Com a missa
no estádio nacional Zimpeto, na periferia de Maputo, o Papa concluiu a sua
visita a Moçambique. A chuva e o frio não diminuíram o entusiasmo dos milhares
de fiéis que aguardavam a chegada do Pontífice com cantos e danças
tradicionais.
Na homilia,
Francisco refletiu sobre uma passagem (Lc 6,27-36) do Sermão da Planície, contida no Evangelho de
Lucas. Depois de escolher os seus discípulos e ter proclamado as Bem-aventuranças,
Jesus prega: “Digo-vos a vós que Me escutais: Amai os vossos inimigos”» (Lc 6,27). E o Pontífice explica:
“Jesus não é um idealista, que
ignora a realidade; está a falar do inimigo concreto, do inimigo real, que
descrevera na Bem-aventurança anterior (6,22): aquele que nos odeia, expulsa, insulta
e rejeita como infame”.
Portanto, como
assegurou o Papa, Jesus não nos convida a um amor abstrato, etéreo ou teórico,
redigido em escrivaninhas para discursos, mas convida-nos a seguir o seu exemplo,
pois amou aqueles que o traíram e o mataram. Propõe, sim, a primeira regra de
ouro ao alcance de todos: fazer aos
outros aquilo que gostaríamos fizessem a nós, o que significa reciprocidade
e implica amar-se e ajudar-se sem esperar nada em troca.
Sabe-se como
é difícil falar de reconciliação quando ainda estão vivas as feridas causadas
durante tantos anos de discórdia, mas Jesus Cristo convida a amar e a fazer o
bem. Isso vai além de simplesmente ignorar o nosso inimigo, mas implica também
abençoá-lo e rezar por ele. “Alta é a medida
que o Mestre nos propõe!” – diz o Papa argentino, que observa:
“Com tal convite, Jesus – longe
de ser um obstinado masoquista – quer encerrar para sempre a prática tão usual,
ontem como hoje, de ser cristão e viver sob a lei de talião. Não se pode pensar
o futuro, construir uma nação, uma sociedade sustentada na ‘equidade’ da
violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é ‘olho por
olho, dente por dente’. Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia
e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as
diferenças é a vingança e o ódio.”.
Depois de
abjurar da lei de talião, encaixa no quadro do mandamento do amor, mesmo aos
inimigos, o dinamismo da misericórdia face ao paradoxo humano. Constata
amargamente que “o mundo desconhecia – e continua sem conhecer – a virtude da
misericórdia, da compaixão, matando ou abandonando deficientes e idosos,
eliminando feridos e enfermos, ou divertindo-se com os sofrimentos dos animais”.
E, olhando para a situação histórica de Moçambique nos últimos decénios,
aponta:
“Superar os tempos de divisão e
violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência
de conflito, mas o compromisso diário de cada um de nós. Trata-se de uma atitude,
não de fracos, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem
que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem importantes;
antes, pelo contrário...”.
E chama a
atenção para o paradoxo de Moçambique: um
território cheio de riquezas naturais e culturais, mas com uma quantidade
enorme da sua população abaixo do nível de pobreza. E, apesar disso, “por vezes parece que aqueles que se
aproximam com o suposto desejo de ajudar, têm outros interesses”, o que é
triste sobretudo “quando isto se verifica entre irmãos da mesma terra, que se
deixam corromper”. Ora, “é muito perigoso
aceitar que a corrupção seja o preço que temos de pagar pela ajuda externa”,
pois “agir a serviço de interesses políticos ou pessoais é ser ideológico”.
Este é o termómetro, disse o Papa, que garante:
“Se Jesus for o árbitro entre as emoções em
conflito do nosso coração, entre as decisões complexas do nosso país, então
Moçambique tem garantido um futuro de esperança”.
Como se
disse, a missa no estádio Zimpeto foi o último compromisso do Papa em
Moçambique. E, antes de deixar o estádio, Francisco fez sua saudação final em
que reconheceu e agradeceu o sacrifício que todos fizeram em participar nestas
atividades desejando que a chuva caída seja água de bênção, pois Moçambique tem
razões para acalentar a esperança. E não deixou de agradecer também a quantos não puderam comparecer em
consequência dos recentes ciclones, referindo que sentiu de igual modo o seu
apoio e clamou: “Por favor, guardai a esperança; não deixeis que
vo-la roubem! Mantende-vos unidos
para que todos os motivos que sustentam esta esperança se reforcem cada vez
mais para um futuro de reconciliação e de paz em Moçambique.”.
Da sala que
fez de sacristia, o Pontífice dirigiu-se diretamente para o aeroporto internacional
de Maputo para a cerimónia de despedida. A próxima etapa é a capital malgaxe,
Antananarivo, onde Francisco chegou depois de três horas de voo.
***
Antes da missa, o Papa Francisco visitou o
hospital de Zimpeto, que atende pacientes com AIDS e onde afirmou:
“A solicitude dos fiéis não pode limitar-se a uma forma de assistência –
embora necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer aquela
atenção amiga que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem”.
O hospital
de Zimpeto é uma estrutura inaugurada há pouco mais de um ano e que atende
cerca de dois mil pacientes. Em especial, dentro do hospital funciona um centro
– chamado Dream – para pessoas com AIDS/HIV, administrado pela Comunidade de
Santo Egídio.
Perante
funcionários, médicos, enfermeiros e pacientes, Francisco pronunciou o seu
discurso inspirando-se na parábola do Bom Samaritano. E disse:
“Este Centro mostra-nos que houve quem parou
e sentiu compaixão, quem não cedeu à tentação de dizer ‘não há nada a fazer’,
‘é impossível combater esta praga’ e se animou a buscar soluções”.
Os pobres
não precisam de ser delegados a alguém, mas precisam do envolvimento pessoal de
quem ouve o seu clamor.
Para falar
do trabalho dos voluntários, Francisco citou novamente a Parábola do Bom
Samaritano. São as pessoas que, curadas “com dignidade na sua dignidade,
transmitem esperança a muitas outras pessoas”.
A visita ao
hospital concluiu-se com a saudação do Papa a 20 doentes e conhecendo duas
repartições do Centro de tratamento a pessoas com AIDS.
***
Importa ainda recordar que, no dia 5, antes de se encontrar com as pessoas de vida consagrada,
seminaristas, catequistas e animadores na Catedral da Imaculada Conceição em
Maputo, o Papa Francisco recebeu na Nunciatura uma delegação da Diocese de
Xai-Xai, com a qual havia feito um intercâmbio quando era arcebispo de Buenos
Aires.
Efetivamente, quando era
arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio instituiu uma geminação entre
a sua arquidiocese e a diocese de Xai-Xai. Agora a delegação desta diocese foi
chefiada pelo seu Bispo, Dom Lucio Andrice Muandula, acompanhado pelo Bispo
emérito, Cardeal Julio Duarte Langa.
Após uma
breve saudação de Dom Muandula, o Papa recordou as origens da relação entre as
dioceses e como o intercâmbio entre as duas fortaleceu os sacerdotes,
religiosos e seminaristas na sua missão, abrindo-os a uma perspetiva
apostólica. Depois, enfatizou a importância da oração de uns pelos outros e o
valor das crianças, riqueza de uma nação, e dos idosos, vincando: “As crianças e os idosos são o tesouro de um
povo e a maneira como cuidamos deles, revelam a grandeza de um povo”.
Refira-se
que a comunidade de Xai-Xai era conhecida até à independência em 1975 como João
Belo. Xai-Xai é a capital da Província de Gaza, com cerca de 143 mil
habitantes. É uma cidade portuária, a segunda após a capital Maputo, e localiza-se
entre o Oceano Índico e o Rio Limpopo. Distante 224 km ao norte de Maputo, a
construção da estrada EN1 (em 1970) – que liga
a capital moçambicana com o restante do país – contribuiu de forma determinante
para o desenvolvimento de Xai-Xai, tranquila cidade provincial e centro
comercial.
Em fevereiro
de 2000, chuvas intermitentes que atingiram Moçambique fizeram com que o rio
Limpopo, deixando a cidade submersa por cerca de 3 metros de água e lodo.
Após
recuperar-se deste trágico evento com muito trabalho, as suas praias e os seus
grandes hotéis são hoje uma alavanca para o turismo nacional e
internacional.
***
Enfim,
no pouco tempo da sua permanência em Moçambique, cingido praticamente à cidade
de Maputo, o Papa não deixou de tocar os aspetos essenciais e de estar em
encontros vitais para a Igreja e para a conjuntura social. E falou, de paz,
reconciliação e esperança.
2019.09.06 –
Louro de Carvalho
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