Até parece que os partidos com assento
parlamentar, dum modo geral, se querem redimir da degradação em que ostensivamente
lançaram os funcionários do Estado, constituindo grande bolo deste grupo de
trabalhadores uma porção significativa da classe média que a narrativa
neoliberal, escudada na crise financeira, quis arrasar no pressuposto de que a
economia só avançaria com baixos salários e aumento do número de pobres para os
poucos muito ricos terem oportunidade de socorrer através de fundações e outras
agremiações ditas humanitárias.
Depois de alguns partidos se andarem a divertir
com a inclusão de uma medida por semana no seu programa eleitoral ou com a
promessa de tudo e mais alguma coisa, já é conhecida a lista das promessas dos partidos para os trabalhadores
da Função Pública, desde as carreiras ao recrutamento. E o denominador comum
parece o “mais”: mais salários e mais trabalhadores.
Da direita à esquerda, os partidos que estão na corrida à Assembleia da
República (à exceção do CDS-PP) concordam
em, pelo menos, um ponto: é preciso o engrossamento dos
salários dos trabalhadores das Administrações Públicas. Depois, vêm
outras prioridades: o recrutamento, a revisão das carreiras e até
o trabalho flexível. É o que se repete nos diversos programas
eleitorais, ainda que, em cada um deles, estes itens assumam contornos
diferentes.
Como se entredisse, o CDS/PP é a exceção no atinente à defesa de salários mais elevados. No seu programa
eleitoral, de mais de 250 páginas, não surge nenhuma referência ao salário mínimo
nacional e, quanto aos aumentos remuneratórios dos trabalhadores do
Estado, o partido declara que o seu foco está na redução dos impostos,
sendo somente por isso que se compromete a manter a semana de trabalho de 35 horas
na Função Pública. No entanto, defende o reforço dos prémios atribuídos por
mérito. Um voto à meritocracia.
Por seu turno, o PSD dedicou três páginas do seu programa eleitoral ao
emprego e às carreiras públicas “para um serviço público de excelência”,
defendendo a eliminação das redundâncias nas estruturas do Estado, o reconhecimento do mérito dos trabalhadores, a aposta na
formação, o recurso ao trabalho flexível e o reforço das remunerações.
Mais um voto à meritocracia.
A este respeito, o PS também defende a atualização anual dos salários, mas
avisa que só serão possíveis aumentos remuneratórios expressivos a partir de
2021. Por outro lado, refere que é preciso recrutar mais funcionários, adverte
que o modelo de progressão das carreiras especiais precisa de ser revisto e,
apesar de Mário Centeno e José António Vieira da Silva terem desincentivado a
pré-reforma, promete agora a abertura dessa possibilidade
com vista ao rejuvenescimento de certos setores das Administrações Públicas.
À esquerda, os salários posicionam-se na dianteira, quer no concernente ao alinhamento da remuneração
mínima garantida nacional com a base remuneratória da Função Pública, quer no
atinente aos aumentos dos salários acima da inflação.
O PCP remata com a defesa da recuperação do tempo de
serviço nas várias carreiras da Administrações Públicas, “respeitando os compromissos assumidos nos
Orçamentos do Estado para 2018 e 2019”.
Esta promessa também é deixada pelo PSD, isto é, o partido de Rui Rio quer recuperar esse
tempo “perdido”, propondo um faseamento num período não inferior a seis anos e
estabelecendo o princípio da igualdade de tratamento das várias carreiras
especiais.
***
Especificando as posições
dos diversos partidos com assento parlamentar, temos:
O PAN propõe-se aumentar gradualmente o salário mínimo nacional em 50 euros por ano até se
atingirem os 800 euros no termo da legislatura, subida que deverá puxar pela
base remuneratória da Função Pública
O CDS/PP quer: fundir alguns organismos de Estado para conseguir “ganhos de produtividade,
eficiência e qualidade”; repensar o sistema de avaliação dos
funcionários públicos, reforçando a distinção do mérito, suprimindo “as
burocracias” e criando “um instrumento eficaz de diagnóstico dos serviços”;
avançar com a atribuição ordinária de prémios
de desempenho e, por outro lado, eliminar os prémios
atualmente atribuídos em percentagem da cobrança coerciva conseguida e das
coimas cobradas, pois, segundo o seu programa eleitoral, “não é
justificável que haja prémios em função das multas e cobranças coercivas, o que
leva a comportamentos censuráveis e desproporcionados”; e manter as 35 horas, porque uma reversão para as 40 horas
teria de ser acompanhada de um aumento proporcional do vencimento e a preferência
é reduzir impostos a reforçar salários dos trabalhadores do Estado.
O PCP e o PEV pretendem: recuperar a totalidade do tempo
de serviço “perdido” pelos trabalhadores das carreiras especiais, pois o
Executivo de António Costa reconheceu apenas 70% do tempo necessário para
a progressão num módulo padrão de cada carreira (v.g., no caso dos professores, cujo
módulo padrão são quatro anos, foram reconhecidos 2 anos, 9 meses e 18 dias); aumentar o salário mínimo nacional
para 850 euros, puxando assim também a base remuneratória da Função
Pública; adotar um Plano Nacional de
Combate à Precariedade, Trabalho Clandestino e Trabalho Ilegal, face
à incapacidade do PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos
Precários da Administração Pública) de
garantir a integração de todos os trabalhadores com vínculos precários que
respondem efetivamente a necessidades permanentes nos serviços públicos; e
urgir o cumprimento do direito de negociação coletiva na
Administração Pública.
O BE promete: rever a TRU (Tabela Remuneratória Única) para
recuperar proporcionalidade e justiça entre carreiras; aumentar as remunerações acima
da inflação, pois, como explica o partido, “se a inflação for de 1,5% e
a taxa de crescimento nominal do PIB (Produto Interno Produto) for de 3,5%, será possível planear crescimentos
reais destes salários de 1% por ano”; e alinhar o salário mínimo
nacional com a remuneração mínima da Administração Pública, subindo
esses salários em janeiro de 2020 para 650 euros e continuando “ao longo da
legislatura a um ritmo mais acelerado que os 5% médios da legislatura” que está
prestes a terminar.
***
Os dois maiores partidos PS e PSD têm um rol de
promessas entre o cauteloso e o extenso. Vejamos o que diz o PS, atualmente no
Governo:
Pretende repor a atualização anual dos salários, ainda que só preveja aumentos remuneratórios expressivos a partir de 2021,
pois a despesa com a massa salarial da Administração Pública deverá aumentar
anualmente cerca de 3%, mas essa subida, nos primeiros anos, decorrerá, em
grande medida, do impacto do descongelamento das carreiras e da reposição do
tempo nas carreiras especiais até 2021.
Quer recuperar distinções de mérito associadas aos
melhores níveis de desempenho e
investir em novos incentivos à eficiência e à inovação dos trabalhadores. Mais
um voto à meritocracia.
Vai revisitar o modelo de progressão dos trabalhadores
integrados em carreiras especiais, no âmbito
das quais é o tempo de serviço o fator determinante para progredir (e não a
avaliação), pois as progressões custam todos
os anos 200 milhões de euros aos cofres do Estado e, desse valor, quase dois
terços dizem respeito a carreiras especiais, o que representa “um
desequilíbrio” – pelo que, segundo o seu programa eleitoral, “o aumento desta
despesa não pode continuar a limitar a política salarial na próxima década e
impedir uma política de incentivos na Administração Pública que premeie a
excelência e o cumprimento dos objetivos definidos”.
Propõe-se concluir a revisão das carreiras não revistas.
Pensa rever o modelo de recrutamento de dirigentes,
superiores e intermédios, garantindo
a “transparência, o mérito e a igualdade de oportunidades”.
Promete incentivar a pré-reforma em alguns setores da
Administração Pública, nos quais
seja necessário apostar no rejuvenescimento, mesmo depois de Mário Centeno ter
deixado claro que o país “não se pode dar a luxo” de ter as pessoas a sair do
mercado do trabalho e de Vieira da Silva ter frisado que a Função Pública
precisa das competências dos trabalhadores mais velhos.
Diz que vai apostar na entrada de mais funcionários
públicos para fazer face à degradação
dos serviços públicos, nomeadamente através da eliminação da norma segundo a
qual por cada dois funcionários que saem do ativo só é recrutado um.
Intenta promover a conciliação da vida pessoal,
familiar e profissional,
assegurando o bem-estar dos funcionários, pois, durante a legislatura que
termina em outubro, esta já foi uma das principais apostas do Governo, nomeadamente
com a dispensa de 3 horas no primeiro dia de aulas para que os
funcionários acompanhem os filhos à escola.
Vai estimular trabalho à distância, com serviços-piloto que possibilitem aos
funcionários públicos experimentar trabalho remoto a tempo parcial.
Quer aumentar o número de funcionários públicos em 40
mil, no curso da próxima legislatura,
de 670 mil para 710 mil (se calhar, terá de prescindir deste Ministro das
Finanças).
E promete definir leques salariais, não só no setor público, mas também no privado, para
combater as desigualdades entre quem ganha menos e quem recebe mais.
E o PSD promete aumentar os salários dos funcionários públicos em linha com a evolução da inflação e o acréscimo
de produtividade do país e alinhar o salário mínimo nacional com a base remuneratória da Administração Pública e subir
essas remunerações sempre acima da inflação para que, em 2023, ultrapassem
os 700 euros.
Vai recuperar os “instrumentos de reconhecimento do
mérito”, nomeadamente com a atribuição de
prémios de desempenho por eficiência dos serviços ou redução de custos.
Quer fazer um “levantamento exaustivo” das competências de cada organismo
do Estado, de modo a eliminar duplicações e “ineficiências
funcionais”.
Intenta promover a formação de forma a permitir “uma maior mobilidade entre
carreiras e grupos profissionais”.
Apostará em modelos de trabalho mais flexíveis,
nomeadamente com recurso a bancos de horas.
Manterá o número global de funcionários públicos, apostará no rácio de uma entrada por uma saída, “promovendo
a estabilidade do número de trabalhadores da Administração Pública nos próximos
quatro anos”, e recorrerá a medidas que permitam racionalizar e reduzir os
custos da tecnologias de informação e comunicação na Administração Pública.
***
A
isto António Costa, interpretando as propostas de governo apresentados pelo PSD
e CDS para as próximas legislativas, diz que são “programas de quem não
pretende governar” e de quem aposta em “simplesmente ganhar votos”.
Em
entrevista à Antena 1,
o Primeiro-Ministro apontou incongruências matemáticas em ambos os projetos dos
partidos de direita, já que prometem algo “indemonstrável matematicamente”,
sendo que aquilo que PSD
e CDS dizem é que, ao mesmo tempo, há condições para baixar mais os impostos,
aumentar a despesa e ter um défice melhor – o que é matematicamente indemonstrável,
pois não
é possível ter menos receita, mais despesa e o saldo final ser ainda melhor. Em comparação, apontou, o PS
compromete-se com reduções fiscais concretas e “não com um leilão de quem dá
mais reduções”.
Segundo
Costa, os socialistas propõem-se “aumentar o número de escalões de IRS para a
classe média, baixar impostos em função do número de filhos e baixar os
impostos sobre as empresas que reinvestirem lucros em modernização ou que
investirem no interior”.
Quanto
às opções que o PS seguirá no day after às
legislativas em caso de vitória, Costa voltou a recusar ter PCP ou BE num eventual Governo,
voltando a citar o seu mantra desta campanha – “é melhor não
estragar uma boa amizade com um mau casamento” (Mantenha-se a amizade, portanto) –, por considerar não estarem
reunidas “condições políticas” para que um Governo de coligação seja mais
estável “que aquilo que tivemos nesta legislatura”. E disse:
“Não
vejo condições políticas objetivas, tendo em conta os programas, para que um
Governo de coligação seja mais estável que aquilo que tivemos nesta
legislatura. Muito dos temas que nos afastam do PCP e do BE eram comportáveis no
grau de compromisso que temos, mas não numa relação mais íntima que aquela que
temos tido.”.
Para Costa,
o país já nada tem a ganhar com a alternância de poder entre socialistas e
sociais-democratas, um
‘arco de governação’ a condenar PCP, BE ou Verdes a um estatuto de oposição
obrigatório, como não tem nada a lucrar com um bloco central. E disse:
“Um bloco central é negativo para o país,
empobrece a democracia e as alternativas. É fundamental que os
portugueses possam ter a cada momento uma solução de governo alternativa. Em
Portugal há dois partidos, PS e PSD, que podem polarizar soluções de Governo e
caso confluam no mesmo ficaríamos em solução de grande empastelamento que
empobrece alternativas e fomenta extremismos.”.
Por
fim, António Costa abordou o futuro de Elisa Ferreira, salientando que a ainda
vice-governadora do Banco de Portugal “vai
ficar com uma pasta importante para Portugal”, salientando que até “o Presidente da República a considera óptima”.
E, apesar de reconhecer que já sabe qual a tutela que foi atribuída à futura
comissária europeia portuguesa, não a divulgará publicamente até ao anúncio
oficial, mas disse-se “satisfeito
com a escolha”.
***
Enfim,
se os partidos à esquerda não surpreendem com as opções reveladas, de CDS e PSD
ficou a saber-se o que não querem. Por outro lado, o CDS parece acreditar que a
baixa de impostos traz automaticamente melhores salários e, calculista, não
passa a carga horária semanal de trabalho da função pública para as 40 horas só
para não ter que pagar mais (melhor que Passos Portas, que impuseram as 40 horas e pagando
menos);
e PSD parede quer tudo: baixar impostos; aumentar salários e número de
funcionários; e promover a recuperação de todo o tempo de serviço congelado (recorde-se que Rui Rio nem sabia o que os
partidos estavam a aprovar para os professores naquele célebre dia de maio).
O
PS tem, é certo, um programa politicamente equilibrado, mas a sua leitura deixa
a impressão de que já ganhou as eleições e com maioria confortável para fazer
tudo o que entender. Sente-se de pedra e cal no terreno. E deixa dúvidas sobre o quer fazer com as
progressões e as carreiras, mas mantém a linha dura das suas narrativas. Veremos se não lhe sai o tiro pela culatra e
se o resultado não saberá a poucochinho e se não precisará de quem diz pouco
bem de momento.
2019.09.06 – Louro de Carvalho
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