Estes dias têm sido marcados por situações
deveras inquietantes para o cidadão comum. Vários detentores de cargos
políticos e cargos públicos saem de cena bem chamuscados, se não queimados, pela
investigação judiciária.
Assim, Artur Neves, ex-Secretário de Estado do
Proteção Civil, uma Secretaria de Estado criada após os pavorosos incêndios de
2017, foi constituído arguido no caso das golas antifumo e apresentou a demissão,
que foi aceite pelo Ministro da Administração Interna, pelo Primeiro-Ministro e
pelo Presidente da República, que procedeu à sua exoneração sob proposta do
Chefe do Governo, mas sem que haja substituição do titular no cargo, passando
as competências do mesmo a ser desempenhadas pelo Ministro.
Simultaneamente foi constituído arguido o tenente-general
Mourato Nunes, presidente da ANEPC (Autoridade
Nacional de Emergência e Proteção Civil), também envolvido
no predito processo.
A
informação, avançada pela agência Lusa,
foi confirmada pela própria Proteção Civil numa nota enviada às redações. E o
titular do cargo nega qualquer envolvimento no caso, tendo, por isso, decidido não
apresentar pedido de demissão.
O oficial
general, ex-comandante geral da GNR, pretende aproveitar a condição de arguido
para preparar a sua defesa, pelo que optou pela não demissão, uma decisão que
terá sido confirmada pelo Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita,
com quem, segundo o Público, se
reuniu ao fim da tarde do dia 18.
Na predita
nota, a Proteção Civil adiantou que o tenente-general recusa as “imputações invocadas quanto ao seu
envolvimento em quaisquer que possam ser os factos deste processo”, tendo
transmitido isso mesmo “a toda a estrutura”. E referiu que, “nesse sentido, continuará a colaborar
ativamente com a Justiça, como é aliás seu dever, não deixando, porém, de
exercer todos os direitos que o referido estatuto lhe confere, em sua defesa e
no sentido do apuramento da verdade”.
Como é do
conhecimento público, o MP (Ministério Público) está a investigar os negócios efetuados referentes aos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, nos quais foram distribuídos cerca de 70
mil kits com as golas antifumo, e “Rede Automática de Avisos à
População” (SMS), por suspeitas de fraude na
obtenção de subsídio, de participação económica em negócio e de corrupção. E,
no âmbito dessa investigação, foram realizadas 54 buscas – 8 buscas
domiciliárias e 46 não domiciliárias, sob a direção do DCIAP (Departamento
Central de Investigação e Ação Penal).
Estas decorreram em vários locais, incluindo o MAI, a SEPC (Secretaria
de Estado da Proteção Civil), a ANEPC,
CDOS (Comandos
Distritais de Operações de Socorro) e empresas
que realizaram contratos com o Estado.
O caso das
golas antifumo, que fazem parte do kit distribuído à
população no âmbito do programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, levou o
titular da pasta da tutela a pedir, a 27 de julho, um “inquérito urgente” sobre
a contratação de “material de sensibilização para incêndios”. Dois dias depois
da decisão do Ministro, Francisco Ferreira, o então adjunto do Secretário de
Estado da Proteção Civil, Artur Neves, demitiu-se, depois de ter sido noticiado
o seu envolvimento na escolha das empresas que produziram os kits de
emergência. Isto, depois de o chefe de gabinete do Secretário de Estado se ter
demitido por envolvimento noutro processo.
***
O Ministro da Administração
Interna, que aceitou de pronto o pedido de demissão de Artur Neves, Secretário
de Estado da Proteção Civil, diz manter a “plena confiança” no presidente da
Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, tenente-general Mourato
Nunes, que não se demitiu, mesmo depois de ter sido constituído arguido no
âmbito da investigação ao negócio das golas antifumo. Aliás, reitera “a plena confiança no Presidente e em toda a
estrutura da ANEPC, cuja motivação e desempenho são essenciais para a segurança
dos portugueses”, como se lê na aludida nota enviada às redações.
Nessa nota,
Eduardo Cabrita diz que respeita as decisões tomadas quer pelo Secretário de
Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, quer por Carlos Mourato Nunes,
presidente da ANEPC. O primeiro apresentou o pedido de demissão, enquanto
o segundo optou por manter-se no cargo. O Ministro destaca ainda “o
papel da ANEPC na transformação estrutural no Sistema de Proteção Civil, que
permitiu os resultados alcançados em 2018 e em 2019 no âmbito do combate aos
incêndios rurais e das ações de planeamento civil de emergência”.
***
Também Elisa
Ferreira tem estado na ribalta da crítica. Foi escolhida como comissária europeia e foi-lhe atribuída a pasta da Coesão e Reformas, mas ainda tem de
passar pela aprovação do Parlamento Europeu. E está a enfrentar críticas de
eurodeputados que apontam para um possível conflito de interesses. Na base dessas críticas está o facto de a antiga eurodeputada
socialista ir gerir a pasta que integra os fundos regionais e o seu marido,
Fernando Freire de Sousa, ser presidente da CCDR-N (Comissão
de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte), que é das
entidades em Portugal com mais relação com os fundos comunitários, pois ele é
responsável pela sua aplicação no terreno.
A eurodeputada francesa do grupo dos Verdes Marie Toussaint, que foi quem mais
fortemente atacou Elisa Ferreira, escreveu no Twitter:
“A portuguesa Elisa Ferreira era
vice-governadora do Banco de Portugal quando um banco estatal financiou o
projeto de uma empresa cujo vice-presidente era seu marido. Agora é nomeada
para os fundos regionais pelos quais o marido é responsável por esses fundos
para Portugal. Keep cool.”.
O primeiro caso apontado no tweet pela
eurodeputada francesa recorda que Fernando Freire de Sousa era vice-presidente
da La Seda de Barcelona quando a CGD (Caixa Geral de Depósitos) começou, em 2006, a sua ligação ao grupo espanhol na
Artlant, em Sines, que veio a custar mais de 250 milhões de euros ao banco
público. Na altura, a então vice-governadora do Banco de Portugal considerou
que não havia qualquer incompatibilidade nas decisões que a entidade iria tomar
sobre a auditoria realizada pela EY à CGD. É que ela ainda não era vice-governadora
do BdP (Banco de
Portugal). Agora, poderá haverá novo
conflito de interesses pois Elisa Ferreira, na comissão, irá tomar conta dos
fundos comunitários e o seu marido lidera a CCDR-N. De acordo com o Código de
Conduta, os membros da comissão “devem evitar qualquer situação suscetível de originar um conflito
de interesses, ou que possa razoavelmente ser percebida como tal”. Para
a comissão, existe conflito de interesses quando “um interesse pessoal possa influenciar o exercício independente das
suas funções”.
Porém, a
atenção dos eurodeputados centra-se noutro problema. A Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu
avaliou as declarações de interesses, mas também as declarações
financeiras da indigitada comissária, levantando questões sobre as ações que
detém da Sonae.
O património de Elisa Ferreira esteve
a ser analisado à lupa e, apesar das dúvidas em torno dum possível
conflito de interesses por causa do marido, acabou por ser o portefólio de
ações da dona do Continente a travar a aprovação do seu nome. A
declaração entregue, que suscitou dúvidas da própria ainda vice-governadora
do Banco de Portugal quanto a um potencial conflito de interesses, não foi
tornada pública, não sendo possível saber ao certo quantas ações da Sonae tem em
carteira a comissária, mas é possível ter uma ideia do valor aplicado com base
na declaração de património revelada aquando da entrada no supervisor da banca
nacional. Na declaração da antiga eurodeputada portuguesa constavam 15 mil
ações da retalhista liderada por Cláudia Azevedo. Ora, partindo do
princípio de que Elisa Ferreira não alienou qualquer destas ações da Sonae no
mercado de capitais, estará em causa um portefólio avaliado em
12.750 euros. Isto, se tivermos em conta o preço de 85 cêntimos a que estão a
cotar os títulos da Sonae SGPS hoje, dia 19, na bolsa de Lisboa.
Além disso, Elisa Ferreira declarou 28 imóveis, entre habitações, garagens,
lojas, armazéns e uma propriedade agrícola, espalhados por Lisboa,
Porto, Santo Tirso, Vila do Conde e até Bruxelas, onde detém um apartamento na
Rua Godecharle, no bairro de Ixelles. Vários destes apartamentos encontram-se
arrendados e a futura comissária portuguesa tem ainda um trator com reboque,
uma carrinha Toyota, um Audi A2 e um Mercedes C220 CDI.
Os eurodeputados dão-lhe 8 dias para enviar os
esclarecimentos adicionais, de modo que a audição parlamentar da indigitada comissária
possa ser autorizada pela Comissão de Assuntos Jurídicos.
Os eurodeputados deixaram cair a questão das potenciais
incompatibilidades relacionadas com as funções do marido de Elisa Ferreira, por
considerarem que não há relação direta entre o cargo de Fernando Freire de
Sousa, na CCDR-N, e o futuro cargo de Elisa Ferreira na Comissão Europeia, na
pasta da Coesão e Reformas. Porém, à
semelhança do que sucedeu com outros três deputados, a Comissão de Assuntos
Jurídicos identifica uma possível incompatibilidade, pela posse de ações em
empresas que contam do registo de Lobo, em Bruxelas. No caso da futura
comissária portuguesa está em causa um conjunto de ações da Sonae.
De acordo com as regras do Parlamento Europeu, “se, com base na declaração de interesses
financeiros ou nas informações complementares prestadas pelo comissário
indigitado, a comissão competente para os assuntos jurídicos identificar um
conflito de interesses, elabora recomendações para pôr termo ao conflito de
interesses”. Estas recomendações podem incluir, por exemplo “a renúncia aos interesses financeiros em
causa”, como, aliás, Elisa Ferreira já tratou de fazer, dando hoje mesmo ordem
de venda as ações que detinha, operação
deverá ficar concluída de imediato. E a comissária já
contactou os serviços da Comissão Europeia para dar conta desse potencial
conflito. E, até ao dia 27 deverá enviar os esclarecimentos pedidos pela Comissão
de Assuntos Jurídicos, para que possa receber luz verde para a audição que está
agenda para 2 de outubro, entre as 18,30 horas e as 21,30.
***
Por
motivos de conflito, o Governo de Costa já perdeu meia dúzia de ministros e mais
de uma vintena de Secretários de Estado. Entretanto, como é do conhecimento
público, o Primeiro-Ministro pediu um parecer ao Conselho Consultivo da PGR (Procuradoria-Geral
da República) sobre
a legalidade da atuação do Governo.
Tendo já
passado largamente o prazo para a emissão do dito parecer e tendo sido notícia
que nem sequer estava agendada ainda a reunião para a sua aprovação, é com surpresa
que se soube hoje que o gabinete do Primeiro-Ministro já recebeu o esperado
parecer sobre se os titulares de cargos de Governo devem ser
alvos de demissão por causa dos negócios de familiares com entidades públicas,
que não tenham qualquer relação ou interferência dos titulares de cargos
políticos. Agora, “a entidade competente
para decidir sobre a divulgação é a que solicitou o parecer, sendo que a
Procuradoria-Geral da República nada tem a opor a essa divulgação”.
Enfim, o
relator concluiu o parecer, o Conselho Consultivo reuniu, analisou e votou o
mesmo. E, nessa reunião deverá ter estado presente a Procuradora-Geral da
República, Lucília Gago, e vários vogais, de acordo com o que as regras
determinam.
Já
houve casos em que o Primeiro-Ministro optou por não divulgar imediatamente os
pareceres pedidos. Em novembro de 2018, o Governo pediu à mesma entidade
um parecer relativamente à greve dos enfermeiros e, três meses depois de o ter
recebido, pediu uma adenda ao mesmo parecer e só nessa altura se ficou a
conhecer o teor do primeiro parecer.
Desta
feita o parecer foi pedido porque o chefe do Executivo tinha dúvidas sobre se
os titulares de cargos de Governo devem ser alvos de demissão por negócios de
familiares com entidades públicas, que não tenham qualquer relação ou
interferência dos titulares de cargos políticos.
Em concreto, houve uma
dúvida em resultado de vários casos no Executivo. A Zerca Lda, empresa participada
em 20% pelo filho do Secretário de Estado da Proteção Civil, que agora apresentou
o pedido de demissão, fez contratos públicos com o Estado. Também Pedro Nuno
Santos, Ministro das Infraestruturas e Habitação, Francisca Van Dunem, Ministra
da Justiça, e Graça Fonseca, Ministra da Cultura, têm familiares
envolvidos em contratos com o Estado.
O Primeiro-Ministro já
tinha dado a indicação de que poderia não homologar o parecer. “Claro que não, vou fazer o que se faz com
qualquer parecer. Vou analisar o parecer e, se
concordar, homologo, se não concordar, não homologo”, disse Costa em entrevista ao Expresso, aduzindo que tem a ver com “razões
de avaliação política”. E acrescentou que, “em função do parecer”, veria
como agir, invocando o que é uma regra básica e que vem estipulado no artigo 9.º do Código
Civil.
No caso de Artur Neves a questão já não se
coloca porque o responsável se demitiu, mas poderá colocar-se em relação
aos restantes membros do Executivo, apesar de as eleições estarem agendadas
para 6 de outubro.
Questionado
o gabinete do Primeiro-Ministro sobre o sentido do parecer e se o iria
divulgar, foi dito que “está agora a ser analisado”. Mas, como o Primeiro-Ministro
está numa ação de campanha em Leiria, dificilmente haverá novidades para breve.
***
Pelos vistos,
em território pequeno e com pouca gente, torna-se difícil encontrar políticos
que não tenham nada por onde se lhes pegue. É a falta de valores que alastra, é
a ética que se torna uma batata oca. E, digamos, é a lei demasiado caprichosa,
por vezes. Penso que a lei deveria prever forte penalização para a real
influência nos negócios com o Estado por parte dos titulares de cargos públicos
e políticos, mas não necessariamente pelo facto de haver familiares envolvidos.
E dou como exemplo de ineficácia da lei, o caso do presidente de câmara que não
participa nas sessões do executivo e, depois, nas da assembleia municipal em
que se discutam e aprovem deliberações sobre matéria atinente a familiares, mas
consegue influenciar a decisão através de membros da respetiva equipa política,
sem provas, é claro!
A história
da governança regista muitos casos. Porque é que só agora e agudizou o problema?
E que empecilho faz a detenção dum lote de ações na governança da UE?
2019.09.19 – Louro
de Carvalho
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