Segundo a Lusa,
José Azeredo Lopes, ex-Ministro da Defesa
Nacional do XXI Governo Constitucional, foi hoje, dia 26, acusado pelo MP (Ministério
Público) de abuso de poder, denegação de
justiça e prevaricação no “caso de Tancos” e proibido do exercício
de funções – informação, entretanto, confirmada pela PGR (Procuradoria-Geral
da República) e que já
tinha sido avançada, esta semana, pela Rádio
Renascença e pelo Correio da Manhã.
Azeredo Lopes foi Ministro da Defesa Nacional no Governo de António Costa
entre 26 de novembro de 2015 e 15 de outubro de 2018. Quando apresentou o
pedido de demissão ao Primeiro-Ministro, justificou-se com a necessidade de
evitar que as Forças Armadas continuem a ser “desgastadas pelo ataque político”
e pelas “acusações” de que disse estar a ser alvo por causa do caso do assalto
às Forças Armadas em Tancos.
O MP acusa no total 23 arguidos nos casos do furto e da
recuperação das armas. Os arguidos são acusados de crimes como terrorismo,
associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de
documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma
proibida.
Em comunicado, a PGR explica que o inquérito tem por objeto o furto
ocorrido, no dia 28 de junho de 2017, nos Paióis Nacionais de Tancos (PNT) e as circunstâncias em que ocorreu, no dia 18 de
outubro de 2017, a recuperação de grande parte do material subtraído. Mas o
antigo governante negou sempre ter conhecimento “direto ou indireto, sobre uma
operação em que o encobrimento se terá destinado a proteger o ou um dos autores
do furto”.
No comunicado, a PGR adianta que “dos 23 arguidos, 9 estão acusados do
planeamento e realização do furto” e dos “crimes de terrorismo (com
referência ao crime de furto), de
tráfico e mediação de armas, de associação criminosa, bem como de tráfico de
estupefacientes”.
Os “restantes 14 arguidos, neles se incluindo militares da PJM (Polícia
Judiciária Militar) e da GNR (Guarda
Nacional Republicana), de
diversas patentes, um técnico do Laboratório da PJM e o ex-Ministro da Defesa Nacional, são suspeitos da encenação
que esteve na base da recuperação de grande parte do material militar
subtraído”.
Diz a PGR que, além dos crimes de favorecimento pessoal e denegação de
justiça e prevaricação, “os militares e o técnico do Laboratório estão também
acusados, designadamente, por crimes de falsificação de documento, tráfico e
mediação de armas e associação criminosa”.
Dos 23 arguidos, a PGR informa que 8 estão em situação de prisão preventiva
e 11 (militares e
técnico de laboratório) suspensos
de funções, enquanto os restantes se encontram sujeitos à medida de coação de
proibição de contactos.
Face à notícia da acusação pelo MP, os partidos políticos, num primeiro momento,
recusaram incluir o caso de Tancos na campanha eleitoral, deixando-o às malhas
da Justiça.
Entretanto, o secretário-geral do PCP foi dizendo que ninguém está acima da
lei e António Costa veio afirmar que o caso é da justiça e não da política. Num
segundo momento, Assunção Cristas e Rui Rio quebraram o silêncio. Assunção Cristas
acusa o Governo socialista de encobrir criminosos; e Rio diz que o tema tem que
vir para a campanha eleitoral porque é mesmo matéria política e vai mais longe
ao julgar impensável que, estando em causa o ex-Ministro da Defesa Nacional,
que sabia de tudo e que sonegou informação ao Parlamento, o Primeiro-Ministro
não soubesse do caso.
***
O secretário-geral do PS afirmou hoje que o Presidente da República
está “acima de qualquer suspeita sobre o que quer que seja” e
defendeu que há notícias, designadamente sobre Tancos, que não devem ser
levadas em consideração.
No final da arruada dos socialistas em Moscavide, município de Loures, Costa
foi confrontado com o teor de uma notícia do s Expresso sobre o processo de roubo de armas na base militar de
Tancos, segundo a qual Belém tinha registado que o Primeiro-Ministro não
defendera o Presidente da República em relação a tentativas para envolver
Marcelo Rebelo de Sousa no caso. Assim, Costa, como refere a Lusa, declarou:
“Como sabem, há notícias que não se podem
ter em conta nem levar em consideração. Se fosse comentar cada notícia
que aparece a dizer os maiores disparates sobre mim, sobre o Presidente da
República ou sobre quem quer que seja, não faria rigorosamente mais nada.”.
Por seu turno, Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da
República, que é candidato a deputado pelo círculo eleitoral de Lisboa, defendeu,
em declarações à Rádio Renascença, que
Tancos não belisca António Costa e que Marcelo Rebelo de Sousa reagiu bem às
notícias do seu alegado envolvimento no âmbito do processo. E disse:
“Não deve haver conversa sobre esse assunto,
é um assunto que está nos tribunais e que tem de ser resolvido nos tribunais”.
Ferro
Rodrigues considera que “a campanha vai
continuar a desenrolar-se normalmente e com este apoio popular que é o
fundamental”, acrescentando que, “quando
este apoio popular se transforma em apoio nas urnas, os resultados ficam à
vista”.
Questionado
sobre o incómodo de Marcelo que, no início da semana e à margem da Assembleia
Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, sentiu necessidade de dizer que
“é bom que fique bem claro” que “o Presidente não é criminoso”, o Presidente do
Parlamento diz que não consegue “reconhecer o grau de incómodo do Presidente,
agora que ele estava fora do país e reagiu como achou que devia reagir”.
Como foi dito, a líder do CDS rejeita que o caso esteja encerrado e, em
plena campanha eleitoral, pede explicações a António Costa, atirando:
“Espero que as pessoas reflitam muito bem,
no dia 6, sobre que tipo de governo querem ter. Se querem ter um governo que
encobre crimes, que iliba criminosos, que impede a justiça de funcionar –
porque aparentemente conhece e dá cobertura a um acordo que impede que os
responsáveis pelo furto sejam efetivamente apanhados e punidos – ou “se
entendem que basta.”.
Segundo esta dirigente partidária, para quem este é um processo que “está
longe de estar encerrado”, tanto judicial como politicamente, António Costa “tem que dar explicações públicas sobre este
caso” e “não apenas dizer que é um
caso de justiça”.
O líder do PSD prometeu falar depois de conhecer mais detalhes do processo,
apontando:
“O caso de Tancos é um caso que já todos
percebemos que não é grave, é gravíssimo. Eu não
tenho neste momento conhecimento exato da acusação, vou ver com mais atenção e
mais logo falo sobre esse assunto.”.
À tarde, sugeriu que o Governo orquestrou um plano para envolver Marcelo e
desviar atenções em plena campanha eleitoral. Considera muito pouco provável
que António Costa não soubesse dos planos de Azeredo Lopes em torno da
recuperação do armamento militar de Tancos.
Em conferência de imprensa, Rui Rio deixou uma de duas teses no ar: Azeredo
Lopes informou António Costa e este foi “conivente
com aquilo que se passou” ou “temos
um Governo em que os ministros não informam o Primeiro-Ministro de tudo aquilo
que é importante do seu Ministério” e, portanto, Costa não tem “autoridade”
para chefiar um Executivo. Para Rio, “é
um assunto grave em termos de funcionamento do Estado de direito democrático”.
Além de questionar o nível de informação (ou a falta dela) de que António Costa dispunha, Rio criticou o papel
de Tiago Barbosa Ribeiro, deputado que terá sido informado por Azeredo Lopes de
toda a encenação sem nunca o ter reportado ao Parlamento ou às autoridades
competentes.
Aliás, a equipa de Rio distribuiu aos jornalistas cópias de notícias em que
o deputado socialista elogiava a audição parlamentar “sólida e esclarecedora”
do Ministro quando foi chamado a falar sobre Tancos e uma publicação no
Facebook em que Barbosa Ribeiro elogiava a “elevação” e “dignidade” do ex-Ministro.
Para Rio, esta atitude revela “uma certa
cultura no modo de funcionamento do grupo parlamentar socialista” em que se
“tenta branquear e fugir à verdade”.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, que adotara uma posição mais contida,
ao considerar que não ajuda ninguém que um processo longo como o de Tancos
“seja utilizado” na campanha eleitoral, sem todos os dados, deixando claro que
“numa democracia ninguém está acima da lei”, agora que é conhecida oficialmente
a acusação, diz não ter dúvidas.
“Se o Ministério Público tiver razão,
não foi dita a verdade na comissão de inquérito do Parlamento” ao caso de
Tancos, afirmou Catarina Martins, na tarde de hoje, no final de uma visita ao
Centro de Saúde da Moita. Escudando a anterior posição no Bloco no Parlamento, indicou
que “as comissões de inquérito tiram
conclusões sobre factos que conhecem”. E, para sublinhar o que se considera
ser a gravidade do que foi dito no Parlamento, Catarina disse em jeito de
exclamação: “As comissões de inquérito
não são conversas de café”.
Entretanto, António Costa não se ficou. O líder socialista não acrescenta
comentários sobre a acusação a Azeredo Lopes, mas responde às palavras de Rio
acusando-o de estar a fazer no caso de Tancos aquilo que critica aos outros: um
julgamento na praça pública. E diz: “Eu
não mudo de princípios fundamentais de dois em dois dias”.
No final dum encontro dedicado às startups,
Costa conferenciou brevemente com alguns membros do núcleo-duro da campanha
socialista (incluindo os governantes Mariana Vieira da Silva e Duarte Cordeiro), para afinar as palavras que diria aos jornalistas,
que incluíram uma acusação direta a Rio, de ter abdicado do que diz serem os
seus “princípios fundamentais” e de atingir “a dignidade desta campanha”. Sobre
o alegado conhecimento que o Primeiro-Ministro teria da operação de
encobrimento da devolução do material furtado em Tancos, Costa disse:
“O Dr. Rui Rio tinha a estrita obrigação de
saber que respondi por escrito a todas as questões que a comissão parlamentar
de inquérito colocou sobre este caso e que a CPI concluiu que nada me tinha
apontar”.
E, sobre a investigação judicial, referiu:
“O Dr. Rui Rio devia também saber que ao
longo destes dois anos a Justiça nunca me colocou qualquer questão e, se
tivesse alguma dúvida sobre meu comportamento, o teria feito”.
Dito isto, Costa passou ao contra-ataque ao líder do PSD, disparando:
“Ainda há dois dias ouvi, e todos os
portugueses ouviram, Rui Rio dizer que tinha como princípio fundamental não
fazer julgamentos na praça pública. Eu não mudo de princípios fundamentais de
dois em dois dias. (…). Há 5 anos que digo o que sempre achei ao longo de toda
a minha vida política; o que é da justiça à justiça. o que é da política à
política. Quem sacrifica princípios fundamentais da forma de estar na vida
política envergonha-se a si próprio, mais do que ataca quem quer atingir.”.
Mais esclareceu:
“A mim Rui Rio não me atingiu; atingiu a
dignidade desta campanha eleitoral”.
***
O ex-Ministro da Defesa, acusado de prevaricação, abuso de poder, denegação
de justiça e favorecimento de funcionário, considera a acusação do caso de
Tancos “eminentemente política” e sem provas e vai pedir a abertura da
instrução.
Em comunicado, enviado à Lusa,
Azeredo Lopes diz que “a acusação é eminentemente política, não tendo
factos e provas a sustentá-la”, reiterando que nunca foi informado sobre
o alegado encobrimento na recuperação das armas furtadas. Diz no referido
comunicado:
“Reitero que nunca fui
informado, por qualquer meio, sobre o alegado encobrimento na recuperação das
armas furtadas de Tancos, pelo que gostaria que ficasse
claro que o então Ministro da Defesa não cometeu qualquer crime nem mentiu, tal
como não o fez o cidadão José Alberto Azeredo Lopes”.
O antigo responsável pela Defesa, que saiu do Governo em outubro de 2018,
lamenta que “tenha sido ao longo dos últimos meses profusamente julgado na
praça pública, numa situação de absoluta desigualdade, através de fugas de
informação cirúrgicas, não obstante o processo estar em segredo de justiça, sem
que o MP ou a PGR tenham, que se saiba, levantado qualquer inquérito, tornando
banal e corriqueiro um facto que viola gravemente a lei e os direitos dos cidadãos”.
***
Entretanto, ao tenente-general João Cordeiro, antigo chefe da casa militar
de Marcelo, que não foi acusado no processo de Tancos, o DCIAP abriu uma nova
certidão para investigar as suas eventuais declarações falsas. Segundo o MP,
Cordeiro recebeu da PJM um documento da investigação em segredo de justiça. Por
isso, embora não tenha acusado ainda, o MP decidiu extrair uma certidão
autónoma ao ex-chefe da casa militar de Marcelo Rebelo de Sousa por falsidade
de testemunho. Vai, pois, abrir uma nova investigação ao tenente-general João
Cordeiro, que saiu de Belém um mês após a descoberta das armas de Tancos.
Por escrito, o tenente-general João Cordeiro negou aos procuradores do caso
ter recebido qualquer e-mail do major Vasco Brazão ou do coronel Luís Vieira,
os homens da PJM que, segundo o MP, planearam a operação paralela de
recuperação do arsenal de Tancos. Ainda assim admitiu ter sido informado “da
situação da investigação” embora nunca tivesse sabido de “qualquer acordo” com
algum suspeito.
Já depois de ter recebido o depoimento de Cordeiro, a PJ viria a apreender
e-mails de Luís Vieira enviados para João Cordeiro no sentido de este interceder
junto do Presidente para que a investigação do crime passasse novamente para a
esfera da PJM. subtração
João Cordeiro também disse que soube do “achamento” do material “pela
comunicação social”, mas o MP diz que falou, nesse dia de manhã, por telefone,
com Luís Vieira e que seria impossível que o diretor da PJM não o informasse da
recuperação do material furtado. O MP diz que “a prova existente” demonstra “contactos
próximos com Luís Vieira” e, além disso:
“O teor das interceções telefónicas, as
declarações de Vasco Brazão, a sua postura processual, ao faltar com a verdade
permitem suspeitar que João Cordeiro pudesse estar a acompanhar as diligências
paralelas que Luís Vieira e os arguidos da PJM estavam a levar a cabo à margem
do MP e da PJ e tivesse conhecimento do acordo que foi efectuado com o autor da
subtração”.
Porém, apesar de considerar que estaria em causa um crime de abuso de
poder, o MP justifica o arquivamento dos indícios com o facto de Cordeiro não
ter sido constituído arguido no início do processo e por não existirem “indícios
suficientes que permitam ao MP deduzir e sustentar em juízo uma acusação contra
João Cordeiro, uma vez que não seria provável, só com a prova reunida, a
obtenção de uma condenação pela prática de um crime de abuso de poder”.
***
Por mim,
pergunto: Como é que, se o chefe de gabinete de Azeredo sabia da encenação, o Ministro
e o Primeiro-Ministro tinham de saber, mas também, acontecendo que o chefe da
Casa Militar de Marcelo o sabia, o Presidente não tinha que o saber e não o
sabia? Já esqueceram que a PGR informara o Ministro de que iria ser aberto um
processo de inquérito-crime?
2019.09.26 –
Louro de Carvalho
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