Em devido tempo, o BdP (Banco de Portugal) multou a Caixa
Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, SA em 2,5 milhões de euros,
o seu antigo presidente Tomás Correia em 1,25 milhões de euros, José de Almeida
Serra em 400.000 euros, Eduardo Farinha em 230.000 euros, Rui Gomes do Amaral e
Álvaro Dâmaso em 140.000 euros cada, Jorge Barros Luís em 75.000 euros, Paulo
Magalhães em 32.000 euros e Pedro Alves Ribeiro em 17,5 mil euros.
Recorde-se que Tomás Correia foi presidente entre 2008 e 2015 da Caixa
Económica Montepio Geral (atual Banco Montepio) e também da Associação Mutualista Montepio Geral. Desde 2015, depois de o
BdP ter forçado a separação da gestão das duas entidades, ficou apenas à frente
da mutualista. Em janeiro último, após ter vencido as eleições, foi reconduzido
para mais um mandato de três anos.
Entretanto, o Banco Montepio e os arguidos recorreram
da decisão do BdP para o TCRS de Santarém, que hoje declarou nula a nota de ilicitude emitida pelo BdP condenando
o Montepio e oito antigos administradores, incluindo Tomás Correia, ao
pagamento de coimas no valor total de 4,9 milhões de euros. E hoje foi conhecida a decisão do tribunal que não dá razão ao
BdP.
No despacho proferido na sessão em que se deveria iniciar o julgamento do
recurso, o juiz Sérgio Sousa considerou que foi violado o direito à defesa na
fase administrativa, determinando a anulação da acusação e das notificações emitidas
e a devolução do processo ao Banco de Portugal, para que este profira “nova decisão isenta dos
vícios que decretaram a nulidade”.
Está em causa o facto de os elementos de prova terem sido apresentados em
303 anexos, não identificando o BdP a acusação “facto a facto”, o que levou o
Tribunal a concluir que os arguidos deveriam ter tido acesso a um processo
“pelo menos organizado”, para identificarem os elementos probatórios e
exercerem cabalmente a sua defesa.
Numa nota de imprensa, emitida hoje, dia 9 de setembro, o TCRS adianta que
a decisão teve em conta o facto de o BdP, “já depois de emitir a nota de
ilicitude e de exercido o contraditório pelos arguidos, formular um índice
descritivo dos meios de prova”, admitindo implicitamente que “a anterior nota
de ilicitude e contraditório haviam sido cumpridos de forma deficiente”.
Por isso, o tribunal
“Achou verificado o incurso em nulidade, ao
não permitir que os arguidos exercessem novo direito de defesa, porquanto só na
posse de todos os elementos necessários à compreensão da nota de ilicitude,
podem e devem os arguidos exercer um juízo de defesa consciencioso sobre aquilo
que concordam, sobre aquilo que merece contestação e sobre aquilo a que
pretendem oferecer o seu silêncio”.
Na decisão, o juiz ressalva “os efeitos relativamente aos atos instrutórios
já produzidos junto do Banco de Portugal”, determinando que o supervisor “formule nova nota de ilicitude com os elementos omitidos e
permita aos arguidos novo exercício do direito de defesa”. Assim, o
processo regressa agora ao BdP “com vista a sanar os vícios apontados e
proferir nova decisão administrativa”.
Na predita nota, o TCRS (Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão) afirma que as coimas ascendem a um total de
4.944.500 euros, “pela prática de várias infrações consubstanciadas na violação
do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras”.
Tendo a acusação do BdP sido proferida em março de 2017, o TCRS fez um
primeiro alerta para a necessidade de melhor organização do processo na decisão
proferida em outubro desse ano, na qual considerou improcedente o pedido dos
arguidos para separação dos processos. Na sequência dessa decisão, o BdP
entregou aos arguidos um índice geral, concedendo-lhes dez dias para o
contraditório.
O juiz referiu o facto de a natureza das infrações ligadas ao sistema
económico-financeiro, com coimas da ordem dos milhões
de euros, não ter o mesmo caráter das contraordenações sociais, diferenciação
assumida pelo Estado ao adotar uma ordem jurisdicional própria.
A nota do TCRS sublinha que os autos, compostos por 156 volumes e 303
anexos, deram entrada no tribunal no passado dia 7 de junho, tendo o despacho
de receção identificado a “prescrição de algumas infrações” e declarado a
“natureza urgente do processado, contanto mais prescrições correriam o risco de
ocorrer no período de 29 de dezembro de 2019 a 2 de setembro de 2022”. E o BdP
apontava várias ilegalidades, como violações das regras de controlo interno e
incumprimento nos deveres de implementação de controlo interno, referentes à
concessão de crédito.
***
Agora o BdP liderado por Carlos Costa vai
recorrer, como anunciou, da
decisão do tribunal que anula coimas de 4,9 milhões ao Banco Montepio
e antigos administradores.
O supervisor diz, em comunicado, que “discorda
do entendimento subjacente à decisão agora proferida pelo Tribunal da
Concorrência Regulação e Supervisão, que diverge, aliás, do teor de muitas
outras que, ainda recentemente e sobre a mesma questão de direito, têm sido
proferidas por tribunais superiores”. Por isso “irá apresentar recurso” no prazo de 10 dias.
Com efeito, o tribunal declarou nula a nota de ilicitude emitida pelo
supervisor em que condena o Montepio e oito antigos administradores por ter sido violado o direito à defesa na fase administrativa,
pois os arguidos deveriam ter tido acesso a um processo “pelo menos organizado” para identificarem os elementos
probatórios e exercerem cabalmente a sua defesa.
Apesar desta decisão desfavorável do TCRS, o supervisor bancário diz que
se mantém “a substância das infrações pelas quais o Banco de Portugal havia
condenado os arguidos” e frisa que o tribunal não emitiu qualquer juízo
“no sentido de absolver os arguidos das infrações que lhe foram imputadas”.
Na decisão recorrida, o BdP apontava várias ilegalidades, como violações
das regras de controlo interno e incumprimento nos deveres de implementação de
controlo interno, referentes à concessão de crédito. E Luís Bigotte Chorão,
advogado do BdP, disse à Lusa que vai
transmitir à administração do banco a decisão do juiz Sérgio Sousa, que ouviu
“com toda a atenção”, sendo que a sua recomendação será no sentido da
apresentação de recurso.
***
O presidente da Associação Mutualista Montepio, falando no final da
audiência que decorreu hoje no TCRS, em Santarém, em que foi determinada a
nulidade da nota de ilicitude emitida pelo BdP, disse que a “monstruosidade” do processo em que foi condenado pelo BdP ao
pagamento de 1,25 milhões de euros “começou a ser demonstrada”. E declarou à Lusa estar “satisfeito” com a decisão,
que “naturalmente esperava”, na qual foi reconhecida a violação do direito de
defesa na fase administrativa do processo. E observou:
“Já disse em algumas circunstâncias que
aquela fase em que o processo decorreu no Banco de Portugal se deveu apenas a
uma fase que classifiquei, e continuo a classificar, como a fase do arbítrio.
Felizmente, e como é próprio de uma sociedade civilizada, como é a nossa,
entrámos na fase da justiça e a justiça está a fazer-se e vai fazer-se, não
tenho dúvida nenhuma.”.
O ex-presidente da Caixa Económica Montepio classificou este processo de
monstruosidade, que já começou a ser demonstrada” e acusou o BdP de não ter
querido que os arguidos exercessem o direito de defesa, tendo-se “convencido de
que podia fazer tudo e mais alguma coisa” e que ficariam “silenciosos a ser
vítimas de uma arbitrariedade”. E acrescentou:
“Fizemos aquilo que era o nosso dever, lutar
pela nossa honra, lutar pelo nosso profissionalismo, lutar pela nossa grande
instituição. No fundo, lutar pela justiça e ela está a ser feita.”.
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O Banco Montepio defende que o BdP não pode apresentar recurso da decisão
do tribunal que anula coimas de 5 milhões. Com efeito, os antigos administradores da Caixa Económica Montepio
Geral (hoje Banco
Montepio) consideram que o TDRS “declarou a nulidade insanável da decisão do
Banco de Portugal” de aplicar coimas no valor de quase cinco milhões
de euros e o banco sustenta que a decisão do tribunal “não é suscetível de recurso”.
Nuno Salazar Casanova, advogado da sociedade Uría Menéndez-Proença de
Carvalho, que é o advogado de defesa do banco, sustenta que só há recurso
quando se está perante uma decisão que põe termo a um processo – o que não é o
caso visto que o tribunal decidiu que o BdP tem de dar um passo atrás e voltar
a formular a acusação. Na verdade, o despacho proferido na sessão em que se
deveria iniciar o julgamento do recurso apresentado pelos arguidos, o juiz
refere os arguidos deveriam ter tido acesso a um processo “pelo menos
organizado”, para identificarem os elementos probatórios e exercerem cabalmente
a sua defesa.
Em reação, o supervisor bancário disse que vai recorrer
da decisão, o que terá de o fazer nos próximos dez dias, lembrando
que está em causa a substância das infrações pelas quais havia condenado os
arguidos. Se não for possível recurso, o regulador terá de fazer nova acusação
e enviá-la de novo aos ex-gestores e banco acusados.
Para os antigos administradores, o TCRS concluiu
que o BdP violou o direito de defesa dos arguidos ao não indicar a prova em que
sustenta as alegadas infrações, sendo praticamente impossível à defesa
encontrar essa prova nos cerca de 303 anexos e 140 mil folhas do processo”. E os
advogados de defesa dos ex-administradores, Alexandre Mota Pinto, Daniel Bento
Alves e Rita Vieira Marques consideram que a decisão do tribunal “era a
esperada”. Os mesmos advogados da sociedade de advogados Uría Menéndez-Proença
de Carvalho “não percebem como os seus
constituintes puderam ser alvo de um processo e decisão em que a entidade
administrativa não observou uma decisão judicial, atuação que não se recordam
de alguma vez ter visto da parte deste regulador”.
Reiterando que “não praticaram nenhuma infração”, os advogados lembram que
os oito gestores condenados pelo BdP “foram administradores do Banco
Montepio num período extremamente difícil”, tendo, aliás, contribuído (decisivamente) “para que este fosse o único grande banco português
que não precisou de pedir ajudar aos contribuintes portugueses” (esquecem o caso do BES, que não se candidatou à ajuda).
***
É incrível como o BdP não sabe organizar um processo de contraordenação feito
em boas condições técnicas (Tem lá juristas especializados!) e como os tribunais se atêm mais aos formalismos que
à substância. Será que estão todos, no fundo, mancomunados com os ricos? E, por
falar do direito do contraditório, ser-se-á tão exigente na defesa do contraditório
dos pobres?
O princípio de que o prevaricador deve pagar deveria ser mais observado. E pergunto
qual a ciência que tem um juiz de instância para decidir pela nulidade
insanável? Não lhe bastaria declarar a nulidade sem a adjetivar. Ainda dizem
que a justiça é cega, pondera na balança e corta a direito com a espada de dois
gumes!
2019.09.09 –
Louro de Carvalho
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