semelhante, tal acontece no 5.º ano, momento em que normalmente
se muda de estabelecimento, embora o aluno possa manter-se no mesmo Agrupamento.
Não parece que o Executivo tenha considerado este momento uma coisa
diferente de “situação educativa”, mas que simplesmente quis reforçar a articulação
entre a vida profissional e as obrigações familiares, no que está a ser
acompanhado por várias empresas, como ficou exposto, ficando outras sensibilizadas
para o caso. Aí alguns advogados, a meu ver, estão a prestar mau serviço ao
Direito Laboral por estarem a distinguir o que não deve ser distinguido.
Rui Rio, com as duas horas com que pretende beneficiar os trabalhadores do setor
privado, bem poderia ver que elas são insuficientes, pois o dia de entrada na
escola é basicamente para conhecer o estabelecimento, após o que as crianças
regressam a casa. Se três horas são suficientes, duas não o serão.
Obviamente que as 4 horas previstas no Código do Trabalho, no que respeita
ao 1.º trimestre, são mesmo insuficientes para cobrirem o 1.º dia de aulas. E a
questão resolve-se não negando a situação educativa do 1.º dia, mas reforçando
a prerrogativa do Código do Trabalho no atinente ao 1.º trimestre.
2019.09.13 –
Louro de Carvalho
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