quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Detentores de cargos públicos e políticos de pés atados


Estes dias têm sido marcados por situações deveras inquietantes para o cidadão comum. Vários detentores de cargos políticos e cargos públicos saem de cena bem chamuscados, se não queimados, pela investigação judiciária.
Assim, Artur Neves, ex-Secretário de Estado do Proteção Civil, uma Secretaria de Estado criada após os pavorosos incêndios de 2017, foi constituído arguido no caso das golas antifumo e apresentou a demissão, que foi aceite pelo Ministro da Administração Interna, pelo Primeiro-Ministro e pelo Presidente da República, que procedeu à sua exoneração sob proposta do Chefe do Governo, mas sem que haja substituição do titular no cargo, passando as competências do mesmo a ser desempenhadas pelo Ministro.    
Simultaneamente foi constituído arguido o tenente-general Mourato Nunes, presidente da ANEPC (Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil), também envolvido no predito processo.
A informação, avançada pela agência Lusa, foi confirmada pela própria Proteção Civil numa nota enviada às redações. E o titular do cargo nega qualquer envolvimento no caso, tendo, por isso, decidido não apresentar pedido de demissão.
O oficial general, ex-comandante geral da GNR, pretende aproveitar a condição de arguido para preparar a sua defesa, pelo que optou pela não demissão, uma decisão que terá sido confirmada pelo Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, com quem, segundo o Público, se reuniu ao fim da tarde do dia 18.
Na predita nota, a Proteção Civil adiantou que o tenente-general recusa as “imputações invocadas quanto ao seu envolvimento em quaisquer que possam ser os factos deste processo”, tendo transmitido isso mesmo “a toda a estrutura”.  E referiu que, “nesse sentido, continuará a colaborar ativamente com a Justiça, como é aliás seu dever, não deixando, porém, de exercer todos os direitos que o referido estatuto lhe confere, em sua defesa e no sentido do apuramento da verdade”.
Como é do conhecimento público, o MP (Ministério Público) está a investigar os negócios efetuados referentes aos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, nos quais foram distribuídos cerca de 70 mil kits com as golas antifumo, e “Rede Automática de Avisos à População” (SMS), por suspeitas de fraude na obtenção de subsídio, de participação económica em negócio e de corrupção. E, no âmbito dessa investigação, foram realizadas 54 buscas – 8 buscas domiciliárias e 46 não domiciliárias, sob a direção do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal). Estas decorreram em vários locais, incluindo o MAI, a SEPC (Secretaria de Estado da Proteção Civil), a ANEPC, CDOS (Comandos Distritais de Operações de Socorro) e empresas que realizaram contratos com o Estado.
O caso das golas antifumo, que fazem parte do kit distribuído à população no âmbito do programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, levou o titular da pasta da tutela a pedir, a 27 de julho, um “inquérito urgente” sobre a contratação de “material de sensibilização para incêndios”. Dois dias depois da decisão do Ministro, Francisco Ferreira, o então adjunto do Secretário de Estado da Proteção Civil, Artur Neves, demitiu-se, depois de ter sido noticiado o seu envolvimento na escolha das empresas que produziram os kits de emergência. Isto, depois de o chefe de gabinete do Secretário de Estado se ter demitido por envolvimento noutro processo.
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O Ministro da Administração Interna, que aceitou de pronto o pedido de demissão de Artur Neves, Secretário de Estado da Proteção Civil, diz manter a “plena confiança” no presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, tenente-general Mourato Nunes, que não se demitiu, mesmo depois de ter sido constituído arguido no âmbito da investigação ao negócio das golas antifumo. Aliás, reitera “a plena confiança no Presidente e em toda a estrutura da ANEPC, cuja motivação e desempenho são essenciais para a segurança dos portugueses”, como se lê na aludida nota enviada às redações.
Nessa nota, Eduardo Cabrita diz que respeita as decisões tomadas quer pelo Secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, quer por Carlos Mourato Nunes, presidente da ANEPC. O primeiro apresentou o pedido de demissão, enquanto o segundo optou por manter-se no cargo. O Ministro destaca ainda “o papel da ANEPC na transformação estrutural no Sistema de Proteção Civil, que permitiu os resultados alcançados em 2018 e em 2019 no âmbito do combate aos incêndios rurais e das ações de planeamento civil de emergência”.
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Também Elisa Ferreira tem estado na ribalta da crítica. Foi escolhida como comissária europeia e foi-lhe atribuída a pasta da Coesão e Reformas, mas ainda tem de passar pela aprovação do Parlamento Europeu. E está a enfrentar críticas de eurodeputados que apontam para um possível conflito de interesses. Na base dessas críticas está o facto de a antiga eurodeputada socialista ir gerir a pasta que integra os fundos regionais e o seu marido, Fernando Freire de Sousa, ser presidente da CCDR-N (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte), que é das entidades em Portugal com mais relação com os fundos comunitários, pois ele é responsável pela sua aplicação no terreno.
A eurodeputada francesa do grupo dos Verdes Marie Toussaint, que foi quem mais fortemente atacou Elisa Ferreira, escreveu no Twitter:
A portuguesa Elisa Ferreira era vice-governadora do Banco de Portugal quando um banco estatal financiou o projeto de uma empresa cujo vice-presidente era seu marido. Agora é nomeada para os fundos regionais pelos quais o marido é responsável por esses fundos para Portugal. Keep cool.”.
O primeiro caso apontado no tweet pela eurodeputada francesa recorda que Fernando Freire de Sousa era vice-presidente da La Seda de Barcelona quando a CGD (Caixa Geral de Depósitos) começou, em 2006, a sua ligação ao grupo espanhol na Artlant, em Sines, que veio a custar mais de 250 milhões de euros ao banco público. Na altura, a então vice-governadora do Banco de Portugal considerou que não havia qualquer incompatibilidade nas decisões que a entidade iria tomar sobre a auditoria realizada pela EY à CGD. É que ela ainda não era vice-governadora do BdP (Banco de Portugal). Agora, poderá haverá novo conflito de interesses pois Elisa Ferreira, na comissão, irá tomar conta dos fundos comunitários e o seu marido lidera a CCDR-N. De acordo com o Código de Conduta, os membros da comissão “devem evitar qualquer situação suscetível de originar um conflito de interesses, ou que possa razoavelmente ser percebida como tal”. Para a comissão, existe conflito de interesses quando “um interesse pessoal possa influenciar o exercício independente das suas funções”.
Porém, a atenção dos eurodeputados centra-se noutro problema. A Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu avaliou as declarações de interesses, mas também as declarações financeiras da indigitada comissária, levantando questões sobre as ações que detém da Sonae. O património de Elisa Ferreira esteve a ser analisado à lupa e, apesar das dúvidas em torno dum possível conflito de interesses por causa do marido, acabou por ser o portefólio de ações da dona do Continente a travar a aprovação do seu nome. A declaração entregue, que suscitou dúvidas da própria ainda vice-governadora do Banco de Portugal quanto a um potencial conflito de interesses, não foi tornada pública, não sendo possível saber ao certo quantas ações da Sonae tem em carteira a comissária, mas é possível ter uma ideia do valor aplicado com base na declaração de património revelada aquando da entrada no supervisor da banca nacional. Na declaração da antiga eurodeputada portuguesa constavam 15 mil ações da retalhista liderada por Cláudia Azevedo. Ora, partindo do princípio de que Elisa Ferreira não alienou qualquer destas ações da Sonae no mercado de capitais, estará em causa um portefólio avaliado em 12.750 euros. Isto, se tivermos em conta o preço de 85 cêntimos a que estão a cotar os títulos da Sonae SGPS hoje, dia 19, na bolsa de Lisboa.
Além disso, Elisa Ferreira declarou 28 imóveis, entre habitações, garagens, lojas, armazéns e uma propriedade agrícola, espalhados por Lisboa, Porto, Santo Tirso, Vila do Conde e até Bruxelas, onde detém um apartamento na Rua Godecharle, no bairro de Ixelles. Vários destes apartamentos encontram-se arrendados e a futura comissária portuguesa tem ainda um trator com reboque, uma carrinha Toyota, um Audi A2 e um Mercedes C220 CDI.
Os eurodeputados dão-lhe 8 dias para enviar os esclarecimentos adicionais, de modo que a audição parlamentar da indigitada comissária possa ser autorizada pela Comissão de Assuntos Jurídicos.
Os eurodeputados deixaram cair a questão das potenciais incompatibilidades relacionadas com as funções do marido de Elisa Ferreira, por considerarem que não há relação direta entre o cargo de Fernando Freire de Sousa, na CCDR-N, e o futuro cargo de Elisa Ferreira na Comissão Europeia, na pasta da Coesão e Reformas. Porém, à semelhança do que sucedeu com outros três deputados, a Comissão de Assuntos Jurídicos identifica uma possível incompatibilidade, pela posse de ações em empresas que contam do registo de Lobo, em Bruxelas. No caso da futura comissária portuguesa está em causa um conjunto de ações da Sonae.
De acordo com as regras do Parlamento Europeu, “se, com base na declaração de interesses financeiros ou nas informações complementares prestadas pelo comissário indigitado, a comissão competente para os assuntos jurídicos identificar um conflito de interesses, elabora recomendações para pôr termo ao conflito de interesses”. Estas recomendações podem incluir, por exemplo “a renúncia aos interesses financeiros em causa”, como, aliás, Elisa Ferreira já tratou de fazer, dando hoje mesmo ordem de venda as ações que detinha, operação deverá ficar concluída de imediato. E a comissária já contactou os serviços da Comissão Europeia para dar conta desse potencial conflito. E, até ao dia 27 deverá enviar os esclarecimentos pedidos pela Comissão de Assuntos Jurídicos, para que possa receber luz verde para a audição que está agenda para 2 de outubro, entre as 18,30 horas e as 21,30.
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Por motivos de conflito, o Governo de Costa já perdeu meia dúzia de ministros e mais de uma vintena de Secretários de Estado. Entretanto, como é do conhecimento público, o Primeiro-Ministro pediu um parecer ao Conselho Consultivo da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a legalidade da atuação do Governo.
Tendo já passado largamente o prazo para a emissão do dito parecer e tendo sido notícia que nem sequer estava agendada ainda a reunião para a sua aprovação, é com surpresa que se soube hoje que o gabinete do Primeiro-Ministro já recebeu o esperado parecer sobre se os titulares de cargos de Governo devem ser alvos de demissão por causa dos negócios de familiares com entidades públicas, que não tenham qualquer relação ou interferência dos titulares de cargos políticos. Agora, “a entidade competente para decidir sobre a divulgação é a que solicitou o parecer, sendo que a Procuradoria-Geral da República nada tem a opor a essa divulgação”.
Enfim, o relator concluiu o parecer, o Conselho Consultivo reuniu, analisou e votou o mesmo. E, nessa reunião deverá ter estado presente a Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, e vários vogais, de acordo com o que as regras determinam.
Já houve casos em que o Primeiro-Ministro optou por não divulgar imediatamente os pareceres pedidos. Em novembro de 2018, o Governo pediu à mesma entidade um parecer relativamente à greve dos enfermeiros e, três meses depois de o ter recebido, pediu uma adenda ao mesmo parecer e só nessa altura se ficou a conhecer o teor do primeiro parecer.
Desta feita o parecer foi pedido porque o chefe do Executivo tinha dúvidas sobre se os titulares de cargos de Governo devem ser alvos de demissão por negócios de familiares com entidades públicas, que não tenham qualquer relação ou interferência dos titulares de cargos políticos.
Em concreto, houve uma dúvida em resultado de vários casos no Executivo. A Zerca Lda, empresa participada em 20% pelo filho do Secretário de Estado da Proteção Civil, que agora apresentou o pedido de demissão, fez contratos públicos com o Estado. Também Pedro Nuno Santos, Ministro das Infraestruturas e Habitação, Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça, e Graça Fonseca, Ministra da Cultura, têm familiares envolvidos em contratos com o Estado.
O Primeiro-Ministro já tinha dado a indicação de que poderia não homologar o parecer. “Claro que não, vou fazer o que se faz com qualquer parecer. Vou analisar o parecer e, se concordar, homologo, se não concordar, não homologo”, disse Costa em entrevista ao Expresso, aduzindo que tem a ver com “razões de avaliação política”. E acrescentou que, “em função do parecer”, veria como agir, invocando o que é uma regra básica e que vem estipulado no artigo 9.º do Código Civil.
No caso de Artur Neves a questão já não se coloca porque o responsável se demitiu, mas poderá colocar-se em relação aos restantes membros do Executivo, apesar de as eleições estarem agendadas para 6 de outubro.
Questionado o gabinete do Primeiro-Ministro sobre o sentido do parecer e se o iria divulgar, foi dito que “está agora a ser analisado”. Mas, como o Primeiro-Ministro está numa ação de campanha em Leiria, dificilmente haverá novidades para breve.
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Pelos vistos, em território pequeno e com pouca gente, torna-se difícil encontrar políticos que não tenham nada por onde se lhes pegue. É a falta de valores que alastra, é a ética que se torna uma batata oca. E, digamos, é a lei demasiado caprichosa, por vezes. Penso que a lei deveria prever forte penalização para a real influência nos negócios com o Estado por parte dos titulares de cargos públicos e políticos, mas não necessariamente pelo facto de haver familiares envolvidos. E dou como exemplo de ineficácia da lei, o caso do presidente de câmara que não participa nas sessões do executivo e, depois, nas da assembleia municipal em que se discutam e aprovem deliberações sobre matéria atinente a familiares, mas consegue influenciar a decisão através de membros da respetiva equipa política, sem provas, é claro!
A história da governança regista muitos casos. Porque é que só agora e agudizou o problema? E que empecilho faz a detenção dum lote de ações na governança da UE?     
2019.09.19 – Louro de Carvalho

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