Foi a grande
advertência do Papa Francisco no encontro que teve hoje, dia 14 de setembro, na
Praça de São Pedro, com cerca de 11 mil membros da Polícia Penitenciária,
pessoal ligado à Administração Penitenciária e ao Tribunais de menores e de
comunidades e pessoal que trabalha nas prisões. Na sua alocução, o Santo Padre
sustentou que ninguém deve ser privado do direito de recomeçar, pois “a prisão perpétua não é a solução para os
problemas, mas um problema a ser resolvido”.
Em torno de três palavras – “obrigado”, “em frente” e “coragem” –
o discurso papal exprimiu a gratidão da Igreja a quem profissionalmente cumpre
uma das grandes obras de misericórdia, cuidar dos reclusos; encorajou o serviço
pastoral de ministros ordenados, religiosos e leigos; e estimulou a esperança
daqueles e daquelas que se veem sem a liberdade pessoal que sentem ser-lhes tão
cara, mas perdida.
***
Francisco
começou por dizer obrigado para agradecer
o trabalho da Polícia Penitenciária e do pessoal administrativo: “um trabalho escondido, muitas vezes difícil
e mal pago, mas essencial”. E, sublinhando o significado deste trabalho não
apenas “como uma vigilância necessária, mas como um apoio àqueles que são
fracos”, observou:
“Sei que não é fácil, mas
quando, além de serdes guardiões da segurança, sois uma presença próxima
daqueles que caíram nas redes do mal, vós tornais-vos construtores do futuro,
lançais as bases para uma convivência mais respeitosa e, portanto, para uma
sociedade mais segura. Obrigado porque, ao fazerdes isso, vos tornais, dia após
dia, artesãos de justiça e esperança”.
Citando a passagem
da Epístola aos Hebreus “Lembrai-vos dos
presos, como se estivésseis juntamente com eles na prisão” (Heb 13,3), o Papa recordou que estes agentes se encontram na
mesma situação, “ao atravessarem os limiares de tantos locais de dor todos os
dias, enquanto passam muito tempo entre os diversos setores, enquanto se
comprometem a garantir a segurança sem nunca perder o respeito pelos seres
humanos”. E, face à necessidade de reconhecer a dignidade diante da humanidade
ferida, exortou:
“Por favor, não esqueçais o bem
que podeis fazer todos os dias. O vosso comportamento, as vossas atitudes, os
vossos olhares são preciosos. Sede pessoas que, diante de uma humanidade ferida
e muitas vezes devastada, reconhecem nela, em nome do Estado e da sociedade, a
dignidade irreprimível.”.
O Papa
reconhece que os agentes não são apenas vigias; mas são sobretudo protetores
das pessoas que lhes são confiadas, porque, ao tomarem consciência do mal
praticado, acolhem as perspetivas de renascimento para o bem de todos. Enfim,
são vocacionados a “ser ponte entre a
prisão e a sociedade”, pelo que o Pontífice explicitou contra os medos e a
indiferença:
“Vós sois assim chamados a ser uma ponte entre a prisão e a sociedade
civil: com o vosso serviço, exercitando uma reta compaixão, vós podeis
contornar os medos recíprocos e o drama da indiferença”.
Depois, exortou-os
a não perderem a motivação, mesmo diante das tensões que possam surgir nos
centros de detenção e prisões, recordando a importância do apoio das famílias,
o incentivo recíproco e a partilha entre os colegas, o que permite enfrentar as
dificuldades e ajudar a enfrentar as deficiências, como o “problema da
superlotação nas instituições penitenciárias, que faz aumentar em todos a sensação
de fraqueza e mesmo de exaustão”. E Francisco enfatizou:
“Quando as forças diminuem, a desconfiança
aumenta”. Por isso, apontou que “é essencial garantir condições de vida
decentes”, para que as prisões não se tornem “depósitos de raiva em vez de locais
de recuperação”. De facto, a prisão não pode esgotar-se na punição, pois, não é
um mecanismo de vingança, mas um instrumento de regeneração e de recuperação da
liberdade. É a dignidade humana que está em jogo, apesar dos erros e crimes. Os
reclusos não perdem a face humana, apesar de temporariamente privados da
liberdade pessoal.
***
A todos
quantos trabalham na pastoral penitenciária – capelães, religiosas, religiosos
e voluntários que trabalham nas prisões –, a palavra do Santo Padre foi: “Em frente”. E vincou, de modo anafórico,
as diversas circunstâncias em que essa determinação de seguir em frente se
torna necessária, oportuna e eficaz, compartilhada e solidária:
“Em frente, quando entrais nas
situações mais difíceis com a única força de um sorriso e de um coração que
escuta, em frente quando carregais os fardos dos outros e os levais na oração.
Em frente quando, em contacto com a pobreza que encontrais, vedes a vossa
própria pobreza. É um bem, porque é essencial antes de tudo reconhecer-se
necessitado de perdão. Então as próprias misérias tornam-se recetáculos da
misericórdia de Deus; então, perdoados, tornam-se testemunhas credíveis do
perdão de Deus, caso contrário corre-se o risco de levar a si mesmo e as
próprias presumidas autossuficiências. Em frente, porque com a vossa missão vós
ofereceis consolo. E é tão importante não deixar sós aqueles que se sentem
sozinhos.”.
E aos
religiosos, pacientes semeadores da Palavra e verdadeiros pastores das ovelhas
fracas, veio um “Em frente”
específico:
“Em frente então com Jesus e no sinal de Jesus, que vos chama a serdes pacientes
semeadores da sua Palavra, buscadores incansáveis daquilo que está perdido,
anunciadores da certeza de que cada um é precioso para Deus, pastores que
carregam as ovelhas mais fracas nos próprios ombros. Em frente com
generosidade e alegria: “com o vosso ministério,
consolais o coração de Deus”.
Como se pode
ver, Francisco fez a ponte entre o consolo dado aos reclusos e o consolo que se
dá a Deus, que a todos sorri, apesar da miséria humana tantas vezes manifesta
na pobreza, no erro e no sofrimento.
***
E a terceira
e última palavra – “coragem” – foi
dirigida aos reclusos. Diz o Papa que a palavra “coragem” vem de “coração” (no latim, “cor, cordis”, que deu “coraticum”). E é palavra que o próprio Jesus diz a quem está preso, porque estes
estão “no coração de Deus”, “são preciosos aos seus olhos” e mesmo que se
sintam perdidos e indignos, não podem desanimar, pois “são importantes para
Deus”, que quer realizar maravilhas neles. E Francisco exortou:
“Nunca vos deixeis aprisionar na cela escura
de um coração sem esperança, não cedais à resignação. Deus é maior do que
qualquer problema e espera por vós para vos amar. Colocai-vos diante do
Crucifixo, sob o olhar de Jesus: diante d’Ele, com simplicidade, com
sinceridade.”.
Considerou em jeito de justificação:
“Dali, da coragem humilde daqueles que não
mentem para si mesmos, renasce a paz, floresce novamente a confiança de ser
amados e a força para seguir em frente. Eu imagino-me a olhar para vós e ver a
deceção e a frustração em vossos olhos, enquanto no coração bate ainda a
esperança, muitas vezes ligada à recordação dos vossos entes queridos.”.
E reforçou o apelo à coragem:
“Coragem, nunca sufoqueis a pequena chama da
esperança”.
Convicto de
que nunca é lícito privar alguém do direito de recomeçar, o Santo Padre falou
do dever que incumbe a todos de “reavivar esta pequena chama”. E desenvolveu:
“Cabe a toda a sociedade alimentá-lo, fazer de forma que a penalidade
não comprometa o direito à esperança, que sejam garantidas perspetivas de
reconciliação e de reintegração. Enquanto os erros do passado são remediados,
não se pode cancelar a esperança no futuro.”.
Pronunciou-se
claramente contra a prisão perpétua:
“A prisão perpétua não é a solução para os problemas, mas um problema a
ser resolvido. Porque se a esperança é fechada numa cela, não há futuro para a
sociedade. Nunca privar do direito de recomeçar!”.
E concluiu:
“Vós, queridos irmãos e irmãs sois testemunhas desse direito com o vosso
trabalho e o vosso serviço: o direito à esperança, o direito de recomeçar.
Renovo-vos o meu ‘obrigado’. Em frente, coragem, com as bênçãos de Deus,
guardando os que vos foram confiados. Rezo por vós e também peço que rezeis por
mim.”.
***
A pari, entre nós,
A coordenação nacional da Pastoral Penitenciária esteve hoje
na sua peregrinação ao Santuário de Fátima, entre as 11 horas e as 16,30, com o
tema ‘Peregrinos Missionários: Todos,
Tudo, Sempre!’, sob a presidência de Dom Joaquim Mendes, bispo auxiliar do
Patriarcado de Lisboa e membro da Comissão Episcopal da Pastoral Social e
Mobilidade Humana.
O tema da peregrinação surge no contexto do Ano Missionário
promovido pela Conferência Episcopal Portuguesa e do Mês Missionário
Extraordinário proposto a toda a Igreja pelo Papa para o próximo mês de
outubro. E o coordenador deste setor pastoral disse, em declarações à agência Ecclesia, que “é sempre importante que as pessoas se encontrem e convivam
descontraidamente”. Segundo o padre João Gonçalves, quando se fala em
Pastoral Penitenciária, é em “três dimensões”: “a prisão, a prevenção e a reinserção social”.
Em relação à prevenção, referiu que “há um trabalho imenso a
fazer, que ultrapassa em muito aqueles que estão nas prisões – paróquias,
associações religiosas, congregações religiosas, e com as comunidades, que
devem procurar ocupar crianças e jovens para que não entrem em caminhos da criminalidade
ou próximos disso”.
No âmbito da reinserção social, exemplificou com as pessoas
que saem das prisões, que procuram “acompanhá-los” e um dos trabalhos que têm
neste momento, “é realojar naquelas saídas imediatas em que muitos não têm para
onde ir” e querem dar uma resposta imediata”, num protocolo entre a Direção
Geral dos Serviços Prisionais e a Cáritas Portuguesa.
***
A 4.ª peregrinação nacional da Pastoral Penitenciária a Fátima
começou com o acolhimento, às 11 horas, no Parque 5 do Santuário, de onde se
partiu em peregrinação simbólica até à Capelinha das Aparições, para rezar
a oração do Terço (12
horas) e participar na
Eucaristia (12,30 horas). Almoçaram, depois, no parque, em
regime de piquenique, partilha, convívio. Houve quem tocasse guitarra e
cantaram-se canções.
Do programa destaca-se, às 15,30 horas, no auditório do Hotel
Santo Amaro, uma “pequenina sessão muito simbólica só para sublinhar” os 10 anos
do Decreto-Lei n.º 252/2009, de 23 de setembro, sobre a ‘Assistência Espiritual e Religiosa nos Estabelecimentos Prisionais’,
que “regulamenta” esta “presença nas prisões”.
Nesta iniciativa da Pastoral Penitenciária de Portugal, participaram
reclusos (eram “elegíveis”
os que se encontrem em condições de beneficiarem de licença de saída
jurisdicional ou de licença de saída de curta duração) e seus familiares, ex-reclusos e
seus familiares, assistentes espirituais e religiosos prisionais e colaboradores,
voluntários, dirigentes das prisões, guardas prisionais, técnicos que trabalham
nas prisões, familiares de todos estes agentes e todos os simpatizantes deste
setor da Igreja Católica. Segundo a carta-convite, de 28 de junho, os
destinatários eram:
“Reclusos e seus familiares, ex-reclusos e
seus familiares, assistentes espirituais e religiosos prisionais e seus
colaboradores, voluntários, candidatos a voluntários, dirigentes das prisões,
guardas prisionais, técnicos que trabalham nas prisões, familiares de todos
estes agentes e todos os simpatizantes da Pastoral Penitenciária que desejem
estar presentes”.
Em relação à
participação de reclusos, eram “elegíveis”:
“Os
que se encontrem em condições de beneficiarem de licença de saída jurisdicional
ou de licença de saída de curta duração, ou seja, em situação de ‘precária’
(dependente do seu processo e da respetiva autorização judicial). Para tal,
recomenda-se uma articulação próxima entre os respetivos reclusos e o
assistente espiritual e religioso de cada Estabelecimento Prisional.”.
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Enfim,
enquanto há vida, há esperança e ninguém a pode aniquilar! E o Estado tem de o
saber.
2019.09.14 –
Louro de Carvalho
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