sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Francisco pede a Moçambique que não deixe roubar a esperança


Com a missa no estádio nacional Zimpeto, na periferia de Maputo, o Papa concluiu a sua visita a Moçambique. A chuva e o frio não diminuíram o entusiasmo dos milhares de fiéis que aguardavam a chegada do Pontífice com cantos e danças tradicionais.
Na homilia, Francisco refletiu sobre uma passagem (Lc 6,27-36) do Sermão da Planície, contida no Evangelho de Lucas. Depois de escolher os seus discípulos e ter proclamado as Bem-aventuranças, Jesus prega: “Digo-vos a vós que Me escutais: Amai os vossos inimigos”» (Lc 6,27). E o Pontífice explica:
Jesus não é um idealista, que ignora a realidade; está a falar do inimigo concreto, do inimigo real, que descrevera na Bem-aventurança anterior (6,22): aquele que nos odeia, expulsa, insulta e rejeita como infame”.
Portanto, como assegurou o Papa, Jesus não nos convida a um amor abstrato, etéreo ou teórico, redigido em escrivaninhas para discursos, mas convida-nos a seguir o seu exemplo, pois amou aqueles que o traíram e o mataram. Propõe, sim, a primeira regra de ouro ao alcance de todos: fazer aos outros aquilo que gostaríamos fizessem a nós, o que significa reciprocidade e implica amar-se e ajudar-se sem esperar nada em troca.
Sabe-se como é difícil falar de reconciliação quando ainda estão vivas as feridas causadas durante tantos anos de discórdia, mas Jesus Cristo convida a amar e a fazer o bem. Isso vai além de simplesmente ignorar o nosso inimigo, mas implica também abençoá-lo e rezar por ele. “Alta é a medida que o Mestre nos propõe!” – diz o Papa argentino, que observa:
Com tal convite, Jesus – longe de ser um obstinado masoquista – quer encerrar para sempre a prática tão usual, ontem como hoje, de ser cristão e viver sob a lei de talião. Não se pode pensar o futuro, construir uma nação, uma sociedade sustentada na ‘equidade’ da violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é ‘olho por olho, dente por dente’. Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio.”.
Depois de abjurar da lei de talião, encaixa no quadro do mandamento do amor, mesmo aos inimigos, o dinamismo da misericórdia face ao paradoxo humano. Constata amargamente que “o mundo desconhecia – e continua sem conhecer – a virtude da misericórdia, da compaixão, matando ou abandonando deficientes e idosos, eliminando feridos e enfermos, ou divertindo-se com os sofrimentos dos animais”. E, olhando para a situação histórica de Moçambique nos últimos decénios, aponta:
Superar os tempos de divisão e violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, mas o compromisso diário de cada um de nós. Trata-se de uma atitude, não de fracos, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem importantes; antes, pelo contrário...”.
E chama a atenção para o paradoxo de Moçambique: um território cheio de riquezas naturais e culturais, mas com uma quantidade enorme da sua população abaixo do nível de pobreza. E, apesar disso, “por vezes parece que aqueles que se aproximam com o suposto desejo de ajudar, têm outros interesses”, o que é triste sobretudo “quando isto se verifica entre irmãos da mesma terra, que se deixam corromper”. Ora, “é muito perigoso aceitar que a corrupção seja o preço que temos de pagar pela ajuda externa”, pois “agir a serviço de interesses políticos ou pessoais é ser ideológico”. Este é o termómetro, disse o Papa, que garante:
Se Jesus for o árbitro entre as emoções em conflito do nosso coração, entre as decisões complexas do nosso país, então Moçambique tem garantido um futuro de esperança”.
Como se disse, a missa no estádio Zimpeto foi o último compromisso do Papa em Moçambique. E, antes de deixar o estádio, Francisco fez sua saudação final em que reconheceu e agradeceu o sacrifício que todos fizeram em participar nestas atividades desejando que a chuva caída seja água de bênção, pois Moçambique tem razões para acalentar a esperança. E não deixou de agradecer também a quantos não puderam comparecer em consequência dos recentes ciclones, referindo que sentiu de igual modo o seu apoio e clamou: Por favor, guardai a esperança; não deixeis que vo-la roubem! Mantende-vos unidos para que todos os motivos que sustentam esta esperança se reforcem cada vez mais para um futuro de reconciliação e de paz em Moçambique.”.
Da sala que fez de sacristia, o Pontífice dirigiu-se diretamente para o aeroporto internacional de Maputo para a cerimónia de despedida. A próxima etapa é a capital malgaxe, Antananarivo, onde Francisco chegou depois de três horas de voo.
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Antes da missa, o Papa Francisco visitou o hospital de Zimpeto, que atende pacientes com AIDS e onde afirmou:
A solicitude dos fiéis não pode limitar-se a uma forma de assistência – embora necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer aquela atenção amiga que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem”.
O hospital de Zimpeto é uma estrutura inaugurada há pouco mais de um ano e que atende cerca de dois mil pacientes. Em especial, dentro do hospital funciona um centro – chamado Dream – para pessoas com AIDS/HIV, administrado pela Comunidade de Santo Egídio.
Perante funcionários, médicos, enfermeiros e pacientes, Francisco pronunciou o seu discurso inspirando-se na parábola do Bom Samaritano. E disse:
Este Centro mostra-nos que houve quem parou e sentiu compaixão, quem não cedeu à tentação de dizer ‘não há nada a fazer’, ‘é impossível combater esta praga’ e se animou a buscar soluções”.
Os pobres não precisam de ser delegados a alguém, mas precisam do envolvimento pessoal de quem ouve o seu clamor.
Para falar do trabalho dos voluntários, Francisco citou novamente a Parábola do Bom Samaritano. São as pessoas que, curadas “com dignidade na sua dignidade, transmitem esperança a muitas outras pessoas”.
A visita ao hospital concluiu-se com a saudação do Papa a 20 doentes e conhecendo duas repartições do Centro de tratamento a pessoas com AIDS.
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Importa ainda recordar que, no dia 5, antes de se encontrar com as pessoas de vida consagrada, seminaristas, catequistas e animadores na Catedral da Imaculada Conceição em Maputo, o Papa Francisco recebeu na Nunciatura uma delegação da Diocese de Xai-Xai, com a qual havia feito um intercâmbio quando era arcebispo de Buenos Aires.
Efetivamente, quando era arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio instituiu uma geminação entre a sua arquidiocese e a diocese de Xai-Xai. Agora a delegação desta diocese foi chefiada pelo seu Bispo, Dom Lucio Andrice Muandula, acompanhado pelo Bispo emérito, Cardeal Julio Duarte Langa.
Após uma breve saudação de Dom Muandula, o Papa recordou as origens da relação entre as dioceses e como o intercâmbio entre as duas fortaleceu os sacerdotes, religiosos e seminaristas na sua missão, abrindo-os a uma perspetiva apostólica. Depois, enfatizou a importância da oração de uns pelos outros e o valor das crianças, riqueza de uma nação, e dos idosos, vincando: “As crianças e os idosos são o tesouro de um povo e a maneira como cuidamos deles, revelam a grandeza de um povo”.
Refira-se que a comunidade de Xai-Xai era conhecida até à independência em 1975 como João Belo. Xai-Xai é a capital da Província de Gaza, com cerca de 143 mil habitantes. É uma cidade portuária, a segunda após a capital Maputo, e localiza-se entre o Oceano Índico e o Rio Limpopo. Distante 224 km ao norte de Maputo, a construção da estrada EN1 (em 1970) – que liga a capital moçambicana com o restante do país – contribuiu de forma determinante para o desenvolvimento de Xai-Xai, tranquila cidade provincial e centro comercial.
Em fevereiro de 2000, chuvas intermitentes que atingiram Moçambique fizeram com que o rio Limpopo, deixando a cidade submersa por cerca de 3 metros de água e lodo.
Após recuperar-se deste trágico evento com muito trabalho, as suas praias e os seus grandes hotéis são hoje uma alavanca para o turismo nacional e internacional. 
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Enfim, no pouco tempo da sua permanência em Moçambique, cingido praticamente à cidade de Maputo, o Papa não deixou de tocar os aspetos essenciais e de estar em encontros vitais para a Igreja e para a conjuntura social. E falou, de paz, reconciliação e esperança.
2019.09.06 – Louro de Carvalho

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